Batalhas

Fragmento extraído diretamente dos pergaminhos Crônicas do Guerreiro Suburbano, uma série histórica de alto valor cultural e moral que narra trechos do cotidiano de algumas batalhas vividas do final do Século XX em diante.

Ah, os dias de glória, os dias de esplendor! Tal época certamente ficou para trás… Desde a batalha anterior, ao desafiar as tórridas temperaturas em elevadas alturas, e monstros alados que desafiavam o equilíbrio no topo do mundo, tenho vivido dias de letargia…

Mesmo assim a aventura não cansa de bater à minha porta, desafiando-me a superar meus próprios limites! A última batalha travada se deu em decorrência de uma série de eventos menores – que até poderiam também serem chamados de ‘batalhas’ – e que me levou ao limite da exaustão tanto do corpo quanto da alma.

E não estou falando simplesmente do cansaço de subir e descer os inúmeros degraus das infinitas escadas que separam a caixa de força da instalação elétrica. Sequer alego o hercúleo esforço de passar e repassar fios por inóspitos conduítes totalmente obstruídos. Tampouco me refiro a ter adentrado num mundo esquecido pelo próprio tempo, causticante e claustrofóbico, desbravando totalmente agachado imensas distâncias em meio à escuridão, teias de aranha e fios elétricos, completamente oprimido pelo pequeno espaço que separa o forro do telhado. Mesmo a cruel e sanguinolenta luta travada com uma multidão de monstros himenópteros alados (uma vez que tive que passar pelo ninho formado por essas criaturas também conhecidas como “marimbondo-cavalo”) e da qual – pasmem! – saí totalmente ileso, mesmo tal peleja não merece ser considerada uma verdadeira batalha.

A verdadeira batalha, a batalha que consumiu todas as minhas energias, todas as minhas forças, que praticamente esgotou todo meu poder de concentração, de estratégia, de persuasão e que ainda por cima minou a ferrenha esperança que usualmente possuo de que dias melhores virão, foi ter que ligar no 103-15

VIGOR x vigor

E eu aqui, após um dia inteiro de trabalho no Opalovski (sim, eu sei, já passou da hora de dar uma atualizada lá no site Opala Adventure Projeto 676…), com os braços cansados, o joelho destruído, as batatas das pernas ameaçando cãibras, enfim, um caco pior que o usual.

Diga-se de passagem que sou mero ajudante de meu pai, que é quem faz o verdadeiro serviço técnico, ou seja, os moldes de chapa, as soldas – tanto elétrica quanto a oxigênio, que se enfia nas mais estapafúrdias posições para conseguir chegar naquele ponto específico que precisa de reparo.

A mim cabe as operações de desmontagem geral do veículo, preparar os locais a soldar (raspar a tinta, arrancar a massa, cavucar a ferrugem), limpar esses mesmos locais após a solda, lixar e aplicar a tinta de fundo.

Eu tenho 38 anos. Meu pai, 70.

Eu cheguei de manhã ele já estava trabalhando. Antes de encerrarmos ele ainda inventou mais algumas coisas para fazermos.

Eu tô acabado. Ele não.

Olha, desse jeito, se eu chegar até os setenta, já tô no lucro. Se chegar com o vigor dele, então – putz!

Ciganos na genealogia

Essa foi encaminhada para uma das listas de discussão genealógica das quais participo, a GenealBR, pelo amigo Aristóteles. Refere-se à tentativa de identificação de antepassados ciganos (gitanos) por parte de um listeiro argentino. Totalmente insólita a certidão que obteve. Segue, no original:

Da. Elena:

Un amigo mío encontró en una parroquia guipuzcoana durante el siglo XVIII, el bautismo de un hijo de gitanos.

Como todos sabemos, los vascos eran obsesos por indicar en las actas parroquiales, la naturaleza y la casa solar originaria de los cuatro abuelos del neófito.

