Isoroku Yamamoto

Filho de samurais, o militar que arquitetou o ataque a Pearl Harbor gostava dos Estados Unidos e estudou em Harvard

Roberto Navarro
Artigo publicado na revista Super Interessante
ano 15, nr. 07, Julho de 2001.

A história do almirante Isoroku Yamamoto está cheia de ironias. Para começar, esse homem, que planejou e lançou o ataque contra Pearl Harbor, era justamente o maior opositor a uma guerra do Japão contra os Estados Unidos. Não que fosse pacifista. Isoroku nasceu em 1884 numa família de guerreiros, os Takano, e seu pai, um samurai aposentado de 56 anos – daí o nome Isoroku, escrito em japonês com os ideogramas do número 56 -, ganhava a vida forjando espadas. Acontece que seus primeiros professores foram missionários americanos, que lhe ensinaram inglês e lhe apresentaram o cristianismo e a cultura ocidental. Começou aí sua admiração pelos futuros inimigos.

Aos 17 anos, Isoroku foi admitido na Academia Naval Imperial, onde se destacou não só pelo brilho acadêmico, mas também por seu interesse pelo Ocidente numa época em que era intenso o sentimento antiocidental entre os militares japoneses. Em 1905, um ano depois de formado, Isoroku participou da batalha do Estreito de Tsushima, vencida pelo Japão e decisiva na guerra russo-japonesa, o primeiro conflito em que um país asiático derrotou uma potência ocidental, o Império Russo. Na batalha, Isoroku perdeu dois dedos da mão esquerda e ganhou fama de herói. Mesmo assim, continuou a enfrentar discriminação, no meio militar, por sua simpatia pelo Ocidente. Na época, crescia no Japão um ressentimento contra os Estados Unidos, por causa da atuação americana na Conferência de Portsmouth, que encerrou a guerra com os russos mas negou ao Japão o direito a indenizações.

Em 1916, o almirante Gonnohyoe Yamamoto, sem filhos e último descendente de uma tradicional família de samurais e líderes militares, adotou Isoroku para garantir a continuidade de sua linhagem. Amparado agora pelo sobrenome Yamamoto, Isoroku foi escolhido para uma temporada de dois anos de estudo na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com a missão de aperfeiçoar seu inglês e descobrir o que pudesse sobre o poderio militar americano. Lá, o militar consolidou sua convicção de que desafiar os ianques era impraticável diante dos recursos da potência ocidental e da fragilidade da economia japonesa.

Depois da promoção a almirante, Yamamoto foi nomeado diretor do Departamento de Aeronáutica da Marinha. Suas idéias moldadas nos Estados Unidos determinaram a revolução na tecnologia militar que ocorreu no período. Entre várias outras inovações, sua gestão levou à criação do avião bombardeiro Mitsubishi G4M (conhecido como “Betty” pelos Aliados). Mostrando estar pelo menos uma década à frente dos estrategistas ocidentais, o almirante desenvolveu a idéia da “frota aérea”, uma força de aviação independente capaz de atacar alvos navais a partir de bases em terra, mas que podia ser rapidamente convertida para operar em porta-aviões.

Em julho de 1941, diante do crescente domínio dos militaristas sobre a política japonesa e dos embargos econômicos impostos pelos Estados Unidos, Yamamoto entregou os pontos: não havia mais nada a ser feito para evitar a guerra. Então, começou a planejar um ataque-surpresa que fosse devastador o bastante para arrasar de um só golpe as forças americanas no Oceano Pacifico e forçar os Estados Unidos a assinar um armistício. O resultado é o bombardeio de 7 de dezembro de 1941 à base de Pearl Harbor, no Havaí. Os aviões desenvolvidos por Yamamoto brilharam no ataque, mas a vitória arrasadora que ele buscava não aconteceu graças a um erro fatal – os porta-aviões americanos escaparam da destruição por estarem em treinamento. Resultado: os Estados Unidos entraram na guerra decididos a vingar o “dia que viverá para sempre na infâmia”.

Vingança que, no caso de Yamamoto, se concretizou na manhã de 18 de abril de 1943. Os americanos prepararam uma emboscada aérea sobre as llhas Salomão e derrubaram o avião em que o almirante viajava, matando-o. Ironia final: nessa última viagem, Yamamoto era passageiro de um bombardeiro Mitsubishi G4M “Betty”, sua criação.

Mergulho para a morte

Quem eram os kamikazes e por que, para eles, o suicídio era uma saída mais aceitável que a derrota

Fernanda Campanelli Massarotto
Artigo publicado na revista Super Interessante
ano 15, nr. 07, Julho de 2001.

“Eis-me finalmente incorporado às Unidades Especiais. Os 30 dias que restam vão ser minha verdadeira vida. Chegou a hora. O treinamento para a morte me espera: um aprendizado intenso para morrer com beleza. Parto para o combate contemplando a imagem trágica da pátria. Sou um homem entre outros. Nem bom nem mau. Nem sou superior nem sou um imbecil. Sou decididamente um homem.”

A carta acima, escrita em 22 de fevereiro de 1945, é a última mensagem do piloto japonês Okabe Hirabazau para sua família. Dias depois ele morreria, aos 24 anos, em um ataque aéreo suicida às Filipinas realizado pela Marinha do Japão. Hirabazau integra um contingente de mais de 20.000 jovens, adolescentes e até meninos que se engajaram na desesperada estratégia japonesa para não perder a disputa para os Aliados. Eram os kamikazes.

A explicação para essa entrega total pode ser encontrada no passado japonês. A Segunda Guerra mexeu com os brios do Japão. Até então, a história militar do país foi repleta de vitórias. Ninguém jamais conseguiu invadir a ilha. O Japão, ao contrário, subjugou todo o Sudeste Asiático. Primeiro derrotou a China, no final do século XIX (1895), na Guerra Sino-Japonesa. Depois, incorporou parte da Coréia, em 1910. E, por fim, dominou a Mandchúria, em 1931, consolidando o império nipônico. Mesmo durante a Segunda Guerra, até certa altura do conflito o Japão só havia conhecido vitórias: muitas ilhas do Pacífico e parte da Tailândia foram anexadas.

O domínio japonês no Pacífico só estremeceu com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, em resposta a um ataque da Marinha japonesa ao porto americano de Pearl Harbor, situado na ilha de Oahu, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941. Em pouco tempo, a Marinha e o Exército do imperador Hiroito (1926-1989, era Showa) colecionaram derrotas frente ao fogo americano. Na pequena ilha de Saipan, capital das Ilhas Marianas do Norte, parte da Federação dos Estados da Micronésia (oeste da Oceania), em uma única batalha, em julho de 1944, morreram 12.000 americanos contra mais de 130.000 japoneses. Uma proporção de dez baixas orientais para cada baixa americana.

O efeito dessa desvantagem sobre o Japão dos anos 40 faz parecer até natural o nascimento de um impulso suicida entre os jovens nipônicos. Os milhares de mortos envergonhavam o país, mas a imprensa de Tóquio exaltava e descrevia a ação dos mártires como exemplos a serem seguidos. Os rapazes, como que expiando a humilhação nacional, colocavam-se às centenas à disposição das Forças Armadas. A lealdade às tradições do país e ao imperador deu o impulso que faltava, e toda uma geração entregou-se às armas, disposta a tudo para não perder a guerra para os americanos – chamados de chikucho (algo como “besta inumana”). Por fim, o rígido código de honra militar japonês sugeria uma única saída para uma guerra que, àquela altura, estava claramente perdida: a morte. Os kamikazes (kami é “deus” e kaze é “vento”, em japonês) são a faceta mais contundente desse espírito nacional.

O criador da ação kamikaze foi o almirante da Marinha Takajiro Onishi. Em 19 de outubro de 1944, Onishi comunicou a seus pilotos que os americanos haviam desembarcado nas Filipinas. A batalha naval estava próxima e os métodos tradicionais não seriam suficientes para deter os inimigos. Havia, porém, uma esperança. Aviões de caça do tipo Zero, armados com uma única bomba de 250 quilos, se chocariam contra navios inimigos. A ousadia e o poder destruidor do ataque seriam fatais.

Faltava apenas encontrar voluntários para o mergulho mortal. Em qualquer sociedade ocidental, seria impensável pedir a um soldado que cometesse um suicídio altruísta. Não há registro de situação similar na história das guerras no Ocidente. Missões militares sempre comportavam risco de vida. Mas o que dizer de abdicar dela de antemão? No Japão da década de 40, encontrar jovens corajosos com data e hora marcadas para morrer não foi um problema. Invocou-se a ética guerreira. Quem não encarnaria de bom grado o “vento dos deuses”? Que honraria maior do que personificar o “tufão divino” contra os inimigos?

Logo de início, os ataques dos kamikazes operaram muitos estragos na armada inimiga, que não sabia como reagir a esse tipo de ação. Os números comprovam a eficácia da estratégia: 57 navios inimigos foram afundados; 108 totalmente destruídos; 83 parcialmente destruídos e 206 danificados. Os momentos de glória eram desfrutados antes e depois das missões. Toda a esquadrilha se reunia e compartilhava, com os que iam partir, uma última dose de saquê, tradicional aguardente de arroz japonesa. Nas fotografias remanescentes da época, é possível ver o sorriso sereno dos jovens a caminho da morte. Na testa, uma faixa branca com um sol vermelho.

As unidades de combate kamikaze, na verdade, retomavam o espírito dos antigos samurais, guerreiros japoneses da Idade Média. “Mas não podemos pensar que os kamikazes foram os samurais do Japão moderno”, diz o doutor em história moderna do Japão, Takane Kawashima, da Universidade de Meiji, em Tóquio, que publicou um estudo, em 1994, sobre o sentimento da população japonesa durante o conflito. “Há, simplesmente, a transposição do sacrifício pelo senhor feudal para a morte pelo imperador, em nome de uma lealdade radical. O samurai realizava o haraquiri, o corte do próprio ventre, uma morte solitária. O kamikaze, ao morrer, levava o inimigo consigo.”

