Fragmentos

E eis que um novo grupo foi criado – “Rui Dória Anos 80” – já há algum tempinho por essa linda, que é minha prima, Regina. Um grupo novo para reunir gente das antigas. Desenterrar fotos e situações, bem como compartilhar com outros ex-alunos que também tenham estudado no bom e velho prédio da (na época) Escola Estadual de Primeiro Grau Dr. Rui Rodrigues Dória, lá em Santana.

Um grupinho tranquilo, até. Calminho. Umas postagens iniciais, uns comentários daqui e dali, nada demais…

Isso até que o Cláudio Alciprete, um de meus mais antigos amigos, resolveu lançar no grupo o desafio de enviar uma foto da época! Desafio aceito, foto encaminhada! Achei outras (poucas) de outros alunos e também mandei. O conversê começou a zunir. Toca um daqui, outro dali a buscar outros alunos, a adicionar, a entrar na conversa, a combinar encontro, a um monte de coisas – mas, sobretudo, a resgatar dos mais antigos cantões da memória um pouco de nosso dia-a-dia escolar.

Gente que há muito tempo não tínhamos sequer notícias começaram a aparecer: ou já participando do grupo ou através de sugestão para que fossem adicionados! Apesar da minha usual memória de pombo – como dá pra perceber pela última vez que falei da escola – alguma coisa foi clareando, novas velhas lembranças foram surgindo e situações, momentos, causos e outras tantas coisas naturalmente começaram a emergir, vindo sabe-se lá de qual obscuro canto das catacumbas de minha memória…

E, uma vez reunida, essa Turminha do Fosfosol não perdoa!

Dentre tantas outras, foi a Vilminha (desculpa aí, mas NUNCA vou conseguir te chamar diferente) que me veio com essa:

Vilma Adauto, o menino mais inteligente da minha sala. Certo que era muito mimado tbém… rs

Carái! Mesmo depois de tanto tempo, sósifôdo…

Mas ela tem o seu quê de razão. Com certeza até a quinta série eu devo ter tido um “comportamento exemplar”. Aluno que não faltava, só tirava nota “A”, desde sempre gordinho, desde sempre usando óculos, desde sempre acostumado a ser o dono da razão (ainda que não o fosse). Meus amigos eram poucos (não devia ser lá muito fácil me suportar…), como bem lembrou o Silvinho:

Silvio Eu sempre fui de poucos amigos… fechado.. mas me lembro… era Adauto no primário… inseparáveis… O Gordo e o Magro! Lembra Adauto de Andrade?

Isso só foi mudar a partir da sexta série. Quis o destino que eu fosse me sentar bem na carteira atrás de um dos sujeitos mais bagunceiros da escola: o João Carlos Dellu. Sei lá por qual vez ele estava refazendo a sexta, só sei que ficamos muito amigos. E foi ali, aos meros onze anos de idade, que comecei a ter um pouco mais de consciência do mundo que nos cerca e de que a vida não devia ser levada tão a sério.

Aliás, ali já comecei a me tornar o que sou hoje, ou seja, um daqueles idiotas que levam tudo até as últimas consequências. Tanto o é que vejam este outro fragmento de memória, agora já da oitava série:

Rosemary Vcs lembram dos passeios ? Era zoológico, depois Playcenter.
Rosemary Uma vez fomos para o museu Ipiranga e levaram batida.
Simone Meu Deus o Adauto de Andrade com aquele jeitinho de quietinho, quando a Bocuda prof. de português, saía era muito atentado! kkkkk
Rosemary O Adauto de Andrade segurou a bronca na diretoria , a diretora entrou na sala e quis saber quem estava com a bebida e o Adauto levantou para a sala inteira não levar suspensão! kk isso que é amigo!

Ok, Rose, sua linda. A imagem é muito bonita – estoica, até! Só que você precisa saber de uma coisa… Ainda que , naquela excursão, as garrafas de batida terem rodado pelo ônibus inteiro, DE FATO fui eu quem as levei… Então, apesar de segurar a bronca, entenda que a bronca foi merecida!

Aliás, ao falar de fragmento de memória, acho que é bem isso mesmo. O “todo” é um tanto quanto impossível de se visualizar, e, passado tanto tempo, nossas lembranças individuais também empalideceram ou, pior, se apagaram. Esse nosso reencontro virtual nos permite avivar as memórias uns dos outros, lembrar de fulano, beltrano ou sicrano, invariavelmente com um meio sorriso no rosto, ou mesmo de situações que gostaríamos de ter esquecido mas que, ainda assim, ajudaram a forjar a pessoa que nos tornamos.