En este caso, el cura anota: ‘… de abuelos desconocidos y condición gitanos, naturales y originarios de ninguna parte‘ (!).

Hernán Carlos LUX-WURM CENTURIÓN

Buenos Aires, R.Argentina.

Madrinha de guerra

Uma das premissas básicas normalmente utilizadas na escolha de quem vai ser madrinha de alguém é que deverá ser aquela pessoa que, na falta dos pais, tenha condições de assumir esse papel. E, no meu ponto de vista, não estamos falando da questão material, mas sim sob a ótica da moral, da idoneidade da pessoa. O próprio dicionário já traz como acepções da palavra “madrinha” os termos “protetora, auxiliadora”.

Pois bem.

A Fernanda, uma grande amiga, tem a Carol como afilhada. E, por uma série de eventos, ela (a afilhada) foi parar numa competição de basquete contra um time que detinha nítida vantagem na quadra. Mesmo assim, não esmoreceu. Foram até o fim. Amargo fim. Heróico fim.

As palavras de consolo da madrinha para a afilhada são de uma sensibilidade ímpar. Dignas de serem gravadas numa placa. Feliz dela por ter uma madrinha assim, tão dedicada.

Eis, na íntegra, sua ode:

E a criança meiga, de sorriso alegre e coração ‘gigantesco’, venceu mais uma etapa.

Dia 18 de março de 2007.

Um dia que poderia ser comum, sem grandes acontecimentos.

Um domingo qualquer na folhinha do calendário.

Mas não, foi um dia pra lá de especial.

Um dia, que mesmo com derrota no placar, vai ficar guardado em nossos corações.

E tudo começou assim:

Acorda cedo, corre pra não perder a hora, pega tudo meio que atravancando e segue para o Antigo Trianon.

Chega lá e olha o tamanho das meninas do outro time, são gigantes, mas só na estatura.

Gigante foi você, que aceitou o desafio e entrou em quadra.

Vestiário, técnico, equipe, tudo ali começa a formar o dia especial.

O Secretário de Esportes fala ao microfone dando boas vindas às equipes e explica que o time da casa está há apenas um mês treinando, mas isso também é só mais um detalhe.

Aí vem o hino, presente em competições oficiais.

Quando escuto o hino sempre me emociono, ele é lindo.

Mas em 18 de março de 2007 foi o dia que escutei o hino da maneira mais diferente.

Nem sei explicar direito, foi mais emocionante do que ouvir com alguma seleção brasileira de alguma modalidade.

Mas não, era você que estava lá. Dando mais um passo rumo ao crescimento pessoal e moral.

Nem se assustou com tanta gente. Estava concentrada e linda, como sempre.

Deus permita que seu caminho seja trilhado no bem.

É gratificante ver o resultado da dedicação das pessoas que te acompanham e o que está acontecendo em sua vida.

Não perca essa luz, com sabedoria e respeito ao próximo você vai longe.

149 x 7 .

Isso é apenas um detalhe.

O que importa mesmo é a vitória pessoal.

E bola pra frente que outros dias virão e com certeza o placar será diferente, é só você acreditar.

Eu te amo minha querida afilhada, que eu me permito chamar de filha, mais do que você pode imaginar.

SUCESSO.

Navegando por águas perigosas

E então, cerca de quinze dias depois, finalmente parece que o ano de 2007 está começando a engrenar…

Passado aquele tradicional e famoso “chacoalhão” turbulento de virada de ano, uma saudável rotina começa a se fazer presente, trazendo-me calmamente de volta à realidade. Coisas de taurino, eu acho. O ano começou já complicado, pois um tio que sempre me foi muito caro faleceu justamente na madrugada do “Dia de Ano”. Dos doze filhos de minha avó, onde meu pai é o mais velho, Tio Jorge era o oitavo. Foi embora com apenas 54 anos. Coisas desse tipo dão uma quebrada no ânimo de qualquer um. Aí embaixo tem uma foto dele com minha outra tia (irmã dele), Pedrina.

