O velho e o moço – Los Hermanos
11:29-01:12
O velho e o moço – Los Hermanos
11:29-01:12
Ainda que pela metade, esta é a continuação da aventura
que agora se tornou uma narrativa
Então.
Lembram-se que a estrada tinha mudado de algo como “inacreditavelmente difícil” para apenas “extremamente complicada”? Teimosamente seguindo em frente a estrada conseguiu se tornar “absurdamente impossível”…
Aquelas pedras que faziam parte de alguns pontos da estrada há centenas de metros atrás, agora eram A PRÓPRIA estrada! Sabem aquelas ruas de Paraty, com pedras gigantes, onde não se consegue andar a não ser que seja de tênis? Espalhe um pouco de limo e barro para todos os lados e enfie um carro por ali. É mais ou menos essa a imagem do caminho.
Já não cogitávamos mais voltar. Se aquela caminhonete havia descido, então também era possível que descêssemos. Mesmo num Astra. Isso caso a caminhonete não tivesse despencado ribanceira abaixo. Ah, sim! Ribanceira. Inúmeras. Em curvas fechadas e precipícios vegetais por centenas de metros abaixo. E, para ajudar, em vários pontos da serra minava água da montanha, fazendo com que tudo que não fosse pedra se tornasse um verdadeiro tapete de lama pra lá de escorregadio.
Já não era mais possível ser um mero co-piloto palpitando de dentro do carro. Tomar a direção também não era uma opção – até porque eu não tinha nenhuma intimidade com carros automáticos. Desci e fui caminhando de costas para a estrada e à frente do carro, um verdadeiro guia, batedor naquele nosso safári das letras. Pulando de uma pedra para outra, tentando não escorregar, dançando uma dança de contorcionismos, meio como um Jack Sparrow das montanhas, lá ia eu orientando as manobras do carro:
“Isso… Agora vira tudo pra direita… Acelera! Pára, para! Agora vira pra esquerda… Vem bem devagarzinho… Agora pra direita de novo! Força! Isso…”
E assim por diante. E o carro vindo, todo desengonçado naquela estrada toda torta, às vezes começando ligeiramente a escorregar de lado, em direção à ribanceira, quando eu falava, suando frio: “Alê! Dá uma aceleradinha só, vai, devagarzinho…” E o carro voltava ao leito… Aquilo já havia deixado de ser uma estrada, era quase que meramente uma trilha!
Mas o mais fodasticamente incrível disso tudo foi o grau gigantesco de confiança que ela depositou em mim. Conheço muitas outras mulheres que numa situação como essa simplesmente teriam saído do carro, sentado na estrada e se colocado a chorar. Ela não. Confiou quase que cegamente no meu julgamento de que estava fazendo o melhor possível – mesmo quando o fundo do carro emitia barulhos horripilantes de metal se esfregando nas pedras, como o casco de um Nautilus prestes a arrebentar. E ela, lá. Firme. No mínimo deve ter enfiado a Do Bem e a Do Mal dentro do porta-luvas, só pra não atrapalhar…
Não sei dizer quantas centenas de metros durou esse sofrimento. Eu à frente e ela me seguindo. O medo de o carro quebrar ou enroscar de vez era uma constante. Isso sem falar em derrapar barranco abaixo! O dia já havia amanhecido e, pelos cálculos, sequer estávamos na metade do caminho.
Mas eis que o que já era inusitado acabou nos trazendo algo mais inusitado ainda! Além de todas aquelas pedras no meio do caminho, justamente quando a trilha parecia estar voltando a ser uma estrada, acabamos por encontrar algo totalmente inesperado!
(essa história ainda continua…)
Fingi na Hora Rir – Los Hermanos
11:27
Ainda que pela metade, esta é a continuação da aventura
que agora se tornou uma narrativa
Bem, já ao alvorecer do dia, prosseguimos viagem, sempre num proseio animado, até que, de repente, não mais que de repente, com um belo dum solavanco, o asfalto simplesmente acabou, dando início a uma estrada de terra!
Paramos o carro.
“Quiéisso???”, ela perguntou.
