E então, neste sábado que amanheceu chuvoso, como que antecedendo o milagre da movimentação do nosso querido Titanic (e apenas dois dias antes do aniversário de naufrágio daquele que lhe deu o nome), eis que me coloquei a esperar o guincheiro – o sujeito do caminhão guincho – que iria passar em casa para pegar a plataforma e buscarmos a lata do futuro bólido.
Estávamos combinados para às nove da manhã.
E, lógico, deu nove horas e nada – deixando este usualmente paciente ser que vos tecla um tanto quanto impaciente…
Dediquei-me à vã tentativa de me concentrar em algumas outras tarefas que me ocupassem a mente, como consertar a caixinha de giz dos filhotes, mas confesso que não deu lá muito certo. Já estava achando que, juntamente com a chuva, novamente tudo tinha ido por água abaixo.
E eis que de repente uma buzina começa a tocar incessantemente do outro lado da rua. “Só pode ser ele!”, pensei de imediato.
Era.
Um senhorzinho de chapéu (já gostei!), bigodudo e com cara de bonachão me aguardava do lado de fora. Me apresentei, assim como ele (e confesso que dois minutos depois já havia lhe esquecido o nome). Explicou de seu atraso e contou uma ótima história sobre como foi guinchar, às cinco da matina, um veículo enfiado num buraco lá em Campos do Jordão e quase que ele mesmo é que acaba precisando ser guinchado. Mas tudo correu bem. Exceto pelo veículo, que continuou no buraco. Colocamos a plataforma em cima do caminhão e seguimos adiante, até a oficina onde a lata de meu bom e velho Opala 79 nos aguardava.
Antes, uma pequena nota: originalmente eu havia planejado que essa plataforma – ou carrinho, ou berço, ou seja lá que nome resolvam chamar essa minha criação – seria desmontável. Assim eu levaria seus componentes até a oficina, montaria, colocaria a lata em cima e seria só questão de aguardar o guincho. O problema é que, por um erro de cálculo quando estava furando a madeira acabei invertendo um dos furos de uma das pontas, o que me obrigou a montar o parafuso sob pressão. Ora, uma vez montada (e era indispensável uma primeira montagem), com os parafusos travados do jeito que ficaram, seria melhor então transportá-la inteira. O que, pelo peso e dimensões, seria inviável em qualquer outro veículo sem carroceria…
Pois bem, estávamos a caminho quando o sujeito me olha meio de esgueio e me solta essa:
– Num sei não… Mas parece que eu já te conheço…
Putz! E lá vamos nós… Como já trabalhei em diversos empregos com bastante contato com o povo e também já morei em diversos lugares da cidade, sempre era mais fácil alguém me conhecer que eu me lembrar desse alguém. Com a idade acabei ficando desencanado e já não tenho mais paciência para aqueles joguinhos de ficar tateando nas lembranças, com receio de ser deselegante por não reconhecer a pessoa.
– Pode até ser! Mas vou ser bastante sincero: não me lembro do senhor, não. Nadica de nada. De onde o senhor é?
– Lá da Vila César, em Santana.
– Ora! Sou nascido e criado em Santana. E na Vila César – mais conhecida como “Três Árvores”, certo? – eu costumava estar sempre! Principalmente por conta de meu amigo, o Pascoaleto, que hoje tem um trailler que transformou numa casa de lanches, subindo um pouco bairro acima.
– Isso mesmo! Eu tinha um bar, bem na esquina e vocês sempre estavam lá! Eu até achava que vocês fossem irmãos!
– Heh… Irmãos de alma, meu caro… A vida acaba separando a gente, mas naquela época podíamos dizer que éramos sim. Mas tô meio encafifado, pois aquele bar que a gente costumava ir era do Seu Saulo, pai do Mi, onde tinham aquelas mesas de bilhar…
– Não, na outra esquina, logo na descida!
– Ah… Sinceramente não me lembro muito de ter ido lá não. Mas se o senhor fala, eu acredito! Até porque a gente costumava mesmo era estar em tudo quanto era boteco da região!
E assim seguimos num agradável proseio, relembrando dos velhos tempos, até chegarmos na oficina.
Coincidências à parte, como diria uma amiga, “neste mundo só existem vinte pessoas; o resto é tudo ator coadjuvante”…
Como eu esperava, ainda estava tudo do mesmo jeito quando chegamos na oficina. Solícito, ele me ajudou a empurrar um carro para fora, enquanto que outro foi desviado do percurso com um macaco jacaré. Com o acesso livre bastou que levantássemos a lata (mais leve do que eu imaginava) e a colocássemos sobre o suporte.
Ficou perfeito! Confiram:
Bem, as rodinhas cumpriram muito bem sua função. Ainda que num piso meio que acidentado, elas deram conta do recado. O fato de serem giratórias facilitou e muito a locomoção do Titanic, pois não estávamos adstritos às limitadas manobras convencionais de um veículo com suas próprias rodas. Daí foi só levá-lo para o outro lado da rua e, com apenas um pouco mais de cuidado do que seria usual, transferi-lo para cima do guincho.
As fotos (ainda que do celular), mesmo debaixo de chuva, já mostram esse passo a passo…
Com o veículo devidamente pronto para o transporte, fizemos o curto caminho de poucos quilômetros até em casa. Não sem antes dar uma passada em frente da oficina de outro funileiro para o qual estou pensando em passar a não tão árdua tarefa de acabar essa reforma.
Cheguei a conversar com ele antes – um tiozinho que já há vinte anos possui sua oficina no mesmo lugar. Na ocasião ele foi muito razoável em dizer que não tinha como dar um orçamento sem ver o estado da lata e que seria muito chato ir até a oficina onde estava o veículo para “dar um preço”. Lúcido e coerente. Ponto pra ele.
Infelizmente, por ser um sábado, parece que ele tirou o dia pra descansar. Paciência. E sem a possibilidade de descarregar o veículo por ali mesmo, seguimos por mais algumas quadras até em casa, onde foi feita a “operação descarrego”…
Só deu um pouco de trabalho foi para passar com as rodinhas na primeira “rampa” da calçada (entre o asfalto e o concreto), pois o desnível é razoável. Ainda mais debaixo da chuva – que não parava. Mas, ainda assim, sem nenhum esforço considerável e um pouco de imaginação, colocamos o carro na calçada. E dali pra dentro da garagem já ficou fácil!
Enfim, no decorrer da semana devo entrar em contato novamente com o outro funileiro e levá-lo até em casa para que possa fazer a devida avaliação nos serviços que terá pela frente. E, principalmente, passar o preço! Aliás, dependendo deste último quesito talvez ainda seja necessário ampliar a via sacra mais um pouco…
Ao menos o Titanic está de volta a sua doca original, aguardando por mais um tempinho para que O Projeto tenha continuidade!
Ah, em tempo: quem talvez não tenha gostado muito dessa história foi meu sogro – que mora conosco. Com dois Opalas e mais o Corsa da Dona Patroa na garagem não sobrou espaço suficiente para abrigar o Golzinho 92 dele. Que, por enquanto, deve ficar na casa de seu outro filho até eu me “livrar” da lata que ocupa a garagem.
Paciência.
De novo.
Não tem como agradar gregos e troianos.
(Ou seriam japoneses e americanos?…)
😀