O acesso gratuito: afinal, quem paga a conta?

( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 02, de março/2000 )

Acesso gratuito: neste nosso país em que pagamos até por lugar em fila, parece brincadeira, mas não é. Essa nova tendência torna-se mais estranha na medida em que, num passado bem recente – há mais ou menos cinco anos – o governo achava um “absurdo” que esse bicho chamado Internet possibilitasse às pessoas entrar em contato com o resto do mundo sem que se pagasse interurbano pra isso. Mas estamos falando de uma época pré-privatização, onde as estatais dominavam serviços e recursos que hoje fazem parte da livre concorrência do mercado. Sinal dos tempos…

Na realidade, apesar de já existir há algum tempo lá fora, especialmente no Reino Unido, não se esperava que o acesso gratuito chegasse tão cedo à Terra Brasilis. Nem com tanta força. O processo que desencadeou essa nova modalidade no mercado brasileiro seguiu, mais ou menos, a seguinte trajetória: num primeiro momento fez-se a luz e a Internet começou a despontar nos lares brasileiros, nitidamente caracterizada por um acesso precário e preço proibitivo. Em seguida surgiram as “gigantes” do mercado – UOL, ZAZ, AOL, Starmedia – provedores cuja concorrência desencadeou uma guerra particular, onde a agressividade gerou efeitos benéficos para o bolso dos consumidores, fazendo com que os preços caíssem (mas ainda assim custava alguma coisa). Por fim, no final de 1999 e início de 2000, começaram a despontar as primeiras oportunidades de acesso gratuito, primeiramente através de alguns bancos, e, em seguida, através de provedores propriamente ditos.

Indubitavelmente o primeiro banco a oferecer acesso gratuito a seus clientes foi o Banco do Brasil, parece que com 5 horas de acesso mensal. Muitos clientes, ainda assim, achavam um absurdo o banco oferecer acesso gratuito e continuar cobrando taxas extorsivas para outros serviços, tais como extratos e talões de cheques. Como demonstra a história relacionada às empresas do governo, o Banco do Brasil não soube enxergar ou sequer aproveitar a oportunidade que se descortinava ante seu empreendimento inovador. Tanto o é, que nessa exurrada de promoções que circunda o acesso gratuito não me lembro de já ter visto ou ouvido alguma propaganda desse banco.

Logo em seguida, com um senso de oportunidade muito mais aguçado – próprio da iniciativa privada – o Bradesco passou a oferecer acesso gratuito aos seus correntistas, atitude essa que foi imediatamente copiada pelo Unibanco.

No caso dos bancos o interesse pelo fornecimento de acesso gratuito se explica pelo simples fato de se tratar de um fator de investimento e economia para a empresa, que vão se verificar a médio ou longo prazo. Investimento, pois visa atrair novos correntistas interessados em contratar o banco para “cuidar” de seu dinheiro e que, de brinde, ganham no pacote um acesso gratuito à Internet. Economia, pois desse modo procura difundir cada vez mais o uso de seu Internet Banking, fazendo com que a maior parte das transações sejam efetuadas a partir da própria residência do correntista, reduzindo sobremaneira os custos bancários.

Essa redução dos custos bancários se dá porque uma transação on-line é muito mais barata do que uma transação na boca do caixa (economiza-se em papel, equipamento, funcionário, dependências, etc). Para se ter uma idéia da economia, uma transação pela Internet chega a custar um décimo da compensação iniciada na boca do caixa. Mas quem ficou verdadeiramente contente com essa novidade foi a bolsa de valores, pois, pasmem, graças a isso o valor de mercado do Bradesco subiu 4 bilhões de reais em dezembro!

O curioso é que a Abranet (Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet de São Paulo) temia que essa ação dos bancos representasse concorrência desleal em face dos demais provedores existentes. Ora, entendo que não há que se falar em concorrência desleal, posto que o público-alvo de cada setor é bastante distinto. Além do quê, seria ingenuidade achar que os usuários da Internet que já possuíssem um provedor migrariam para os serviços oferecidos pelos bancos, até porque existe sim um custo: o usuário tem de se sujeitar às regras do banco para ter o direito ao acesso gratuito, regras essas que podem incluir um número limite de horas de acesso, um capital mínimo investido na instituição, um número x de transações mensais, ou qualquer outra modalidade do gênero.

