Memórias…

Existem certas memórias que vamos mantendo e acalentando no decorrer de toda nossa vida e que estão sempre presentes, por ali, nos rondando… Volta e meia nos deparamos com essas memórias, sofremos – ou não – com elas, damos colo, cuidamos e as carregamos conosco. Sempre de quando em quando toda vez  mais ou menos…

E, de tanto “cuidar” dessas íntimas memórias que estão em nosso círculo de proximidade, acabamos deixando outras pra trás, que acabam ficando meio que soterradas pelas que estão mais presentes em nosso dia-a-dia – quer sejam úteis ou não.

Por motivos muitas vezes dos mais obscuros acabamos em algum momento de nossas vidas resgatando essas antigas memórias – pelo amor ou pela dor – e então convivemos com elas por mais um curto período (até que voltem para as catacumbas de onde vieram) ou então as transformamos e acabamos transferindo-as para o rol daquelas que nos circundam…

Falo disso porque algumas dessas antigas memórias têm voltado a conviver comigo, presentes e ao meu lado, exigindo seu espaço, sentando no meu lugar do sofá e pegando cerveja na geladeira sem sequer pedir ordem.

E ainda não decidi se elas vão ficar por aqui ou se as chuto de volta para os cantões mais soturnos de minha cabeça de onde nem sei se deveriam ter saído.

Mas uma delas veio com muito carinho…

Final da década de oitenta, começo dos anos noventa.

Morávamos numa casinha modesta e simpática, em eterna reforma (muitas vezes comigo mesmo como pedreiro/encanador/eletricista e pau-pra-toda-obra), um carrinho velho mas valente (sim, um Fusca) e nossas economias (economias?) eram o suficiente para levarmos a vida sem muitas pretensões – mas ainda assim felizes com nossas rotinas suburbanas e com um futuro bem distante e intangível.

E uma dessas rotinas era o levantar todas as manhãs, cuidar dos cachorros e gatos de casa (sim, sempre os tive) e sair para uma curta caminhada. Cerca de um quilômetro, creio eu. Saindo de casa seguia à esquerda até o final da rua, virava à direita, passava um quarteirão, outro, o posto de gasolina na esquina seguinte e dali já estava atravessando a ponte. Aquela, mais antiga, sobre o Rio Paraíba, ligando os bairros joseenses de Santana e Alto da Ponte. Mesmo ali do alto sempre tinha algum tranquilo pescador pra cumprimentar – “diiia!” – bem como outros tantos apressados em sua marcha logo cedo para o trabalho.

Passada a ponte – “Minas Gerais”, se não me engano – e beirando o rio, bastava já descer à direita para o Centro Comunitário, onde aos sábados costumávamos vir com outros amigos para ficarmos sentados no gramado da enconsta do morro e assistir as corridas de kart, quando invariavelmente algum daqueles carrinhos acabava fazendo uma curva reta e se enfiava dentro do rio…

Porém, durante a semana, a pista era livre para caminhadas e corridas. Era uma época em que o cooper estava na moda e sempre havia alguém com um walkman pendurado fazendo seu trote. Não, eu não tinha um walkman. E sim, eu ia lá diariamente para correr.

Não lembro mais qual era o tamanho da pista. Havia a “volta do lago” e a “pista estendida” e eu sempre fazia o circuito completo. Coisa de dez voltas ou mais. O suficiente para suar até perder o fôlego e, então, partir para outros exercícios / ginásticas nos “equipamentos” disponíveis. Na realidade um monte de troncos dispostos de forma a se tornarem os tais equipamentos, mas que ainda assim eram muito úteis.

Dali uma caminhada de volta pra casa, com direito a uma passada na padaria para levar um pão quentinho. Invariavelmente acordava minha esposa com um beijo (e às vezes algo mais, por que não?) e partia para meu diário banho gelado, não importava que tempo fosse. Não me perguntem o porquê, mas eu gostava muito da água fria – gelada mesmo – talvez por me deixar sempre com a sensação de estar numa das cachoeiras que tanto gostávamos de frequentar nos finais de semana. Simples assim.

Ao sair do banho o café já estava pronto e ela me esperava para um gostoso proseio antes que fôssemos para nossos assalariados trabalhos.

