“Meu reino por um cavalo!”

O rei Ricardo III estava se preparando para a maior batalha de sua vida. Um exército liderado por Henrique, Conde de Richmond, marchava contra o seu. A disputa determinaria o novo monarca da Inglaterra.

Na manhã da batalha, Ricardo mandou um cavalariço para verificar se seu cavalo preferido estava pronto.

– Ferrem-no logo – disse ao ferreiro, – o rei quer seguir em sua montaria à frente dos soldados.

– Terás que esperar – respondeu o ferreiro, – há dias que estou ferrando todos os cavalos do exército real e agora preciso ir buscar mais ferraduras.

– Não posso esperar – gritou o cavalariço, impacientando-se, – os inimigos do rei estão avançando neste exato momento e precisamos ir ao seu encontro no campo. Faze o que puderes agora com o material de que dispões.

O ferreiro, então, voltou todos os esforços para aquela empreitada. A partir de uma barra de ferro, providenciou quatro ferraduras. Malhou-as o quanto pôde até dar-lhes formas adequadas. Começou a pregá-las nas patas do cavalo. Mas, depois de colocar as três primeiras, descobriu que faltavam-lhe alguns pregos para a quarta.

– Preciso de mais um ou dois pregos – disse ele, – e vai levar tempo para confeccioná-los no malho.

– Eu disse que não posso esperar – falou, impacientemente, o cavalariço, – já se ouvem as trombetas! Não podes usar o material que tens?

– Posso colocar a ferradura, mas não ficará tão firme quanto as outras.

– Ela cairá? – perguntou o cavalariço.

– Provavelmente não – retrucou o ferreiro, – mas não posso garantir.

– Bem, usa os pregos que tens – gritou o cavalariço, – e anda logo, senão o Rei Ricardo se zangará com nós dois!

Os exércitos se confrontaram e Ricardo participava ativamente, no coração da batalha. Tocava a montaria, cruzando o campo de um lado para outro, instigando os homens e combatendo os inimigos. “Avante! Avante!”, bradava ele, incitando os soldados contra as linhas de Henrique.

Entretanto, lá longe, na retaguarda do campo, avistou alguns de seus homens batendo em retirada. Se os outros os vissem, também iriam fugir da batalha. Então, Ricardo meteu as esporas na montaria e partiu a galope na direção da linha desfeita, conclamando os soldados de volta à luta. Mal cobrira metade da distância quando o cavalo perdeu uma das ferraduras. O animal perdeu o equilíbrio e caiu, e Ricardo foi jogado ao chão. Antes que o rei pudesse agarrar de novo as rédeas, o cavalo assustado levantou-se e saiu em disparada. Ricardo olhou em torno de si. Viu seus homens dando meia volta e fugindo, e os soldados de Henrique fechando o cerco ao redor. Brandiu a espada no ar e gritou:

– Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!

Mas não havia nenhum por perto. Seu exército estava destroçado e os soldados ocupavam-se em salvar a própria pele. Logo depois, as tropas de Henrique dominavam Ricardo, encerrando a batalha…

E desde então o povo passou a cantarolar:

“Por causa de um prego, perdeu-se uma ferradura; por causa de uma ferradura, perdeu-se um cavalo; por causa de um cavalo, perdeu-se uma batalha; por causa de uma batalha, perdeu-se uma guerra; por causa de uma guerra, perdeu-se um reino… Por causa de um único prego, perdeu-se um reino inteiro!”

(Adaptado do original de James Baldwin.)

Maioridade blogal

Dezoito anos!

Quem diria?…

O que para mim sempre foi – e continua sendo – uma brincadeira de escrevinhação; pois bem, eis que agora atingiu sua maioridade: dezoito aninhos.

