Trincheiras na WEB

Revista Carta Capital nº 652, de 29/06/2011 – fls. 24 em diante

“Sem partidos ou sindicatos, os brasileiros voltam às ruas em grandes manifestações convocadas pela Internet.”

Simplesmente fantástica essa chamada. Seria essa a “democracia” finalmente levada ao seu limite, com a efetiva participação popular? O texto, na prática, se refere à insatisfação com as condições de trabalho dos operários da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, bem como ao movimento dos bombeiros no Rio de Janeiro. Apesar da distância – tanto no tempo quanto no espaço – o que ambos os movimentos tiveram em comum foi a mobilização via torpedos de celular, e-mail, Twitter, Facebook e sabe-se lá o que mais.

E isso tem se demonstrado cada vez mais uma realidade nos movimentos da sociedade brasileira…

Mas, mais na prática ainda, vamos combinar que não estamos falando de democracia. Mas sim de anarquia. E, caso você, incauto leitor, não saiba, anarquia não quer dizer caos, bagunça, desordem ou qualquer outro tipo de desorganização do gênero. Anarquia nada mais é que a falta de governo – por não precisar de governo. Não há “líderes”, mas sim consenso.

Isso ficou melhor evidenciado num outro episódio internetístico, dessa vez com a prefeita de Natal, Micarla de Sousa, onde manifestantes se organizaram rapidamente e – sob a batuta do hashtag #foramicarla – acamparam em frente à Câmara Municipal e durante 11 dias não arredaram o pé dali enquanto não foi instalada uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar os contratos da Prefeitura.

Alguns trechinhos interessantes:

O acampamento de Natal foi, até agora, o mais bem-sucedido caso de ativismo on-line no País. Foram seis meses de convocações, sempre utilizando o Twitter e o Facebook, até chegar ao protesto vitorioso. (…)

No Twitter e no Facebook, militantes de partidos de oposição, mas também muitos jovens não militantes, espalharam a hashtag “#foramicarla”, pedindo o impeachment da prefeita, que rapidamente ganhou adesões . Como vários estudantes de Direito da UFRN estavam entre os manifestantes, a legalidade do acampamento na Câmara foi garantida por um habeas corpus preventivo elaborado pelo próprio grupo. “Fiquei impressionado com a agilidade desses meninos. Juridicamente, eles estavam muito bem amparados”, disse o secretário-geral da seção regional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Paulo Coutinho, que atuou como mediador da contenda. Ele ri ao lembrar que uma das maiores dificuldades para a negociação é que não havia líderes.

(…) A presidência da Câmara acabou por concordar com as reivindicações dos estudantes, que finalmente saíram. Poucos dias depois, no entanto, a mesa diretora passou a dizer que as decisões nada tinham a ver com o acampamento.

(…) Os cerca de cem jovens, com média de idade de 23 anos, como Natália, que dormiram nas 27 barracas montadas no pátio do Legislativo da capital potiguar, dividiram-se em oito comissões, cada qual com sua tarefa. Quem aparecia por lá decidido a passar a noite, mas não tinha tenda, era imediatamente incluído no programa “Minha Barraca, Minha Vida”.

Tanto os participantes não filiados a partidos quanto os filiados relatam uma experiência rica no respeito às diferenças. “Havia uma rejeição mútua entre nós que se dissolveu depois do acampamento. Os não militantes viram que nós, militantes, não somos tão chatos assim nem estamos querendo cooptar ninguém. E nós, militantes partidários, percebemos que mesmo os anarquistas podem se organizar” (…).

Estômago e bolso das togas

Revista Carta Capital nº 652, de 29/06/2011 – fls. 20

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – proclamado erroneamente como de controle externo, mas composto na sua maioria por magistrados – acaba de aprovar resolução a garantir aos juízes brasileiros em atividade dois benefícios: auxílio-alimentação e venda de férias trabalhadas.

A resolução do CNJ deveu-se a uma provocação feita pela Associação dos Juízes Federais (AJUFE). Com base na isonomia, equivalência, a associação pediu benefícios já percebidos por membros do Ministério Público. Convém lembrar que cada juiz federal vence, em média, 23 mil reais, ou seja, não se trata de remuneração famélica. Num Brasil de baixos salários, com um mínimo não ideal e com programas como o Bolsa Família para minimizar a miséria, o tal auxílio-alimentação aos bens nutridos juízes soa como escárnio, data venia.