Sei que parece mero saudosismo, daquele tipo que costumamos ouvir de nossos pais, mas o fato é que nessa minha época o mundo realmente era mais ingênuo e a vida efetivamente bem mais simples. A atual complexidade de nosso dia-a-dia, a avalanche de informações com as quais somos bombardeados através dos inúmeros canais de comunicação amplamente disponíveis e as obrigações sobre as obrigações sobre as obrigações que assumimos acabam nos impedindo de uma vidinha um tanto quanto mais pacata e tranquila.

Pois é… E agora, depois de tantos anos com essas memórias soterradas, elas resolveram voltar com toda força nesses momentos em que minha cabeça tem encontrado tempo para pensar um pouco mais livremente…

Meu Bisavô

E eis que, graças às Redes Sociais da vida, fui encontrado pelo “primo” Mauro Maia que reconheceu seu próprio avô em um post antigo aqui do blog – na prática o meu bisavô – o ilustríssimo Alcindo de Paula Maia.

Dentre outras informações que temos trocado para atualizar a árvore genealógica de nossa família (calma, Mauro, ainda vou te mandar minhas anotações), ele me brindou com uma nova (nova?) foto de nosso antepassado em comum! Aliás, se a menina da esquerda aí embaixo realmente for a Dona Sebastiana, minha avó, que nasceu em 1920, dá pra gente chutar que essa foto tenha sido tirada em meados da década de vinte!

Observação: ainda vamos trocar mais figurinhas, mas parece-me que, na realidade, ele se chamava mesmo é Alcino

Férias, uma viagem – “dia um”

Prólogo

Férias…

Ah, benfazejas férias!

Foram dez anos pinguepongueando períodos de quinze dias duas vezes ao ano. Hoje reconheço que essa prática nunca efetivamente me permitiu descansar o suficiente… Levava alguns dias para “desligar” do serviço, uma semana para começar a tentar pensar em querer relaxar e logo em seguida já emendava com a tensão dos poucos dias que faltavam para a volta ao trabalho. Mas desta vez não tive dúvidas: ainda que perdidas no mês de outubro (ou seja, longe de quaisquer férias escolares ou recessos forenses da Dona Patroa), antevi um longo mês pela frente.

Para que pudéssemos fazer um “programa em família” combinamos assim: aproveitaríamos o feriado do doze de outubro (o Dia das Crianças Dia de Nossa Senhora Aparecida), a Dona Patroa aproveitaria as “horas credoras” a que tem direito e a criançada, sem provas ou exames, simplesmente mataria dois dias de aula. Assim teríamos cinco longos dias para entrar no carro e seguir viagem para onde melhor nos aprouvesse.

A propósito, a respeito dessas horas credoras… Como o Tribunal de Justiça simplesmente não paga horas extras, então criaram a “fantástica” figura de “horas credoras”. Ou seja, “não te pago nada agora mas quando você quiser (e eu deixar) poderá tirar aquelas horas que trabalhou a mais”. Como ela já trabalha há vários anos no Fórum, eu diria que, caso ela resolvesse tirar tudo de uma vez, ela só voltaria ao trabalho lá pelo ano de 2013…

Mas voltemos ao foco.

Então na quarta sairíamos de carro com rumo certo definido para Minas, para o Sul ou para a praia. Ah, detalhes, detalhes, detalhes…

De quê?

No bom e velho Opalão 90, é lógico!

Para tanto o carro já tinha passado por uma bela revisão, com manutenção na planetária, alinhamento e balanceamento do cardã (passou a queimar pneu em terceira, dá pra acreditar?) e mais alguns detalhezinhos na parte elétrica, tais como ajustar os espelhos e consertar o acendedor de cigarros. E não, não era para eu acender meus cigarros dentro do carro, não! Cambada de descrentes… É que da última vez que fizemos uma viagem longa e emprestamos o GPS de alguém ficamos na mão simplesmente porque o acendedor de cigarros não funcionava e não dava carga no bichinho. Como eu resolvi botar alguns escorpiões pra correr e comprar (sim, eu disse comprar) um GPS, precisava que tudo estivesse em ordem para que a barca não ficasse a ver navios durante a viagem…

Então quarta-feira chegou e… nada.