Desde o começo de tudo, em 16 de janeiro de 1998, muita coisa já aconteceu neste nosso mundo virtual – e também no real. Formatamos e reformatamos, nomeamos e renomeamos, incluímos, apagamos, mudamos, até que este blog atingiu uma existência – e aparência – mais ou menos estável. É o que está aí, hoje. Mais ou menos como na vida real, pois de 98 para cá, tive não só um, nem tampouco dois, mas três filhos. E, de igual maneira, eles também nasceram, cresceram, aprenderam, se alteraram e agora estão numa fase mais ou menos estável…

E meu filhote do meio, talvez cedo demais querendo estar mais próximo do mundo adulto que do mundo da infância (ah, essa adolescência!), resolveu fazer uma bela de uma faxina em seu quarto. Coisa jamais vista antes nesta casa! E dentre o dispensar de uma quantidade inominável de tralhas, rabiscos, brinquedos e muitos outros “tesouros” que um dia fizeram seus olhos de criança brilhar – mas que hoje já não mais lhe interessam – percebi uma pedra.

Isso mesmo, uma pedra. Qual criança nunca se encantou com uma pedra? Seja pelo formato, pelo significado, por suas características tão próprias e específicas que, em algum momento, chamaram a atenção do pequeno petiz o suficiente para que resolvesse guardá-la em seu baú de tesouros.

Mas hoje, não mais.

Voltou a ser apenas uma pedra.

Ao menos para ele, pois para mim ainda é um tesouro – e por isso mesmo arrebatei-a!

É que trata-se de um “olho de tigre”.

É uma pedra com características muito especiais, de cor mel-amarelada (e muito apreciada pelos esotéricos); você nunca consegue vê-la duas vezes seguidas da mesma forma, pois, conforme incide a luz, seu brilho e sua tonalidade variam num sutil degradê – o que a torna única.

O que, por sua vez, me fez lembrar do “lápis lázuli”, uma pedra de cor azul, também com características, beleza e brilho próprios, que já vem sendo utilizada em joias ornamentais há milhares de anos. Sim, eu disse milhares.

E qual a correlação entre essas duas gemas, tão distintas entre si?

É que numa outra vida existiu um casal, assim meio leve, meio hippie, meio hipster, que tinha um grande apreço por essas pedras e as adotaram para simbolizar seu afeto e seu relacionamento. Invariavelmente procuravam joias e adornos feitos desse material. Ela tinha a pedra lápis lazúli como sua pedra preferida, principalmente por sua aura mística, com um elo histórico que remetia ao antigo Egito e até mesmo antes. Já o olho de tigre era a minha.

Mas como tudo passa, tudo isso também passou. Portas se fecharam e portas se abriram, pessoas se aproximaram, pessoas se distanciaram e tudo que existiu e tudo o que ocorreu nos trouxeram a este inafastável aqui e agora. Que é onde estou e quando quero estar. Em especial com quem estou.

As lembranças são legítimas e são parte intrínseca da minha personalidade – aliás, esta mesma só o é como é por conta do que já foi e do que já fui. Fiquei feliz de (re)encontrar essa pequena pedra, não mais pertencente aos tesouros de meu filhote. Mas vou guardá-la num cantinho, no fundo de alguma gaveta, pois ainda é um de meus tesouros. Na realidade não preciso de sua presença física, pois os sentimentos que representa calam fundo em minh’alma – tal qual o replicante de Blade Runner: “I’ve seen things you people wouldn’t believe”.

E boa parte disso tudo está aqui, neste blog. Que hoje comemora sua maioridade. Este “nosso cantinho” que é mais do que um espaço de opiniões, mas uma verdadeira memória virtual deste que vos tecla, de modo a ficar claro que nada disso se perdeu, pois em algum momento foi compartilhado com alguém, que por sua vez compartilhou com outro alguém e assim por diante.

E ao menos uma fração daquilo que eu disse, do que pensei, do que imaginei, perpetuará em suas memórias e nas memórias alheias. Uma pequena chama de uma pequena vela que, compartilhada, representa meu pequenino esforço de perpetuar minhas ideias no tempo, de manter essa mesma chama acesa a iluminar os andanças d’outrem.

Este sim talvez seja um bom caminho para imortalidade…

Fragmentos

E eis que um novo grupo foi criado – “Rui Dória Anos 80” – já há algum tempinho por essa linda, que é minha prima, Regina. Um grupo novo para reunir gente das antigas. Desenterrar fotos e situações, bem como compartilhar com outros ex-alunos que também tenham estudado no bom e velho prédio da (na época) Escola Estadual de Primeiro Grau Dr. Rui Rodrigues Dória, lá em Santana.