“Estrada de terra, uai…”, respondi-lhe dizendo o óbvio do óbvio (uma de minhas muitas inúteis especialidades natas).
Numa rápida consulta ao GPS, o desgraçado informou que era por ali mesmo e que ainda faltavam cerca de vinte quilômetros até o centro de Paraty. Ou seja, simplesmente não existiam alternativas. E vamos combinar que voltar trocentos quilômetros até a Via Dutra, retornar até Taubaté para, dali, descer a serra, bem, isso definitivamente NÃO era uma alternativa…
Alás, perdidos que estávamos em nossas conversas, um pouco antes havíamos apenas vislumbrado – mais pela visão periférica que por merecida atenção – uma placa bem no final do asfalto, onde supomos que deveria informar sobre a divisa de estados: ali acabava o Estado de São Paulo e começava o Estado do Rio de Janeiro. Que putz! Ficou claro que a infraestrutura havia ficado lá em São Paulo!
E ela, por sua vez, estava simplesmente pasma. Não era possível que aquilo fosse realidade. Uma estrada de terra, e, ainda por cima, bem ruinzinha. Foi então que lembrei-me o que era que tinha ouvido falar acerca daquela estrada: é que era ruim mesmo. Pecava pela falta de conservação, etc, etc, etc. E tinha ouvido isso foi numa conversa com um antigo chefe já há mais de dez anos! Bem, desde então com certeza a estrada não deve ter melhorado, não é mesmo?…
“Não acredito. É o fim da picada! Como é possível que isso exista? Uma estrada de terra? Aqui? É o fim da picada!”
Ela continuava pasma. De minha parte, hoje, sabendo a história completa, me pergunto como estariam se comportando a Do Bem e a Do Mal lá dentro daquela cabecinha reviravoltada. Provavelmente, naquele momento, AS TRÊS deveriam estar querendo jogar o Do Chapéu montanha abaixo…
Já com o dia tendo despontado, prosseguimos com toda cautela naquela estradinha surreal, descendo a serra, em boa parte à beira de abismos, com trechos onde mal passavam um veículo e com pedras dum tamanho de fazer inveja a qualquer meteoro de respeito.
Creio não ter comentado que estávamos num Astra automático, ou seja, talvez o carro mais inapropriado deste lado do Equador para uma estrada daquele gabarito. Também não ajudava em nada o fato de haver um pouco de barro entre as pedras e poças d’água que não tinha como saber a profundidade. Fiquei de co-piloto, dando palpites por onde passar e por onde não passar e, sinceramente, não sei como ela simplesmente não me mandava calar a boca… Sua tensão era visível e mesmo assim manteve-se firme – ainda que receosa de que talvez aquela estrada não fosse dar em lugar nenhum, quando muito, talvez, numa porteira e só.
Inevitável não lembrar naquele momento do Ítalo Casoni, um sargento reformado do exército com o qual trabalhei já há muitos anos. Ele adorava contar causos de sua época da ativa, em especial quando sua unidade se embrenhava no meio do mato, com jipes, armas e toda aquela parafernália típica do exército. De quando em quando surgiam umas pontezinhas de madeira caindo aos pedaços (isso quando eles próprios não tinham que construir uma) e tinham que passar por ela com o veículo. E bem devagar. Quase parando. E o soldado, quando acabava de atravessar, de dentes tão cerrados muitas vezes estava com o maxilar travado tamanha a tensão pela qual passava! Pelo menos naquela estrada em que estávamos não havia disso…
E lá, com ela, dentro daquele carro naquela situação total e completamente inusitada, perdidos no meio de tanto verde, meio que me encolhi em mim mesmo nos meus devaneios. Explico. Ainda que uma parte de mim estivesse ali, de corpo presente, conversando e tentando trazer um pouco de conforto a ela que – literalmente – entre trancos e barrancos avançava com o carro serra abaixo, uma outra parte de mim estava viajando no meio daquela mata ancestral, com os primeiros pássaros despertando alvoroçados para mais um dia que se iniciava (e provavelmente se perguntando quem diabos eram aqueles dois malucos perdidos por ali), me fazendo lembrar de tantos outros lugares e acampamentos e situações e pessoas e vidas que já deixei pra trás. Sempre fui mais um sujeito de montanha que de praia, de rio que de mar. E ali, naquele local abençoado, meio que minh’alma começava a ser sugada por toda aquela imensidão de verde.