Embora muito se tenha falado nas razões do espírito para justificar a ação kamikaze, os milhares de pilotos suicidas jamais foram movidos pela religião. O xintoísmo e o budismo, as duas principais religiões no Japão, condenam o suicídio. O Japão da era Meiji, que começou em 1872 com a abertura do país ao resto do mundo e encerrou-se com a derrota na Segunda Guerra, era fortemente influenciado pelos valores de Confúcio, filósofo chinês que viveu entre 551 e 479 a.C. Para o confucionismo, a família é a base da sociedade. E as relações de pai e filho são fundamentais. O Estado, por sua vez, é visto como uma grande sociedade familiar em que o imperador funciona como pai. “A moral confuciana não é favorável ao suicídio. Mas as suas idéias de obediência conduzem à devoção absoluta em relação ao soberano”, afirma Eduardo Basto, historiador especialista em religião da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

O primeiro ataque kamikaze ocorreu em 25 de outubro de 1944, durante a batalha de Samos, na costa de Leyte, nas Filipinas. As unidades especiais de ataque por choque corporal, os tokkotai, eram compostas por 25 pilotos suicidas, ou tokko. Um sucesso, a princípio, as investidas kamikazes foram, com o tempo, revelando seu preço: a extinção dos pilotos de elite. Foi preciso então formar pelotões inexperientes. Os jovens japoneses foram convocados a entrar na guerra e, prontamente, atenderam ao chamado. Muitos eram universitários. Estudantes da área jurídica e literária eram prontamente aceitos. Os cientistas eram poupados, pois se considerava que eles seriam mais úteis para o futuro do país. Morrer aos 20 anos podia não fazer parte dos planos daqueles jovens, mas o dever de obediência ao imperador era mais forte. “Até 1945, os japoneses cultivavam uma adoração extrema ao imperador, que era visto como o filho da divindade solar, uma filosofia básica do xintoísmo, a religião mais popular do Japão”, diz Eduardo Basto. “Hiroito só foi abdicar desse poder ‘divino’ em janeiro de 1946, por exigência dos americanos, depois que o Japão se rendeu, em 15 de agosto de 1945, e começou o período de ocupação americana do país, que durou até abril de 1952.”

Os japoneses ouviram em meio às lágrimas o discurso de rendição do soberano. Foi o episódio mais amargo da história do país. “Ponho um fim a esta guerra por minha própria autoridade”, anunciou Hiroito. Mas, para surpresa até dos mais céticos, em poucos meses, a paz determinaria a morte do caráter divino imperial: os ultranacionalistas se resignaram e o povo acolheu sem revoltas o pedido superior. No entanto, alguns militares da Marinha e do Exército, inconformados com a derrota, invocaram os samurais e suicidaram-se cometendo haraquiri. Entre eles estava o criador das missões kamikazes, o almirante Onishi. Estrategicamente, os Aliados conservaram o imperador no poder. Temia-se que o imperador se matasse e o mundo assistisse a um suicídio em massa. De fato, sacrificar a vida (jusshi reuisho, em japonês) pelo país era uma obrigação da família real. E uma honra, uma regra de conduta que não poderia ser evitada para os cidadãos comuns. Quem se rebelasse envergonharia toda a família. Dinastias com séculos de história podiam cair em desgraça na sociedade.

Foi precisamente a devoção à pátria e ao imperador que levou Kiyoshi Tokudome, então um garoto de 15 anos, a se alistar na Marinha japonesa em maio de 1944. Tokudome hoje tem 71 anos. Vive há 45 no Brasil. Ele dirige a Associação Cultural Kagoshima do Brasil, que leva o nome de sua província natal, no sul do Japão. Tokudome, ao entrar para a Marinha, foi enviado para um campo de aviação em Nagasaki. Segundo ele, o aprendizado não foi fácil. Com o avanço das tropas Aliadas, o curso de oito estágios com duração de três anos acabou reduzido para quatro semestres. O cronograma ficou apertado. O dia inteiro era preenchido com treinamento militar em aulas práticas e teóricas, manuseio de equipamentos, mecânica e simulações de vôo.

“A rotina começava às seis da manhã e muitas vezes se estendia até tarde da noite.” Caso os regulamentos fossem infringidos, as punições eram severas. Era muito comum os futuros pilotos serem esbofeteados pelos superiores. E jamais reclamavam. “Nossa educação baseava-se nos princípios da disciplina, lealdade, obrigação, devoção e soberania”, afirma Kawashima, da Universidade de Meiji.

A possibilidade de se tornar um prisioneiro de guerra não era concebida entre os militares japoneses. Cair diante do inimigo era considerado uma espécie de morte muito menos honrosa que o suicídio. “A maioria dos japoneses não imaginava uma guerra sem vitória. Não haviam sido educados para ser prisioneiros”, diz Kawashima. “Caso isso viesse a acontecer, por que não abraçar o fim na forma de um suicídio altruísta, abnegado, que reverenciasse os samurais?”

Kamikaze – O Vento Divino

Como um tufão protegeu o Japão da invasão dos mongóis, no século XIII

Alexandre Nuernberg
Adaptado do livro “Japão Antigo”,
da Biblioteca de História Universal Life.

Durante grande parte do século XIII o Japão mostrou-se relativamente próspero e tranquilo sob o forte domínio dos regentes Hojo, o que foi extraordinariamente benéfico para aqueles tempos. A população aumentou; as pequenas cidades cresceram; o comércio com a China foi incrementado, trazendo para o Japão riquezas e novas idéias. Igualmente, em meados do século, o código de honra dos samurai começara a evoluir de um simples conjunto de lealdades feudais para tornar-se um poderoso código de ética, que ainda exerce influência no Japão. E ainda, a maior parte dos implementos de guerra que iriam identificar os samurai durante séculos haviam tomado forma.

Embora o governo militar tivesse imposto ordem no interior do Japão, estavam começando a surgir dificuldades no além-mar, que iriam finalmente colocar a casta dos samurai diante da mais severa das provas. No começo do século XIII, os ferozes a agressivos mongóis irromperam da ásia Central numa campanha de conquistas que aterrorizou a maior parte dos países asiáticos, e por fim também boa parte da Europa Oriental. Os japoneses observavam com crescente apreensão os exércitos mongóis dominarem a China, sob a chefia de Gengis Khan e seus descendentes. Quando viram que também a Coréia caíra sob o poder dos conquistadores compreenderam que um ataque contra o Japão não poderia estar muito distante.

Em 1268, o Grão Khan dos mongóis, Kublai, neto de Gengis Khan, enviou um embaixador ao “Rei do Japão”, a quem se dirigiu como “o governante de um pequeno país”, e sugeriu um amistoso intercâmbio com a China, o que seria desejável. E observou, diplomaticamente, que a falta de tais relações poderia conduzir à guerra. O governo Hojo, de Kamakura, compreendeu que se tratava de uma velada ameaça, mas não se mostrou disposto a se render. Despachou de volta o embaixador mongol para a China, sem lhe dar qualquer resposta, e tratou da mesma maneira silenciosa e desafiadora os embaixadores que o sucederam. Esse desafio não poderia deixar de ser aceito e o regente Hojo percebeu que o primeiro ataque seria provavelmente desferido contra a ilha de Kyushu, base adequada para um assalto contra a ilha principal, Honshu. Ordenou que as defesas costeiras fossem melhor fortificadas, e advertiu aos guerreiros de Kyushu que permanecessem em estado de alerta. Entrementes, seus espiões ficaram observando a Coréia de perto, da qual mais provavelmente deveria partir uma força invasora.

Os mongóis eram cavaleiros da ásia Central, nada entendiam de navegação, mas obrigaram os coreanos a construir e equipar uma grande esquadra de cerca de 450 navios. Em novembro de 1274, a armada, transportando 15.000 soldados mongóis, fez-se ao mar no tempestuoso estreito da Coréia, e tomou as pequenas ilhas de Tsushima e Iki, nas quais as guarnições japonesas morreram até o último homem. Em seguida a esquadra prosseguiu rumo a Kyushu e aportou na baía de Hakosaki, na costa setentrional.

Os samurai do lugar acorreram mais que depressa ao combate. Sabiam que grandes exércitos, despachados pelo Bakufu, estavam em marcha para lhes dar apoio, mas não esperaram qualquer ajuda, lançando-se arrojadamente contra os temíveis mongóis, descritos pelos artistas japoneses contemporâneos como hirsutas criaturas sub-humanas. Os samurai tinham a superioridade de lutar em seu próprio terreno, mas sob todos os outros aspectos estavam em posição consideravelmente desvantajosa. Nunca haviam se defrontado com um exército inimigo, e raramente tinham empregado, em suas guerras civis, qualquer formação militar. Os guerreiros de alta hierarquia geralmente lutavam com adversários de igual nível, em formais combates singulares. Os mongóis, por outro lado, eram táticos consumados, manobrando habilmente em formações cerradas. Suas poderosas bestas atiravam dardos de maior alcance do que as flechas japonesas, e eles haviam trazido uma espécie de artilharia: catapultas que arremessavam projéteis em chamas e projéteis explosivos. Contra essa formidável máquina militar os japoneses puderam reunir apenas o valor de suas mortíferas e queridas espadas.

A batalha terminou de maneira indecisa. Ao cair da noite, os japoneses retiraram-se para trás de suas fortificações, e os marujos coreanos, que não estavam gostando do aspecto do tempo, persuadiram os mongóis a voltarem para bordo dos navios. Naquela noite desabou uma tempestade que afundou muitos dos navios e impeliu os remanescentes da esquadra de volta à Coréia.

Pouco depois dessa invasão malograda, Kublai Khan enviou outra embaixada, dessa vez ordenando ao “Rei do Japão” que se dirigisse a Pequim, a capital mongol, para lhe render vassalagem. Era um ultimato. A Corte Imperial, de Kyoto, ficou aterrorizada, mas o resoluto Bakufu, de Kamakura, rejeitou qualquer idéia de rendição e marcou sua decisão da maneira mais vigorosa que pôde conceber: cortou as cabeças dos embaixadores mongóis. Isso constitui o maior dos insultos, atirado ao rosto de um povo inimigo cujas conquistas então se estendiam do mar da China, através do continente asiático, até a Arábia, e cujos cavaleiros haviam assolado o Ocidente, chegando até à Hungria.

Os japoneses sabiam muito bem que viria outro ataque mongol, mais violento. Começaram a se preparar para ele, demonstrando uma unidade que o país jamais tivera. Para sustar as acometidas dos grupos de mongóis que desembarcassem, os senhores de terras de Kyushu receberam ordens de erguer uma muralha em torno da baía de Hakosaki, em cujas praias abrigadas era de se esperar que o inimigo novamente acometesse. Pequenos barcos de guerra, fáceis de manobrar, foram construídos para atacar os desajeitados navios-transportes dos mongóis, e foram enviadas tripulações que os manobrassem. Fez-se o recenseamento de todos os homens de Kyushu capazes de pegar em armas, para que pudessem ser convocados imediatamente a fim de repelir os invasores. Os belicosos barões de todo o Japão foram advertidos para que mantivessem suas tropas prontas para a luta, a qualquer momento. Empilharam-se armas, e a Corte de Kyoto abandonou seu luxo para poupar recursos destinados à defesa. Até mesmo os piratas que espalhavam o terror pelo mar Interior – alguns deles eram samurai cujas terras chegavam até as praias desse mar – juntaram-se entusiasticamente às forças do governo nas manobras navais.