Estamos em nossa grande maioria mais para os cinquenta que para os quarenta. E o tempo é, sim, inclemente. Por isso mesmo que é tão prazeroso esse resgate de rostos, sensações, sentimentos, vidas, de quando tínhamos a tenra idade de não nos preocuparmos com o dia de amanhã. E, melhor ainda, é essa alegria por muitos de nós termos contribuídos em buscar cada qual sua peça de um quebra-cabeças cujo aspecto cada um enxerga à sua própria maneira.

Apesar de, às vezes, ser um sacrifício a simples lembranças de uns e outros!

E meu melhor exemplo é o da amiga Rosele. Através do grupo encontrei-a no Face, mandei-lhe um inbox perguntando se era ela mesma, a que tinha estudado no Rui Dória. Respondeu:

Sim sou eu mesma!! Rs. E você também?? Estudamos juntos??? Seu nome não me é estranho.

CUMÉQUIÉ?????

CUMASSIM “MEU NOME NÃO LHE É ESTRANHO”?????

Arre!

Essa era uma das amigas que NUNCA esqueci e que NUNCA mais encontrei. Uma daquelas lembranças de adolescência que sempre pairavam, com carinho, na minha memória, volta e meia repintando-lhe as cores para que não esmaecesse com o tempo, como todo o resto. Triste saber que deixamos de existir para pessoas que ainda existem para gente.

Mas o alívio veio através de um comentário, agora no próprio grupo, algumas horas depois:

Rosele Adautoooo lembrei de você!!! Hehehehehehehe. Feliz!

Heh…

Feliz fico eu.

Ao menos voltei a existir…

Os Barbeiros

Cabelo é um negócio complicado…

E, no caso das mulheres, é uma complicação elevada à enésima potência! As que têm cabelos lisos, querem cacheados, as cacheadas alisam, as de cabelo longo vivem ensaiando cortar, enquanto as de cabelo curto não veem a hora de crescer, as morenas ficam loiras, as loiras ficam morenas, enquanto que as ruivas… Ah, as ruivas…

Desculpem aí. Se perdi.

Enfim, à parte desse complicado mundo feminino, não pensem que o mundo masculino é lá tão fácil. Não por toda uma eventual metrossexualidade implícita (ou explícita) deste ou daquele, mas porque cabelo de homem é foda. Ou, melhor dizendo, o MEU cabelo é foda. Apesar de, numa longínqua infância, já ter sido loiro e com cabelos lisos, meu cabelo hoje é meio que uma capina roçada pelo vento, onde cada haste resolve crescer para um lado. E se já não bastasse essa complicação, um rodamoinho perdido e um tufo do lado esquerdo teimam em sempre dar as caras. Por isso, no meu caso, não basta cortar: tem que saber cortar.

Durante muitos e muitos anos havia um cabeleireiro no centro da cidade que “acertou a mão” comigo. Mas o desinfeliz resolveu voltar pra terrinha dele e eu fiquei no vácuo. Daí, próximo ao trabalho, na cidade ao lado, fiz algumas tentativas num e noutro cabeleireiro somente para chegar à fatídica conclusão: não ia rolar. Ainda que espécime em extinção, decidi procurar um barbeiro. Barbeiro de verdade. Não iria novamente expor minhas madeixas ao alvedrio de quem achava que sabia o que fazer – só que não.

Mas a vida – a vida! – é uma caixinha de surpresas! E numa bela manhã de sol, passando distraidamente em frente a uma porta de vidro, algo me chamou a atenção. Uma cadeira de barbeiro. De barbeiro! Naquele momento não tinha ninguém naquele salãozinho de espartanas instalações. Dei uma filmada: na bancada um pincel de barba dentro de uma cumbuquinha, apenas duas tesouras num pote, uma navalha repousava ao lado dessas tesouras, um grande espelho em frente à cadeira, um pequeno pendurado a um canto e mais um armário de duas portas noutro. E só. Pensei comigo mesmo: “comigo mesmo, esse é o cara”.

Voltei noutra hora e conheci o dono do local, o grande Barbeiro (sim, Barbeiro com “bê” maiúsculo): “Seo” Titico. E, apesar do tamanhinho desse senhor, o nome dele é esse mesmo. Ou melhor, sobrenome. Pensando um pouco no assunto, creio que isso tudo aconteceu já tem uns dez anos. E, desde então, nunca mais deixei de frequentar a barbearia do único cara que conseguiu acertar o corte do meu cabelo, a um preço camarada e um proseio de primeira. Até recentemente…

É que o Seo Titico, por melhor pessoa que seja – e É -, também é daqueles senhorzinhos que adoram um proseio. Até aí, tudo bem, eu também. Mas, vejam bem, o proseio dele é daqueles que ao lembrar de um causo ou um fato curioso, simplesmente para o que está fazendo, dá um passinho pra trás e começa a contar a trama. O que eleva o tempo de corte de uns 20 minutos para pelo menos uma hora e meia. E, invariavelmente, meu tempo disponível para cortar o cabelo sempre foi o curto horário de almoço, sempre no meio de uma agenda pra lá de atribulada. Deixar o corte para os finais de semana também seria difícil, pois implicaria em ter que ir para outra cidade só pra isso. E o que era bucólico e até mesmo divertido, começou a ficar complicado. Tanto quanto meu cabelo.

