A Páscoa

Coelhinhos à parte – como muita gente gosta de lembrar – é importante frisar que, nestes nossos dias de hoje, a Páscoa serve para celebrar a ressurreição de Jesus Cristo, depois de sua morte por crucificação.

Para os hereges de plantão que não lembram dos evangelhos canônicos (não, os apócrifos ficam para um outro dia) o evento diz respeito a um dos mistérios centrais da fé cristã. Ou seja, é literalmente uma questão de fé. De crença. Como é dito num trecho do Credo, uma das mais tradicionais orações da Igreja Católica: “Padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu a mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai, todo poderoso (…)”.

Assim, a celebração da Páscoa diz respeito à vitória da graça sobre o pecado e a inauguração de um novo tempo, tempo de graça, de santidade, de vida, vida plena e vida eterna. Tempo de esperança e tempo de paz na crença da ressurreição de Cristo.

E deixemos aquela história de “libertação dos escravos” de lado.

Mas…

Alguém já ouviu falar de Ostara?…

Ostara (ou Ostera), no Velho Continente, é a Deusa da Primavera, que segura um ovo em sua mão enquanto observa um coelho, símbolo da fertilidade, pulando alegremente em redor de seus pés nus. Os elementos dessa deusa tríplice (a mulher, o ovo e o coelho), símbolos da chegada de uma nova vida, reforçavam o ideal de fertilidade comemorado entre os pagãos de outrora, muitos séculos antes do advento do cristianismo.

Ou seja, estava relacionada com as festividades celebradas durante o Equinócio de Primavera (já não falamos sobre isso antes?), cujo primeiro dia ocorre cerca de 21 de setembro no hemisfério sul e 21 de março no hemisfério norte. O inicio da Primavera marca também a volta do Sol e uma época do ano em que dia e noite tem a mesma duração depois do inverno. É o (re)despertar da Terra com sentimentos de equilíbrio e renovação, e é por isso que seus símbolos estão relacionados à fertilidade que chega depois do inverno. É renascimento. É renovação do espírito e da mente.

Algumas das tradições e rituais que envolvem essa deusa incluem ovos, flores e o coelho (festividades também conhecidas como Sabbat do Equinócio Vernal, Festival das árvores, Alban Eilir, Ostara e Rito de Eostre). Segundo a crença antiga, seu rosto muda a cada toque suave do vento, gosta de observar os animais recém-nascidos saindo detrás das árvores distantes, deixando seu espírito se renovar. Os pássaros estão cantando, as árvores estão brotando; surge o delicado amarelo do Sol e o encantador verde das matas…

OstaraOstara equivale, na mitologia grega, a Persephone. Na mitologia romana, é Ceres. Era Astarte na mitologia suméria e fenícia. Na antiga tradição saxônica, Eostre / Ishtar – que, daí, para variações como Ester e Easter foram bem simples. Em português, como em muitas outras línguas, a palavra Páscoa origina-se do hebraico Pessach. Os espanhóis chamam a festa de Pascua, os italianos de Pasqua e os franceses de Pâques. Mas, etimologicamente falando, não parece haver qualquer tipo de relação entre as palavras “Easter” e “Páscoa”.

Mesmo assim, Easter é na realidade um termo pagão com um significado “genérico” de Páscoa – mas a data só recebeu oficialmente esse nome lá pelo final da Idade Média.

As representações tradicionais da Páscoa Cristã vêm desses rituais à Ostara, como os ovos, símbolo da fertilidade e da reprodução, que eram pintados com símbolos mágicos ou de ouro, e eram enterrados ou lançados ao fogo como oferta aos deuses. Em seu dia eram acesas fogueiras novas ao nascer do sol e as pessoas se rejubilavam com o despertar desse novo período, dessa nova fase de fertilidade. Em certas partes do mundo pintavam-se esses ovos do Equinócio da Primavera de amarelo ou dourado (cores solares sagradas), utilizando-os em rituais para honrar o Deus Sol. Outra tradição muito antiga é a de esconder os ovos e depois achá-los – e, talvez, tenha vindo daí o costume dos norte-americanos (lamento, não sei escrever “estadunidense”…) de esconderem os ovos de chocolate no dia da Páscoa para que as crianças os encontrem.