A trégua durou cinco anos, enquanto os conquistadores mongóis estiveram ocupados em eliminar os resíduos de resistência que persistiam na China Meridional. Ao cabo desse período os espiões japoneses trouxeram a informação de que estavam sendo ultimados preparativos em larga escala. Novamente os coreanos tinham sido ordenados a construir navios, dessa vez um milhar deles. E um exército mongol de 50.000 homens marchava em direção ao litoral do estreito da Coréia. Simultaneamente, segundo se informava, uma esquadra ainda maior estava sendo reunida no sul da China, para embarcar um exército de 100.000 homens. Embora os espiões pudessem ter exagerado nos números, parece haver poucas dúvidas que aquela força invasora marítima seria a maior da história, até os tempos modernos.

No começo do verão de 1281 a esquadra mongol partiu da Coréia, dirigindo-se para Kyushu, como o fizera antes. As primeiras tropas desembarcaram no dia 23 de junho, em muitos pontos da costa setentrional, incluindo as praias muradas da baía de Hakosaki. A esquadra proveniente da China chegou a Kyushu pouco depois, e desembarcou a maior parte de seus soldados mais a oeste. Com típico desprezo pela morte, os japoneses atacaram imediatamente. Seus pequenos barcos realizaram grandes estragos, e as tripulações armadas abordaram os transportes inimigos, incendiando-os. A mais poderosa arma dos mongóis, o terror paralisante que haviam inspirado em grande parte do mundo no século XIII, não produziu o menor efeito sobre os japoneses.

Grandes exércitos afluíam ao campo de batalha, e os chefes samurai corriam cada qual mais que o outro, para ser o primeiro a chegar. Sacerdotes e monges dos mosteiros de todo o Japão ergueram suas preces pela vitória. O imperador dirigiu os serviços religiosos, dia e noite, em todos os santuários e templos shintoístas e budistas. Ele e o imperador afastado escreveram cartas do próprio punho, enviando-as aos túmulos de seus ancestrais e suplicando a ajuda do mundo dos espíritos. O Japão inteiro, que não estivesse empenhado na luta ou se preparando para isso, entregava-se à oração ou entoava cânticos mágicos para assegurar a vitória.

A luta durou mais de cinquenta dias. As descrições da mesma, que chegaram até nós, são de tal modo confusas que não se poderá dizer que lado levou a melhor. Depois de os japoneses terem resistido ao choque inicial, provavelmente obtiveram uma vantagem a longo prazo. Seus exércitos recebiam constantes reforços, e os invasores mongóis jamais penetraram em território distante da costa de Kyushu.

O fato de os mongóis terem ou não sido capazes de um triunfo definitivo constitui debate que jamais poderá ser resolvido, porque a natureza, ou os deuses, desempenharam decisivo papel na batalha. Em fins de agosto, como frequentemente acontece no Japão nessa época do ano, negras nuvens se acumularam bem alto no céu, ao sul, e um grande tufão rugiu sobre Kyushu. Durante dois dias o vento soprou com a violência de um furacão. Quando, finalmente, o céu clareou, as duas esquadras inimigas estavam destroçadas ou dispersadas, havendo se afogado a maior parte de seus tripulantes. Os invasores, desmoralizados, que erravam pelas praias, abandonados, foram rapidamente massacrados pelos japoneses.

O tufão foi o Kamikaze, o “vento divino”, cuja oportuna intervenção convenceu os japoneses, por muitos séculos, que sua terra era especialmente protegida pelos deuses. Quando outra invasão ameaçou o país, no século XX, os pilotos japoneses, que conduziam aviões carregados de explosivos e se lançaram sobre os canhões dos vasos de guerra norte-americanos, numa tentativa para salvar sua pátria, foram apropriadamente denominados Kamikaze, por causa do vento de longa fama.

Os bandeirantes e os entrantes no Belo Sertão

José Chiachiri Filho
Diretor do Arquivo Historico de Franca

A História da Franca começa, precisamente, nos finais de 1805 quando, por autorização de D. Mateus de Abreu Pereira (Bispo de São Paulo) dada em agosto, o Pe. Joaquim Martins Rodrigues, primeiro Vigário da nova Freguesia, benzeu o local onde seria erguida uma “decente Casa de Orações” e o seu respectivo cemitério. O local situava-se onde hoje se encontra a praça Nossa Senhora da Conceição (área da Fonte Luminosa). O terreno para a formação do patrimônio da Igreja foi doado pelos irmãos Antunes de Almeida, desmembrados de sua fazenda denominada Santa Bárbara.

Na realidade, o ato de D. Mateus de Abreu Pereira não resultava na criação de uma nova Freguesia. Ele, simplesmente, autorizava a transferência da sede da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Bonsucesso do Descoberto do Rio Pardo para o arraial da Franca que estava sendo formado pelos entrantes das Minas Gerais. Antonio José da Franca e Horta, então Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo, teve um papel decisivo nessa transferência. Por isso mesmo, reconhecendo os seus esforços, o novo arraial e Freguesia já nascem com o seu nome.

Portanto, Franca surge com o século XIX e com ele desenvolve-se. Antes, eram o sertão, o “Bello Sertan do Caminho dos Goyazes”, os caiapós, os bandeirantes, os pousos. Depois vieram os “intrantes das Geraes”, os arraiais, as freguesias, a Vila Franca do Imperador. Tais serão os assuntos que iremos tratar neste artigo elaborado, exclusivamente, para o Diário da Franca.

1. O Caminho dos Goiases e os Pousos do Sertão.

O sertão era do indígena caiapó. Porém, antes do término do século XVII, Pires de Campos (o Pai Pira) e outros bandeirantes haviam passado pela região no afã de conhecê-la e, mais do que isto, descobrir as suas riquezas e apresar os seus habitantes.

Os esforços de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, não foram em vão. Ainda no primeiro quartel do século XVIII, as minas de ouro da Serra dos Martírios já estavam descobertas por seu filho o Anhanguera II, e entre São Paulo e a recém fundada Vila Boa de Goiás estabeleceu-se um intenso fluxo de homens com seus animais, negociantes com suas mercadorias, mineradores com sua fome de ouro, aventureiros com seus sonhos, facínoras com seus crimes.

Para dar apoio, sustento e descanso a esses “viandantes”, formaram-se, ao correr do Caminho, os pousos, minúsculos núcleos populacionais que abriam tímidas clareiras no grande sertão. Os pousos desenvolveram-se ou estagnavam-se a medida em que aumentava ou diminuía o fluxo de gente e de coisas pela Estrada dos Goiases. Por conseguinte, o escasseamento do ouro de Vila Boa trouxe como conseqüência a decadência definitiva dos pousos. Não obstante, a decadência não resultou em seu completo desaparecimento.

Mais tarde, no século XIX, eles iriam ainda servir de pousada para o boiadeiro, para os carros de bois, para os comerciantes de então, para os abastecedores dos centros urbanos que surgiam na época tais como São Paulo e Rio de Janeiro.

Num dos primeiros e mais completos documentos sobre os pousos do “Sertão do Rio Pardo thé o Rio Grande”, existente no Arquivo Público do Estado de São Paulo, dá-nos uma excelente visão sobre a época e a região estudadas. Trata-se da lista dos moradores estabelecidos ao longo do “Caminho” que ia para Vila Boa, distribuídos em seus respectivos pousos.

Assim‚ que no pouso do Rio Pardo moravam Domingos da Silva, de 69 anos, casado e mais 6 pessoas incluindo-se nestas os seus filhos, escravos e agregados. No Cubatão, Joana Pires, viúva de 30 anos e mais 17 pessoas. Em Lages, José Barbosa de Magalhães, 39 anos, casado com Maria Pires, vivia com seus 24 filhos, escravos e agregados. Em Araraquara morava Salvador Pedroso, casado, de 70 anos com mais 5 pessoas. No pouso dos Batatais só viviam 4 indivíduos: Luís de Sá, 33a. com sua mulher Teresa Maria de 27a. e mais 2 agregados. Na Paciência, Pedro Gil, 67a. com sua mulher e mais 3 agregados. No Pouso Alegre achava-se Raimundo de Morais, 60a., viúvo e mais o seu filho, 1 agregada e 2 escravos. Manuel de Almeida (53a.) ocupava o pouso do Sapucaí com sua mulher Ana Antunes, 41a., os seus filhos José (12a.), Vicente (10a.), Antônio (7a.) e mais 7 agregados. No famoso pouso dos Bagres só aparecem 3 habitantes: Fernando Antônio, 43a., com sua mulher Maria, 37a., e sua filha Ana. Bernardo Machado (50a.) e sua mulher moravam na Posse com mais 14 agregados No pouso da Ressaca encontravam-se 5 moradores. No Monjolinho, além de Salvador Barbosa (40a.), sua mulher Isabel e seu filho José, moravam 6 agregados. Dos mais numerosos era o pouso do Calção de Couro, chefiado por José da Silva, 54 a., e sua mulher Maria de Paiva e que se completava com mais 21 habitantes. Antonio Pires, 40a., e sua mulher Catarina eram moradores do Rio das Pedras com mais 10 pessoas. Miguel e Maria Buena encabeçavam o pouso da Rocinha que contava ainda com mais 15 habitantes. Finalmente, nas barrancas do grande rio, localizava-se o pouso do Rio Grande chefiado por José de Almeida, casado, 43a., possuidor de um escravo e que ali vivia em companhia de João Pereira Carvalho, o “mestre da barca” usada na travessia dos viajantes. Quando a Freguesia de Franca repartiu-se cima de Batatais (1814) nestas se incluíam os pousos que ficavam entre o rio Pardo e o Sapucaí.

Decorridos vinte anos, algumas alterações se verificaram nos pousos e na população do sertão. Uma delas foi a tendência de crescimento demográfico. Se, em 1779 a população do “Caminho dos Goyazes” não ia além de uma centena e meia de habitantes, em 1799 ela chegava a casa dos 660 habitantes. Apesar da unificação das listas populacionais a partir de 1793 (os moradores do sertão do rio Pardo passaram a ser computados em conjunto com os da região de Caconde) era evidente o aumento da população do Belo Sertão ao passo que diminuía a quantidade de moradores situados a margem dos ribeirões do Bom Sucesso, São Mateus e cabeceiras do rio Pardo. Tal crescimento vai acentuar-se com a entrada do século XIX e a chegada dos entrantes das Gerais.

Todavia, passadas duas décadas, ainda estavam no Sertão do Rio Pardo até o Rio Grande, os Pires, os Bueno, os Antunes de Almeida e tantas outras famílias que, apesar de “mulatas”, traziam em seus sobrenomes a sua origem bandeirante. É bem provável que Domingos da Silva relacionado na Lista Populacional de 1799 como cabeça do fogo 62 seja o mesmo do pouso do Rio Pardo de 1779.