Antes de passarmos ao surgimento dos primeiros provedores de acesso gratuito, convém falar um pouco sobre o FreeServe, um provedor Europeu que já vem oferecendo esse tipo de acesso desde 1998 na Inglaterra, tendo, inclusive, desbancado o AOL (América On Line) do primeiro lugar. O segredo do lucro, nesse caso, está diretamente vinculado à regulamentação das telecomunicações britânicas, pois a companhia telefônica (no caso, a BT – British Telecom) é obrigada a pagar aos provedores de acesso uma percentagem do que recebem nas contas telefônicas de internautas. Como o acesso à Internet é o responsável direto pelo aumento de tráfego na rede, nada mais justo que as empresas que proporcionaram essa avalanche de impulsos tenham para si uma fatia do bolo, que, dependendo do horário, gira em torno de 30 a 90 pence (um a três reais) por hora gasta navegando (o custo do impulso no Reino Unido é um dos mais altos da Europa).

Pois bem, após a investida dos bancos, surgiram então os primeiros provedores gratuitos: BRFree (em Minas Gerais, cujos três principais acionistas são os ex-proprietários da rede de supermerados Mineirão, comprada pelo Carrefour) e iG (em São Paulo, de Aleksandar Mandic, e bancado pelos grupos Opportunity e Garantia Press). Em que pese a primazia do BRFree no lançamento desse tipo de serviço, pois começou a operar em 8 de janeiro, dois dias antes de seu concorrente, foi o iG que rapidamente se alastrou pelo Brasil afora. Isso se explica pelo investimento maciço desse último em publicidade e uma rápida expansão que permitiu o acesso a inúmeras cidades do interior do Estado e no restante do Brasil. Já o BRFree, pelo menos até o momento, limitou sua área de atuação somente às cidades de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.

Quase que simultaneamente surgiram também o Super11.Net e o C@tólico, este lançado pela Arquidiocese e Porto Alegre. Na sequência vieram o Tutopia, o Terra Livre e a Netgratuita – sendo que os dois últimos, respectivamente, são as ramificações de acesso gratuito dos grupos Terra (ex-ZAZ) e Universo On Line.

Entretanto fica a pergunta: de onde vem o dinheiro para tantos empreendimentos? Convém esclarecer que no Brasil, ao contrário da Inglaterra, não existe o repasse de parte da conta telefônica aos provedores de acesso. Assim, sobram as seguintes fontes: investidores e anunciantes.

Mas quem seria louco o suficiente para investir dinheiro em um serviço que não cobra nada de seus usuários? Muita gente… Deve-se ter em mente que a carteira de assinantes de um provedor é um bem de valor incálculavel. Na realidade trata-se de uma grande aposta, que funciona como um loop: os assinantes procuram determinados provedores porque estes disponibilizam acesso gratuito, quanto maior o número de assinantes, mais interessados ficam os anunciantes, que pagam para que seus produtos possam atingir esse público, quanto mais os anunciantes pagam, mais os provedores lucram e mais eles podem reinvestir em conteúdo e em atendimento aos assinantes, quanto mais conteúdo e melhor atendimento, mais assinantes surgem, e assim por diante.

Apesar de praticamente tudo na Internet ser conteúdo, nesse caso, diz respeito a uma série de serviços e facilidades que são disponibilizados para os usuários de determinados provedores. Por exemplo, dentro do conteúdo que o UOL oferece aos seus assinantes encontra-se a revista Veja e o jornal Folha de São Paulo – são de acesso exclusivo àqueles que se utilizam dos serviços do provedor. A histórica compra da Time Warner pelo América On Line visava, principalmente, a aquisição de conteúdo a ser oferecido aos assinantes do AOL. Digamos que o AOL tornou-se responsável pelo encanamento e a Time Warner pelo que vai fluir dentro desse encanamento. Como muito bem colocado numa reportagem de Helio Gurovitz:

“Mas é muito importante entender aqui que a palavra conteúdo não tem o mesmo significado dentro e fora da Internet. O primeiro a distinguir entre canos e conteúdo foi o fundador da RCA, David Sarnoff, em um artigo escrito em 1958 para a revista Fortune. Eis o que ele dizia em relação ao modelo de negócios que criou para o rádio: ‘Estamos na mesma posição que encanadores instalando canos. Não somos responsáveis por aquilo que corre dentro desses canos’. Assim, os negócios de comunicação tradicionalmente têm sido divididos entre os encanadores e os produtores de conteúdo. Uns são os técnicos, que imprimem ou levam ao ar um programa de rádio ou TV. Outros são os criadores, que de fato produzem texto, sons e imagens.”

Marcos Aguiar, diretor da consultoria Boston Consulting Group, especializada em tecnologia, afirmou que “ninguém assiste à televisão pelos comerciais; a procura é pelo conteúdo, e na internet não é diferente”. Ou seja, os atuais provedores pagos devem repensar sua estratégia de abordagem, de modo a compreender que não é a mensalidade que paga que torna o usuário lucrativo, na realidade o fato de utilizar de seus serviços é que definitivamente agrega um valor real a esse usuário, posto que, uma vez satisfeito, fatalmente indicará os serviços do provedor a terceiros, de modo que a carteira de clientes cresça cada vez mais.

Assim, como já disse, tudo trata-se de uma grande aposta, pois muito do investimento feito nesses provedores de acesso gratuito foram anteriores à existência de qualquer carteira de assinantes. Os investidores demonstraram que acreditavam no sucesso do empreendimento da melhor forma que conhecem: financiando-o. A lógica dos investidores dita que é uma boa coisa aplicar recursos em projetos que dão os primeiros passos, pois é menor o custo e é maior a possibilidade de assumir uma participação maior nos negócios. Quem está na área diz que nove entre dez empreendimentos afundam no primeiro ano, entretanto aquele que sobrevive pode gerar lucro suficiente para cobrir o fracasso do restante.

Se um empreendimento digital desse porte consegue firmar-se no mercado e transformar-se num sucesso comercial, seus proprietários poderão ficar ricos e os investidores multiplicarão algumas vezes o capital que arriscaram no negócio. Entretanto, se der errado, com certeza os investidores nunca mais verão a cor de seu dinheiro. Para falarmos um pouco de números, o Brasil é o maior mercado de Internet da América Latina, pois o continente movimenta hoje cerca de 1,4 bilhão de dólares por ano, devendo crescer 42% ao ano até 2004 e chegar a 8,1 bilhões de dólares.

O sucesso do empreendimento pode ser medido justamente através de sua carteira de assinantes: só o iG, nas primeiras semanas, já tinha arregimentado mais de 400 mil novos usuários. A NetGratuita, num período igual, diz ter conseguido mais de 800 mil. Mas, cá entre nós, saibam que a NetGratuita montou seu serviço de acesso sobre a estrutura do BOL (Brasil On Line) – aquele do “todo brasileiro tem direito a um e-mail” – e convenientemente contabilizou os usuários já cadastrados do BOL nos números apresentados…

Vemos, então, que essa carteira de assinantes é que é a pedra filosofal dos serviços de acesso gratuito, pois todos esses assinantes são, teoricamente, compradores virtuais. Mas será que a publicidade na Internet dá tanto retorno assim? Vejamos: qualquer empresa que resolva investir em publicidade quererá que seu anúncio seja visto pela maior quantidade de pessoas possível. Na Globo, por exemplo, o custo de inserção de um comercial no horário nobre é um dos mais caros existentes – justamente porque a audiência naquele horário é uma das maiores da emissora. Mesmo assim os anunciantes pagam esse preço porque sabem que seu produto será visto por zilhões de pessoas, e que, de uma maneira ou de outra, terá um retorno de pelo menos um percentual desse povo todo.