Após a recente reforma – e a ainda mais recente (re)mudança – havia muita coisa para se colocar em ordem na casa. Então tiramos o dia para isso. Dai a noite poderíamos arrumar as malas e partir logo na manhã seguinte.

Dia Um propriamente dito

E é LÓGICO que a arrumação seguiu até tarde (e ainda faltou) e logo na manhã seguinte ainda estávamos descompensados de exaustão…

O que nos levou a uma séria discussão um pequeno intercolóquio se ainda iríamos ou não viajar. Mas daí prevaleceu minha teimosia nosso bom senso e resolvemos que iríamos para Minas Gerais, meio que serpenteando em parte do circuito histórico. Caxambu (Circuito das Águas), Santa Rita de Jacutinga (terra de meu pai e a maior concentração dos Andrade por metro quadrado desde lado da linha do Equador), São João Del Rey (cidade histórica) e Ouro Preto (histórica cidade).

Bem, mas seria só questão de arrumar as malas com o básico do básico e partir rapidinho, certo?

Certo!

Bem, “certo” para qualquer outro mortal na face da Terra.

Mas a Dona Patroa é a Dona Patroa…

E, por incrível que pareça, e por maior que seja, o porta-malas do Opala ficou totalmente tomado. Sim, eu disse totalmente. E olhe que estamos falando de um Comodoro, hein? Mas como as propriedades elásticas do metal que reveste o interior do veículo não estão funcionando para esta ocasião, então (felizmente) tivemos um limitador para as bagagens: a própria tampa do porta-malas.

E assim, após arrumar as malas, distribuir recomendações, passar no supermercado para uma comprinha básica (foi quando, eu, bem humorado como sempre, candidamente lembrei-lhe que porra, mas o porta-malas já tá lotado!!!”), logo nos primeiros momentos da manhã (coisa de umas onze, onze e meia…) já pegamos a estrada.

Debaixo de uma tênue chuva, ao reconfortante som de Nightwish

Como as horas passaram rapidamente e, surpreendentemente, quando vimos já era hora do almoço, resolvemos parar um pouco antes de Aparecida, lá no Frango Assado. Aqui só não aproveito para cobrar royalties pela propaganda gratuita porque o almoço não foi lá, mas sim numa ótima churrascaria que fica nos fundos. Bem, tá, não tão ótima assim (fiquei seriamente em dúvida se a picanha servida na realidade não seria coxão duro, algo similar ou, ainda, alguma variedade equina), mas pelo menos razoavelmente boa. Bão, a salada tava boa.

Enfim, revigorados (?), seguimos viagem.

Dei uma pisada de leve apenas para recuperar o tempo perdido, mas achei que talvez estivesse correndo um bocadinho com o bom e velho Opalão… Pelo menos foi o que o filhote do meio reclamou quando tentou abrir a janela…

É óbvio que desta vez o caminho não foi virar à direita, rumo à segunda estrela e seguir em frente até o amanhecer. Simplesmente seguimos adiante pela Via Dutra e eu já imaginando que na altura de Cruzeiro a Madame GPS nos avisaria para só então virar em algum ponto, pegando o caminho do assim chamado Circuito das Águas. E placa de Cruzeiro vem. E placa de Cruzeiro vai. E vem. E vai. E não veio mais. Só então caiu a ficha: a rota que a Madame programou era diferente da que eu imaginava! Táquiôspa! Bem, como dizia um antigo estagiário, “tá no inferno, abraça o capeta”. Depois de mais de dez quilômetros sem retorno e faltando vinte para o percurso “sugerido” pela fiadaputa Madame GPS, resolvemos simplesmente explorar aquele novo caminho. Afinal de contas, o que de pior poderia acontecer além de uma volta maior?…

Na altura de Queluz (e quase perdi a entrada de novo!) manobramos para uma bela duma estradinha – pavimentada e em reforma – e seguimos adiante pelos trocentos quilômetros sugeridos pela Madame. Ainda que ficasse com a pulga atrás da orelha quando aquela setinha no visor simplesmente seguia flutuando em linha reta enquanto o desenho da estrada calmamente se afastava para outro lado, por simples falta de opções, seguimos adiante. Longo trecho de serra conhecido como “Garganta” d’alguma coisa, com curvinhas pra lá de fechadas e com pirambeiras incríveis (ainda bem que, pelo menos, com um salutar asfalto sob o carro) – seguimos em frente, audaciosamente indo onde… não, não, péraê, essa é outra história! Bem, simplesmente seguimos adiante até que o cansaço (do joelho deste ser Houseriano que vos tecla) decidiu que já era hora de pedir arrego.

