Realismo conceitual

O trecho do acórdão a seguir foi extraído do Ementário do Boletim AASP nº 2513, de 5 a 11 de março de 2007. Até onde foi possível perceber, trata-se de uma ação de responsabilidade civil cumulada com danos morais interposta por médicos que queriam porque queriam a gratuidade da justiça (deixar de pagar as taxas judiciais). Foi alegado um tal de “realismo conceitual”, onde tentaram demonstrar através de laudas e laudas de precioso juridiquês imbrogliante que a realidade era diferente daquela que aparentava…

Eis o trecho final do relator (o grifo foi meu):

Deveras, como e por que profissionais da área da saúde (médicos), recalcitrantes em atender a determinação do magistrado para que juntassem nos autos declarações do imposto de renda de exercícios recentes, ademais vítimas de atos que lhes exigiram expressivos desembolsos de numerário, devem ser considerados pobres pelo juiz e impossibilitados de pagarem a taxa judiciária sem prejuízo das famílias? Não se sabe. As razões não esclarecem. Há muitas lições aos juízes, considerações várias e erudita invocação aos direitos constitucionais dos pobres e necessitados. Fatos, neca.

Com essas considerações, nego provimento ao Recurso.

E a galera vai ao delírio!

Supremo aprova primeiras súmulas vinculantes

Não gosto do D’Urso. Que isso fique bem claro. Por inúmeros motivos que não cabem aqui descrever. Mas sou obrigado a admitir que ele foi cirúrgico nessa feliz análise que fez sobre a tal da “súmula vinculante”, tendo ido direto ao ponto. Notícia veiculada pelo clipping da OAB-SP que recebi hoje:

Presidente a OAB SP critica as Súmulas Vinculantes por entender que não agilizarão o Judiciário e limitarão a liberdade dos juízes.

Na avaliação do presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, a aprovação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) das três primeiras súmulas vinculantes da história não irá equacionar os problemas do Judiciário brasileiro.“É precário considerar que os 35 milhões de processos que tramitam pelos canais do Poder Judiciário, dos quais 15 milhões apenas em São Paulo, ganharão celeridade com a súmula vinculante. O diagnóstico sobre a lentidão da justiça é bem conhecido, apontando para a insuficiência de recursos humanos e materiais, as deficiências do ordenamento jurídico, o formalismo processual exagerado, a ineficiência administrativa, o precário funcionamento dos cartórios e o despreparo de parcela significativa dos operadores do Direito, questões que não serão resolvidas nem mesmo diminuídas com a implantação da súmula vinculante”, afirma D´Urso.

De acordo com o presidente D´Urso, as consequências mais drásticas da aprovação da medida se darão na esfera da própria liberdade dos juízes. “A base do Direito é a interpretação. Sem ela, inexiste o Direito. Portanto, a aplicação da súmula vinculante inibe o princípio da interpretação do Direito, eliminando-se a liberdade de questionamento da lei e da própria jurisprudência e desprezando as peculiaridades de cada caso. Magistrados terão de decidir de forma mecânica, julgando de acordo com as súmulas, impedidos de buscar fundamentação e assentar as decisões numa base sólida de interpretação. Não podemos deixar de antever o enfraquecimento do jogo dialético inerente à Ciência do Direito e sustentáculo do poder das idéias. A busca pragmática por resultados – a serem exibidos por desafogo dos tribunais superiores – canibalizará princípios, sob os quais se sustenta o edifício jurídico”, adverte D´Urso.

A Súmula número 1 trata da validade de acordo para recebimento de recursos do FGTS e foi aprovada por unanimidade. Ela impede que a Caixa Econômica Federal (CEF) seja obrigada, judicialmente, a pagar correções relativas a planos econômicos sobre o FGTS nos casos em que o banco já tenha feito acordo prévio com o correntista. A Súmula número 2 declara a inconstitucionalidade de lei estadual ou distrital que dispõe sobre loterias e jogos de azar. Decisões reiteradas do STF determinam que é de competência privativa da União legislar sobre o tema. A Súmula número 3 trata do direito de defesa em processo administrativo que tramita no Tribunal de Contas da União (TCU).

AATSP

Lendo um artigo do boletim eletrônico “Jurista” encontrei uma menção à AATSP – Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. Ainda que eles estejam numa “nova fase” de reestruturação (e o site ainda esteja meio incipiente), parece que – a médio prazo – poderão proporcionar ótimas fontes de consulta aos advogados ligados à área trabalhista.