Na Internet não é muito diferente. Numa analogia ao quadro acima, os anunciantes vão procurar os sites que possuem grande quantidade de visitantes (ou seja, uma grande audiência) para expor seus produtos. Numa explanação simplista, suponhamos a existência de um banner (propaganda) num site que receba a visita de cerca de um milhão de internautas por dia; destes, apenas 1% vão clicar no banner, o que já corresponde a 10 mil consultas diárias por um público bem seleto, pois somente os verdadeiramente interessados é que efetuarão essa consulta. Ora, temos que uma mísera imagem relegada a um canto da tela do computador consegue atrair cerca de 300 mil pessoas por mês para o anunciante. Qual propaganda de jornal, revista, rádio ou TV consegue essa façanha e pelo mesmo custo? Nenhuma, creio eu.

Para finalizar, é curioso verificar que empresas digitais que jamais deram lucro são justamente as que tem maior valor de mercado. O bordão adotado pela turma da nova economia diz que “lucros são para perdedores”. Acho que força um pouquinho o bom senso, mas a frase define bem a diferença que separa a velha economia do mundo de negócios virtual da Internet. Salvo raras exceções as empresas do mundo digital (também conhecidas como dotcom ou pontocom) vivem no vermelho, jamais tendo visto lucro. E por que valem tanto, então? Valem pelo seu potencial, pelo que podem vir a ser no futuro. O mercado acredita que suas ações valem muito porque todo mundo acredita que valerão mais ainda dentro de pouco tempo. Enfim, tudo é questão de fé…

É necessário, entretanto, tomar cuidado com toda essa euforia, pois situações como essas faz com que as pessoas comprem ações a um preço que sabem ser elevado, na certeza de que vão encontrar dentro de pouco tempo “um tolo mais tolo” que irá pagar ainda mais pelos mesmos papéis. Na história mundial das euforias, as crises ocorrem justamente quando a figura desse “grande tolo” não aparece e aí amarga-se o prejuízo. Como diz o ditado, “o diabo pega o último da fila”.

A quem interessar possa, os links para os provedores de acesso gratuito são os seguintes:

– iG – http://www.ig.com.br
– Terra Livre – http://www.terralivre.com.br
– NetGratuita – http://www.netgratuita.com.br
– Super11.Net – http://www.super11.net
– BRFree – http://www.brfree.com.br
– C@tólico – http://www.catolico.com.br
– Tutopia – http://www.tutopia.com.br

E como, ainda assim, o acesso não é totalmente gratuito, visto que resta a conta telefônica a ser paga, não se esqueçam de observar a tabela abaixo:

 HORÁRIOS DE TARIFAS NORMAIS E REDUZIDAS:

 0hs.        6hs.        14hs.        24hs.
 !-----------!-----------!-------------!---------------------
 ! Tarifa    !     Tarifa Normal       ! Dias Úteis
 ! Reduzida  !                         !
 !-----------!-------------------------!---------------------
 ! Tarifa    ! Tarifa    ! Tarifa      ! Sábados
 ! Reduzida  ! Normal    ! Reduzida
 !-----------!-----------!-------------!---------------------
 !          Tarifa Reduzida            ! Domingos e Feriados
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  * Tarifa Normal   = 1 pulso a cada 4 minutos
  * Tarifa Reduzida = 1 pulso por chamada

 

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Gritos de Liberdade

( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 02, de março/2000 )

Não me recordo quando e como exatamente os seguintes textos chegaram às minhas mãos. Também não tenho referências sobre quem os elaborou. Só sei que, apesar de escritos há vários anos, contém princípios que deveriam nortear todo e qualquer estudo de imposição de limites e fronteiras no mundo virtual, bem como qualquer tentativa de definição de legislação aplicável ao ciberespaço. Não obstante, reflete de modo ímpar o sentimento que deveria prevalecer entre os internautas, principalmente no que diz respeito àqueles que procuram formas de controlar a divulgação ou o acesso a informações que deveriam ser originariamente livres.

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DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DA INTERNET

Recentes avanços pelo governo dos EUA violaram as fronteiras neutras de um Estado auto-sustentado de magnitude internacional – a Internet – hipocritamente reivindicando para si a propriedade de uma Nação independente e não sujeita às leis de nenhum nação. Essa extrema arrogância é um entrave para uma Nação fundada em ideais contrários à sua atual administração. Isso é o resultado de uma inevitável relação de causa e efeito, muitas vezes repetida através da história – o poder levando à arrogância e a arrogância conduzindo à corrupção. Essa volta ao passado de pessoas forçando pessoas conduz à escalada da guerra. A paz só será obtida quando as pessoas deixarem de forçar uma às outras.