Paramos em Itamonte para esticar as pernas, um bom café, um ótimo sorvete e descansar um bocadinho.

Foi quando, entre o saborear de uma bocada e outra do sorvete, que o Jean, nosso caçulinha, me veio com essa:

“Hoje o dia tá grande, né?”

Nada como a boa e velha sabedoria infantil…

Seguimos viagem com a nau opalística – à qual carinhosamente impingi a alcunha de Posseidon – até que me peguei em puro deleite com as paisagens ao nosso redor. Foi quando dei o alerta: “Ei, sua cambada de cães sarnentos, de miolo mole que parece que não pensam! Eu não fiquei horas descarregando as máquinas e carregando as baterias pra voltar pra casa de mãos abanando! Tratem de registrar o que puderem!”

Não.

Péraê.

Essa foi do Jack Sparrow…

Na realidade foi algo mais assim: “Amor, se não der trabalho e a criançada concordar, que você acha de tentar tirar umas fotos dessa linda paisagem, hein?”. É. Acho que foi mais ou menos isso. Bem mais másculo.

Enfim, a Dona Patroa e o Erik (o do meio) se incumbiram das fotos enquanto que o Kevin, nosso cineasta de plantão, com sarcástica narrativa própria, assumiu seu posto junto à filmadora.

E o dia já começava a definhar quando finalmente chegamos a Caxambu, cidade criança, de apenas 110 anos de idade. Mas com boas histórias e estórias (inclusive algumas antigas deste ser que vos tecla).

Hotel ou pousada, não importava, era a primeira coisa a se localizar. Paramos num que, de cara, imaginei que fosse me custar os olhos da cara. Mas, na realidade – e para minha surpresa -, bem mais barato: apenas as córneas. Seguimos adiante mais um pouco e encontramos outro – fuleirinho, até – mas que tinha lá seu charme. E, vamos combinar? Cem contos a diária de um casal com três crianças já incluído o café da manhã, até que não está de todo mau…

Instalados e descarregados, saímos pra comer alguma coisa. Um bom lanche numa padoca já resolveu o assunto. Criançada cansada não queria saber mais de nada. Toca todo mundo de volta pro hotel para um bom banho e descansar o sono dos justos. Tá, pelo menos o dos cansados.

Como criança que é criança não sossega, entre os perrengues e algazarra (quarto enorme com três camas só pra eles) de repente me vem o caçula rachando de dar risada: “não foi culpa minha, juro que não foi!”. Ante minha cara de interrogação, logo em seguida aparece o do meio, com cara de tédio e ostentando um mal disfarçado sorriso no canto da boca, com um carrinho de corda preso nos cabelos…

Passado mais um tempinho, enquanto eu terminava este texto, fui surpreendido com um absurdo e aterrador silêncio! Corri para o quarto dos meninos. Perguntei pra mim mesmo: “mim mesmo, será que dormiram?” E eis que me deparo com cada qual numa cama. Lendo. Simples assim.

Esses meus meninos…

Bem, hora do banho.

Amanhã tem mais.

Espero.

Em tempo: E não é que aquela merda de o chuveiro não sai água? Só um fiozinho! Putz, eu sósifôdo…

Steve Jobs

E eis que ontem à noite, aos 56 anos, faleceu Steve Jobs… Foram 39 anos para que ele encontrasse seu último dia, sempre tentando mudar alguma coisa… Por essa e outras, vale reler todos os detalhes desta palestra:

Discurso de Steve Jobs para os formandos de Stanford:

Estou honrado de estar aqui, na formatura de uma das melhores universidades do mundo. Eu nunca me formei na universidade. Que a verdade seja seja dita, isso é o mais perto que eu já cheguei de uma cerimônia de formatura. Hoje, eu gostaria de contar a vocês três histórias da minha vida. E é isso. Nada demais. Apenas três histórias.