Por outro lado, nada mais justo indenizar por férias trabalhadas. Só que a categoria goza de dois períodos anuais de descanso. E, pelo justificado há anos, os dois repousos seriam necessários em razão da atividade intelectual desgastante imposta aos magistrados, que, ainda, carecem de tratamento diferenciado para se aperfeiçoar. Só uma coisa soa estranha e gostaríamos de entender. Se, por necessidade e humanidade, dois meses de descanso ao ano são necessários, por que não obrigar os magistrados a gozarem as férias inteiras, em vez de autorizá-los a se eslfalfarem e ainda vendê-las?

Sim, os grifos acimas foram meus.

Não, não vou comentar mais nada.

Alone in the darkness

E então você chega em casa.

Silêncio.

Para minimizar o efeito você se concentra nas tarefas triviais. Limpeza da casa. Roupas no varal. Correspondência sob a porta. Coisas do cotidiano.

Mas, ainda assim…

Silêncio.

Checa seus e-mails, atualiza seu blog, publica no Twitter, passeia pelo Facebook.

Enquanto isso…

Silêncio.

Toma um banho, rememora o dia, resguarda quem queria ver, releva quem não pretendia, planeja o amanhã, imagina o depois, mas…

Silêncio.

E seu coração começa a ficar apertado (somente compreende plenamente essa expressão quem já por ela passou).

Come o último pão integral, repassa mentalmente uma lista de compras que sabe que vai esquecer e flerta por alguns momentos com uma garrafa de vinho ainda fechada que sedutoramente te encara da cristaleira.

Mas o vinho, ao contrário dos solitários destilados, é uma bebida para ser verdadeiramente apreciada, no mínimo, a dois.

Que fique, pois, a garrafa quieta em seu canto, sossegada em seu mais absoluto…

Silêncio.

Recosta-se na cama, arruma o travesseiro, cobre-se, puxa um dos vários livros para mais uma vez continuar alguma das várias leituras.

Mas depois de duas, três, quatro páginas percebe que sequer tem idéia do que está lendo. Seu corpo está presente, mas sua mente não. Deixa o marcador na mesma posição de quando pegou o livro, apaga a luz, aninha-se e fecha os olhos.

E escuta.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Muito silêncio.

Um silêncio ensurdecedor.

Um silêncio que se expande, que cobre, que envolve, se espalha e faz tremer as paredes.

Um aterrador silêncio.

Ainda que busque consolo nas memórias do dia, nas risadas compartilhadas, nas tarefas executadas, nas pessoas encontradas – ou, ainda mais distante, nas memórias recentes, na companhia dos amigos, nas viagens realizadas, na bagunça dos filhotes, nos lábios da amada, enfim, nos ruídos, nas percepções, nas experiências que poderiam preencher sua alma… Ainda assim ele se faz avassaladoramente presente.

Silêncio.

E a noite se estende e é cedo o suficiente para saber quão longa ela será. E nessa, em especial, na qual as famílias já se recolheram, os operários já se foram e as baladas acolhem seus devotos, mais uma vez é a solidão que em meio ao escuro do quarto se aproxima, se entremeia nas cobertas, te envolve nos frios braços e sussura em seus ouvidos.

Silêncio.

E você – pela bilionésima vez – se questiona acerca de seus caminhos, suas decisões, suas escolhas. As conversas que já teve, as que não teve, as que gostaria de ter, as que esperava ter, as que não terá.

E, animal social que é, percebe o quanto lhe faz falta o carinho, o aconchego, o sorriso, o abraço, o entrelaço de pernas, a pele na pele, a confiança largada, a segura companhia, a estável presença, o suave murmúrio das crianças na madrugada, o calor de realmente querer bem e de ser verdadeiramente correspondido, a simples e tenra ternura de sentir serenamente preenchido o coração. Sem efusão. Sem sofrimento. Doce acalento.

Mas não é esse o seu caminho.

Não hoje.

Não agora.

Resta, então, o abraço da solidão.

A noite que se distende.

E, obviamente.

Silêncio.