Josefa Pires (pouso do Cubatão) reaparece casada com José de Almeida. José Barbosa de Magalhães já havia falecido, mas, no pouso de Lages ainda permanecia sua viúva Maria Pires (fogo 8) com seus 6 filhos. Com a morte de Pedro Gil, assume a chefia do fogo 28 (pouso da Paciência) a sua mulher Francisca Gil. Não resta a menor dúvida que o Bernardo Machado do fogo 18 da Lista de 1799 é o mesmo do pouso da Paciência, tendo, naquele ano, com seus 15 agregados, vendido para os comerciantes de Minas 50 alqueires de milho. Assim como Manuel de Almeida, primeiro Capitão de Ordenanças do Caminho dos Goiases, podiam ser encontrados nas duas listas populacionais: no fogo 32, por exemplo, estavam Antônio Pires e sua mulher Catarina (pouso do Rio das Pedras) vendendo para as tropas de Minas 100 alqueires de milho, 10 de feijão 16 de farinha e 6 arrobas de toucinho. Miguel e Maria Buena, do pouso da Rocinha, são encontrados no fogo 23 plantando para o gasto e vendendo para os negociantes 30 alqueires de milho.

Nas últimas décadas do século XVII, os pousos continuariam com suas antigas funções de local de parada, descanso e abastecimento, funções estas que seriam incrementadas pelas tropas de negociantes das Minas Gerais que percorriam o sertão comprando os produtos da terra para revendê-los aos centros consumidores, especialmente, o Rio de Janeiro, São Paulo e quadrilátero do açúcar.

Com isso, os pousos ganham novo vigor econômico com o fornecimento de milho, feijão, arroz, queijo, sola, toucinho, algodão, principalmente a carne de seus rebanhos de vacuns. Contudo, nenhum desses pousos se transforma em arraial. O arraial é fruto de uma outra realidade, de outro cenário, de outros fatores que se processarão no século XIX.

No primeiro quartel do século XIX, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, homem culto e perspicaz, registra a sobrevivência dos pousos, a permanência de suas finalidades e a diferença entre eles e os arraiais. Ao atravessar o Rio Grande, escreve o naturalista: “…comecei no dia 24 de setembro de 1819 a percorrer essa imensa Provincia. Para alcançar sua capital viajei 86 léguas seguindo a estrada que as caravanas percorrem em demanda de Goiás e Mato Grosso. Gastei 36 dias nessa viagem muito castigada pelas chuvas e pelas más pousadas…”… “No próprio dia de minha chegada ao rio Grande, atravessei-o e dormi num vasto rancho coberto de folhas e aberto de todos os lados. A noite estava muito fria. Pela manhã, antes do despontar do sol, uma neblina espessa impedia-me de ver os objetos circunvizinhos, mas logo desapareceu e pude me deliciar com a beleza da paisagem.” Sobre os moradores estabelecidos nos pousos ao longo da estrada, assim se manifestou Saint-Hilaire: “Enquanto descrevia e examinava as plantas, aproximou-se um homem do rancho permanecendo várias horas a olhar-me sem proferir qualquer palavra. Desde Vila Boa até o Rio das Pedras tinha eu tido, quiçá, cem exemplos dessa estúpida indolência. Esses homens embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta de convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos prematuros, não pensam, vegetam como árvores, como as ervas dos campos”.

Mais adiante, sua opinião sobre os Batatais foi bem diferente: “A duas léguas de Paciência, detive-me na fazenda de Batatais, abrigando-me num rancho cercado por grossos moirões que o defendiam dos animais. Depois da cidade de Goiás, nenhum rancho vi construído com tamanho cuidado. Batatais é dependência de uma pequena Vila do mesmo nome situada a pouca distância da estrada do lado de leste e que não cheguei a ver.”

Os pousos ficaram como herança do povoamento bandeirante-caiapó do Belo Sertão da Estrada dos Goiases e, até hoje, muitos locais da região são identificados por aquelas antigas denominações.

2. O Capitão Manuel de Almeida.

Nas proximidades do Pouso Alegre e Bagres, localizava-se o pouso do Sapucaí encabeçado pelo português Manuel de Almeida. Desde 1779 ele vivia na referida localidade juntamente com sua mulher, Ana Antunes (de 41 anos), e seus filhos José (12 anos), Vicente (10 anos) e Antônio (7 anos). Além de sua família, viviam sob a proteção de Manuel de Almeida (que, por essa época contava com 53 anos) os seguintes agregados: Pedro, casado, com 40 anos e Inácia, sua mulher, de 39 anos; João, 25 anos; Paulo, de 52 anos; Francisca com 30 anos; Miguel, 30a.; Maria, 20 a.. Por conseguinte, o pouso do Sapucaí contava com 12 habitantes em 1779.

Após 20 anos, isto é, em 1799, Manuel de Almeida e sua família ainda permaneciam no pouso do Sapucaí. A Lista Populacional de referido ano apresenta o seguinte cabeçalho:

“MAPA GERAL DOS HABITANTES EXISTENTES NA PAROCHIA DO ARRAYAL DE NA SNRA DA CONCEYÇÃO DO BOM SUCESSO DAS CABECEIRAS DO RIO PARDO DE QUE HÉ CAPM MANOEL DE ALMEIDA NO ANNO DE 1799 SUAS OCUPAÇOENS, EMPREGOS E GENEROS QUE CULTIVO.”

Portanto, Manuel de Almeida já havia recebido a patente de Capitão de Ordenanças do Belo Sertão da Estrada dos Goiases, fato que indicava a importância da região no novo contexto econômico que se desenhava.

Na Lista, os moradores não vinham discriminados em seus pousos, mas sim em seus fogos, aos quais pertenciam. Manuel de Almeida, agora com 73 anos, encabeçava o fogo número 1 com sua mulher Ana de Sousa Antunes (61 a.) e mais os filhos: Alferes José Pio Antunes de Almeida (34 a.), Vicente Antunes (23) e Antônio Antunes (32), à família acrescentou-se a nora Maria Francisca, casada com Vicente. Completava o fogo 6 escravos e 5 escravas. Contrariamente ao “mapa” anterior, não se registrava nenhum agregado. O Capitão Manuel de Almeida vivia: “de rendas da passagem do rio Sapucahy”. Mas não era só dessas rendas que provinha o seu sustento. Também plantava para o gasto e o excedente, vendia para as “tropas” de Minas sendo que no ano de 1799 havia negociado: 30 alqueires de milho, 15 de feijão, 10 de arroz, 20 arrobas de toucinho e 12 arrobas de fumo. O Capitão Manuel de Almeida e sua mulher ainda aparecem nas Listas de 1801 e 1803. Porém, os seus filhos Vicente e José Pio já não fazem parte do seu fogo, isto é, já não eram mais dependentes do seu fogão. Junto aos pais somente permanece o filho Antônio. Em 1803, o velho Capitão de Ordenanças assim anotava as suas atividades: “Administrador de passage da Real Fazenda – Planta para o gasto – Colheu de milho 300 alqs. e vendeo 50 – Colheu 20 de feijão e vendeo 6 – Colheu 10 de arroz – Marcou 3 gados vacum”.

3. Os Irmãos Antunes.

Dos filhos de Manuel de Almeida, Vicente e Antônio permanecem no Sertão do Rio Pardo. O Alferes José Pio toma outro rumo. Vicente sai do fogo do pai para incorporar-se ao encabeçado por sua Sogra Maria Pires Cordeiro (fogo 8), próspera agricultora e criadora. Na Lista de 1805, Vicente Ferreira Antunes de Almeida encabeça o fogo 99 com sua mulher Maria Francisca e os seus 5 filhos. O fogo 99 situava-se na região de Santa Bárbara. Antônio Antunes de Almeida passou a chefiar o fogo 111. Aos 35 anos ainda se achava solteiro. Com seus 11 escravos, plantava e criava e, em 1804, havia vendido para os comerciantes da estrada 30 alqueires de milho (dos 200 colhidos). Havia colhido, também, 20 alqueires de feijão e marcado 20 vacuns.

Para se atravessar os rios do Sertão, os viajantes deveriam pagar os “direitos de passagens” devidos, inicialmente, a Bartolomeu Bueno da Silva e seus descendentes. Mais tarde, a Coroa incorporou esses direitos a sua receita. Manuel de Almeida, português de Lisboa, seria o encarregado de administrar a passagem do Sapucaí e de recolher as rendas para a Real Fazenda. O fato de ele ter sido o administrador da “passage”‚ muito importante porque nos possibilita a localização exata do seu pouso ou fogo. O velho Capitão e sua família moravam à beira do rio Sapucaí em terras de há muito aposseadas e identificadas com o nome de Santa Bárbara.

Em 1805, ao fazerem doação de terras para a formação do patrimônio da nova Freguesia da Franca, os irmãos Antunes, isto é, Vicente Ferreira Antunes e Antônio Antunes de Almeida, fizeram-na com base no desmembramento de parte de sua fazenda Santa Bárbara.

Durante o Brasil-Colonia, prevaleceu o sistema de concessão de terras conhecido como sesmaria. Contudo a maior parte do Belo Sertão era constituída por terras devolutas.

Mais do que o título, a posse efetiva com o plantio e o cultivo, garantia a propriedade. D. Maria I já se havia pronunciado enfaticamente neste sentido (cf. Os Sem Terra do Século XIX, artigo de nossa autoria publicado no Diário da Franca). Desde 1779 (ou mesmo antes), Manuel de Almeida e sua gente havia-se estabelecidos às margens do Sapucay-mirim. Todavia, somente em 1808 os seus filhos, Antônio e Vicente, receberão o título legal de posse, isto é, a Carta de Sesmaria. Evidentemente, a referida concessão decorria da necessidade de se legalizar a posse dos Antunes de Almeida em virtude de sua doação para a “fabrica” da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição da Franca.