A primeira história é sobre ligar os pontos

Eu abandonei o Reed College depois de seis meses, mas fiquei enrolando por mais dezoito meses antes de realmente abandonar a escola. E por que eu a abandonei?

Tudo começou antes de eu nascer. Minha mãe biológica era uma jovem universitária solteira que decidiu me dar para a adoção. Ela queria muito que eu fosse adotado por pessoas com curso superior. Tudo estava armado para que eu fosse adotado no nascimento por um advogado e sua esposa. Mas, quando eu apareci, eles decidiram que queriam mesmo uma menina. Então meus pais, que estavam em uma lista de espera, receberam uma ligação no meio da noite com uma pergunta: “Apareceu um garoto. Vocês o querem?” Eles disseram: “É claro.” Minha mãe biológica descobriu mais tarde que a minha mãe nunca tinha se formado na faculdade e que o meu pai nunca tinha completado o ensino médio. Ela se recusou a assinar os papéis da adoção. Ela só aceitou meses mais tarde quando os meus pais prometeram que algum dia eu iria para a faculdade.

E, 17 anos mais tarde, eu fui para a faculdade. Mas, inocentemente escolhi uma faculdade que era quase tão cara quanto Stanford. E todas as economias dos meus pais, que eram da classe trabalhadora, estavam sendo usados para pagar as mensalidades. Depois de 6 meses, eu não podia ver valor naquilo. Eu não tinha idéia do que queria fazer na minha vida e menos idéia ainda de como a universidade poderia me ajudar naquela escolha. E lá estava eu gastando todo o dinheiro que meus pais tinham juntado durante toda a vida. E então decidi largar e acreditar que tudo ficaria OK. Foi muito assustador naquela época, mas olhando para trás foi uma das melhores decisões que já fiz. No minuto em que larguei, eu pude parar de assistir às matérias obrigatórias que não me interessavam e comecei a frequentar aquelas que pareciam interessantes.

Não foi tudo assim romântico. Eu não tinha um quarto no dormitório e por isso eu dormia no chão do quarto de amigos. Eu recolhia garrafas de Coca-Cola para ganhar 5 centavos, com os quais eu comprava comida. Eu andava 11 quilômetros pela cidade todo domingo à noite para ter uma boa refeição no templo hare-krishna. Eu amava aquilo. Muito do que descobri naquele época, guiado pela minha curiosidade e intuição, mostrou-se mais tarde ser de uma importância sem preço.

Vou dar um exemplo: o Reed College oferecia naquela época a melhor formação de caligrafia do país. Em todo o campus, cada poster e cada etiqueta de gaveta eram escritas com uma bela letra de mão. Como eu tinha largado o curso e não precisava frequentar as aulas normais, decidi assistir as aulas de caligrafia. Aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre variar a quantidade de espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia boa. Aquilo era bonito, histórico e artisticamente sutil de uma maneira que a ciência não pode entender. E eu achei aquilo tudo fascinante.

Nada daquilo tinha qualquer aplicação prática para a minha vida. Mas 10 anos mais tarde, quando estávamos criando o primeiro computador Macintosh, tudo voltou. E nós colocamos tudo aquilo no Mac. Foi o primeiro computador com tipografia bonita. Se eu nunca tivesse deixado aquele curso na faculdade, o Mac nunca teria tido as fontes múltiplas ou proporcionalmente espaçadas. E considerando que o Windows simplesmente copiou o Mac, é bem provável que nenhum computador as tivesse. Se eu nunca tivesse largado o curso, nunca teria frequentado essas aulas de caligrafia e os computadores poderiam não ter a maravilhosa caligrafia que eles têm. É claro que era impossível conectar esses fatos olhando para a frente quando eu estava na faculdade. Mas aquilo ficou muito, muito claro olhando para trás 10 anos depois.

De novo, você não consegue conectar os fatos olhando para frente. Você só os conecta quando olha para trás. Então tem que acreditar que, de alguma forma, eles vão se conectar no futuro. Você tem que acreditar em alguma coisa – sua garra, destino, vida, karma ou o que quer que seja. Essa maneira de encarar a vida nunca me decepcionou e tem feito toda a diferença para mim.