Então, eis que há coisa de uns 4 ou 5 meses, li em algum lugar (jornal, tv, Twitter, Facebook, site de notícias, agregador de blogs – sei lá o quê!) acerca de dois sujeitos que teriam montado uma barbearia no estilo “das antigas”, até mesmo com um visual meio retrô – e, melhor ainda, perto de casa! De cara já me interessei, pois já há algum tempo eu vinha acompanhando esse movimento de “resgate” a esses locais destinados a um público masculino, tendo como exemplo a Barbearia Corleone, em Sampa. Resolvi descobrir um pouco mais e, fuçando daqui e dali, principalmente nos Facebooks da vida, consegui levantar algumas imagens do local: decoração de primeira, com esmero nos detalhes, ao fundo – vejam só! – uma mesa de bilhar e um freezer com cerveja gelada! Agora sim estávamos falando o mesmo idioma!

Com um pouco de custo encontrei o local (maldita reportagem que não deu o endereço!) e, lá chegando, conheci os dois desbravadores da Zona Sul: Fred e Nando. Proseamos um bocado – até porque, como fazia pouquíssimo tempo que tinham inaugurado, praticamente não tinham muita clientela – ambos passaram os primeiros dias de portas abertas, mas, sem trabalho, ficaram se aprimorando na bela arte do bilhar de boteco…

Mas, como era de se esperar, mesmo sem uma “propaganda formal”, graças ao excelente serviço (sim, eu também testei e aprovei) e, creio eu, às redes sociais, a fama foi crescendo de maneira diretamente proporcional à clientela. Cabeludos, estilosos, barbados e barbudos, bem como hipsters dos mais diferentes estilos começaram a frequentar essa barbearia com o sugestivo nome de “Sr. Barba“. Assim como eu.

E o mais interessante, além mesmo do estilo e da técnica, é que são eles é que dão o tom diferencial. Ambos também com suas esmeradas barbas, tatuagens das mais diversas, mas com um proseio leve e sempre bem humorado – mesmo quando estão reclamando de alguma coisa! Somente os dois é que cuidam de tudo, desde o abastecimento da geladeira, passando pela limpeza, compra de produtos, administração, etc. E ainda trabalham pra cacete! Já pensaram? Ficar nunca menos de oito horas ali, em pé, sem folga, dando o melhor de si e ainda mantendo o bom humor? É por isso mesmo que não tem como não ser um ambiente “do bem”, lugar onde é gostoso estar e participar. Mais que uma barbearia, aquilo é uma verdadeira comunidade, onde se encontram as mais diversas pessoas dos mais diversos locais, dos mais diversos níveis econômicos e/ou sociais. Ainda ontem estive lá e enquanto esperava minha vez matei as saudades dos velhos tempos e joguei algumas partidas de bilhar com alguns ilustres desconhecidos (de cinco, ganhei quatro…), tive ótimos proseios, dentre outros, com um sujeito que é instrutor para pilotos de motos de velocidade e um militar lá de Caçapava, daqueles em que a conversa flui leve e solta. Tudo isso, lógico, acompanhado de um ótimo rock ao fundo, bem como algumas boas e geladas brejas…

E levou apenas umas duas ou três horas para que eu fosse atendido! Como? Tudo isso? Não, vocês não estão entendendo… Foi isso… É que quando você está num ambiente desses as horas simplesmente passam voando, mal se percebe! É como diz aquele velho ditado: “Terapia pra quê? Vai pro bar!” Ou, no caso, pra barbearia… (Ai!)

Agora creio que vocês devam estar se perguntando o porquê deste texto… Propaganda? Publicidade? Jabaculê? Nada disso. Simplesmente, como sempre fiz, estou neste nosso cantinho virtual compartilhando aquilo que acho que é bom, aquilo que acho que é Legal. Se isso ajudar a arranjar mais um ou dois clientes para eles, zuzo bem. Fico feliz.

