“Como me tornei louco”

Segue uma pequena colaboração do amigo e filósofo de plantão, Evandro:

Perguntais-me como me tornei louco. Perguntais-me como me tornei louco.

Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente, gritando:

– Ladrões, ladrões, malditos ladrões!

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim. E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou:

– É um louco!

Olhei para cima para vê-lo.

O sol beijou pela primeira vez minha face nua. Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei:

– Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!

Assim me tornei louco. E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: e a segurança de não ser compreendido, pois aquele desigual que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.

Autor: Gibran Khalil Gibran

Psicose

É interessante de quando em quando nos questionarmos sobre quão tênue é a linha que nos liga à realidade…

Há pouco tempo a filha de uma amiga foi abordada por seu recente ex-namorado que simplesmente surtou! Na véspera o rapaz havia desaparecido de sua própria casa, tendo surgido na casa da moçoila em andrajos, sem carro, documentos, dinheiro, nada. Mesmo após a vinda de sua família, somente queria falar com ela e nada mais. O ponto forte de seu discurso era de que havia se tornado um “Soldado do Senhor”. Tirem suas próprias conclusões…

Outro caso nas proximidades diz respeito a um sujeito que teve “alta” da instituição onde estava internado e encasquetou que um vizinho estava tentando matar seu filho. Situação digna de delegacia, onde todos foram parar ante as ameaças do desconcertado.

Mesmo na época em que eu trabalhava num banco também tivemos uma colega que chegou, acomodou-se em seu lugarzinho e começou a chorar copiosamente. Não conseguia falar nada e com ninguém. Simplesmente chorava. Lembro-me que deu um trabalho danado para levá-la a um centro médico, pois não tínhamos a quem recorrer – ela não tinha família na cidade.

Enfim, todo mundo sempre tem alguma história para contar sobre alguém assim, que, do nada, tem um curto-circuito no cérebro e passa a considerar irrelevante o que é relevante, e vice-versa. É curioso como essa conduta – quer seja definitiva ou temporária – normalmente está vinculada a algum tipo de evento ocorrido, alguma situação que faz disparar o gatilho que ativa esse comportamento esquizofrênico do indivíduo.

Acho complicado dizerem que foi algo que aconteceu num momento de fraqueza da pessoa. Ou que talvez tenha sido uma situação de stress (não, não gosto da palavra “estresse”). Afinal, o que tornaria este ou aquele indivíduo mais forte ou fraco que outrem? Qual a variável genotípica ou fenotípica que revelaria uma tendência a ser vítima de tal situação? Qual a condição espiritual dos afetados?

Podemos tão-somente conjecturar acerca das prováveis causas que levariam alguém a relevar tudo aquilo que achava importante para tornar-se uma visão deturpada de um “Soldado do Senhor”. Mas duvido que consigamos chegar a uma verdade definitiva sobre esse assunto.

De minha parte, para uma melhor compreensão acerca do que estou falando, recomendo assistir a um filme antigo chamado “Mr. Jones”, com Richard Gere, que mostra de uma maneira romântica e divertida o dia-a-dia de um psicótico maníaco-depressivo.

Dia-a-dia…

O que é tristeza? Tristeza é um dia frio e chuvoso. É um diálogo mudo. É uma viagem indesejada. É um olhar cansado e abatido. É quando ocorre uma situação inevitável. É quando não se consegue o que se deseja. É quando se deseja o impossível. É a irritação a flor da pele. É a necessidade do silêncio. É tudo. É nada.

Tô triste hoje.

Bons tempos!