Um grupinho tranquilo, até. Calminho. Umas postagens iniciais, uns comentários daqui e dali, nada demais…

Isso até que o Cláudio Alciprete, um de meus mais antigos amigos, resolveu lançar no grupo o desafio de enviar uma foto da época! Desafio aceito, foto encaminhada! Achei outras (poucas) de outros alunos e também mandei. O conversê começou a zunir. Toca um daqui, outro dali a buscar outros alunos, a adicionar, a entrar na conversa, a combinar encontro, a um monte de coisas – mas, sobretudo, a resgatar dos mais antigos cantões da memória um pouco de nosso dia-a-dia escolar.

Gente que há muito tempo não tínhamos sequer notícias começaram a aparecer: ou já participando do grupo ou através de sugestão para que fossem adicionados! Apesar da minha usual memória de pombo – como dá pra perceber pela última vez que falei da escola – alguma coisa foi clareando, novas velhas lembranças foram surgindo e situações, momentos, causos e outras tantas coisas naturalmente começaram a emergir, vindo sabe-se lá de qual obscuro canto das catacumbas de minha memória…

E, uma vez reunida, essa Turminha do Fosfosol não perdoa!

Dentre tantas outras, foi a Vilminha (desculpa aí, mas NUNCA vou conseguir te chamar diferente) que me veio com essa:

Vilma Adauto, o menino mais inteligente da minha sala. Certo que era muito mimado tbém… rs

Carái! Mesmo depois de tanto tempo, sósifôdo…

Mas ela tem o seu quê de razão. Com certeza até a quinta série eu devo ter tido um “comportamento exemplar”. Aluno que não faltava, só tirava nota “A”, desde sempre gordinho, desde sempre usando óculos, desde sempre acostumado a ser o dono da razão (ainda que não o fosse). Meus amigos eram poucos (não devia ser lá muito fácil me suportar…), como bem lembrou o Silvinho:

Silvio Eu sempre fui de poucos amigos… fechado.. mas me lembro… era Adauto no primário… inseparáveis… O Gordo e o Magro! Lembra Adauto de Andrade?

Isso só foi mudar a partir da sexta série. Quis o destino que eu fosse me sentar bem na carteira atrás de um dos sujeitos mais bagunceiros da escola: o João Carlos Dellu. Sei lá por qual vez ele estava refazendo a sexta, só sei que ficamos muito amigos. E foi ali, aos meros onze anos de idade, que comecei a ter um pouco mais de consciência do mundo que nos cerca e de que a vida não devia ser levada tão a sério.

Aliás, ali já comecei a me tornar o que sou hoje, ou seja, um daqueles idiotas que levam tudo até as últimas consequências. Tanto o é que vejam este outro fragmento de memória, agora já da oitava série:

Rosemary Vcs lembram dos passeios ? Era zoológico, depois Playcenter.
Rosemary Uma vez fomos para o museu Ipiranga e levaram batida.
Simone Meu Deus o Adauto de Andrade com aquele jeitinho de quietinho, quando a Bocuda prof. de português, saía era muito atentado! kkkkk
Rosemary O Adauto de Andrade segurou a bronca na diretoria , a diretora entrou na sala e quis saber quem estava com a bebida e o Adauto levantou para a sala inteira não levar suspensão! kk isso que é amigo!

Ok, Rose, sua linda. A imagem é muito bonita – estoica, até! Só que você precisa saber de uma coisa… Ainda que , naquela excursão, as garrafas de batida terem rodado pelo ônibus inteiro, DE FATO fui eu quem as levei… Então, apesar de segurar a bronca, entenda que a bronca foi merecida!

Aliás, ao falar de fragmento de memória, acho que é bem isso mesmo. O “todo” é um tanto quanto impossível de se visualizar, e, passado tanto tempo, nossas lembranças individuais também empalideceram ou, pior, se apagaram. Esse nosso reencontro virtual nos permite avivar as memórias uns dos outros, lembrar de fulano, beltrano ou sicrano, invariavelmente com um meio sorriso no rosto, ou mesmo de situações que gostaríamos de ter esquecido mas que, ainda assim, ajudaram a forjar a pessoa que nos tornamos.