Minha segunda história é sobre amor e perda

Eu tive sorte porque descobri bem cedo o que queria fazer na minha vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhamos duro e, em 10 anos, a Apple se transformou em uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4 mil empregados. Um ano antes, tínhamos acabado de lançar nossa maior criação – o Macintosh – e eu tinha 30 anos. E aí fui demitido. Como é possível ser demitido da empresa que você criou? Bem, quando a Apple cresceu, contratamos alguém para dirigir a companhia. No primeiro ano, tudo deu certo, mas com o tempo nossas visões de futuro começaram a divergir. Quando isso aconteceu, o conselho de diretores ficou do lado dele. O que tinha sido o foco de toda a minha vida adulta tinha ido embora e isso foi devastador. Fiquei sem saber o que fazer por alguns meses. Senti que tinha decepcionado a geração anterior de empreendedores. Que tinha deixado cair o bastão no momento em que ele estava sendo passado para mim. Eu encontrei David Peckard e Bob Noyce e tentei me desculpar por ter estragado tudo daquela maneira. Foi um fracasso público e eu até mesmo pensei em deixar o Vale [do Silício]. Mas, lentamente, eu comecei a me dar conta de que eu ainda amava o que fazia. Foi quando decidi começar de novo.

Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida. Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada NeXT, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher maravilhosa que se tornou minha esposa. Pixar fez o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeXT, eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no coração do atual renascimento da Apple. E Lorene e eu temos uma família maravilhosa.

Tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple. Foi um remédio horrível, mas eu entendo que o paciente precisava. Às vezes, a vida bate com um tijolo na sua cabeça. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me permitiu seguir adiante foi o meu amor pelo que fazia. Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama. Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz. Se você ainda não encontrou o que é, continue procurando. Não sossegue. Assim como todos os assuntos do coração, você saberá quando encontrar. E, como em qualquer grande relacionamento, só fica melhor e melhor à medida que os anos passam. Então continue procurando até você achar. Não sossegue.

Minha terceira história é sobre morte

Quando eu tinha 17 anos, li uma frase que era algo assim: “Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele realmente será o último”. Aquilo me impressionou, e desde então, nos últimos 33 anos, eu olho para mim mesmo no espelho toda manhã e pergunto: “Se hoje fosse o meu último dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?” E se a resposta é “não” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar alguma coisa.

Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo – expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar – caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração. Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.

Há um ano, eu fui diagnosticado com câncer. Era 7h30 da manhã e eu tinha uma imagem que mostrava claramente um tumor no pâncreas. Eu nem sabia o que era um pâncreas. Os médicos me disseram que aquilo era certamente um tipo de câncer incurável, e que eu não deveria esperar viver mais de 3 a 6 semanas. Meu médico me aconselhou a ir para casa e arrumar minhas coisas – que é o código dos médicos para “preparar para morrer”. Significa tentar dizer às suas crianças em alguns meses tudo aquilo que você pensou ter os próximos 10 anos para dizer. Significa dizer seu adeus. Eu vivi com aquele diagnóstico o dia inteiro. Depois, à tarde, eu fiz uma biópsia, em que eles enfiaram um endoscópio pela minha garganta abaixo, através do meu estômago e pelos intestinos. Colocaram uma agulha no meu pâncreas e tiraram algumas células do tumor. Eu estava sedado, mas minha mulher, que estava lá, contou que quando os médicos viram as células em um microscópio, começaram a chorar. Era uma forma muito rara de câncer pancreático que podia ser curada com cirurgia. Eu operei e estou bem. Isso foi o mais perto que eu estive de encarar a morte e eu espero que seja o mais perto que vou ficar pelas próximas décadas. Tendo passado por isso, posso agora dizer a vocês, com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito apenas abstrato: ninguém quer morrer. Até mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá. Ainda assim, a morte é o destino que todos nós compartilhamos. Ninguém nunca conseguiu escapar. E assim é como deve ser, porque a morte é muito provavelmente a principal invenção da vida. É o agente de mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Nesse momento, o novo é você. Mas algum dia, não muito distante, você gradualmente se tornará um velho e será varrido. Desculpa ser tão dramático, mas isso é a verdade.

O seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém. Não fique preso pelos dogmas, que é viver com os resultados da vida de outras pessoas. Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale a sua própria voz interior. E o mais importante: tenha coragem de seguir o seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário. Quando eu era pequeno, uma das bíblias da minha geração era o Whole Earth Catalog. Foi criado por um sujeito chamado Stewart Brand em Menlo Park, não muito longe daqui. Ele o trouxe à vida com seu toque poético. Isso foi no final dos anos 60, antes dos computadores e dos programas de paginação. Então tudo era feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid. Era como o Google em forma de livro, 35 anos antes do Google aparecer. Era idealista e cheio de boas ferramentas e noções. Stewart e sua equipe publicaram várias edições de The Whole Earth Catalog e, quando ele já tinha cumprido sua missão, eles lançaram uma edição final. Isso foi em meados de 70 e eu tinha a idade de vocês. Na contracapa havia uma fotografia de uma estrada de interior ensolarada, daquele tipo onde você poderia se achar pedindo carona se fosse aventureiro. Abaixo, estavam as palavras: “Continue com fome, continue bobo”. Foi a mensagem de despedida deles. Continue com fome. Continue bobo. E eu sempre desejei isso para mim mesmo. E agora, quando vocês se formam e começam de novo, eu desejo isso para vocês. Continuem com fome. Continuem bobos.

Obrigado.

O pneu furado

No meu local de trabalho a ala masculina é minoria absoluta. O assim chamado “sexo frágil” reina em todos os setores. Mas… Será mesmo? Dia desses furou o pneu do carro de uma de nossas heroínas…

Bem, não teve como não lembrar um episódio acontecido com este desinfeliz que vos tecla, já há um bom tempo!

Na época, recém-separado e já meio que me engraçando com aquela que viria a ser a Dona Patroa, eu estava acampado morava na casa de meu irmão, que – coincidência das coincidências! – era mais ou menos próxima da casa dela. Trabalhávamos no mesmo escritório de advocacia e, de quando em quando, eu pegava uma carona com ela e o pai dela no bom e velho Golzinho quadrado que ele tinha. Aliás, tem até hoje.

E eis que numa bela manhã de sol, lá estávamos nós a caminho do Centro da cidade, ambos recém-formados, eu já de terno e gravata e ela num lindo tailleurzinho. Passávamos numa das avenidas mais movimentadas, cheias de lojas e comércios diversos, quando, não mais que de repente, o pneu do carro furou.

– FLOP-FLOP-FLOP-FLOP… FLOP… FLOP…

Nós, juntamente com o pai dela, “seu Carlos” (cujo nome na realidade não é esse, trata-se apenas de um “apelido” que ele usa, como boa parte dos japoneses das antigas), descemos do carro para dar uma olhada. Pneu traseiro, lado direito.

– Heh… Furou, né? – Disse ele.

Daí que o bonitão aqui, todo garboso e solícito, em pleno começo de namoro, já foi tomando a dianteira da situação!

– Xácomigo, seu Carlos! Em dois minutos tá resolvido!

Mas eis que ele me vem com essa:

– Non, non. Ela troca, né? Tem que aprender.

Murchei.

Que nem o pneu.

Olhei pra ela, toda arrumadinha, pronta para ir para o escritório, do alto (alto?) de seu metro e meio, unhas feitas, maquiada, cabelo ajeitadíssimo – e simplesmente fiquei boquiaberto…

Como discordar de um pai que tinha uma “lição” para ensinar à filha?

Pior: estando na condição de quem estava querendo me engraçar com a moçoila!

Ainda pra tentar ajudar pelo menos tirei o estepe do porta-malas. Mas todo o resto TEVE que ser feito por ela. E, pra piorar, o pai dela ali, conversando e explicando o que fazer EM JAPONÊS. Pelo menos por alguns momentos eu tive quase que certeza que eu era o tema da conversa, mas talvez fosse apenas neuras de minha parte.

Ou não?

Bem, no final das contas ficamos ali, enquanto ela trocava o pneu. Inúmeros transeuntes passavam e se espantavam ao ver os dois marmanjos parados enquanto a mocinha ralava com a chave de rodas na mão. Vendedores das lojas vinham até a porta e apontavam. Pessoas se apinhavam nas janelas dos prédios para ver. Até o tráfego de carros diminuiu seu ritmo para que os motoristas pudessem contemplar tão insólita situação!