Quem quiser conferir como isso vai ficar, que anote aí o link para futuras consultas: http://www.aatsp.com.br .

Internet: Fraude x Estelionato

Notícia que me foi enviada pelo amigo de longa data, Alexssandro (vulgo “pequeno gafanhoto”), copiada e colada lá do site do STJ – Superior Tribunal de Justiça. Além do cunho internetístico, o interessante é a definição simples e direta acerca da diferença entre fraude e estelionato.

Movimentação não autorizada de conta via internet pode configurar fraude

Transferência de valores via internet não autorizada pelo titular da conta configura furto mediante fraude. Com essa conclusão, o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a competência do Juízo Federal de Mafra (SC), para apurar o inquérito policial que investiga a transferência, via internet, de valores sem a autorização do titular da conta.

O conflito de competência foi suscitado pelo juiz federal de Mafra que entendeu que o recurso compete ao juiz federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás (GO).

O juiz da 5ª Vara Seção Judiciária do Estado de Goiás declinou de sua competência por entender que o delito de furto ocorre no exato instante em que a quantia é retirada da esfera de vigilância da vítima e o agente consegue ter sua posse tranquila, ainda que por curto espaço de tempo.

Ao decidir, o ministro Felix Fischer, relator do caso, destacou uma matéria idêntica apreciada pela Terceira Seção do STJ. Segundo o precedente, o furto mediante fraude não pode ser confundido com estelionato. No furto, a fraude é utilizada para burlar a vigilância da vítima, para lhe tirar a atenção. No estelionato, a fraude objetiva obter consentimento da vítima, iludi-la para que entregue voluntariamente o bem. O ministro destacou, ainda, que, no caso, o agente valeu-se da fraude eletrônica via internet para subtrair valores da conta-corrente do titular.

Remuneração pela caminhada

E como este também é um blog jurídico (não se enganem – pois o é), de quando em quando é bom falar um pouco sobre o tema. Por mais espantoso que seja a jurisprudência a seguir foi publicada na edição nº 315 (março/2007) do Jornal do Advogado, um informativo que a OAB-SP teima em mandar para seus inscritos. No meio de toda a rasgação de seda que usualmente preenche as páginas desse jornal (“jornal?”) foi possível pinçar algo razoalvemente interessante.

Particularmente prefiro a AASP – muito mais por muito menos.

Mas segue a notícia:

Tempo gasto do portão ao posto de trabalho deve ser remunerado

O tempo gasto pelos empregados para alcançar o local de trabalho a partir da portaria da empresa configura-se como tempo à disposição do empregador e, por isso, deve ser devidamente remunerado. Este é o entendimento da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, por unanimidade, acompanhou o voto do ministro Carlos Alberto Reis de Paula, ao julgar ação movida por dois metalúrgicos da Volkswagen do Brasil Ltda., pleiteando o pagamento de horas extras referentes ao tempo gasto entre a portaria da fábrica e o efetivo local de trabalho.

Os empregados, com 30 anos de serviço, alegaram que o registro de horário na Volkswagen é feito em duas etapas: a primeira na entrada da fábrica e a segunda no setor onde efetivamente trabalham. Contaram que levavam cerca de 15 minutos no trajeto entre as duas catracas eletrônicas, e, portanto, teriam direito a receber pelos 30 minutos (ida e volta) como hora extraordinária. Pediram também o pagamento referente às horas trabalhadas aos sábados e domingos.

A empresa negou a existência de dois controles distintos de registro de horário. Disse que a primeira catraca foi instalada unicamente com o objetivo de fornecer segurança à fábrica, e negou ainda o direito às horas extras sob a alegação de que os empregados só recebiam ordem para trabalho quando lotados em seus postos de serviço, considerando ‘absurda’ a pretensão.

As decisões de primeira e segunda instância foram desfavoráveis aos trabalhadores. Eles recorreram, então, ao TST alegando que ‘é problema logístico da empresa ter a portaria longe do setor de trabalho, problema esse que não pode ser transferido aos funcionários que permanecem por 30 minutos em suas dependências sem qualquer remuneração’.

Ganharam. O ministro Carlos Alberto, ao votar, fez analogia com a antiga Orientação Jurisprudencial Transitória nº 36, da SDI-1, que considerava hora in itinere ‘o tempo gasto pelo obreiro para alcançar seu local de trabalho a partir da portaria da Açominas’. Para o relator, o trecho compreendido entre os portões da empresa e o local de trabalho representa tempo à disposição do empregador, devendo ser computado e remunerado.