Estamos em nossa grande maioria mais para os cinquenta que para os quarenta. E o tempo é, sim, inclemente. Por isso mesmo que é tão prazeroso esse resgate de rostos, sensações, sentimentos, vidas, de quando tínhamos a tenra idade de não nos preocuparmos com o dia de amanhã. E, melhor ainda, é essa alegria por muitos de nós termos contribuídos em buscar cada qual sua peça de um quebra-cabeças cujo aspecto cada um enxerga à sua própria maneira.

Apesar de, às vezes, ser um sacrifício a simples lembranças de uns e outros!

E meu melhor exemplo é o da amiga Rosele. Através do grupo encontrei-a no Face, mandei-lhe um inbox perguntando se era ela mesma, a que tinha estudado no Rui Dória. Respondeu:

Sim sou eu mesma!! Rs. E você também?? Estudamos juntos??? Seu nome não me é estranho.

CUMÉQUIÉ?????

CUMASSIM “MEU NOME NÃO LHE É ESTRANHO”?????

Arre!

Essa era uma das amigas que NUNCA esqueci e que NUNCA mais encontrei. Uma daquelas lembranças de adolescência que sempre pairavam, com carinho, na minha memória, volta e meia repintando-lhe as cores para que não esmaecesse com o tempo, como todo o resto. Triste saber que deixamos de existir para pessoas que ainda existem para gente.

Mas o alívio veio através de um comentário, agora no próprio grupo, algumas horas depois:

Rosele Adautoooo lembrei de você!!! Hehehehehehehe. Feliz!

Heh…

Feliz fico eu.

Ao menos voltei a existir…

Os Barbeiros

Cabelo é um negócio complicado…

E, no caso das mulheres, é uma complicação elevada à enésima potência! As que têm cabelos lisos, querem cacheados, as cacheadas alisam, as de cabelo longo vivem ensaiando cortar, enquanto as de cabelo curto não veem a hora de crescer, as morenas ficam loiras, as loiras ficam morenas, enquanto que as ruivas… Ah, as ruivas…

Desculpem aí. Se perdi.

Enfim, à parte desse complicado mundo feminino, não pensem que o mundo masculino é lá tão fácil. Não por toda uma eventual metrossexualidade implícita (ou explícita) deste ou daquele, mas porque cabelo de homem é foda. Ou, melhor dizendo, o MEU cabelo é foda. Apesar de, numa longínqua infância, já ter sido loiro e com cabelos lisos, meu cabelo hoje é meio que uma capina roçada pelo vento, onde cada haste resolve crescer para um lado. E se já não bastasse essa complicação, um rodamoinho perdido e um tufo do lado esquerdo teimam em sempre dar as caras. Por isso, no meu caso, não basta cortar: tem que saber cortar.

Durante muitos e muitos anos havia um cabeleireiro no centro da cidade que “acertou a mão” comigo. Mas o desinfeliz resolveu voltar pra terrinha dele e eu fiquei no vácuo. Daí, próximo ao trabalho, na cidade ao lado, fiz algumas tentativas num e noutro cabeleireiro somente para chegar à fatídica conclusão: não ia rolar. Ainda que espécime em extinção, decidi procurar um barbeiro. Barbeiro de verdade. Não iria novamente expor minhas madeixas ao alvedrio de quem achava que sabia o que fazer – só que não.

Mas a vida – a vida! – é uma caixinha de surpresas! E numa bela manhã de sol, passando distraidamente em frente a uma porta de vidro, algo me chamou a atenção. Uma cadeira de barbeiro. De barbeiro! Naquele momento não tinha ninguém naquele salãozinho de espartanas instalações. Dei uma filmada: na bancada um pincel de barba dentro de uma cumbuquinha, apenas duas tesouras num pote, uma navalha repousava ao lado dessas tesouras, um grande espelho em frente à cadeira, um pequeno pendurado a um canto e mais um armário de duas portas noutro. E só. Pensei comigo mesmo: “comigo mesmo, esse é o cara”.