D. Mateus de Abreu Pereira, bispo de São Paulo, ocupando interinamente o Governo da Capitania, resolve legalizar a posse do primeiro Capitão de Ordenanças do Belo Sertão da Estrada dos Goiases, concedendo aos seus filhos e herdeiros a Carta de Sesmaria da fazenda Santa Bárbara a qual é a seguinte: “Carta de Sesmaria a Vicente Ferreira Antunes a Antonio Antunes de Almeida de 3 Legoas de terra no Disto da V.a de Mogi-Mirim. Dom Matheus de Abreu Pera, do Conso. de S.A.R. Bispo de S. Paulo, o Dezor. Miguel Antonio de Azevedo Veiga Ouvor. Geral e Corregor desta Comca, e Joaqm Manuel do Couto Chefe de Divizão da Armada Real, e Intendente da Marinha de Santos, todos Govres Interos desta Capitania Geral de S. Paulo etc. Fazemos saber aos q’ esta Nossa Carta de Sesmaria virem q’ attendendo a Nos reprezentarem Vicente Ferreira Antunes, e Antonio Antunes de Almeida da Villa de Mogi-Mirim, q’ elles possuem desde o tempo do falescido seo Pai, o Capm Manoel de Almda tres legoas de terra no Certão da Estrado de Goyazes entre o Rio Sapucahy, e o Rio Grande na paragem chamada o Ribeirão dos Bagres termo da dita Villa, onde os Suplicantes já tem bastantes criaçoens de Gados; e pr isso pedião nos lhes concedessemos pr Carta de Sesmaria as mmas tres legoas de terra no do Ribeirão dos Bagres fazendo peão onde mais conveniente for, e sendo visto o Seo requerimto em q’ foi ouvida a Camara da Villa Mogi-Mirim, e o Doutor Procurador da Coroa, e Fazenda aqm se deu vista, e com ql parecer Nos Conformamos: Havemos pr bem dar de Sesmaria em Nome de S.A.R. o Principe Regte N.S./ em observancia da Real Ordem de 15 de Junho de 1711, e das mais sobre esta Materia / aos ditos Vicente Ferra Antunes, e Antonio Antunes de Almda duas legoas de terra em qdra na paragem Mencionada com as confrontaçoens acima indicadas sem prejuizo de terceiro, ou do direito, q’ algumas pessoas tenhão a ellas o ql lhes deixamos salvos pa o alegarem, ou no acto da Medição, ou pa outro qualqr q’ lhes convier: Com declaração, q’ as cultuvarão, e mandarão confirmar esta Carta de Sesmaria pr S.A.R. dentro em dois annos, e não o fazendo se lhes denegar mais tempo, e antes de tomarem posse dellas as farão Medir, e demarcar judicialmentesendo pa este effeito noteficadas as pessoas comqm confrontar, e serão obrigados a fazer os Caminhos de suas Testadas com pontes e estivas onde necessario for, e descobrindo-se nellas Rio caudalozo, q’ necessite de Barca pa atravessar ficar rezervada de huma das Margens delles meia legoa de terra em quadra pa Commodidade Publica, e nesta data não poder succeder em tempo algum pessoa Eccleziastica, ou Religião, e Succedendo ser com o encargo de pagar Dizimos, ou outro qual quer, q’ S.A.R. lhe quizerem impor de novo, e não o fazendo se poder dar aqm o denunciar, como tambem sendo o dito Senhor servido Mandar fundar no Districto della algumaVilla o poder fazer ficando livre, e sem encargo algum pa os Sesmeiros, e não Compreender essa datta veeiros, ou Minas de qualquer genero de Metal q’ nella se descobrir, rezervando tambem os Paos Reaes; e faltando aql qr das ditas Clauzulas pr seren Conformes as Ordens de S.A.R., e o q’ dispoem a Lei, e Foral da Sesmarias ficarão privadas desta: Sendo outro sim o obrigdos os Sesmeiros a levar com Arado cada anno nas terras q’ legitimamte lhes pertencer hum pedaço de terreno proporcionado ao q’ se acha estabelecido de seis braças de frente, e seis de fundo pa cada Legoa quadrada concervando Lavradias as q’ huma ves forão tratadas com Arado na forma determinada pelo avizo da Secretra de Estado dos Negocios da Marinha e Dominios Ultramarinos de 18 de Maio de 1801: com a Cominação de q’ não cumprindo assim pagar Cem reis pa cada braça, q’ deixar de lavrar q’ serão aplicados pa as obras, e mais despezas do Hospital Militar desta Cidade, cujo encargo passar com as mesmas terras a todos os possuidores, q’ forem dellas pa o fucturo, e no Cazo q’ ellas se subdevidão ser obrigado a lavrar a parte q’ lhe tocar proporcional a parte q’ ql qr outro possuir de suas refferidas terras. Pello q’ mandamos ao Ministro, e mais pessoas a quem o Conhecimento desta pertencer dem posse aos ditos Vicente Ferra Antunes, e Antonio Antunes de Almeida das refferidas terras na forma q’ dito hé. E por firmeza de tudo lhe mandamos passar a prezte por Nos assignada, e Sellada com o Sello das Armas Reaes, q’ se cumprir inteiramente, como nella se contem, se registrar nos Livros da Secretra deste Govo, e mais partes a q’ tocar, e se passou pr duas vias Dada nesta Cidade de São Paulo aos 28 de Julho de 1808. Assinam a Carta de Sesmaria o escrivão José Matias Ferreira de Abreu, o Secretario de Governo Manuel da Cunha de Azevedo Coutinho Sousa Chichorro, e os Governadores interinos D. Mateus de Abreu Pereira, Miguel Antonio de Azevedo Veiga e Joaquim Manuel do Couto”.

O ribeirão dos Bagres de que nos fala a Carta, localizava-se próximo ao Sapucaí, onde desaguava. O atual córrego dos Bagres vai desembocar no referido ribeirão. Porém, esse mesmo córrego recebia, em 1818 (por ocasião da visita de Alincourt) a designação de Itambé e, mesmo, Catocos (visita de Taunay).

O processo de demarcação da fazenda Santa Bárbara encontra-se conservado no Arquivo Histórico Municipal e é datado de 1822. Contudo, ela já era de propriedade de Francisco Antonio Dinis Junqueira e não mais dos irmãos Antunes.

4. Os Entrantes das Gerais: As Primeiras Famílias.

Em 28 de novembro de 1824, o “Districto do Rio Pardo thé o Rio Grande” é elevado a categoria de Vila. Cria-se, por conseguinte a Vila Franca do Imperador, que, destarte, emancipa-se da Vila de São José de Moji-mirim. Os vereadores são eleitos e os juizes também, Os empregados da Câmara são nomeados e a Municipalidade passa a gerir, por si própria, os seus destinos.

Na realidade, a fundação de Franca data de 1805 quando o Pe. Joaquim Martins Rodrigues, primeiro vigário encomendado da nova Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Franca, benze o terreno, doado pelos irmãos Antunes, onde seriam construídos o cemitério e a Matriz. O arraial da Franca e todos os outros do antigo Belo Sertão nascem em virtude da afluência e da vontade dos entrantes das Minas Gerais que apossam-se da região nos primeiros anos do século XIX.

Graças às Listas Populacionais pode se precisar o ano em que se inicia esse fluxo demográfico e quais foram as primeiras famílias que se fixaram no antigo sertão.

Um dos primeiros a chegar foi José Gomes Meireles que aparece na Lista de 1803 com sua mulher Rosana (fogo 40) e mais 5 filhos e 5 escravos. De acordo com o registro eles vieram do: “arrayal de Pitanguy, Destricto das Gerais e estão arranxados de poco”. Das Minas Gerais também era Manuel Pereira Pinto que morava no fogo 42 com sua mulher Ana Maria e seus dois filhos. Ele vivia de seu oficio de alfaiate, mas também plantava para o seu gasto.

Todavia, é em 1805 que esse fluxo migratório começa a se evidenciar. Nesse ano, a Lista já foi da responsabilidade de Hipólito Antonio Pinheiro, nomeado Capitão de Ordenanças em substituição a Manuel de Almeida que falecera recentemente, Hipólito Antonio Pinheiro encabeçava o fogo número 1. Natural de Congonhas do Campo, Hipólito vem para o sertão aos 51 anos de idade acompanhado de sua mulher Rita Angélica do Sacramento e dos filhos: João, Quintiliano, Ambrósio, Luciana, Ana, Hipólita, Rita, e mais as netas: Rita, Maria, Hipólita e Porcina. Além de 8 escravos, vieram com ele os agregados: José Gonçalves Campos e Maria de São José que, por sua vez, possuíam 4 escravos. Em conjunto eles plantaram milho, feijão e marcaram vários vacuns e cavalares.

No fogo 2 encontra-se Heitor Ferreira de Barcelos, natural da Vila de São José. Ele era irmão de Hipólito por parte de mãe cujo nome era Ana Faria. O Alferes Heitor (42 anos) vinha acompanhado de sua mulher Ana Angélica (34 a.) e os filhos: Claudio, Anselmo (11 a.), Heitor, José, Joaquim, Ana, Maria, Silvéria, Cândida. Possuía 10 escravos e os seus agregados eram: João do Rego e Ana Maria que, por seu turno, tinham 8 filhos e 1 escravo.

O Reverendo Joaquim Martins Rodrigues, natural de Congonhas do Campo, aparece no fogo número 3 e, curiosamente é chamado de Vigário da Freguesia antes mesmo dela se concretizar. O Reverendo tinha 7 escravos e 5 agregados.

Antônio Alves Guimarães era oriundo do Reino, tendo nascido em Guimarães. Certamente, ele primeiro se estabelece em Minas para depois vir para o Sertão do Rio Pardo.

De São Bento do Tamanduá, veio João Rodrigues de Sousa, Antonio Vieira (era natural da Vila de São José), José Gonçalves de Melo, de São João del Rei. Também de São João del Rei era Francisco Machado do Espírito Santo. De vários arraiais e Freguesias, de inúmeros distritos e Vilas vieram os entrantes das Gerais para arrancharem e formarem suas fazendas no Belo Sertão, E quanto mais avançarmos pelo século XIX, mais acentuado ser este fluxo migratório que ira transformar o sertão urbanizando-o com seus arraiais e humanizando-o com a sua gente.

Fontes:

– Listas Populacionais de 1779, 1799, 1801, 1803, 1805 – existentes no Arquivo Público do Estado de São Paulo

– Viagem à Província de São Paulo de Auguste de Saint-Hilaire

– Livro de Sesmarias

Colaboração: equipe do Arquivo Histórico Municipal de Franca

Inácio Franco – Um ramo inédito das Três Ilhoas

Marta Amato
Foi quem pesquisou a ascendência açoriana das irmãs.
Já a descendência foi pesquisada pelo falecido genealogista
Dr. José Guimarães por 50 anos e ampliada
por vários outros pesquisadores.)