Caneca de alumínio cheia de leite quentinho com Nescau (antes de dormir e assim que acordava). Pé descalço. O dia inteiro. Sem camisa. Estradinhas de terra no quintal pra brincar de carrinho. “Hominhos”, “indinhos” e bichinhos diversos de brinquedo. Coleção de chaveiros. Velocípede (ainda existe essa palavra?). Pipa. Carrinho de rolemã. Álbum de figurinhas. Jogo de bafo (com as figurinhas). Rela-rela, esconde-esconde, cabra cega, pular sela. Rolar na grama. Com o cachorro. Vira-lata. Fugir do banho (os dois). Assistir televisão até tarde enrolado numa mantinha. Ficar sentado no muro da frente de casa vendo o povo passando. Ir pra roça. Descer barranco de morro na carreira. Remar. Nadar na represa. Esconde-esconde no milharal. Tomar leite de manhãzinha direto da vaca. Numa canequinha esmaltada. Espumante. Quentinho. Escola. Guarda-pó. Sala de aula. Carteira (de madeira e ferro fundido). Desconfortááável! Recreio. Guerra de giz. Dardos de papel no teto. Desenhos e mensagens na última folha do caderno. Cadernos de perguntas e mensagens. Excursões da escola. Professores queridos e professores odiados. Primeiras paixões de infância… Missa do domingo. De manhãzinha. Praça. Pombos. Pipoqueiro. Pipoca com queijo. MUITO queijo! Macarrão e frango no almoço (às vezes assado). Dia de refrigerante. Visitar parentes. De sopetão. Café da tarde. Com bolo. Feito na hora. Quentinho. Brincar com a primaiada. Até cansar. Voltar pra casa. Dormindo. No carro.

Ah… Bateu uma saudade da minha infância…

E então…

E então na semana passada subi no telhado pra trocar o poste da antena. E então tinha uma casa de marimbondos-cavalo logo debaixo da base da antena. E então – a muito custo, muito sol na cabeça e muitas horas depois – instalei um poste mais alto. E então a imagem da TV não melhorou NADA. E então, alguns dias depois, queimou o booster da antena. E então é difícil pra caramba de achar no mercado um da marca e do modelo que preste. E então todo mundo vai ficar sem televisão até domingo, que é quando conseguirei subir na porra do telhado de novo e trocar o booster. E então hoje eu vim trabalhar. E então meu estagiário conseguiu um emprego melhor e não volta mais. E então minha colega de trabalho, amiga pessoal, meu braço direito pra tudo, ficou doente e não veio trabalhar. E então tem mais de UMA CENTENA de processos pra despachar, formalizar, aditar, dar parecer e tudo mais. E então todas as Secretarias ligam, cada qual dizendo que o seu processo é mais importante. E então hoje é dia de fechamento do Boletim e tenho que preparar as publicações. E então já passa da hora do almoço. E então estou com uma PUSTA dor de cabeça. E então, e então, e então…

É. Realmente. A única certeza é que A VIDA; a vida é uma caixinha de surpresas…

Dia dos Pais

A vida somente tem verdadeiro sentido quando nos dedicamos de coração a algum tipo de causa, quando almejamos uma meta a cumprir.

Apesar de não conseguir ser tão presente quanto realmente gostaria, tenho essa meta. Chama-se “Minha Família”.

E nesse benfazejo Dia dos Pais que passou ganhei vários presentes: um marcador de livros personalizado, caixinhas porta-trecos e dois jogos de ferramentas de meus filhos mais velhos que estão na escola.

Pois é. Apesar de já ter dito por aqui que a figura do “papai-sabe-tudo” está ficando obsoleta, a figura do “papai-conserta-tudo” continua muito bem, obrigado.

Ah! E do caçulinha eu ganhei um grande e apertado UUUUUPAAAA!!!

Encher X Irritar

“Encher” é quando você passa uns dois dias perturbando a Dona Patroa pra poder fazer um churrasquinho em casa no final de semana.

“Irritar” é quando você liga, num domingo, bem cedinho, pra casa do amigo que você vai convidar para o dito churrasco e ele atende o telefone já no primeiro toque. Você percebe que o caboclo acabou de acordar e atendeu na extensão do lado da cama. Aí você diz, numa voz toda pomposa:

– Bom dia. Aqui é da recepção. Foi nesse quarto mesmo que pediram para acordar às oito e trinta e cinco da manhã?

O restante é impublicável…