Um corpo legislativo desinformado impôs leis a um mundo que não consegue compreender. A invasão a um país pacífico e a opressão enérgica através de regras destrutivas é inaceitável. O desrespeito aos seus cidadãos e o desprezo aos ideais dos fundadores da Internet é inadmissível. A violação dos recursos intelectuais deste rico Estado para o proveito de uma outra nação é inadmissível. O esforço de controlar a disseminação de informações, como os algoritmos de encriptação, é estúpida. O grosseiro abuso desta vasta rede para invadir a privacidade dos cidadãos de regiões domésticas e estrangeiras é perverso. A restrição de liberdades e a detenção de pessoas, por falta de consciência exata da enorme e desajeitada massa burocrática e da intricada legislação, é repugnante além das palavras.

Nós desta forma DECLARAMOS a Internet uma nação Livre e Independente, cujas amarras de servidão a qualquer outra nação foram cortadas. A Internet como um todo é universalmente neutra e não tem subordinação a qualquer país. Eu desta forma arrisco o sacrifício de minha própria vida para a liberação de muitas vidas.

10 de Março de 1996.

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DECLARAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA NO CIBERESPAÇO

Governos do mundo industrial, vocês gigantes aborrecidos de carne e aço, eu venho do espaço cibernético, o novo lar da Mente. Em nome do futuro, eu peço a vocês do passado que nos deixem em paz. Vocês não são bem-vindos entre nós. Vocês não têm a independência que nos une.

Governos, seu justo poder deriva a partir do consenso dos governados. Vocês não solicitaram ou receberam o nosso. Não convidamos vocês. Vocês não vêm do espaço cibernético, o novo lar da Mente.

Não temos governos eleitos nem mesmo é provável que tenhamos um, então eu me dirijo a vocês sem autoridade maior do que aquela com a qual a liberdade por si só sempre se manifesta. Eu declaro o espaço social global aquele que estamos construindo para ser naturalmente independente das tiranias que vocês tentam nos impor. Vocês não têm direito moral de nos impor regras, nem ao menos de possuir métodos de coação a que devamos temer.

Vocês não nos conhecem, muito menos conhecem nosso mundo. O espaço cibernético não se limita a suas fronteiras. Não pensem que vocês podem construí-lo, como se fosse um projeto de construção pública. Vocês não podem. Isso é um ato da natureza e cresce por si próprio por meio de nossas ações coletivas.

Vocês não se engajaram em nossa grande e aglomerada conversa, e também não criaram a riqueza de nossa reunião de mercados. Vocês não conhecem nossa cultura, nossos códigos éticos ou falados que já proveram nossa sociedade com mais ordem do que se fosse obtido por meio de qualquer das suas imposições.

Vocês alegam que existem problemas entre nós que somente vocês podem solucionar. Vocês usam essa alegação como uma desculpa para invadir nossos distritos. Muitos desses problemas não existem. Onde existirem conflitos reais, onde existirem erros, vamos identificá-los e resolvê-los por nossos próprios meios. Estamos formando nosso próprio Contrato Social. Essa maneira de governar surgirá de acordo com as condições do nosso mundo, não do seu. Nosso mundo é diferente.

O espaço cibernético consiste em idéias, transações e relacionamentos próprios, tabelados como uma onda parada, na rede das nossas comunicações. O nosso mundo está ao mesmo tempo em todos os lugares e em nenhum lugar, mas não é onde pessoas vivem.

Estamos criando um mundo em que todos poderão entrar sem privilégios ou preconceitos de acordo com a raça, poder econômico, força militar ou lugar de nascimento. Estamos criando um mundo onde qualquer um, em qualquer lugar, poderá expressar sua opinião, sem temer que seja coagido ao silêncio ou conformidade.

Seus conceitos legais sobre propriedade, expressão, identidade, movimento e contexto não se aplicam a nós. Eles são baseados na matéria. Não há nenhuma matéria aqui.