Por ser Barbacena uma das regiões mineiras onde existem poucos descendentes das Três Ilhoas, foi surpresa encontrar uma filha de Inácio Franco e Maria Teresa de Jesus radicada nessa vila, descoberta fantástica de Douglas Fazolatto, genealogista mineiro. Através de pesquisas de ambos e com complementos de amigos pesquisadores, foi possível trazer à luz este trabalho, complementando as pesquisas do Dr. José Guimarães, responsável pela identificação das três irmãs açorianas que se tornaram figuras lendárias pela grande descendência. Teresa de Jesus, a filha desconhecida de Inácio Franco e Maria Teresa de Jesus, casou-se com um faialense, como sua mãe, Manuel José de Bem. Temos em 250 páginas a descendência do casal, entre eles os irmãos Nana, Dori e Danilo Caymmi; Dr. Paulo Egídio Martins, ex-Governador de São Paulo e os descendentes de Carlos Lacerda.

Outro ponto a ser identificado era a exata naturalidade de Inácio Franco, uma incógnita até então, pois na obra “As Três Ilhoas” consta como sendo “freguesia de Balga, Termo da vila da Feira”, lugar não identificado nos mapas e dicionários corográficos de Portugal. Ao ter acesso, através de amigos pesquisadores, aos dados constantes no processo de genere et moribus (que se encontra na Cúria de Mariana) de um neto de Inácio Franco – Padre Francisco Antonio Junqueira, onde diz que o avô era natural da freguesia de Santa Maria de Celga, também inexistente, procurei na região um nome parecido com CELGA e BALGA cujo orago fosse Santa Maria. Encontrei “VÁLEGA”, orago “Santa Maria”. Solicitei os microfilmes desta localidade em um CHF e finalmente depois de mais de oito anos de buscas localizei o tão procurado batismo.

Valga ou Válega – A terra de Inácio Franco

A Região Centro, à qual pertence a vila de Válega, é composta pelas províncias beirãs (Beira Litoral, Beira Alta e Beira Baixa); corresponde a uma superfície de 23.667 Km2. É a segunda região maior de Portugal e nela estão incluídos os distritos de Viseu, Aveiro, 10 concelhos do distrito de Leiria, o concelho de Mação (distrito de Santarém), distrito de Castelo Branco, Coimbra e Guarda – com excepção de Vila Nova de Foz Côa.

Próximo da ria de Aveiro localiza-se a povoação de Válega que em 1522, contava 328 habitantes; em 1623 o número subiu para 638; em 1687 ultrapassava os 2000 e hoje conta com cerca de 6500 habitantes.

A ria de Aveiro implantou-se num local onde antes (no século X) existia uma grande baía, desde o cabo Mondego até Espinho. Hoje é composta por um sistema lagunar, formando um delta por ação dos rios Vouga e Antuã, local de mistura das águas doce e salgada ainda hoje uma fase dinâmica da sua evolução que tem a ver com os processos de transporte e deposição de sedimentos (…)”.

Para obtermos uma idéia mais pormenorizada acerca da formação da ria de Aveiro, passamos a citar Antônio Pena e José Cabral : “O processo evolutivo deste sistema lagunar foi longo e complexo, tendo influenciado grandemente a população de toda a zona envolvente a ponto de, nos séculos XVI e XVIII, quando a laguna ficou isolada do mar por ação de grandes tempestades, terem sido gravemente afetadas várias das atividades tradicionais desta região como a navegação e a agricultura (devido à inundação e salinização dos terrenos). (…) a ria de Aveiro atravessa a de Entre-Águas e situa-se na província da Beira Litoral, pertencendo ao distrito de Aveiro, concelho de Ovar, freguesia de Válega. Este local tomou o nome de Entre-Águas por se situar muito próximo do local onde se reunem dois rios: o Rio Negro e o Rio Gonde. Os dois formam uma única linha de água que depois de contornar uma zona pantanosa deságua numa pequena enseada da ria de Aveiro, denominada Canto da Senhora.

Citando Pe. Miguel de Oliveira : “É tradição constante nesta freguesia que o lugar de Entráguas foi outrora muito povoado e nele, em tempos que a memória dos homens não atinge, teve assento uma cidade.

Não sabemos ao certo, nem a tradição o diz, o nome dessa cidade; querem uns que se chamasse Matérteles, afirmam outros que se chamou Braziela, corrupção de Varziela, nome dado hoje a uns campos próximos, muito fecundos e produtivos…

Destruída por um cataclismo, nunca mais se levantou dos escombros, foi-se apagando a sua memória, restando-nos apenas esta obliterada notícia na tradição oral ….”

É uma região florestal, de grande diversidade paisagística: contém a Serra da Estrela, maior maciço montanhoso do continente e engloba a ria de Aveiro – extensa zona úmida, distando 5 km de Ovar, mais parecendo uma continuação dessa cidade.

A Grande Enciclopédia Luso-Brasileira, diz sobre a vizinha vila de Avanca: “Basta a toponímia para garantir, ao território desta freguesia, antiguidade pré-nacional de povoamento, o que pode ascender a épocas mais remotas, visto que se conserva até hoje o topônimo Avanca, pois parece ser de origem pré-Romana. Pode supor-se deste topônimo – Avanca, uma origem Semito-Fenícia, assim como Ovar, Válega, Vagos, etc…, povoações situadas na borda da Ria de Aveiro, tendo como origem a raíz Fenícia va ou Ba que significaria “águas”. É curioso que se atribui aos Fenícios – à cerca de 2500 anos – a colonização da região do que é hoje a Ria de Aveiro.

Ovar e Ílhavo, teriam sido fundação Fenícia. Reito Fraião regista haver, talvez, cerca de 26 fontes e 30 casas de moínhos, sendo que a vila próxima Avanca seria habitada mesmo antes dos Romanos dominarem a Península, pois registamos populações pré-Romanas na região, com referências a Avanca, como “Castro de Recarei” (S. Martinho da Gândara). Assim: – “et subtus mons castro recaredi discurrente vivolo Avanca” (ano de 1097).

Sobreviveram os domínios Suevo e Visigótico (séc. V e VI) e, mais tarde, os Árabes, invadindo a Lusitânia (séc. VIII). Depois “um vai-vem” de conquistas e reconquistas na região de Entre Douro e Vouga (Terras de Santa Maria) por Árabes e Cristãos.

Por gentileza do Dr. Romeu Caiafa, transcrevo o que diz sobre Válega, “A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”, no volume 33, páginas 856 a 859, da Editorial Enciclopédia Ltda., Lisboa-Rio de Janeiro:

“Válega. Freguesia do Concelho e Comarca de Ovar, Distrito de Aveiro, Diocese e Relação do Porto. Orago: Santa Maria (Nossa Senhora do Amparo). População: 5.343 habitantes em 1.283 fogos. Tem est., telef.-post., escola primária e é servida por um apeadeiro na linha férrea do Norte. É atravessada de N. a S. pela estrada nacional n.o 109; de E. a O. por um regato que vai tomando diversos nomes, como os de Rio da Igreja e Rio Negro, e deságua num dos esteiros da Ria de Aveiro. O centro da freguesia dista a 4 km. da sede do concelho. Confina a N. com Ovar, S. com Avanca e Pardilhó, E. com S. Vicente Pereira e S. Martinho da Gandra, O. com Ovar e Ria de Aveiro. O nome de Vallega aparece pela primeira vez em documento do ano de 1102, aplicado ao rio; o étimo está no latim vulgar vallica, equivalente a vallicula, “o pequeno vale”. Há na Galiza, na margem esquerda do rio Ulla, a paróquia e o município de Valga, com a mesma origem etimológica. O território constituiu-se pelo agrupamento de propriedades rústicas, as mais importantes das quais eram na Idade Média a villa Dagaredi e a vila Peraria, a primeira ao S. e a segunda ao N. do rio; ainda no séc. XIX, uns lugares se diziam da “parte de Degarei” e outros da “parte de Pereira”. A primeira já é mencionada no ano de 929, no contrato de umas salinas, as mais antigas de que há documento em território português. Ainda nas Inquirições de 1220, a freguesia é chamada Degarei, talvez porque aí estivesse a igreja paroquial. A villa Peraria, mencionada em documento do ano de 1002, veio a constituir um concelho com sede no lugar chamado Pereira Jusã (ou de Baixo), para se distingüir da freguesia de S. Vicente de Pereira, designada em alguns documentos por Pereira Susã. O padroado da igreja foi doado cerca de 1182 ao mosteiro de S. Pedro de Ferreira por D. Doroteia, D. Elvira e D. Usquo ou Unisco, que deviam ser descendentes dos fundadores; em 1288, passou para os bispos e para a Sé do Porto; os frutos e os dízimos foram anexados à Mesa Capitular em 1583. É tradição que a primitiva igreja paroquial esteve no lugar do Seixo Branco, num terreno hoje chamado Chão de João Caetano. Antes do séc. XVI, já era no local agora conhecido pelo nome de Adro Velho, onde ainda se conservam duas lápides sepulcrais e se descobriram em 1941 algumas imagens e resto do templo. Como este ameaçava ruína, em 1746 o visitador mandou construir outro no prazo de três anos. Adquirido o terreno um pouco a N., foi lançada a primeira pedra pelo abade Vicente José de Freitas, em 20 de novembro de 1746. Já as obras estavam quase concluídas, quando foi tudo devorado por um incêndio em 25 de abril de 1788. A reconstrução, muito demorada, foi subsidiada pelo imposto de um real no vinho e na carne, na freguesia e em todo o concelho de Pereira Jusã. No templo atual, há algumas boas imagens: um Cristo cruxificado do séc. XVII, a da Padroeira e a de S. José do séc. XVIII, a de Nossa Senhora do Rosário e a do Coração de Jesus, esta do escultor Fernandes Caldas; dos objetos do culto, salienta-se a custódia processional, de prata dourada, do séc. XVII. O cemitério, em frente da igreja, foi concluído em 1871, por conta da Câmara de Ovar, e depois ampliado em 1889 e 1909. O primeiro pároco de que há notícia foi Soeiro Anes, que em 1182 dizia ter recebido esta igreja de D. João Pais, abade de S. Pedro de Ferreira. Desde o fim do séc. XVI, a paróquia tinha o título de abadia. De 1591 a 1622, foi abade Sebastião de Morais Ferreira, que instituiu o vínculo da Quinta da Boa Vista; de 1624 a 1637, D. Diogo Lobo, que depois foi prior-mor de Palmela e bispo eleito da Guarda; de 1813 a 1830, o Dr. Antônio de Sousa Dias de Castro, egresso beneditino, que deixou fama de santo; de 1857 a 1899, o Dr. Manuel Marques Pires, natural de Beduíno, que chegou a ser deputado pelo círculo de Ovar e foi distinto jurisconsulto. D. Diogo Lobo está sepultado na capela de Nossa Senhora de Entráguas. A pedra tumular ostenta o seu brasão e a seguinte legenda: AQVI IAS DOM DIOGO LOBO PRIOR MOR QVE FOI DA ORDEM DE SAM TIAGO DO CONSELHO DE SVA MAGESTADE E BISPO ELEITO DA GOARDA E FVNDADOR E PADROEIRO DESTA IGREIJA DE NOSSA SNRA DENTRE AGOAS FALLECEO AOS VINTE E SETE DE OVTVBRO DE 1654 PELLA SVA ALMA PADRE-NOSSO. Houve uma ermida anterior, com a mesma invocação. A imagem da titular Nossa Senhora da Purificação, é de calcáreo, de inspiração gótica, fins do séc. XV, e está ainda regularmente conservada. Por ficar afastada do povoado, a capela tinha ermitão. Desempenhou devotadamente este cargo, no séc. XVIII, um segundo sobrinho do fundador, José de Sá Pereira Coutinho, caso lembrado num soneto pelo poeta Eugênio de Castro. O povo conta várias lendas a respeito do aparecimento da imagem e da Virgem. A norte da capela, junto ao regato do Portinho, ergue-se o chamado Cruzeiro da Virgem, em cuja base se lê a seguinte inscrição: 1673 N. SNR.a DE ENTRE AGOAS AQUI DEU FALLA A HUA MOÇA. Além desta capela, centro de grande romaria em 2 de fevereiro, há as seguintes capelas públicas: S. Gonçalo, do séc. XVI, que serve de paroquial no impedimento da matriz; S. Bento, no lugar de Paçô, talvez da mesma época; S. João Batista, fundada em 1594, por Afonso da Silva, o velho, de Degarei; S. Miguel, sucessora, quanto à invocação, de uma ermida que em 1102 foi objeto de doação à sé de Coimbra e ao bispo D. Mauricio Burdino. As capelas de propriedade particular, mas abertas ao público, são as seguintes: Senhora do Bom sucesso, fundada em 1721 pelo licenciado João Vaz Correia que nela está sepultado; Senhora da Conceição e Sagrada Família, fundada em 1763 por Francisco Rodrigues da Silva Praça; Senhora das Dores, fundada em 1812 pelo padre João José de Oliveira Amaral; Senhora das Febres, fundada em 1711 pelo padre Bartolomeu Leite do Amaral; Senhora de Lurdes, fundada em 1909 pelo padre Francisco Alves de Resende; Senhora da Maternidade, fundada em 1889 por Manuel Lopes da Silva. Capelas extintas: Senhora da Mâmoa ou da Ermida, antiguíssima, demolida em meados do séc. XIX; Capela dos Presos, em frente dos antigos Paços do Concelho de Pereira Jusã, fechada ao culto desde que este se extingüiu e demolida em 1914; Senhor da Boa Ventura, fundada em 1776, no sítio do Pinheirinho, ao sul de Entráguas, e demolida, segundo se conta, porque num forno de telha, que lhe ficava próximo, uns criminosos queimaram uma mulher. A população da freguesia dispersa-se, ao longo das numerosas estradas e caminhos vicinais, por 46 lugares, situados uns a norte e outros a sul do Rio da Igreja. As testemunhas ouvidas nas Inquirições de D. Dinis, em 1288, declararam que toda a freguesia, à exceção do lugar de Paçô, andava “honrada” por vários fidalgos. Em tempos de D. Afonso III, Fernão Fernandes Cogominho comprara os três lugares de Pereira, Rial e Vilarinho e estabelecera neles uma quintã de que fez honra. Sua viúva, D. Joana Dias, que foi senhora de Atouguia, anexou a essa honra o lugar de Bustelo e mais uma quintã em S. Vicente de Pereira Susã e outra em Guilhovai, no termo de Ovar.