Mas mais do que isso, devo confessar que minha motivação foi outra… Acontece que um infeliz foi lá na página do Sr. Barba, no Facebook, e fez uma “avaliação” alegando uma “falta de respeito” com a clientela, que “esperou mais de uma hora” pra ser atendido e desistiu e que (isso não foi ao ar) estava com o pai no hospital e não poderia esperar. Por tudo que eu já escrevi aí em cima vocês já puderam notar que não é nada disso – o sujeito não compreendeu e sequer assimilou a boa energia que emana do lugar. Mas, disso tudo, dois pontos são gritantes na minha opinião. Primeiro: a “mais de uma hora” dele foram cravados 22 minutos e, sendo o primeiro da fila, não teve a mínima paciência de aguardar todo o procedimento que envolve abrir um comércio logo pela manhã, entre destravar portas, arrumar equipamentos, cuidar da limpeza básica. E, segundo: carái, véi, se seu pai tá no hospital, que é que você tá fazendo numa barbearia? Cuidando da aparência? Preparando-se para uma selfie com o velho no leito hospitalar? Pessoas normais estariam o tempo todo do lado da cama e não buscando sarna pra se coçar e botando defeito na casa dos outros!

Contudo é assim mesmo. Sempre tem que ter um pra aporrinhar. E até que é legal, pois imaginem se fosse sempre uma unanimidade? Que coisa chata! Não ia ter assunto nem pra falar mal, nem mesmo pra escrever um texto como este!

Então, caríssimos Fred e Nando, creiam-me: vocês estão, sim, fazendo um excelente serviço nessa excelente comunidade que criaram e que está singelamente disfarçada de uma barbearia com o nome de Sr. Barba

Continuem assim.

Sempre!

Emenda à Inicial: Já estava quase esquecendo daquele pouquinho de cultura inútil que teimo sempre em buscar… Até meados do século XIX, os barbeiros faziam não somente os serviços de corte de cabelo e barba, mas também tiravam dentes, cortavam calos, realizavam até mesmo pequenas cirurgias, dentre outras coisas. Por não serem profissionais, seus serviços não raro deixavam marcas insanáveis nos pacientes, quando não lhes tiravam a própria vida! A partir de então passou-se a denominar todo e qualquer “serviço ruim” através da nada gentil expressão “coisa de barbeiro”. Mas esse termo é original de Portugal, pois a associação de “motorista barbeiro”, ou seja, um mau motorista, é tipicamente brasileira…

Professorinha Paz & Amor

Nesta data especial, apenas compartilhando a homenagem já de um tempinho do copoanheiro de sempre à sua amada, idolatrada, salve, salve, professorinha do coração – e, também, minha afilhada!

E chegou o momento de a Professorinha se aposentar. Mais de 30 anos de labuta diária, muitas vezes com jornadas duplas ou triplas, encarando os queridos *monstrinhos* — numa conta-de-padaria, foram algumas dezenas de milhares de alunos. No fecebúqui, ela faz um pequeno post-registro, que gera mais de 350 curtidas e um outro tanto de comentários.

Todos carinhosos, como hão de ser, já marcados pelas saudades que a *professorinha paz&amor* vai deixar nas salas de aula — *vamos viajar de Kombi e curtir a vida de hippie*, promete-e-cobra uma aluna, enquanto outra ameaça: *eu quero a minha professora de volta AGORA!*.

O estereótipo *paz&amor* gerou carinhosamente, por parte dos alunos, o apelido *hippira*, ou *hippie-caipira*, e até um flashmob com um grupo de alunas à caráter [ver aqui] — sim, a própria Professorinha emprestou seu guarda-roupa pras meninas…

Mas, muito além do visual, o *paz&amor* é de caráter, e um exercício diário, que a garotada reconhece: *que continue ensinando às pessoas aquilo que todos devem saber, afinal esse é o seu dom e não precisa estar só numa sala de aula para ensinar ou aprender*, diz outra aluna.

E, conferindo os comentários que não param de chegar, se emocionando com todos, de repente ela pára em um e se derrama em lágrimas. É de um garoto dizendo que a ama e agradece por ter tido a Professorinha em sua vida, fazendo coro a praticamente todos os outros comentários. Mas ela me explica as lágrimas, provocando também as minhas: o garoto é do tipo problemático, *tranqueirinha*, que já se envolveu com drogas e otras cositas…

A cena ilustra o que sempre moveu a Professorinha: todos os seus anos de trabalho foram cumpridos como uma *missão*, no maior sentido da palavra, voltada aos mais carentes e necessitados. De todos os comentários, é exatamente o de um garoto mais carente (o que o levou a se envolver com drogas etc.?) o que mais a comove.

Isso, entre inúmeras outras qualidades, resume o porquê de eu amar a Professorinha Rose. ‘Brigado, minha querídola.

Em briga de mulher com mulher…

Descubram por si mesmos, por conta desta pitoresca sentença…

JUSTIÇA DE PRIMEIRO GRAU – COMARCA DE DIVINÓPOLIS/MG
3º JUIZ DA UNIDADE JURISDICIONAL DO JUIZADO ESPECIAL

Processo: 0123815-24.2011.8.13.0223
Parte autora: M.J.C.
Parte ré: E.P.S.