Voltei noutra hora e conheci o dono do local, o grande Barbeiro (sim, Barbeiro com “bê” maiúsculo): “Seo” Titico. E, apesar do tamanhinho desse senhor, o nome dele é esse mesmo. Ou melhor, sobrenome. Pensando um pouco no assunto, creio que isso tudo aconteceu já tem uns dez anos. E, desde então, nunca mais deixei de frequentar a barbearia do único cara que conseguiu acertar o corte do meu cabelo, a um preço camarada e um proseio de primeira. Até recentemente…

É que o Seo Titico, por melhor pessoa que seja – e É -, também é daqueles senhorzinhos que adoram um proseio. Até aí, tudo bem, eu também. Mas, vejam bem, o proseio dele é daqueles que ao lembrar de um causo ou um fato curioso, simplesmente para o que está fazendo, dá um passinho pra trás e começa a contar a trama. O que eleva o tempo de corte de uns 20 minutos para pelo menos uma hora e meia. E, invariavelmente, meu tempo disponível para cortar o cabelo sempre foi o curto horário de almoço, sempre no meio de uma agenda pra lá de atribulada. Deixar o corte para os finais de semana também seria difícil, pois implicaria em ter que ir para outra cidade só pra isso. E o que era bucólico e até mesmo divertido, começou a ficar complicado. Tanto quanto meu cabelo.

Então, eis que há coisa de uns 4 ou 5 meses, li em algum lugar (jornal, tv, Twitter, Facebook, site de notícias, agregador de blogs – sei lá o quê!) acerca de dois sujeitos que teriam montado uma barbearia no estilo “das antigas”, até mesmo com um visual meio retrô – e, melhor ainda, perto de casa! De cara já me interessei, pois já há algum tempo eu vinha acompanhando esse movimento de “resgate” a esses locais destinados a um público masculino, tendo como exemplo a Barbearia Corleone, em Sampa. Resolvi descobrir um pouco mais e, fuçando daqui e dali, principalmente nos Facebooks da vida, consegui levantar algumas imagens do local: decoração de primeira, com esmero nos detalhes, ao fundo – vejam só! – uma mesa de bilhar e um freezer com cerveja gelada! Agora sim estávamos falando o mesmo idioma!

Com um pouco de custo encontrei o local (maldita reportagem que não deu o endereço!) e, lá chegando, conheci os dois desbravadores da Zona Sul: Fred e Nando. Proseamos um bocado – até porque, como fazia pouquíssimo tempo que tinham inaugurado, praticamente não tinham muita clientela – ambos passaram os primeiros dias de portas abertas, mas, sem trabalho, ficaram se aprimorando na bela arte do bilhar de boteco…

Mas, como era de se esperar, mesmo sem uma “propaganda formal”, graças ao excelente serviço (sim, eu também testei e aprovei) e, creio eu, às redes sociais, a fama foi crescendo de maneira diretamente proporcional à clientela. Cabeludos, estilosos, barbados e barbudos, bem como hipsters dos mais diferentes estilos começaram a frequentar essa barbearia com o sugestivo nome de “Sr. Barba“. Assim como eu.

E o mais interessante, além mesmo do estilo e da técnica, é que são eles é que dão o tom diferencial. Ambos também com suas esmeradas barbas, tatuagens das mais diversas, mas com um proseio leve e sempre bem humorado – mesmo quando estão reclamando de alguma coisa! Somente os dois é que cuidam de tudo, desde o abastecimento da geladeira, passando pela limpeza, compra de produtos, administração, etc. E ainda trabalham pra cacete! Já pensaram? Ficar nunca menos de oito horas ali, em pé, sem folga, dando o melhor de si e ainda mantendo o bom humor? É por isso mesmo que não tem como não ser um ambiente “do bem”, lugar onde é gostoso estar e participar. Mais que uma barbearia, aquilo é uma verdadeira comunidade, onde se encontram as mais diversas pessoas dos mais diversos locais, dos mais diversos níveis econômicos e/ou sociais. Ainda ontem estive lá e enquanto esperava minha vez matei as saudades dos velhos tempos e joguei algumas partidas de bilhar com alguns ilustres desconhecidos (de cinco, ganhei quatro…), tive ótimos proseios, dentre outros, com um sujeito que é instrutor para pilotos de motos de velocidade e um militar lá de Caçapava, daqueles em que a conversa flui leve e solta. Tudo isso, lógico, acompanhado de um ótimo rock ao fundo, bem como algumas boas e geladas brejas…

E levou apenas umas duas ou três horas para que eu fosse atendido! Como? Tudo isso? Não, vocês não estão entendendo… Foi isso… É que quando você está num ambiente desses as horas simplesmente passam voando, mal se percebe! É como diz aquele velho ditado: “Terapia pra quê? Vai pro bar!” Ou, no caso, pra barbearia… (Ai!)