No princípio do séc. XVI, o senhorio destas terras pertencia a D. Joana de Castro, da casa dos condes de Monsanto, a quem secederam D. Pedro de Castro e D. Luís de Castro. Em 1563, passou para a casa dos condes da Feira, em que se conservou até o falecimento do último conde em 1700. A seguir, pertenceu à Casa do Infantado, extinta em 1834. Com essas terras se constituiu, em meados do séc. XIV, o concelho e julgado de Pereira Jusã, que ficou assim a abranger a parte norte da freguesia de Válega, e alguns lugares da de S. Vicente de Pereira e Ovar. D. Manuel deu-lhe foral em Lisboa, a 2-VI-1514. A terra tinha então 20 vizinhos ou famílias, e andava-lhe anexo o Couto de Cortegaça. Pelas reformas de 1836, ficaram a pertencer ao concelho e julgado de Ovar todos os lugares da respectiva freguesia, e ao concelho de Pereira Jusã as duas freguesias de Válega e S. Vicente na sua totalidade. Por decreto de 28-XII-1853, foi esse concelho extinto e incorporado as freguesias no de Ovar. O antigo edifício dos Paços do Concelho, que depois serviu de escola e cadeia, foi vendido em 1914, e é hoje propriedade particular. Na mesma ocasião, foi demolido o pelourinho. A vila, reduzida a simples lugar, perdeu na linhagem do povo o apelativo de Jusã, erroneamente transferido em publicações oficiais para a freg. de S. Vicente de Pereira. Segundo as referidas Inquirições de 1288, na aldeia de Degarei (parte sul de Válega) havia seis casais de cavaleiros em que moravam uns 30 homens e vinte e quatro casais de mosteiros e igrejas. Só o ligar de Paçô (antiga villa Palatiolo) era todo reguengo. No séc. XVI, essas terras estavam no senhorio dos condes da Feira e foram abrangidas no foral concedido à Vila da Feira e Terra de Santa Maria, em 10-II-1514. Esta parte da freguesia pertenceu ao conc. da Feira, até que transitou em 1799 para o de Oliveira de Azeméis, em 1836 para o de Pereira Jusã e em 1852 para o de Ovar. Tinham aqui propriedades o bispo do Porto, o cabido, o mosteiro de Pedroso, o de Grijó, o de Arouca, a Congregação da Oliveira e a Colegiada de Guimarães. Dos fidalgos dos séc. XIII e XIV quase só restam memórias de questões com os bispos do Porto por causa do padroado da igreja. Desde o séc. XVI, fala-se nuns Silvas Antigos que se diziam descendentes de D. Guterre Alderete da Silva e por aqui se uniram a umas velhas famílias de Pires e Anes, somando-se à gente rural, e nuns Valentes que também se atribuíam certa prosápia em Válega e Avanca. Um destes, Valério Valente, casou com Clara de Morais Ferreira, irmã do abade Sebastião de Morais Ferreira, instituidor do vínculo ou morgado da Quinta da Boa Vista. Desse matrimônio nasceu Mariana de Morais, que casou com Garcia de Azevedo Coutinho, cavaleiro da Ordem de Santiago e capitão da Marinha de Guerra em tempo de D. João IV. O vínculo foi abolido em 1846 e o último morgado, Sebastião de Morais Ferreira, (m. em 19-X-1898), deixou os seus bens à Junta da Freguesia, para assistência médica a doentes pobres, por morte dos atuais usufrutuários. Era natural desta freguesia Fr. Antônio Pereira, que foi reitor do Colégio das Ordens Militares em Coimbra e escreveu um livro sobre a Ordem de Santiago, à qual pertencia. Alguns nobiliários locais dão como natural de Válega D. Fr. Vitoriano da Costa, bispo de Cabo Verde. É certo, porém que nasceu no Porto, embora aqui vivesse com seus pais, o licenciado Manuel da Costa Neves e Maria Barbosa, a quem o abade Alexandre Ribeiro (1628-1658) deixou a Quinta de Cima, depois chamada do Cruzeiro e dos Pamplonas. Confinava essa com os passais, e os seus proprietários no séc. XVIII tiveram longas questões com os párocos por causa das águas de rega.” …. ” A maior parte da população dedica-se à agricultura, mas, como a terra está muito parcelada, é grande o contigente migratório, sobretudo para os países da América Central e do Sul [ano de 1945]. Referindo-se ao lugar de Regedoura, escreveu Pinho Leal: “É celebre pela ótima telha que aqui se fabrica, a melhor do reino”. O barro era extraído nas proximidades da capela de Entráguas. Ainda em 1884 funcionavam seis fábrica, mas, devido à concorrência do tipo marselhês, apagaram-se os últimos fornos de “telha da Regedoura”, à roda de 1930. Como curiosidade, registre-se o capítulo “Mefistófeles e Maria Antonia”, do livro Cavar em Ruínas, de Camilo Castelo Branco, baseado no processo inquisitorial de uma mulher ainda lembrada na tradição local pelo nome de “Bruxa do Seixo”…. ” Fazem parte desta freguesia os seguintes lugares situados ao N. do Rio da Igreja: Azenha, Bustelo, Cabo da Lavoura, Cadaval, Carvalheira de Baixo, Carvalheira de Cima, Carvalho de Baixo, Carvalho de Cima, Corga do Norte, Corga do Sul, Espinha, Estrada de Baixo, Estrada de Cima, Molarelo, Pereira, Pintim, Porto Laboso, Quinta e Rego, Regedoura, Rial de Baixo, Rial de Cima, Roçadas da Espinha, Roçadas de Vilarinho, Roçadinhas, S. Gonçalo, Tomadias, Valdágua, Vilarinho. Os do S. são: Bertufe, Candosa, Entráguas, Ervideira, Espartidouras, Fontainhas, Giesteira, Monte da Candosa, Outeiro da Marinha, Paçô, Poças de Gonde, Rua Nova, Seixo Branco, Seixo de Baixo, Seixo de Cima, S. João, Torre e Vilar.

As Três Ilhoas

Marta Amato
Foi quem pesquisou a ascendência açoriana das irmãs.
Já a descendência foi pesquisada pelo falecido genealogista
Dr. José Guimarães por 50 anos e ampliada
por vários outros pesquisadores.)

Desde o início de 1720, a imigração açoriana se fez notar no Brasil meridional, principalmente nas Províncias de Minas Gerais e São Paulo. A densidade populacional e os constantes tremores de terra, erupções vulcânicas e as crises alimentares com a super-população das ilhas que formam o Arquipélago dos Açores, impulsionou os habitantes a solicitar à Coroa portuguesa autorização para a vinda para o Brasil.

Diante da possibilidade de povoar a nova colônia (onde a maioria dos habitantes era de aventureiros e homens solteiros que vieram em busca das minas de ouro e diamantes), com casais que iam fixar-se na terra, o Governo português autorizou a emigração.

As famílias foram chegando e estabeleceram-se principalmente na Província de São Paulo, que compreendia a Ilha de Santa Catarina (depois Capitania de Santa Catarina, hoje Estado de Santa Catarina), o Rio Grande de São Pedro (hoje, Estado do Rio Grande do Sul), e no sul da Província de Minas Gerais.

Vieram das ilhas do Pico, Santa Maria, Terceira, Faial, Flores, Graciosa, São Miguel, e muitos da Ilha da Madeira.