Mas, para definitivamente tentar começar o ano com pé direito (entretanto para desespero absoluto da Dona Patroa), eis que comprei outro carro. Pr’aqueles que ainda se lembram, o finado Marajó – carinhosamente conhecido por “Rabecão” – teve que ser vendido pra saldar dívidas necessárias. Indesejadas, mas ainda assim necessárias.

Mas onde estávamos? Ah, sim. O carro. Primeiramente devo lembrá-los que os recursos financeiros familiares continuam sendo escassos, principalmente para aquisição de veículos, digamos, um pouco mais novos. Isso significa que, qualquer que seja a aquisição, vai demandar de um tempinho sob meus parcos cuidados mecânicos para que fique em plena forma. Segundamente, tenho 1,90m de altura. Ou seja, sim, sou grandalhão. Terceiramente, levando em conta as considerações anteriores, nada mais justo que comprar um carro “a altura” de tais necessidades.

Resumo da ópera: trata-se de um Opala 1979 !

As condições gerais do carro estão meio (muito) trash, mas com tempo e paciência vou colocá-lo em dia. De imediato devo apenas resolver um probleminha de uma chave de fenda segurando o vidro do passageiro, assim como do banco do motorista, que está apoiado em um pedaço de concreto…

O resto a gente vai arrumando devagarzinho.

Espero que a Dona Patroa volte a falar comigo ainda este ano…

Segue uma foto de um Opala do mesmo tipo (não, não é o meu), só pra terem uma idéia do tamanho da criança.

Quente, quente, muito quente

Numa ligeira caminhada debaixo de um sol escaldante para pegar minha moto na oficina após uma indispensável retífica no motor (sim, motos precisam de óleo), pude rememorar com saudade meus tempos de infância.

Nos verões insuportáveis de outrora – uns vinte e tantos anos atrás – a molecada costumava se reunir com suas bicicletas e pegar a chamada “Estradinha de Monteiro” (que vai pra cidade de Monteiro Lobato) pra dar uns mergulhos no rio.

Eram bicicletas de todos os tipos: Monareta, Berlineta, Barra-circular, Barra-forte, Caloi 10, Sprint 10, BMX (sem tanquinho) e as invejadas Caloicross… Toda a tropa pedalava coisa de uns cinco a dez quilômetros até chegar na hoje extinta ponte de madeira do Rio Buquira, onde nadávamos por toda a tarde.

Nós chegávamos, empilhávamos todas as bicicletas na margem do rio, arrancávamos a roupa (não toda, o short ficava), e nos posicionávamos sobre o corrimão da ponte para o merecido mergulho após toda aquela árdua pedalada.

Lembro-me como se fosse hoje. O sol quente batendo nas costas, ainda arfando e suando devido ao trajeto de bicicleta, eu subia no corrimão (sei lá a quantos metros de altura do rio) e preparava-me para o mergulho. Esticava-me todo, numa pseudo-preparativa (como um nadador olímpico), abaixava-me, jogando os braços para trás e… IMPULSO!

Indescritível aquele momento de vazio, em pleno ar, antevendo as águas geladas do rio…

O próprio “cair”, totalmente envolvido pelo vento, já era o início do processo para refrescar…

E então o choque!

O corpo mergulhava totalmente na água e – por um breve momento – todos os problemas do mundo simplesmente não existiam. Ainda submerso, tudo que importava era aquele frescor vivenciado num momento de puro êxtase.

É lógico que tínhamos que voltar à superfície algum dia. Muitas vezes perdíamos a noção do tempo e quando emergíamos já estávamos adiantados, sendo arrastados pela correnteza, além da curva do rio. O chato era ter que voltar até a ponte, pela margem, a pé. O divertido era que podíamos começar tudo de novo.

Ah, bons tempos…