Agora creio que vocês devam estar se perguntando o porquê deste texto… Propaganda? Publicidade? Jabaculê? Nada disso. Simplesmente, como sempre fiz, estou neste nosso cantinho virtual compartilhando aquilo que acho que é bom, aquilo que acho que é Legal. Se isso ajudar a arranjar mais um ou dois clientes para eles, zuzo bem. Fico feliz.

Mas mais do que isso, devo confessar que minha motivação foi outra… Acontece que um infeliz foi lá na página do Sr. Barba, no Facebook, e fez uma “avaliação” alegando uma “falta de respeito” com a clientela, que “esperou mais de uma hora” pra ser atendido e desistiu e que (isso não foi ao ar) estava com o pai no hospital e não poderia esperar. Por tudo que eu já escrevi aí em cima vocês já puderam notar que não é nada disso – o sujeito não compreendeu e sequer assimilou a boa energia que emana do lugar. Mas, disso tudo, dois pontos são gritantes na minha opinião. Primeiro: a “mais de uma hora” dele foram cravados 22 minutos e, sendo o primeiro da fila, não teve a mínima paciência de aguardar todo o procedimento que envolve abrir um comércio logo pela manhã, entre destravar portas, arrumar equipamentos, cuidar da limpeza básica. E, segundo: carái, véi, se seu pai tá no hospital, que é que você tá fazendo numa barbearia? Cuidando da aparência? Preparando-se para uma selfie com o velho no leito hospitalar? Pessoas normais estariam o tempo todo do lado da cama e não buscando sarna pra se coçar e botando defeito na casa dos outros!

Contudo é assim mesmo. Sempre tem que ter um pra aporrinhar. E até que é legal, pois imaginem se fosse sempre uma unanimidade? Que coisa chata! Não ia ter assunto nem pra falar mal, nem mesmo pra escrever um texto como este!

Então, caríssimos Fred e Nando, creiam-me: vocês estão, sim, fazendo um excelente serviço nessa excelente comunidade que criaram e que está singelamente disfarçada de uma barbearia com o nome de Sr. Barba

Continuem assim.

Sempre!

Emenda à Inicial: Já estava quase esquecendo daquele pouquinho de cultura inútil que teimo sempre em buscar… Até meados do século XIX, os barbeiros faziam não somente os serviços de corte de cabelo e barba, mas também tiravam dentes, cortavam calos, realizavam até mesmo pequenas cirurgias, dentre outras coisas. Por não serem profissionais, seus serviços não raro deixavam marcas insanáveis nos pacientes, quando não lhes tiravam a própria vida! A partir de então passou-se a denominar todo e qualquer “serviço ruim” através da nada gentil expressão “coisa de barbeiro”. Mas esse termo é original de Portugal, pois a associação de “motorista barbeiro”, ou seja, um mau motorista, é tipicamente brasileira…

São José dos Campos: uma história dentro da história

“Nunes”.

Esse é um sobrenome que não possuo, mas, poucos o sabem, faz parte de minha linhagem pelo lado materno.

E o que tem isso a ver com o aniversário da cidade de São José dos Campos?

Bem, acontece que essa parte da minha família já vem há quase dois séculos produzindo joseenses!

Até onde sei, ao menos desde meu trisavô, José Rodrigues de Moraes Nunes que era casado com Rufina Maria Sinhorinha, seguindo pelo meu bisavô, Claudino de Moares Nunes, nascido no ano de 1867 e que faleceu novo – coitado! Em 20 de fevereiro de 1909, pontualmente às 20:00h, a cidade perdeu um de seus humildes lavradores, de apenas 42 anos, falecido em sua própria casa, no Bairro do Jaguari, de afecção do fígado, provavelmente decorrente de forte hepatite.