EMENTA: Briga de mulher por causa de homem. Invasão de domicílio. Surra com muitas escoriações, unhadas, socos, puxões de cabelo e ameaças posteriores. Fato provado nos mínimos detalhezinhos sórdidos. Agressor que mesmo na presença dos policiais, após o quiproquó, disse que ainda não terminou o serviço e que vai continuar a agredir a vítima, se ela tentar roubar seu namorado. Sujeito do desejo ardente das duas mulheres que afirma em juízo ser solteiro, amante das duas, mas que não pretende compromisso sério com nenhuma delas e que saiu de fininho, quando a baixaria começou, pois não queria rolo para o seu lado. Tempos modernos. Indenização por danos morais devida. Recomendação que se faz ao agente disputado, em razão do aspecto pedagógico das sentenças. Pedido julgado procedente.

SENTENÇA

Vistos etc.
A M.J.C. procurou a Justiça para reclamar da E.P.S.. Disse ter levado uma surra da requerida, com puxão de cabelo e unhada e tudo o mais que a gente imagina de briga de mulher briguenta, dentro de sua própria casa, invadida por ela só porque ela estava com o Nilson, no bem bom, fato que desagradou a agressora. Quer seus “danos morais” e não tem conversa de conciliação não. Chega de perda de tempo.

A E.P.S., esperta, veio acompanhada de advogada porque percebeu que a coisa não está boa para ela não. E a Doutora advogada já despejou logo uma preliminar de inépcia da inicial e citou muita doutrina e jurisprudência para demonstar queno mérito a autora não tem razão, porque houve agressões recíprocas e veio até citando ensinamentos de Ada Pelegrini Grinover e Maria Helena Diniz e Clayton Reis e Carlos Alberto Bittar e Yussef Said Cahali e S. J. de Assis Neto e de um outro tantão de Desembargadores mineiros e gaúchos. Gente graúda de sapiência que costuma escrever tratados de dano moral, de três ou quatro volumes de mil páginas cada um, ensinando a gente como resolver problemas de mulheres briguentas, de puxões de cabelo, de unhadas etc. A defesa mesma é verdadeira compilação da enciclopédia brasileira do dano moral. E fez pedido contraposto, porque triângulo amoroso gera descontentamento, desgraça e amargura… O lado de lá do triângulo é que deve suportar esse ônus.

Na Audiência de Instrução e Julgamento sobrou espinho pontiagudo e venenoso pra tudo que é lado, menos pro lado do Nilson, que veio sorridente, feliz da vida, senhor das moças lá do Halim Souki. Os olhos das duas se encheram de alegria e esfuziante contentamento com a chegada dele na sala. Dava gosto de ver os olhos delas duas. Ninguém nem queria ouvir o magistrado, que só queria trazer um pouco de paz na vida das moças. Todo mundo só esperando acabar os depoimentos para ouvir a sentença.

Então, passo a julgar o causo da disputa pelo Nilson, que foi mesmo na unhada.

Inépcia da inicial eu não vi não, muita data venia da doutora advogada de E.P.S.. A M.J.C. disse para o atermador da justiça o que aconteceu e pediu o que achou o que é de direito dela. Tudo muito bem explicadinho, nos seus mínimos detalhes… Dizer que a “exordial não é clara” só porque não especificou os vocábulos técnicos, a descrição das agressões, não tipificou unhada como lesão ou vias de fato, ah isso é exigir o que a Lei não exige dos atermadores, tão caprichosos no seu mister. Exigir que uma pessoa explique no nome do vocábulo técnico que se dá quando uma pessoa entra na casa da outra, sem ser convidado e para acabar com a festa, o nome técnico que se dá para o puxão de cabelo, a unhada, o soco na cara e o porquê que tudo isso causa sentimento de humilhação, constrangimento e transtorno é o mesmo que pedir que uma pessoa explique porque o fogo queima, a luz ilumina, a chuva molha. Cientista físico até sabe, mas a gente que vem na justiça sem ser cientista não precisa de saber. E isso não é inépcia. Afinal, pra quê tanto enciclopedismo inútil nos processos dos Juizados?

Afasto a preliminar insólita, como insólitas são as brigas de mulheres por causa de homem.

No mérito, o pedido merece prosperar, porque baixaria como se viu não pode ficar sem danos morais.