E eu estava ali, meio que presente, meio que perdido nessas lembranças e considerações, quando eis que, do nada, materializou-se no retrovisor e em seguida já estava nos ultrapassando, também descendo, uma caminhonete – acho que da Polícia Florestal ou algo que o valha.
“Vamos perguntar se é esse mesmo o caminho?” – ela sugeriu.
“Que nada, não tem como não ser. Eles mesmos já estão descendo, não estão?”.
Não sei que raio de argumento foi esse, mas até ali ainda haveria um último raio de esperança de um eventual retorno. Ah, nós homens… Nunca nos rendemos a perguntar nada, não é mesmo?
Tendo a estrada melhorado um pouco depois de algum tempo (algo como tendo deixado de ser “inacreditavelmente difícil” para apenas “extremamente complicada”), encontramos um marco implantado numa das curvas. Paramos pra ver. Era um dos Marcos da Antiga Estrada Real!
Pelo menos agora – em tese – sabíamos onde estávamos!
Descemos, demos uma espreguiçada geral para aliviar a tensão, respiramos um pouco daquele ar absurdamente puro, tiramos algumas fotos e conversamos. Ela ainda cogitou voltar e eu, bom taurino teimoso como sempre1, talvez indo contra toda a lógica racional para uma aventura daquela estirpe, ainda insisti que já sabíamos o quão difícil era o que já tínhamos encontrado e, dali pra frente, ainda não sabíamos o que iríamos encontrar e muito provavelmente talvez não tivesse como piorar.
É lógico que eu estava enganado.
1 Nota – Somente para que tenham uma idéia do que é teimosia, sempre disse pra todo mundo que sou daqueles taurinos que tranquilamente colocaria o seguinte adesivo no carro: “Não adianta me seguir, pois também estou perdido, não sei onde essa estrada vai dar, MAS VOU ATÉ O FIM!”. Quão profético isso…
(essa história ainda continua…)
O Menino – Pedra Letícia
11:29
Definitivamente: essa é minha música! 😀
Ainda que pela metade, esta é a continuação da aventura
que agora se tornou uma narrativa
Falha-me a memória se a parada que fizemos foi antes ou depois de chegar em Cunha… Naquela pousada em que não pousamos. Creio que deve ter sido antes…
“Que parada?”, perguntariam os incautos.
“Simples!”, responde-lhe este cauto que vos tecla.
Estrelas no céu.
Nem mais, nem menos que estrelas no céu.
A noite estava ligeiramente fria e, longe das grandes – e pequenas – cidades, foi possível ver o brilho de cada uma daquelas estrelas que estavam à nossa disposição. Paramos o carro, acendi um cigarro e filosofamos um pouco sobre aquele espetáculo que, ainda que diariamente estivesse presente, raramente tínhamos a capacidade ou sequer o interesse de simplesmente olhar para cima. Ficamos algum tempinho ali, na beira de uma estrada totalmente deserta, encostados no carro, comigo abraçando-a pela cintura e ambos simplesmente olhando para cima…
Constelações inteiras à nossa disposição, as Três Marias nos acenando, verdadeiro deleite visual numa fria noite de inverno. Um cenário de verdadeiramente perder o fôlego.
Enfim, uma fantástica miríade de pontos luminosos e brilhantes sobre um veludo negro somente visíveis em locais tal qual aquele onde estávamos, ou seja, total e completamente afastados da civilização e de suas luzes artificiais, de modo que podíamos apreciar todas aquelas luzes naturais.
Inclusive as coloridas que piscavam e se moviam no céu…
E foi assim, com esses sinais de bons presságios que prosseguimos tranquila e animadamente nosso caminho!
Mal sabíamos o que, muito em breve, nos aguardava…
(essa história ainda continua…)
Depois de Ver – O Círculo
11:28