Tá, acho que talvez não tenha sido bem tudo isso, mas que foi – no mínimo – rídiculo, ah isso lá foi!

Saldo final: mãos sujas, roupa amassada, escova seriamente prejudicada, cansaço e suor de um dia quente. Isso às oito da manhã. Antes mesmo de “começar” o dia…

Bem, nem preciso dizer que depois dessa foi a ÚLTIMA vez que ela trocou um pneu NA VIDA.

Dali pra diante, pneus passaram a ser (eternamente) matéria de outrem. Sempre fui eu, ou algum borracheiro, ou até mesmo algum “cavalheiro” que passasse pela rua. Como, aliás, deveria ser norma constitucional para toda e qualquer “dama em apuros”.

Especialmente se de apenas metro e meio de desenvoltura…

😀

Equinócio de Primavera

 
Mais uma vez temos aí em cima o desenho Firebird Suite (Fantasia 2000), baseado num conto russo em que o Espírito da Primavera fica frente a frente com o Pássaro de Fogo – retratando musicalmente e visualmente os temas vida, morte e ressurreição.

Já falamos disso lá quando do Solstício do Inverno… Lembram?

Pois bem, chegamos ao Equinócio de Primavera. Pontualmente às 06h04min.

E – coincidência das coincidências! – exatamente neste dia concluo também o rol com todas as músicas que fizeram parte de todo um ciclo, de todo o período que antecedeu minha entrada no meu Inverno pessoal. Cada uma destas músicas, sem exceção, teve seu motivo. Tem sua história.

Não sei como será essa Primavera. Daqui donde olho ainda está distante, pois ainda estou em junho, que é quando escrevo este post, e vocês o estão lendo aí em setembro. Aliás, todos esses posts foram escritos com antecedência, pré-programados para, uma vez a cada dia, compartilhar um quê de música e de sentimentos…

E o trabalho a ser feito, a partir daqui, ainda é árduo. Pois a cada dia, a cada música, a cada lembrança, cada uma das mais ínfimas emoções que foram sentidas, o serão novamente em toda sua plenitude.

E por uma última vez.

Uma a uma.

Até que nada mais venha a restar.

Até que acabe o Inverno.

Até que acabe o meu Inverno…

Pelo menos é o que hoje sinto. É o que hoje espero. E, ainda, vai um recado para o meu “eu” aí do futuro: não sei em que novas confusões você anda metido, ou, mesmo, se ainda continua com as suas mesmas velhas confusões; só sei que com sua prodigiosa “memória de pombo”, concertezamente não vai lembrar do conteúdo destas linhas (até mesmo pelo grau etílico atual deste que vos tecla); então faça-me o favor de manter o foco.

Lembrou-se agora?

O motivo de cada uma dessas músicas?

Reviver todos seus sentimentos com intensidade suficiente para então, definitivamente, deixá-los enterrados lá de onde jamais deveriam ter saído?

Pelo menos o plano era esse…

Espero sinceramente que, aí no futuro, você esteja bem, cara. Pelo menos vai ter a certeza de que, daqui onde estou, vou tentar trabalhar para isso. Pois agora, com o fim desse ciclo, se você se meteu em alguma outra confusão, resolva-se! E rápido! A Primavera chegou e você não precisa ficar enclausurado pra sempre. Só precisa crescer. Ao menos o suficiente para aprender a lidar consigo próprio e, em especial, com esse teimoso e tinhoso coração – obstinado em ser independente.

Tenho planos para você.

Não necessariamente grandiosos. Mas planos.

Então, não me decepcione.

Simples assim.

Bicarato’s Family

E neste último domingo reuniu-se a Família Bicarato para comemorar uma nova etapa na vida do “Seo” Antonio (o qual carinhosamente chamo de “Bicarato Sênior”), que partirá para viajandanças por este Brasil afora. Só posso agradecer por ter o privilégio de receber a amizade e o carinho de um povo tão unido…


A “rapaziada” reunida com o Patriarca…



E aqui toda a família – mais eu! 😀