Ainda assim, apesar de sua curta vida, houve tempo suficiente para se casar com minha bisavó, Benedicta Maria de Mello, apenas 4 anos mais nova que ele, com quem teve oito filhos!

Destes, temos Bernardo Claudino Nunes, provavelmente o caçula, nascido em casa às 4 da manhã de 24 de março de 1907. Das lembranças pessoais que tenho dele, me vem a mente um senhor alto, um tanto quanto gordo e bonachão, loiro e de olhos profundamente azuis da cor do céu. Faleceu em 31 de janeiro de 1979, quando eu ainda tinha meus incompletos dez anos de idade.

Clique na imagem para ampliar!
Maria Dionísia e Bernardo, meus avós.

Nesses 71 anos de vida teve pelo menos três esposas, sendo a primeira delas minha avó, a mineira Maria Dionísia de Jesus, com quem se casou aos 24 anos de idade. Um casamento que durou apenas 14 anos, pois ela faleceu pouco tempo depois do nascimento de sua última filha, com apenas 33 anos. Apesar de existirem notícias de que tiveram vários filhos, apenas duas realmente sobreviveram: minha tia Dionísia, joseense, e minha própria mãe Bernardete Nunes, paulistana.

Uai? Mas não eram todos joseenses – vocês podem me perguntar.

Ela acabou sendo “um ponto fora da curva”, pois, apesar de ter sido totalmente criada em São José dos Campos, nasceu em 10 de setembro de 1943 na capital de São Paulo numa fase em que meu avô, cansado da vida de lavrador, estava buscando novos ares e novas oportunidades como mão de obra na indústria. Com o falecimento da esposa e com duas filhas a tiracolo – uma de 6 e outra de 2 anos – resolveu levar a menorzinha para ser criada por seu sogro (no caso, o avô dela pelo lado materno) lá na chácara que possuía no bairro de Santana. Lembro-me bem dessa chácara, sendo que a casa “sede” existe até hoje – mas tornou-se um depósito de bebidas lá no final da Av. Princesa Izabel.

Depois disso, meu avô acabou ficando por São Paulo mesmo, tendo se estabelecido lá pelos lados de Pirituba, onde viveu até o fim da vida ao lado de Geny de Souza, minha “avó postiça” que somente encontrava quando meus pais iam visitá-los. Com ela teve mais 9 filhos. E minha tia Dionísia? Casou-se com o italiano Lelio Silvano Galuzzo em 62 e foi de mala e cuia para a Itália, onde vivem até hoje.

Clique na imagem para ampliar!
Bernardete e José Bento, meus pais.

E minha mãe – essa joseense que por acidente nasceu fora de São José – aos 17 anos, no ano de 1960, casou-se com um mineirinho bem estiloso, de 23 anos, o seu José Bento de Andrade, vulgo “meu pai”… Foram anos de bastante trabalho duro – ele mecânico, ela costureira – mas ainda assim conseguiram comprar uma boa casa em Santana e se estabelecer. Tiveram três filhos, todos nascidos em São José dos Campos, sendo eu o caçula. Pois foi em 2 de maio de 1969 que o Hospital Pio XII, em Santana, ouviu o forte choro de um enorme bebê de aproximadamente cinco quilos! Adauto de Andrade acabara de nascer!

Em Santana nasci, em Santana cresci, em Santana me criei. Casei, descasei, casei de novo. Tudo sempre cercado de uma bela confusão emocional, que é uma de minhas características mais básicas enquanto ser humano… E deste meu casamento com a Dona Patroa, vinda lá de Marília, tivemos nossos três filhotes: Kevin, Erik e Jean. 1999, 2001 e 2004. Todos nascidos no Hospital Antoninho da Rocha Marmo – adivinhem onde? Isso mesmo, em São José dos Campos!

Ou seja, é seguramente a quarta geração de joseenses. Talvez quinta, se eu conseguir descobrir um pouco mais sobre meu trisavô…

E qual a relevância de toda essa história nesses 248 anos de aniversário da cidade?