É que no dia dos fatos o Nilson estava lá na casa da M.J.C., “arrumando uma boia” (sic), quando a E.P.S. ligou para ele, mas ele, nem pra dizer que estava numa pescaria com os amigos! Foi logo entregando que estava com a rival. Êta sujeito despreocupado! Também, tão disputado que é pelas duas moças, que nem se alembrou de contar uma mentirinha dessas que a gente sabe que os outros contam nessas horas só pra enganar as namoradas. Talvez porque hoje isso nem mais seja preciso, como era no meu tempo de pescarias. Novas Leis de mercado. Foi logo dizendo na bucha, na cara limpa mesmo, como fez na audiência, que estava lá com a M.J.C., mas só “arrumando uma boia dela”. E a E.P.S. não gostou da história e foi lá tirar satisfação com a ladrona de namorado, pois isso não é coisa que se faça. E foi logo abrindo o portão da casa da ladrona de namorado, puxando seu cabelo, dando unhada e soco e sei lá mais o quê. O Nilson disse na audiência que só viu as duas se atracando e rolando pelo chão do terreiro, mas ele mesmo saiu de fininho, pois ão queria se meter em encrenca não. Briga de mulher é melhor não meter a colher! Disse pra polícia e pro Juiz que é solteiro, se relaciona com as duas, mas que não quer compromisso com nenhuma delas, isso ele não quer não.

Na hora das perguntas para tirar o compromisso do Nilson foi um Deus nos acuda. Eu tinha de perguntar pra ele se ele tinha “amizade íntima” com alguma das partes do processo. Tá na lei que o juiz deve de fazer essa pergunta, então eu fiz. E ele logo respondeu que namora com a E.P.S., mas que com a M.J.C. ele só tem um… A M.J.C. gritou lá da sua cadeira: Vai negar…? E antes mesmo que ela completasse a frase, aí não deu jeito, aí eu tive que intervir, lembrar que não era “Programa do Ratinho”. Dei duro na M.J.C., que era para ela respeitar. E a E.P.S. riu…

Aí o Nilson se sentiu mesmo o rei da cocada, mais desejado que bombom brigadeiro em festa de criança. “Seu juiz, eu sou solteiro, gosto das duas, tenho um caso com as duas, namoro a E.P.S., mas não quer compromisso com nenhum delas não senhor”. Estava tão soltinho na audiência , com a disputa das duas, que só faltou perguntar: “tô certo ou errado?”

Depois que o Nilson saiu da sala de audiências não vi mais alegria alguma nos olhos das duas em disputa. A M.J.C. ainda resmungando da surra que levou ainda chamou a rival de “esse trem”. Aí for preciso novamente intervenção enérgica deste Juiz, pois “esse trem”, dito assim, se referindo a uma pessoa, no caso a E.P.S., isso é xingamento, pode dar dano moral também, e isso não pode ocorrer na audiência. Dei outra dura nela. Disse que ela não pode xingar os outros na sala de audiências. Ela pediu desculpas. Mas só por causa disso eu resolvi abaixar um pouco o valor da condenação. Ela ia ganhar R$4.000,00 de dano moral. Mas porque chamou a E.P.S. de “esse trem” eu vou abaixar o valor para R$3.000,00.

A outra testemunha trazida pela autora, a Christiana, essa também relatou ter visto a requerida invadindo a casa da M.J.C. e lhe dando uma gravata, pelas costas e que depois do entrevero, dos socos e unhadas e puxões de cabelo a autora ficou mesmo com muitos hematomas.

E não foi só isso que foi provado. Também ficou provado que depois de tudo isso a requerida ainda disse para os policiais que não havia terminado o serviço, que ainda acertaria contas com a M.J.C.. Mas o Nilson não tem nada com isso. Ele deixou claro que não se mete nessas coisas das duas.

Conquanto a parte criminal do causo já tenha sido objeto de transação penal, segundo a culta advogada da E.P.S., podemos tipificar a conduta da requerida em pelo menos três dispositivos do Código Penal, sem medo de errar: invasão de domicílio, ameaça e lesões corporais leves. Tudo isso bem provadinho, tim-tim por tim-tim. E nem se diga que não houve lesões, mas vias de fato, porque isso não é verdade não. Vias de fato não dói. É o empurrãozinho, a cusparada, trequetê. Mas puxão de cabelo e unhada dói muito. Unhada, Deus me livre; dói demais da conta…

Diz o art. 333, do CPC, que ao autor incumbe a prova do fato constitutivo do seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

A invasão de domicílio, as agressões e ameaça posterior foram provadas.

Para mim, só a invasão de domicílio já bastaria para fundamentar a condenação, pois a inviolabilidade do domicílio é direito fundamental previsto no inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, e somente pode ser violada com o consentimento do morador, “salvo em flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Mas, além dela, ainda restaram as agressões e a ameaça, e todas devem ser objeto de valoração negativa da conduta da E.P.S.. Veja-se a propósito o que dizem os doutores nesse assunto de brigas, xingamentos, ameaças, baixarias e agressões:

(…)

Com relação ao valor pleiteado a título de danos morais, fixo a condenação em R$3.000,00. Ia fixar em R$4.000,00, mas como a M.J.C. desrespeitou a E.P.S., chamando-a de “esse trem”, durante a Audiência de Instrução e Julgamento, acho que ela também deve ser punida por esse fato. E ela também não é santa não, deve ter retrucado as agressões. Mas a culpa maior foi da E.P.S., que foi lá na casa dela tirar satisfação. Assim, a condenação é só de R$3.000,00.

