O Fim da Picada – O Fim

Ainda que pela metade, esta é a continuação da aventura
que agora se tornou uma narrativa

Enfim, chegamos.

Paraty.

Paramos na primeira pousada que encontramos – e que tinha vagas, pois, sob outro ângulo, era a última da estrada para quem viesse da cidade… Chalezinhos aconchegantes no pé da serra, embrenhados no meio do mato. Simplesmente perfeito.

Entre sangue, suor e lágrimas – mas sem lágrimas – pudemos descansar, relaxar, dormir, tomar um belo de um café da manhã (lá pelo meio-dia) e tudo o mais que um casal que passou pelo que passamos teria direito a fazer…

Mais tarde, já na cidade, eis que ela recebe uma ligação. Era da sua equipe. Fazia horas que estavam tentando falar com ela, mas não conseguiam… Por que será? Talvez porque no meio do nada onde estávamos, simplesmente não existia a mínima possibilidade de um sinal de celular nos alcançar? É, acho bem provável. Enfim, tinham notícias para ela: O FILME BOMBOU! Uma das maiores bilheterias de lançamento! Sua felicidade era palpável! Êita oraçãozinho do off-line que funciona, né?

E nosso dia foi de passeios, encontrar e conhecer os amigos dela, livros, lanches, lembranças, cachacinhas, namoro, proseio e assim por diante. Já à noite, para que as inusitadices que passamos não ficassem para trás, mais uma ainda aconteceu. Procurando algum lugar para jantar e estando tudo lotado, ela lembrou-se de um certo restaurante que talvez ainda tivesse vagas e fomos para lá. Enquanto aguardávamos a liberação de uma mesa, veio um sujeito lá de dentro direto na minha direção: meu chefe!

Se tivéssemos combinado de nos encontrar não daria tão certo!

Fui até a mesa dele para prosear por alguns minutos – onde tinha mais uma turma nossa lá do trabalho – e, dentre outras coisas ele me perguntou:

“Que legal, você por aqui! Quando vocês chegaram?”

“Ah, saímos de madrugada, mas só chegamos hoje pela manhã.”

“Caramba! Muito trânsito?”

“Na realidade, não… Zero de trânsito. Zero, MESMO. É que viemos pela estrada de Cunha – Paraty…”

“QUE LEGAL! Eu sou doido pra fazer essa trilha, também! Em que jipe vocês vieram?”

“Errr… Então. Nós não viemos de jipe, não… Descemos aquilo lá num Astra automático…”

“CUMÉQUIÉ???”

Bem, não demorei muito e lhe expliquei num resumo bem resumido mais ou menos como foi nossa desventura… Voltei para minha mesa, onde desfrutamos o resto da noite com os amigos da Alê. E, dali, pegamos o rumo pra casa – dessa vez por estradas “de verdade” – mas como o cansaço já estava batendo em alto e bom tom à nossa porta, resolvemos fazer pouso na beira da praia. Encontramos uma pousada que resolveu que era possível receber aqueles dois malucos já de madrugada e, banho tomado, passamos mais uma noite aconchegante aconchegados numa cama macia. Pela manhã, acordamos e, de mãos dadas, pudemos ver o amanhecer à beira-mar… Simplesmente perfeito.

E foi essa a história. Fim da picada, fim do picadeiro, fim. Com pouco tempo acabamos nos afastando – totalmente minha culpa, não dela – e, cada qual no seu canto, fomos viver nossas vidas, nossos imaturos e dramáticos dramalhões. Dentre tantas outras coisas que passamos, foi nessa viagem-de-uma-hora-pra-outra que fizemos nossa história, que agora virou estória. Graças à minha eterna confusão de sempre cada um tomou seu rumo e vamos, muito bem, obrigado, vivendo nossas vidinhas…

Mas essa história é nossa. Foi nossa. Nada vai mudar, nada vai apagar. É certo que as palavras do lado de cá não fluem tão bem e não soam tão interessantes quanto do lado de lá, mas eu precisava acabar de contar essa história. Ela estava em aberto, inacabada, sem um fim. E toda história precisa de um fim para não ficar viva, flutuando à nossa volta, se fazendo presente, pedindo para que se retorne à ela. Durante tempo demais deixei-a em aberto, como que para manter um aroma, uma fragrância por perto. Um quê de Alê. Um último restinho de minha paixão que não foi forte o suficiente para se tornar amor. Essa história não foi o fim de nossa história, mas era a última história a ser contada e que ainda precisava de um fim.

FIM.

O amor bom é facinho

Ivan Martins
Revista Época

Há conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente acredita que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito. Acham que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis de conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho – esses tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade?

Eu suspeito que não.

Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil – e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócio. É engraçado, mas dói.

Também somos educados para o sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem valor. Somos uma sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos esforçar para obter recompensas. As coisas que realmente valem a pena são obtidas à duras penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa – na escola, no esporte, no escritório – levamos seus pressupostos para a vida afetiva. Acabamos acreditando que também no terreno do afeto deveríamos ser capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de conquistas épicas para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais, não vale. Amor assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo?

Minha experiência sugere o contrário.

Desde a adolescência, e no transcorrer da vida adulta, todas as mulheres importantes me caíram do céu. A moça que vomitou no meu pé na festa do centro acadêmico e me levou para dormir na sala da casa dela. Casamos. A garota de olhos tristes que eu conheci na porta do cinema e meia hora depois tomava o meu sorvete. Quase casamos? A mulher cujo nome eu perguntei na lanchonete do trabalho e 24 horas depois me chamou para uma festa. A menina do interior que resolveu dançar comigo num impulso. Nenhuma delas foi seduzida, conquistada ou convencida a gostar de mim. Elas tomaram a iniciativa – ou retribuíram sem hesitar a atenção que eu dei a elas.