(RR 1971/2001-465-02-40.8)

Coisas que advogados NÃO precisam para amar seu trabalho

Vendo o que a Renata escreveu outro dia aqui, me deu vontade de tentar fazer algo no mesmo estilo mas que dissesse respeito aos advogados. Sei que já rolou pela Internet algumas coisas parecidas, mas resolvi dar um foco mais pessoal ao texto. Vamos lá:

1. Advogados têm seu tempo e modo certo de operação. Não se desespere porque o seu advogado ainda não entrou com aquela ação ou ainda não fez aquela petição. A maior parte dos assuntos precisa ser estudado, pensado, revisto, até que se dê origem a uma linha de raciocínio que deverá ser a melhor possível para atender àquela demanda específica. E isso leva tempo. Como diria Calvin, nossa experiência, nosso talento, nossa criatividade não pode simplesmente ser ligada e desligada a qualquer momento. Temos que estar no modo certo de operação. E esse modo é nada mais nada menos que o pânico do último minuto…

2. Outra coisa: se seu advogado disser que o processo está concluso, sob análise do juiz, tramitando no cartório, aguardando publicação, etc, acredite. É verdade. Tá, vá lá, em 99% dos casos, então. Lembre-se que a legislação fixa prazos rígidos, os quais os advogados têm que cumprir. Ao contrário dos juízes. Se aquele seu amigo que entrou com uma ação idêntica à sua e na mesma época já resolveu o problema dele, MUITO provavelmente o juiz que julgou não terá sido o mesmo que está cuidando de seu caso. Sorte do seu amigo. Excesso de processos tramitando, necessidade de estudos maiores pela complexidade do caso, mudança de varas, pauta de audiências lotada, alteração de professor da academia, cachorrinho (poodle, com certeza) que ficou doente, mudança no horário da programação da TV, chegada do Horário de Verão, bem como quaisquer outras situações de relevante interesse (público?) são alguns dos motivos que implicam no atraso dos juízes na elaboração de sentenças. Deixe o pobre de seu advogado fora disso.

3. Advogados atendem consultas em seu escritório. Alguns cobram por isso, outros não. Se você encontrar um advogado no shopping, ele estará fazendo compras; se você encontrá-lo numa festa, ele estará se divertindo; se você encontrá-lo no escritório, ele estará atendendo. É importante não inverter ou misturar essa ordem. Nada é mais irritante que aquela famosa frase: “Doutor, só uma perguntinha..”. E o sujeito começa a contar tudo o que aconteceu desde Adão e Eva, meio que exigindo que você tenha todas as respostas jurídicas DO MUNDO ali, na hora. Nesses momentos, por favor, deixe-nos em paz. Por incrível que pareça, também somos filhos de Deus e temos direito a um descanso de vez em quando. Garanto que se eu fosse um ginecologista ninguém chegaria no meio de uma festa dizendo: “Doutor, você poderia só dar uma olhadinha…”

4. Aliás, esse negócio de “Doutor” é mais uma questão de ego que qualquer outra coisa. E muitas vezes um ego plantado por terceiros, pois originalmente o bacharel nem ligava. Mas existem advogados que fazem questão de que os chamem de “doutor”. Isso é caso a caso, uma questão de opção que – talvez – deve ser respeitada. Particularmente acho uma bobagem muito grande. Não é uma alcunha dessa que vai fazer com que o sujeito seja melhor ou pior, mais competente ou não. Sou da opinião que devemos ser simplesmente chamados pelo próprio nome – é bem mais fácil. Mas, se por um acaso, ao proceder assim, seu advogado der uma emendada do tipo: “Fulano, não – DOUTOR Fulano”, desconfie. Egos inflados nem sempre revelam profissionais competentes.

5. Falando em profissionais competentes, vale a antiga máxima: “o hábito não faz o monge”. Como já foi dito ali em cima, advogados têm vida própria – não advogam 100% do tempo (ainda que eu conheça alguns que fazem o tipo). Se encontrar seu advogado após o expediente (ou até mesmo durante ele) de bermudão, chinelo de dedo, camiseta, barba por fazer, entenda que mesmo advogados podem ter seu momento de relaxar. Isso também vale para as advogadas (com exceção do “barba por fazer”, ok?). Advogados também bebem cerveja, falam palavrão, discutem na mesa. Somos seres humanos. Na maior parte do tempo, pelo menos. Nossa competência não está vinculada a um Armani. Podemos ter a possibilidade de resolver todos os problemas jurídicos do mundo e ainda assim sermos encontrados dirigindo um mero Opala 79. Respeite nossa individualidade.