Quanto ao Nilson, considerando o aspecto pedagógico das sentenças judiciais, caso ele tome conhecimento da sentença, recomendo que ele tome juízo. Quando estiver na casa de uma e a outra ligar para ele, ao invés de falar a verdade, recomendo que ele diga que está na pescaria com os amigos. Evita briga, litígio, quiproquó e não tem importância nenhuma. Isso não é crime. Pode passar depois lá no “Traíras” e comprar uns lambarizinhos congelados, daqueles de rabinhos vermelhos, e depois no ABC, comprar umas latinhas de Skol e levar para a outra. Ela vai acreditar que ele estava mesmo na pescaria. Trouxe até peixe. Além disso, ainda sobraram algumas latinhas de cerveja da pescaria… E não queira sair de fininho da próxima vez, se tudo der em fuzuê ou muvuca. Isso é feio, muito feio. Fica esperto: da próxima vez que você fizer isso você poderá ser condenado por danos morais. Qualquer advogado vai achar alguma jurisprudência nesse sentido, isso vai. Tem jurisprudência pra tudo! Isso não se faz, não senhor. Ao invés de sair de fininho, como se nada estivesse acontecendo, vê se bota ordem no banzé das moças.

Em face do exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial e condeno E.P.S. a pagar para a M.J.C. a quantia de R$3.000,00, a título de indenização por danos morais, valor este que deverá ser devidamente corrigido pelos índices oficiais adotados pelo Poder Judiciário, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da publicação desta sentença.

(…)

Defiro a assistência judiciária para ambas as partes. Elas são pobres mesmo, em todos os aspectos. E ainda têm que brigar até por homem. Coitadas. E, além disso, na semana passada foi Dia Internacional da Mulher. Elas merecem pelo menos esse tipo de assistência.

Sem custas e honorários em 1º grau de jurisdição.

Publique-se; registre-se; intimem-se.

Divinópolis/MG, 16 de março de 2012.

C.R.L.
Juiz de Direito

Os óculos do Papa Francisco e o Auxílio Moradia do Poder Judiciário: Privilégios e República

Fernando Neisser

Recentemente o Papa Francisco fez algo prosaico: foi às ruas comprar um par de óculos. Ao menos para mim ou você; não para um Papa, cargo historicamente cercado de uma liturgia quase impenetrável. Faço a ele um elogio; mas antes me permito explicar porque não o faço em razão de suas posturas estritamente políticas ou teológicas.

Não sou católico, nem mesmo religioso. Assim, se digo que concordo com suas manifestações costumeiras de tolerância com os desgraçados e perseguidos de sempre, é preciso ter honestidade intelectual: não tenho como afirmar que seus posicionamentos estejam certos ou errados de acordo com o credo da religião que lidera.

Daí porque não me sinto minimamente habilitado a dizer se é um bom ou mau Papa, sob o ponto de vista da Igreja. Posso, por outro lado, avaliá-lo na condição de líder mundial e, até mesmo, de Chefe de Estado, como político que é. E nesta chave seu exemplo é brilhante.

A ida à ótica foi só mais uma mostra da simplicidade que impõe ao exercício de seu múnus. Abriu mão dos suntuosos aposentos papais em troca de viver em um dois-quartos no Domus Sanctae Marthae, ali ao lado. Seu veículo é um Ford Focus… comprado usado.

Esta humildade pública, ao menos a mim, parece sincera; mas pouco importa. Ao menos quando não está em julgamento sua crença – para o que importariam os motivos -, mas seu exemplo político – no qual apenas a ação externa interessa.

Tal forma de exercício do poder não é exclusiva do atual Papa. Há tempos sabemos que parlamentares suecos moram em pequenos apartamentos, lavam suas próprias roupas e vão trabalhar de bicicleta. Tradicionalmente o Primeiro Ministro inglês usa o metrô e, outra semana, foi fotografado em viagem oficial à Espanha na classe econômica.

Rigorosamente o oposto do que vemos no Brasil e, em geral, nos países com altos índices de corrupção e desigualdade.

Aqui, cada oportunidade de uso de um privilégio é não apenas aproveitada como estendida quase ao infinito. Carros oficiais são trocados periodicamente. Auxílios de toda sorte – alimentação, moradia, paletó, creche, etc. etc. etc. ad nauseam – são distribuídos, como se remunerações que representam vinte a trinta vezes o salário mínimo não fossem suficientes para custear tais despesas. Sempre que possível a viagem se dá em classe executiva, com acompanhante e em hotéis de primeira linha.