Toda vez que eu insisti com quem não estava interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram resultado.

Relato essa experiência para discutir uma questão que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos insistir em obter a atenção de uma pessoa que não parece retribuir os nossos sentimentos?

Quem está emocionalmente disponível lida com esse tipo de dilema o tempo todo. Você conhece a figura, acha bacana, liga uns dias depois e ela não atende e nem liga de volta. O que fazer? Você sai com a pessoa, acha ela o máximo, tenta um segundo encontro e ela reluta em marcar a data. Como proceder a partir daí? Você começou uma relação, está se apaixonando, mas a outra parte, um belo dia, deixa de retornar seus telefonemas. O que se faz? Você está apaixonado ou apaixonada, levou um pé na bunda e mal consegue respirar. É o caso de tentar reconquistar ou seria melhor proteger-se e ajudar o sentimento a morrer?

Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir?

Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%, oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar) num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios.

Uma das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a um assédio longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples razão de que ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito ostensiva sem desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se dissipam. Eles ficam e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o tipo de personalidade que insiste demais numa conquista pode estar movida por motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela dificuldade? É um caso de amor ou de amor próprio?

Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de nada.

O Fim da Picada – Uma inusitada parada

Ainda que pela metade, esta é a continuação da aventura
que agora se tornou uma narrativa

UM BOTECO!

Isso mesmo: um botequinho, pé-sujo, de madeira, perdido no meio do nada!

E – pasmem – aberto!

Entre surpresos e cansados, apeamos do carro, e fomos ver aquele local insólito dentro de um cenário que já era pra lá de insólito. Conhecemos o tiozinho que “toca” o lugar, proseamos um bocadinho e pudemos relaxar outro tanto. É lógico que ali, perdido no fim do mundo, as opções seriam limitadíssimas.

Com o friozinho que fazia e os pés meio que úmidos eu adoraria tomar um “choconhaque” – uma boa lembrança de quando fui pela primeira vez em São Thomé das Letras e que, numa situação de chuva calamitosa e barracas flutuando, encharcados até a alma, vim a conhecer essa saborosa mistura que aquece até o coração: chocolate quente com conhaque.

É lógico que ali ele não teria essa beberagem divina, quando muito a garrafinha térmica com café dele mesmo. Pra não passar em brancas nuvens, já que não teríamos um choconhaque, fiquei somente com o conhaque mesmo…

E, após tanta tensão, a Alê, embevecida com a paisagem, sacou de sua máquina fotográfica e começou a registrar tudo que podia – em especial a passarinhada multicolorida que cobria o lugar. O tiozinho explicou que ali era assim mesmo, e que os passarinhos já estavam até acostumados, até comiam na mão. Ante minha cara de incredulidade ele descascou uma banana e colou na murada. Aquilo ferveu de passarinhos! Coloquei uma raspinha na mão e a estiquei. E não é que veio mesmo um curiosinho dar umas bicadas na polpa da banana (e também da minha mão)?

Mais um pouquinho de proseio e de repente a gente ouve o inconfundível som de um motor de fusca. Não apenas um, mas dois, estavam descendo a serra, carregados até o talo de tralhas e, numa boa, como se estivessem passeando em pleno asfalto! De fato, fuscas são bodes mecânicos, aguentam ir até onde jipeiros não arriscariam…

Não sei precisar quanto tempo ficamos por ali, se apenas alguns minutos, meia hora, uma hora ou mais. Eu sei é que estávamos agora bem despertos e mais relaxados e com uma paisagem paradisíaca à nossa frente. Um quê de comunhão com a natureza de poder olhar a paisagem até onde a vista alcança e apenas encontrar a mata densa, fechada, linda, soberba!

Até mesmo a estrada parecia que estava bem melhor a partir daquele ponto!

Mas não se enganem: Murphy é, sempre foi e sempre será um velho sacana – e com a cara do House…

Talvez pouco mais de uma centena de metros abaixo havia uma ponte de pedra no meio do caminho, no meio do caminho havia uma ponte de pedra… Larga o suficiente na justa medida para as rodas do carro passarem quase que na borda…

Foi minha última intervenção como guia. Bem devagar, com as rodas bem alinhadas, ela veio trazendo o carro em linha reta até passar a bendita da pontezinha – sempre olhando nos meus olhos enquanto eu, do lado de fora, ia vendo se as rodas não desviavam de seu trajeto.

Passado esse último obstáculo, de fato a estrada voltou a ser estrada – ainda que de terra, mas já dava para desenvolver até mesmo uma surpreendente velocidade de uns trinta a quarenta por hora…

E continuamos nossas conversas e proseios, agora de fato relaxados, planejando o que faríamos onde ficaríamos e assim por diante. E como quando você não está dirigindo sempre acaba tendo mais liberdade para prestar atenção na paisagem, coisas e pessoas, de repente eu vejo as costas de uma grande placa e fico curioso. Enquanto estávamos passando ao lado da placa, fui virando a cabeça e pude ler o que estava escrito. Não me contive:

“Para! Para! Para! Alê, para esse carro agora! Você PRECISA ver isso!”

Taquiôspa! Só agora que avisam? Não dava pra ter colocado essa placa lá em cima, no começo, ANTES de a gente entrar na estrada? Que caramba!

(essa história ainda continua…)