6. Como já dizia Juca Chaves: “Parente, amigo da gente e vizinho da frente é que nem dente: quanto mais separado, melhor pra ser tratado”. Se você se encaixar em alguma dessas situações com relação a seu advogado, não fique chateado se ele recusar a causa. Não só é uma coisa natural, como um meio eficaz de auto-defesa. Para si e para os outros. Se, numa situação dessas, o advogado ganhar a causa – que pela situação peculiar, sequer deve ter cobrado honorários – sob os olhos do cliente ele não fez mais que a obrigação. Ah, mas se perder… Também sob os olhos do cliente vai ser porque não deu a devida atenção, porque era amigo mesmo, se tivesse recebido teria feito um serviço melhor, quem mandou procurar um advogado quebra-galho, se tivesse falado com fulano ou beltrano teria sido diferente… Enfim, de qualquer jeito o infeliz do advogado leva na cabeça. Então é melhor não fazer. Compreenda, aceite e procure outro, certo?

7. Falando em honorários, entenda que um advogado não necessariamente cobra caro por aquilo que faz. Tá certo, tem alguns que cobram, mas vamos pensar um pouco melhor. Cobrar, sei lá (tô sem a tabela aqui), mil reais por uma reintegração de posse, não é necessariamente caro. “Mas basta fazer uma ‘petiçãozinha’ pro juiz e pronto”, poderiam argumentar. É, só que o processo não acaba ali. Mesmo uma “açãozinha simples” dessas pode ficar tramitando durante anos – eu disse ANOS – pela justiça. E quem é que tem o dever, obrigação e responsabilidade de acompanhar pari passu a bendita da ação? Sim, o advogado que você contratou. Durante todos os anos vindouros. Sem cobrar absolutamente nada a mais por isso. Você já entrou no imóvel, reformou, usufruiu, muitas vezes até vendeu. E o marmitão continua lá, tendo que ir ao Fórum, umbigo no balcão, vendo o que está se passando no processo. Tenha consciência disso e peça desculpas pelas vezes que já reclamou do valor dos honorários cobrados por seu advogado.

8. Inclusive, existe uma tabela para cobrança de honorários, que fixa o valor mínimo – e, às vezes, o máximo – que pode ser cobrado, de acordo com cada ação. Advogados sérios e responsáveis obedecem os parâmetros da tabela. Parcelamos, facilitamos, fazemos até mesmo algum tipo de “carnêzinho-Casas-Bahia”. Mas não deixamos de cobrar o que é justo. Tá certo que sempre algum cliente vai falar algo do tipo: “Mas aquele outro advogado ali cobra a metade do preço”. Tãotáintão. Vai lá. Contrate-o. E boa sorte. Tomara que dê tudo certo. Mas, quando, quer dizer, se der algo errado e você voltar ao advogado anterior, não tenha dúvidas: ele não só vai cobrar exatamente a mesma coisa que tinha lhe falado antes, como talvez ainda tenha algum adicional para desfazer as cagadas os erros de seu antecessor. Portanto não regateie. Se você confia em seu advogado, também deve confiar que ele vá ter bom senso o suficiente para fixar honorários de acordo com o que é justo para a situação específica que você se encontra. Tenha também consciência disso e peça desculpas novamente pelas vezes que já reclamou do valor dos honorários cobrados por seu advogado.

9. Advogado é um bicho de extrema confiança. Aliás, confiança é a palavra-chave para designar a relação cliente-advogado. E confiança implica em não ficar perguntando para outros advogados se o que o seu advogado está fazendo está certo ou não. É uma situação extremamente chata, pois, eticamente falando, outros advogados não teriam que ficar dando palpite (mesmo assim, o fazem). E se seu próprio advogado contratado descobre que você anda fazendo essas perguntas (pois temos uma rede de comunicação maior do que se possa imaginar), pode chegar a atitudes extremas, como até renunciar à causa. Se você confia em seu advogado, não questione. Se não confia, destitua-o e contrate outro. Se seu advogado o prejudicou de alguma forma porque não trabalhou a contento (pois péssimos profissionais existem em todas as áreas), além de destitui-lo e contratar outro, denuncie. A Ordem dos Advogados não é nenhuma “máfia” que teria por função proteger seus membros. Se o caboclo for tão ruim, tem mais é que ser investigado mesmo, de modo que se abram vagas para outros profissionais competentes que existam no mercado.

Pois bem, é isso. Tô saindo para um curso. Volto daqui dois dias para responder eventuais comentários…