Dificilmente algum habitante dessa parte do Brasil deixa de ter antepassados com os nomes Goularte, Duarte, Garcia, Faria, Fagundes, Leal, Silveira, Rezende e assim por diante.

Aqui foram desbravadores, povoadores e fundadores de cidades.

A grande maioria dedicou-se à cultura de subsistência (milho, feijão, algodão, cana de açúcar) e criação de gado e tropa cavalar, numa época em que a fome era uma constante nas minas de ouro.

Deixaram suas marcas e seus costumes por onde passaram. Ainda hoje, acontecem festas populares e religiosas com o sabor dos Açores. As mulheres ainda tecem as rendas e bordam, como suas antepassadas. A hospitalidade açoriana é notada, principalmente em Minas Gerais, com a farta mesa de pães, biscoitos, queijos e doces para os que chegam.

Ainda em Minas Gerais, encontramos três irmãs que se tornaram figuras lendárias: Antonia da Graça, Júlia Maria da Caridade e Helena Maria de Jesus, que aqui ficaram conhecidas como “AS TRÊS ILHOAS”. Eram filhas de Manuel Gonçalves Correa e de Maria Nunes, vieram da Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, na Ilha do Faial – Açores, e chegaram no ano de 1723. Antonia veio casada com Manuel Gonçalves da Fonseca e já com duas filhas: Maria Teresa e Catarina; Júlia e Helena casaram-se aqui, com açorianos. A primeira, com seu conterrâneo Diogo Garcia, e a segunda, com João de Rezende Costa natural da Ilha de Santa Maria. Tiveram muitos filhos e seus descendentes espalharam-se pelos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, enfim por quase todo o centro-oeste brasileiro.

Falar sobre “AS TRÊS ILHOAS”, equivale a descrever uma grande genealogia.

Ascendência Açoriana das Lendárias “Três Ilhoas”

No dia 27 de junho de 1666, na Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, na Ilha do Faial (Açores), casam-se JOÃO LOURENÇO ou NUNES, filho de MANOEL LOURENÇO e de AGUEDA NUNES, com MADALENA GEORGE, filha de GASPAR GEORGE e de CATARINA GEORGE, sendo os pais dos noivos já falecidos. (Livro 1º de casamentos – 15/1/1666 a 25/3/1694, pag. 1, 2º assento). Não achei o óbito de João Nunes (provavelmente falecido em outra freguesia), mas foi entre 1675 e 1677, pois no dia 1º de novembro de 1677, Madalena George, viúva, contraiu matrimônio com MANOEL RODRIGUES FURTADO, falecido aos 17 de novembro de 1719 com mais ou menos 68 anos, filho de Manoel Rodrigues e de Catarina Duarte. Madalena George faleceu no dia 1º de junho de 1722, com 80 anos, com testamento, onde declara que foi testamenteira de seu 1º marido.

JOÃO NUNES e MADALENA GEORGE tiveram 4 filhos:

1.1

MARIA NUNES, batizada aos 24 de abril de 1667 na Freguesia de Nossa Senhora das Angústias e faleceu no Brasil, aos 5 de janeiro de 1742 na vila de Prados, Minas Gerais. Casou-se na mesma localidade onde nasceu, aos 22 de julho de 1685, com MANOEL GONÇALVES CORRÊA apelidado “o Burgão”, natural da Freguesia do Espírito Santo da Feiteira (Faial), filho de JOÃO GONÇALVES e de IGNES CORRÊA. Tiveram 5 filhos, dos quais 4 deixaram descendência. Foram 1 homem e 3 mulheres, estas vieram para o Brasil, onde ficaram conhecidas como “AS TRÊS ILHOAS”. Acredito que tenham vindo com destino certo, pois aqui encontraram Diogo Garcia, conterrâneo e aparentado com a família pelo casamento de sua sobrinha Anna Maria, filha de Maria da Ressurreição com Antonio Nunes, irmão das Três Ilhoas. Filhos:

2.1

ANTONIA DA GRAÇA ou DE AGUIAR (como aparece no assento de seu casamento e batismo de sua 1ª filha), foi batizada aos 21 de fevereiro de 1687 (padrinhos o Capitão Antonio Machado e Maria Rodrigues) e crismada em dezembro de 1696 (tendo como madrinha Luzia Rodrigues, mulher de Matheus Gonçalves). Casou-se aos 7 de fevereiro de 1706 com MANOEL GONÇALVES DA FONSECA, natural da Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, filho de FRANCISCO RODRIGUES DA FONSECA e de BARBARA GARCIA (não achei o batismo dele, mas encontrei o casamento de seus pais aos 5 de fevereiro de 1673, sendo o noivo viúvo de Francisca Alvernas, e a noiva filha de Mathias Gonçalves e de Barbara Garcia). Tiveram 3 filhos nascidos no Faial e 1 no Brasil:

3.1

MARIA TERESA DE JESUS, nascida aos 8 de julho de 1714 e batizada aos 14 do mesmo mês e ano. Casou-se 1a vez em fevereiro de 1728, em São João del Rei – MG – Brasil, com o português INÁCIO FRANCO, e 2a vez, na mesma localidade, aos 4 de fevereiro de 1746 com BENTO RABELO DE CARVALHO, nascido aos 29 de janeiro de 1717 e batizado aos 7 de fevereiro do mesmo ano, na Freguesia de São Nicolau, Cabeceiras de Basto, filho de João de Oliveira e de Maria Gonçalves, ela, do lugar de Gondarem (casado s aos 3 de setembro de 1714 na mesma freguesia); n.p. Antonio de Oliveira e Catarina Dias, n.m. João de Carvalho e Maria Gonçalves. Maria Teresa deixou grande geração dos dois casamentos.

3.2

MANOEL GONÇALVES DA FONSECA, nascido aos 10 de fevereiro de 1719, batizado aos 16 e falecido aos 17 do mesmo mês e ano.

3.3

CATARINA DE SÃO JOSÉ, nascida aos 25 de agosto de 1721, batizada aos 29 do mesmo mês e ano e falecida aos 30 de julho de 1787 em São João del Rei-MG. Casou-se aos 15 de janeiro de 1737, em Prados-MG, com CAETANO DE CARVALHO DUARTE, filho de João de Carvalho e de Domingas Duarte. Catarina veio para o Brasil com 2 anos de idade, sendo assim confirmada a data aproximada de 1723 como a da vinda das Três Ilhoas.

3.4

JOSÉ GONÇALVES DA FONSECA, nascido em São João del Rei, Minas Gerais-Brasil, casou-se com Teresa Gomes da Rocha, natural de Barbacena-MG, filha de Manoel Gomes Batista e de Maria Gonçalves da Rocha.

2.2

JOSÉ NUNES, filho de Manoel Gonçalves e Maria Nunes, batizado aos 14 de setembro de 1689 e falecido aos 8 de agosto de 1711.

2.3

ANTONIO NUNES – “PILOTO”, batizado aos 12 de julho de 1692 e falecido aos 22 de julho de 1747, na Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, onde casou-se aos 10 de outubro de 1717 com ANNA MARIA DA SILVEIRA, falecida aos 5 de dezembro de 1753, filha de PASCOAL SILVEIRA e de MARIA DA RESSURREIÇÃO, esta batizada aos 5 de abril de 1676, filha de MATHEUS LUÍS e de ANNA GARCIA, e irmã de DIOGO GARCIA, que casou-se com JÚLIA MARIA DA CARIDADE. Pascoal Silveira mandou sepultar seu sogro, MATHEUS LUÍS. Antonio e Anna Maria tiveram:

3.1

CATARINA MARIA EUSÉBIA, batizada aos 7 de maio de 1717, falecida aos 30 de janeiro de 1750, casou-se aos 9 de outubro de 1741 com o Piloto MANOEL CORRÊA DE FRAGA, filho de João de Fraga e de Felícia da Luz.

3.2

ANNA, batizada aos 20 de novembro de 1720 e falecida aos 25 de julho de 1724.

3.3

ANTONIO, batizado aos 11 de setembro de 1723.

3.4

ANTONIO, batizado aos 25 de agosto de 1725.

3.5

ANNA, nascida cerca de 1729 e falecida solteira, aos 10 de agosto de 1750.

3.6

ROSA ELISA, batizada aos 24 de março de 1730, casou-se aos 5 de janeiro de 1753 com Antonio Francisco de Castro, filho de Manoel Francisco de Castro e de Maria de Faria.

2.4

JÚLIA MARIA DA CARIDADE, nascida aos 8 de fevereiro de 1707 e batizada aos 12 do mesmo mês e ano. Casou-se aos 29 de junho de 1724 em São João del Rei – MG, com DIOGO GARCIA, batizado aos 13 de março de 1690, na Freguesia de Nossa das Angústias, filho de MATHEUS LUÍS e de ANNA GARCIA.

2.5

HELENA MARIA DE JESUS, nascida aos 15 de janeiro de 1710 e batizada aos 19 do mesmo mês e ano. Casou-se aos 3 de outubro de 1726 em Prados – MG, com JOÃO DE REZENDE COSTA, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Vila do Porto, Ilha de Santa Maria (Açores), filho de de Rezende e de Ana da Costa.

1.2

CATARINA, filha de João Nunes e Madalena George, batizada aos 15 de janeiro de 1670, sem mais notícias.

1.3

MANOEL LOURENÇO- PILOTO, batizado no dia 1 de e 1672, casou-se aos 29 de agosto de 1697 com BARBARA DUARTE, falecida aos 2 de junho de 1704 com 30 anos e já viúva, filha de João Garcia – mareante e de Catarina Duarte. Teve que descobri:

2.1

LOURENÇO, nascido aos 6 e batizado aos 12 de agosto de 1699, tendo por padrinhos Manoel Rodrigues Duarte, filho de Diogo Rodrigues e de Barbara Duarte e Luzia de São Pedro, filha de Manoel Rodrigues e de Madalena George ( a avó paterna e seu 2º marido).

1.4

ANTONIO, último filho de João Nunes, foi batizado aos 4 de fevereiro de 1675, sem mais notícias.

Do 2º casamento com Manoel Rodrigues Furtado, teve Madalena George as 3 filhas seguintes:

1 – FRANCISCA, batizada aos 9 de março de 1679.

2 – LUZIA DE SÃO PEDRO, batizada aos 30 de junho de 1681, falecida aos 20 de outubro de 1703. Casou-se aos 23 de janeiro de 1701 com MANOEL FERNANDES LUÍS, filho de Luís Fernandes e de Aldonça Martins. Filha que descobri:

Antonia, nascida aos 18 e batizada aos 23 de outubro de 1701.

3 – FRANCISCA, batizada aos 26 de dezembro de 1683.