O Chico Anysio que conheci

Não vou perder tempo aqui tentando defender ou acusar a pessoa, nem seus detratores e tampouco seus fãs. Mas o fato é que Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, mais conhecido como Chico Anysio, faleceu ontem às 14h52min, no Rio de Janeiro, aos 80 anos.

E, antes de mais nada, era um ser humano, como qualquer um de nós.

Tá, nem tanto assim…

Afinal de contas, nas palavras de Ziraldo, “É inacreditável um sujeito como esse poder ser inseguro, mas o ego dele era muito grande, não se satisfazia com o sucesso que tinha. Queria ser respeitado como escritor, pintor, comentarista de futebol.” Isso porque, nas seis décadas de sua carreira, dentre outras coisas, foi radialista, redator, locutor, escritor, pintor, músico e ator de teatro, cinema e TV. E, nas próprias palavras de Chico (em 2002), “Minhas músicas são quase renegadas, minha pintura é desqualificada, meus comentários de futebol são considerados idiotas, minhas poesias nem chegam a ser lidas.”

Ou seja, no decorrer de sua carreira teve falhas e sucessos, como qualquer empreendedor que se preze.

Esse cearense (de Maranguape), nascido em 1931, começou sua carreira no rádio em 1952 e partiu pra TV em 1957. Em 1960 revolucionou a TV com seu programa “Chico Anysio Show”, na TV Rio. Já em 1970 foi para a Globo, onde em 72 inovou novamente o padrão televisivo da época com a estréia de “Chico City”. Daí em diante o resto é história – o que certamente será muito melhor contada pelos principais veículos de comunicação.

Com sua capacidade prodigiosa de criar tipos, protagonizou 209 personagens – alguns mais famosos, outros nem tanto – que retratavam figuras arquetípicas de todos os cantos do país, não se tratando de mera maquiagem e vestuário, mas cada qual com sua alma, característica e personalidade distintas, pessoas incrivelmente parecidas com aquelas que muitas vezes conhecemos e encontramos em nosso dia a dia.

Cresci assistindo Chico City – e foi esse o Chico que conheci – sendo que desde aquela época já pelo menos três de seus personagens me cativavam (e ainda cativam):

PantaleãoPantaleão – Com seu jeito simples e rústico, sempre de pijama, mentiroso de mão cheia, contador de causos como ele só, que, ao final de cada estória virava pra sua mulher e finalizava com o bordão: “É mentira, Terta?”

Popó“Seo” Popó – Velhinho chato, muquirana e encrenqueiro. Colocava defeito em tudo e, invariavelmente, a culpa no final era do seu parceiro de cena, Alpamerindo – “Idioooooota!”

TavaresTavares – Sempre bêbado, no limite do limite, tinha ótimas tiradas e um senso de equilíbrio (ou falta de) típico do ébrio inveterado. Sua frase de praxe: “Sou, mas quem não é?…”

Mas, à parte de todos seus personagens, acho importante ressaltar que no decorrer da última década acabou por afastar-se da TV simplesmente porque, na opinião de seu amigo, o ator Lúcio Mauro, “Não havia hipótese de ele, sendo o que era, conviver com tanta incompetência e burrice, que se alastrou nos últimos anos.” Creio que não dá pra discordar desse ponto de vista…

Enfim, ainda que tenha minha convicção absoluta de que não é a opinião geral, concordo plenamente com o ponto de vista expressado pelo jornalista Marcos Augusto Gonçalves, “Restam poucos talentos vinculados ao tipo de humor que Chico Anysio representou, popular sem ser popularesco, politicamente incorreto sem precisar ser imbecil e gratuitamente ofensivo.”

E agora, por raro que seja, sempre que assisto à TV, cada vez mais rio menos…

Ponto de vista

– Sabia que seu filhote do meio tá lá com seu celular?

– E?…

– E sabia que ele já fez vinte e sete mil pontos naquele joguinho da bolinha?

– Hmm? É? Nada mau. Mas ainda muito longe dos SESSENTA E SETE MIL que eu fiz!

Kodomô! Você não tem vergonha de ficar disputando com as crianças, não?

– Nenhuminha, desde que EU esteja ganhando…

Chaplin

Bem, na atual conjuntura, tendo emendado as férias com a cirurgia, estando total e completamente confinado em “prisão domiciliar” (não tem outro nome pra se dar quando a gente não tem sequer como se locomover por causa da tala e dos pontos), então, juntamente com os livros que me têm feito companhia – e já estou até colocando em dia aqueles permanentemente quatro ou doze livros em aberto – o negócio é (re)ver bons filmes em casa.