Nenhuma. Absolutamente nenhuma. Só quis contar um pouco de minha história. A história da família dentro da história da cidade. Desde o lavrador, passando pelo industriário, pela costureira, o advogado e sabe-se lá o que nos reserva o futuro dos filhotes, esta família tem se criado com solidez e tradição. Ter uma história é importante. Mas ser uma história é mais ainda. Não importam os limites geográficos dos bairros, das cidades, dos estados, dos países, sequer dos continentes: a história de minha família se faz pelo reconhecimento ao passado em direção à evolução rumo ao futuro. Geração após geração nós evoluímos. Onde quer que seja. Quando quer que seja.

Por isso que fique registrado aqui meus votos de feliz aniversário a esta cidade que, em algum lugar no passado, acolheu em seu seio o “primeiro Nunes”, bem como o “primeiro Andrade”, permitindo a esta família se enraizar e, cada vez mais, evoluir.

Parabéns, São José dos Campos!

Clique na imagem para ampliar!   Clique na imagem para ampliar!
Em São José dos Campos: Santana de ontem e Santana de hoje…

O aparelho

Clique na imagem para ampliar!

Esta é daquelas para se guardar na memória…

Meu pai – vulgo “Seo Bento” – desde que veio da roça, resoluto, resolveu que tinha que se virar do jeito que desse. E,  nos idos da década de sessenta, um desses “jeitos” era pelos famosos cursos por correspondência – no caso, o IUB – Instituto Universal Brasileiro…

Estudou, fez o que fez e aprendeu o que pôde – de modo que nos sustentou: eu e a meus dois irmãos. Tanto o é que dá para se ter uma ideia por este causo aqui

Mas não é o único…

Lembro-me de certa vez, minha mãe estava lá, a cuidar de seus afazeres domésticos, quando toca a campainha. Ela foi atender. No portão um antigo compadre de meu pai, daqueles que o conheciam desde sempre. Queria que lhe arrumasse um aparelho televisor. Trazia-o, pequenino, de suas apenas 14 polegadas, num saco de estopa, a tiracolo.

– Mas o que é que ele tem? – perguntou-lhe minha mãe.

Sagaz, mas não menos preciso, traduzindo uma perfeita explicação do defeito, explicou-lhe o senhorzinho:

– O pobrema, dona Dete, é que esse aparêio proseia, mas não tem feição…

Você tem coragem?

Clique na imagem para ampliar!

Tem?

Não estou falando daquela coragem cinematográfica de confrontar um leão, pular de um despenhadeiro, enfrentar a morte certa. Isso é ficção.

Também não estou falando daquela coragem aventuresca de pular de bungee jump, acelerar a moto a duzentos por hora, saltar de paraquedas. Isso é fácil. Não que eu faça.

Estou falando de uma coragem ainda maior. Uma coragem que poucas pessoas têm. A coragem de mudar.

Mas mudar o quê? – perguntar-me-iam meus parvos botões.

Mudar de vida. Radicalmente. Ou quase. Mas o suficiente para ser visto com assombro por seus pares.

Deixar para trás um trabalho de cerca de dez anos num local que você gosta e na profissão que escolheu para si. Por livre opção. Sem pressão.

Deixar para trás uma cidade que você viu crescer e, ainda que pequenina engrenagem, ajudou a construir e se tornar o que é hoje.

Deixar para trás seus amigos, colegas, rotinas, correrias, festas, brincadeiras, tudo aquilo de bom e de ruim que aconteceu durante todo esse período.

Imagine ter que se reinventar enquanto profissional.

Imagine deixar o certo pelo duvidoso.

Imagine ter que recomeçar sua vida tanto social quanto profissionalmente.

E, repito, por livre opção. Sem pressão.

Você tem essa coragem?

Confesso que eu não tenho. Mas conheço gente que tem.

Amiga, mãe, esposa, linda, escritora, inteligente, espirituosa (e espiritualizada), guerreira e, sobretudo, uma mulher de coragem. Que resolveu fazer tudo isso, sacrificar uma vida e um estilo de vida em prol de seus próprios sonhos e de uma qualidade de vida que não quer correr o risco de perder. Ou de não alcançar.

E, de minha parte, desejo-lhe sinceramente que a sorte sempre a acompanhe.

A cada instante da vida…