Nossas identidades não possuem corpos, então, diferente de vocês, não podemos obter ordem por meio de coerção física. Acreditamos que a partir da ética, compreensivelmente interesse próprio de nossa comunidade, nossa maneira de governar surgirá. Nossas identidades poderão ser distribuídas por muitas de suas jurisdições. A única lei que todas as nossas culturas reconheceriam é o Código Dourado. Esperamos que sejamos capazes de construir nossas soluções sobre este fundamento. Mas não podemos aceitar soluções que tentam nos impor.

Nos Estados Unidos vocês estão criando uma lei, o Ato de Reforma das Telecomunicações, que repudia sua própria Constituição e insulta os sonhos de Jefferson, Washington, Mill, Madison, de Tocqueville e Brandeis. Esses sonhos precisam nascer agora de novo dentro de nós.

Vocês estão apavorados com suas próprias crianças, já que elas nasceram num mundo onde vocês serão sempre imigrantes. Porque têm medo delas, vocês incumbem suas burocracias com responsabilidades paternais, já que são covardes demais para se confrontar. Em nosso mundo todos os sentimentos e expressões de humanidade, desde os mais humilhantes até os mais angelicais, são parte de um todo descosturado: a conversa global de bits. Não podemos separar o ar que sufoca daquele em que as asas batem.

Na China, Alemanha, França, Rússia, Cingapura, Itália e Estados Unidos, vocês estão tentando repelir o vírus da liberdade, erguendo postos de guarda nas fronteiras do espaço cibernético. Isso pode manter afastado o contágio por um curto espaço de tempo, mas não funcionará num mundo que brevemente será coberto pela mídia baseada em bits.

Sua indústria da informação cada vez mais obsoleta poderia perpetuar por meio de proposições de leis, na América e em qualquer outro lugar, que clamam por nosso discurso pelo mundo. Essas leis declarariam idéias para serem um outro tipo de produto industrial, não mais nobre do que um porco de ferro. Em nosso mundo, qualquer coisa que a mente humana crie pode ser reproduzida e distribuída infinitamente sem custo. O meio de transporte global do pensamento não mais exige fábricas para se consumar.

Essas medidas cada vez mais coloniais e hostis os colocam na mesma posição daqueles antigos amantes da liberdade e auto-determinação que tiveram de rejeitar a autoridade dos poderes distantes e desinformados. Precisamos nos declarar virtualmente imunes de sua soberania, mesmo se continuarmos a consentir suas regras sobre nós. Espalharemo-nos pelo mundo para que ninguém consiga aprisionar nossos pensamentos. Criaremos a civilização da Mente no espaço cibernético. Ela poderá ser mais humana e justa do que o mundo que vocês governantes fizeram antes.

John Perry Barlow – Suiça – fazendeiro de rebanho aposentado e co-fundador da Eletronic Frontier Foundation

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Ctrl-C nº 02

( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 02, de março/2000 )

* NOTA: Essa foi a abertura de uma das edições de um e-zine que escrevi, de nome Ctrl-C, a qual transcrevo aqui no blog para viabilizar futuras buscas por artigos.

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   #######     ##### ####     ####         #######  Ctrl-C 02
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Uma geração constrói uma estrada por onde a outra trafega...
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Buenas.

Para ilustrar um pouco o assunto principal desta edição, deixem-me contar uma pequena estória, de modo que cada qual possa formar sua própria opinião:

Imaginem, apenas imaginem, uma pequena loja em uma movimentada rua comercial que vende o mesmo produto que suas concorrentes. Tira um pouquinho no preço, carrega um pouquinho no atendimento e assim vai fazendo sua clientela, de modo que num pequeno intervalo de tempo acaba obtendo sucesso e abre diversas filiais em outras localidades. Apesar de seu sucesso, as demais lojas continuam existindo – algumas bem pequenas, outras, verdadeiras redes – e assim vão atendendo o mercado.

Num belo dia de verão, uma nova loja se instala na rua, oferecendo o mesmo produto que suas concorrentes, mas a um preço irresistível. Todos os clientes de todas as outras lojas concordam que surgiu uma excelente opção no mercado. Alguns se tornam fregueses logo de cara, outros preferem esperar pra ver no que vai dar e existem ainda aqueles que preferem se manter fiéis às suas próprias lojas. Enfim, há mercado para todos.