Os alimentos tradicionais da comemoração do Equinócio da Primavera são os ovos cozidos (é lógico!), os bolos de mel, as primeiras frutas da estação em ponche de leite. Em particular na Suécia, os “waffles” eram o prato tradicional da época (o que teriam a ver com tudo isso é que não sei…).

Como a maioria dos antigos festivais pagãos, o Equinócio da Primavera foi cristianizado pela Igreja na Páscoa (também já não falamos disso por aqui antes?…). Desse modo a Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo, sendo que até hoje, o Domingo de Páscoa é determinado pelo antigo sistema do calendário lunar, que estabelece o dia santo no primeiro domingo após a primeira lua cheia, no ou após o Equinócio da Primavera.

E os ovos de chocolate?

Bem, lá pelo auge do período medieval, séculos após a Igreja ter dado início às reformas necessárias para ampliar o seu número de fiéis por meio da adaptação de antigas tradições e símbolos religiosos a outros eventos relacionados ao ideário cristão, ocorria que nobres e reis de condição mais abastada costumavam comemorar a Páscoa presenteando súditos e amigos com o uso de ovos feitos de ouro e cravejados de pedras preciosas. Também podiam ser encontrados ovos de madeira, metal, porcelana e outras (ricas) variações.

Fabérge Mas vamos a uma curiosidade no meio de tantas outras curiosidades: os famosos Ovos Fabérge. O ilustríssimo Karl Fabergé e os seus trabalhadores desenharam e construíram o primeiro ovo em 1885. Foi encomendado pelo Czar Alexandre III como uma surpresa de Páscoa para a sua esposa Maria Feodorovna. Do lado de fora parecia um simples ovo de ouro branco, mas quando se abria, revelava um outro ovo de ouro puro onde se escondia uma galinha feita do mesmo material, com uma pequena coroa de rubis na cabeça. A Imperatriz gostou tanto da sua prenda que o Czar nomeou Fabergé como “Fornecedor da Corte” e encomendou um ovo de Páscoa por ano a partir de então, estipulando que deveria ser único e conter uma surpresa. O seu filho, Nicolau II, continuou a tradição, oferecendo todas as primaveras um ovo Fabergé à sua esposa Alexandra e também à sua mãe…

Foi esse o primeiro Kinder Ovo da história!

Bem, já longe dos originários ovos das comemorações pagãs e de toda sua rica variação de ovos preciosíssimos, daí até que chegássemos ao famoso (e – vamos combinar? – bem mais acessível) ovo de chocolate não demorou muito. Mas foi necessário o desenvolvimento da culinária e, antes mesmo disso, a descoberta do continente americano.

Pois foi somente ao entrarem em contato com os maias e astecas (percebam que até eles fazem parte de nossos costumes pascais!), que os espanhóis descobriram a existência do cacau e foram responsáveis pela divulgação desse alimento sagrado (o chocolate!) no Velho Mundo. Diz a lenda que somente uns duzentos anos mais tarde, os culinaristas franceses tiveram a idéia de fabricar os primeiros ovos de chocolate da história, recheando ovos de galinha, depois de esvaziados de clara e gema, e, ainda, pintando-os e enfeitando-os por fora.

Talvez, num exercício até meio forçado de imaginação, uma possível correlação com toda a idéia de renascimento e renovação esteja ligada à energia que o chocolate proporciona, esse calórico extrato retirado da semente do cacau…

Enfim, depois dessa longa história, independentemente de qual seja sua crença ou religião, é importante sim celebrar toda essa energia positiva à nossa volta, pois estamos numa época de começar a plantar, época do amor, de promessas e de decisões, pois a comemoração básica é de que a Terra e a natureza despertam para uma nova vida!

E, por isso mesmo, não tinha como não lembrar deste fantástico vídeo…

 
(Obs.: As informações deste texto – à parte do pouco que eu já sabia – foram campeadas aqui e ali na Internet, sendo possível aprofundar-se em qualquer destes assuntos numa simples fuçada básica…)

Amor é amor

Oxímoro…

A pergunta que desde já não quer calar é: “por que começar um texto sobre amor, palavra tão sonoramente fértil, com outra de uma esterilidade auditiva extrema, como oxímoro?”

A pergunta em si já encerra a resposta…

Oxímoro é uma figura de retórica em que se combinam numa mesma expressão elementos linguísticos semanticamente opostos. Como exemplos, conforme se dê a construção de um texto, poderíamos ter as expressões “estridente silêncio”, “futuro arcaico”, “falsamente verdadeiro”, “simpatia assustadora”, “sofisticada simplicidade” e tantas outras mais.