E somente aqueles que gosto/gostei…

Chaplin, de 1992, conta a vida de um dos maiores gênios do cinema, retratada desde a sua infância pobre até o recebimento de um Oscar Especial. O filme foca também suas várias ligações amorosas e os problemas de ordem política, que o levaram a ser expulso dos Estados Unidos. Curioso ver como vários acontecimentos de sua própria vida foram retratadas nos filmes, alguns explicitamente, outros de maneira sutil ou subliminar. E, melhor ainda, ver como eram feitos os filmes de antigamente, ainda na época do cinema mudo, quando os atores tinham não só que saber interpretar como também tinham que ser verdadeiros acrobatas. Fora toda a glamour do início do cinema, em “Hollywoodland”… No papel principal Robert Downey Jr, com as participações (pra ficar só nos famosos) de Dan Akroyd, Anthony Hopkins, Kevin Kline e James Woods.

Recomendo!

O estímulo correto

EI!!!

Quando eu falo em “estímulo” não é nada disso que vocês estão pensando, não! Já disse por mais de uma vez que este aqui é um blog de família. Bem, quase.

Depois eu penso numa penitência pra vocês…

O negócio é que no jantar de ontem a Dona Patroa atacou com sua famosa (e altamente gaseificante) salada de beterraba. Simples e fácil de fazer – não requer prática e tampouco habilidade. Beterraba (dãããã…) e ovo, ambos cozidos, mais rodelas de cebola crua. Um tiquinho de maionese pra dar liga e sei lá mais quais ameaças de tempero pra completar. Muito saborosa. A salada, gente. Tá. Também.

Mas, então.

Ao final do jantar, cada qual acabando com seu cada seu, levanta-se o filhote do meio, que, praticamente, apenas “respirou” um pouco da comida, o filhote mais velho, nesse período de estirão também conhecido como “a draga”, a própria Dona Patroa e meu sogro, o honorável senhor Miyagi-san.

Ficamos eu e o caçula, com seus sete (quaji oitchu) profícuos aninhos.

Eu já tinha terminado e ele ajuntava os últimos grãozinhos de arroz com o garfo. A única fatia de beterraba que foi servida junto com sua refeição (sob veementes protestos) jazia solitária no ponto mais distante da galáxia de seu prato. Ele, meio que já aguardando o que lhe esperava, olha pra mim por sobre os óculos e com aquela carinha meio de receio, meio de quem tá tateando, pergunta:

– Que foi?…

– Olha, Jean. Nós dois sabemos que nós dois só sairemos desta mesa quando nós dois acabarmos TODA nossa refeição. Eu já acabei a minha. Você ainda está aí sem sequer puxar prosa com sua beterraba. E nem adianta me dizer que já está satisfeito. Deixa eu contar o que vai acontecer: eu só vou me levantar quando você tiver mastigado, engolido e comido ela todinha, mas você vai ficar enrolando e não vai comer, minha perna vai começar a doer (por causa da cirurgia) e eu vou ficar irritado, você vai ficar chateado porque eu estarei irritado, eu vou perder a paciência e vou acabar te colocando de castigo por você não comer a bendita beterraba, e, no final das contas, nós dois ficaremos tristes – você por causa do castigo e eu por ter perdido a paciência com você. Então que tal a gente pular todo esse imbróglio, você come logo essa beterraba e a gente resolve isso duma vez, hein?

– …

E é LÓGICO que ele ficou enrolando, empurrando a beterraba pra lá e pra cá. E é lógico que o pavio da minha paciência foi se extinguindo rapidinho (até porque ele tem a velocidade de queima daqueles pavios usados pelo Coyote quando tenta pegar o Papa-Léguas). E é lógico que minha perna, de fato, começou a doer.

– JEAN!!!

Pareceu que uma descarga elétrica desceu pelo corpo do petiz.

– Vê se pára de enrolar e come logo isso! Será possível?

Então ele começou, literalmente, a roer a beterraba cozida. Conhecendo-o como conheço, percebi de cara sua estratégia: se eu desse nova bronca ele diria que estava comendo, só que devagar; eu ficaria esperando mais um tempo, acabaria perdendo a paciência, sairia da mesa e, de quebra, não poderia lhe aplicar nenhum castigo, pois ele estava fazendo a parte dele; comigo fora do campo de visão bastaria se livrar do incômodo pedaço de beterraba. Perfeito! Um verdadeiro Moriarty das sobras do prato.

No tom mais calmo que consegui imprimir à minha voz, resolvi:

– Jean. Mudança de regras. O senhor tem UM MINUTO para comer esse minúsculo pedaço de beterraba. Se você não tiver mastigado, engolido e comido ela todinha antes desse minuto acabar, você ficará, vejamos, até a próxima segunda-feira sem sequer chegar perto de qualquer tipo de jogo, seja no computador ou na televisão, certo? Bem, vamos lá: cinquenta e cinco… cinquenta… quarenta e cinco…

Com a contagem regressiva em andamento e aparentemente derrotado em sua estratégia, ele puxou a tigela de feijão jogou um pouco do caldinho sobre a beterraba, olhou para o relógio e levou-a à boca numa única garfada, mastigando vigorosamente e engolindo duma vez só aquele verdadeiro pomo da discórdia.

Isso em cinquenta e cinco segundos cravados.

Ah… Nada como o estímulo correto, não é mesmo?