Mas ocorre que aquela primeira loja da qual falávamos passou a temer o potencial desse novo concorrente. Acovardada resolveu tomar medidas drásticas. Poderia ter baixado o preço de seus produtos – mas não baixou. Poderia melhorar a qualidade de seu atendimento – mas não melhorou. Poderia ter procurado novas parcerias e oferecido vantagens aos seus fregueses – mas também não o fez. Preferiu utilizar de meio vil para atingir seus objetivos: como um dos inúmeros acessos à essa nova loja se dava justamente pela sua calçada, instalou um tapume bem em frente à entrada principal.

A nova loja continuou existindo, até porque seu acesso não foi de todo bloqueado. Entretanto os fregueses da loja mais antiga, quer seja por curiosidade, procura de melhor preço, ou outro motivo qualquer, que tentassem se encaminhar até à concorrente encontrariam o tapume barrando-lhes a passagem. Se insistissem até que poderiam contornar a situação, mas por comodidade ou falta de conhecimento, resolviam deixar pra lá, talvez pensando que ess nova loja não deveria ser tão boa assim, pois sequer conseguiam entrar em suas dependências…

Esta pequena fábula ainda não terminou. A bem da verdade nem mesmo eu sei como vai terminar. Não é necessário a presença de Conan Doyle, nem de seu mais famoso personagem, para deduzir que estou falando do que verifiquei ocorrer entre meu (ex-)provedor de acesso à Internet e os novos provedores que surgiram no mercado, comprovadamente iG e NetGratuita.

Considero um absurdo medidas de tal porte, que visam apenas corromper os ideais de liberdade que tanto caracterizam a Internet como a conhecemos. A comparação que fiz é válida, e voltaremos a falar sobre isso mais pra frente. O resultado imediato do ocorrido é que resolvi romper os vínculos que me atavam ao meu antigo provedor e, com isso, o Ctrl-C foi despejado, passando agora a habitar em novo endereço: http://www.habeasdata.com.br/zine .

Assim, falaremos nesse número dessa nova onda de acesso gratuito que domina a mídia atualmente, e, de quebra, conheceremos “esse tal de Linux”, que anda assombrando a Microsoft e já é assunto até de projeto de lei aqui no Brasil. Para aqueles que me enviaram consultas e ainda não receberam resposta, reitero meu pedido de paciência – tão logo quanto possível estarei atendendo-os.

Um abraço.

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 Adauto                           .--`--'../
                                 '---._____./!

                             INFORMATION MUST BE FREE !

 
ADVERTÊNCIA:

O material aqui armazenado tem caráter exclusivamente educativo. Como já afirmei, minha intenção é apenas compartilhar conhecimentos de modo a informar e prevenir. Não compactuo nem me responsabilizo pelo uso ilegal ou indevido de qualquer informação aqui incluída. Se você tem acesso à Internet e está lendo estas linhas significa que já é grandinho o suficiente para saber que a utilização deste material visando infringir a lei será de sua própria, plena e única responsabilidade.

Você pode, inclusive com minha benção, reproduzir total ou parcialmente qualquer trecho deste e-zine. A informação tem de ser livre. Mas não se esqueça de citar, também, quem é o autor da matéria, pois ninguém aqui está a fim de abrir mão dos direitos autorais.

NESTE NÚMERO:

I. Gritos de Liberdade (“Declaração de Independência da Internet” e “Declaração de Independência no Ciberespaço”)
II. O acesso gratuito: afinal quem paga a conta?
III. A origem e o valor da Livre Distribuição do Linux
IV. GPL – Licença Pública GNU
V. Racismo na Internet (Rubens Miranda de Carvalho)
VI. Software Livre na Administração Pública – PL 2269/99: Utilização de Programas Abertos em entes de direito público (Projeto de Lei 2269/99, de autoria do Dep. Walter Pinheiro)
VII. Jurisprudência – Internet
VIII. Humor
IX. Bibliografia

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