A palavra oxímoro é formada de dois termos gregos” oxýs, que significa “agudo”, “penetrante”, “inteligente”, “que compreende rapidamente”, e morós, que quer dizer “tolo”, “estúpido”, “sem inteligência”.

Como se vê – e essa eu aprendi hoje – o vocábulo é formado de dois elementos contraditórios, o que significa que a própria palavra “oxímoro” é um oxímoro…

E cadê o amor?

Está neste soneto de Camões a seguir, um excelente exemplo poético totalmente carregado de oxímoros, que começa e se encerra em si mesmo:


Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
um nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É um querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Familiares os versos?

Sim, vocês já ouviram isso antes (ao menos aqueles tão “clássicos” quanto este que vos tecla…) em Monte Castelo, música do Legião Urbana lá do final dos anos oitenta.

Então basta aumentar o som e clicar no play aí embaixo!

Primeiro de Abril – Dia da Mentira

Pois bem, criançada, senta que lá vem história!

Ainda que a verdadeira origem do “Dia da Mentira” esteja envolta em mistério, a teoria mais aceita nos dias de hoje refere-se a essa pequena história que vou lhes contar…

Assim, para começar a entender o que é e o porquê dessa data é necessário primeiro compreender que o calendário tal qual nós o conhecemos não foi sempre assim. Com um pouco mais de propriedade esta crônica aqui pode explicar com mais detalhes como se deu toda a transformação até os dias de hoje. Mas para este nosso conto basta saber que o calendário anterior ao atual foi o Calendário Juliano, criado no ano 45 a.C. (para os hereges que não se lembrarem: “antes de Cristo”…) e por ninguém menos que o próprio general e estadista romano Caio Júlio César – sim, aquele mesmo.

Nesse calendário (que, de tão bem feito, durou aproximadamente 1.600 anos) havia sido estabelecido que o início do ano coincidia com o Equinócio de Primavera, entre 20 e 21 de março. Assim, numa tradicionalíssima Europa medieval, onde nem mesmo o Calendário Juliano era seguido por todos, as aldeias e paróquias celebravam o Ano Novo na Festa da Anunciação, em 25 de março, com festas que incluíam trocas de presentes e animados bailes noite adentro, que duravam uma semana, terminando com a comemoração do Réveillon em 1º de abril. Ou seja, era nessa data que se dava a “virada do ano”, quando as pessoas festejavam o novo período que se iniciava.

Entretanto não era de “bom tom” à Igreja (sempre ela) que o povo continuasse vinculando alguma data comemorativa a festas pagãs. Assim, em 1582, o papa Gregório XIII instituiu através de um decreto papal um novo calendário para todo o mundo cristão – o chamado Calendário Gregoriano – no qual o Ano Novo passou a cair em 1º de janeiro. É lógico que uma mudança dessa magnitude não foi aceita de pronto por todas as nações da época. Na França, por exemplo, somente foi adotada no reinado de Carlos IX após uns dois anos, lá por 1584.

Acontece que os franceses simplesmente resistiram à mudança. Ou se confundiram. Ou ignoraram. Ou esqueceram. Ou sei lá o quê. Mas o que importa é que, à parte da obediência ao decreto papal, a população manteve a comemoração na antiga data – o que, através dos tempos, logicamente começou a causar confusão. Afinal acabavam comemorando o ano novo duas vezes – na data oficial, em primeiro de janeiro, e na data costumeira, em primeiro de abril.

Sendo um “falso” ano novo não demorou muito para que os mais gozadores começassem a levar aquilo na brincadeira, ridicularizando os tolos conservadores adeptos à comemoração na data antiga, dando-lhes também “falsos” presentes. Apelidados de “tolos de abril”, recebiam presentes estranhos, convites para festas inexistentes, para casamentos falsos e até mesmo afixavam cartazes com supostos éditos reais de conteúdo jocoso… E, simples assim, surgiu o costume de passar trotes e pregar peças nessa data. Com o passar do tempo essa galhofa espalhou-se por toda a França, de onde, após cerca de dois séculos, migrou também para a Inglaterra e dali para o resto do mundo.

Fica fácil perceber que de “Dia dos Tolos” para “Dia da Mentira” o passo foi bem pequeno…