E a prática não se restringe ao que entendemos tradicionalmente por políticos. Juízes, membros do Ministério Público, altos servidores, ministros, secretários… Todos que podem o fazem.

Agem ilegalmente? Não. Assenhorados da feitura das normas, fazem-nas de modo a tornar lícitos seus privilégios.

Agem legitimamente, contribuindo para uma sociedade melhor? Igualmente não.

O problema não é apenas o péssimo exemplo, que torna cada vez mais odiados pela população em geral os detentores do poder.

O pior é que desde logo os cidadãos percebem que ocupar cargos públicos significa dispor de benefícios inacessíveis aos demais. Atrai-se com isso, no longo prazo, exatamente o tipo de gente que só tem como norte na vida a busca por esta forma de ascensão na escala social: desigual, quase aristocrática, nada republicana. Tem-se um círculo vicioso.

Este tipo de ambição, ínsita a boa parte das pessoas, tem lugar próprio em uma sociedade capitalista: a iniciativa privada. É lá que devem se digladiar os que almejam alugar uma Ferrari em suas férias na Costa Amalfitana, produzindo, neste meio tempo, bens e serviços para a coletividade.

Ao menos era para ser assim. Nosso Estado, vejam só, compete com o mercado e o faz em condições desiguais: a muitos dá estabilidade, aposentadoria integral e pouca cobrança de produtividade. Aí é duro desenvolver um setor privado competitivo.

Assim, qualquer mudança de longo prazo no Brasil, que tenha por objetivo construir uma República onde ainda grassa um arremedo patrimonialista, deve necessariamente superar este problema. E deve fazê-lo rapidamente, de forma sucinta e radical.

P.S. 1: Não generalizo o aproveitamento dos privilégios, falo aqui de forma genérica. Tenho muitos amigos que trabalham em governos, parlamentos, no Judiciário ou no Ministério Público e que não apenas abrem mão, como criticam tais despautérios.

P.S. 2: É preciso deixar claro que não defendo de modo algum a onda de falso moralismo que vem assolando algumas cidades pelo Brasil, clamando para que os salários de vereadores sejam zerados ou tornados irrisórios. Há que se tomar cuidado para evitar que somente os ricos possam fazer política. A remuneração deve ser digna, de modo a permitir a dedicação integral ao serviço público. Ao parlamentar, membro do Executivo ou do Judiciário. Mas nunca faustosa, exagerada, carregada de penduricalhos, como se vê.

Cinéfilas Valtinescas

Essa é mais uma daquele excelente fotógrafo lambe-lambe (que odeia ser chamado assim), uma das pessoas mais foras de série que eu conheço. Para não expor sua verdadeira identidade vamos chamá-lo de Valtinho

É o único que com suas tiradas tem o poder de transformar um simples conversê de dia-a-dia num memorável proseio, dando sabor as olhos e um verdadeiro colírio para os ouvidos!

E eis que o parceiro de trabalho comenta que assistiu o filme Jurassic World numa, digamos, “cópia para avaliação perpétua” que não estava lá muito boa. E o caboclinho, todo solícito, já solta que também tem esse filme e, que se quisesse, poderia emprestar.

– Mas Valtinho, diga lá: essa cópia é dublada?

– Ih, cara, não. Ela é legendária!

– Ai! Tá bom, tá bom… Mas e você? Gostou do filme?

– Ah, eu não assisti tudo não mas pelo que eu vi na sinapse parece que é muito bom!

– Caramba, Valtinho!

– Aliás, dia desses assisti um filme muito bom também, das antigas. Aquele dos ventos ruivantes

– Cê tem certeza que era esse o nome?

– É sim! É aquele que tem aquela cena daquela moça que segura na mão a terra vermelha de Tara!

– Valtinho! Esse aí é outro filme! Esse é “E o vento levou”!

– Ih, cara! Será?…

A essa altura do campeonato já deu pra perceber que ele é um caso perdido…

Aliás, outro dia numa apresentação de todo o pessoal do trabalho, ainda teve outra do Valtinho, mas sem o Valtinho. Um por um lá foram eles dizer quem eram e o que faziam.

– Oi, eu sou o fulano e minha função é cuidar da área de jornalismo.

– Olá, eu sou o beltrano e minha função é cuidar da área de publicidade.

– Tudo bem? Eu sou o sicrano e minha função é cuidar das mídias digitais.

– Oi. Eu sou o peixano e minha função é cuidar do Valtinho

Tu-dum! Tsss…

A plateia vem abaixo e, rápido, cai o pano.