Pedaço de mim

Diana Corso

Por que os amores fracassados, as dores de corno, os abandonos, são tão prolíficos na canção, na poesia, tanto quanto ou, talvez, tanto mais do que a paixão? Porque o fim do amor é traumático. Ex-amantes são pedaços perdidos, metades afastadas de nós. Levam consigo um destino que recusou-se a continuar, partem carregando em seus braços aqueles que deixamos de ser, aqueles que sonhamos juntos em tornar-nos um.

Ao rever o passado, tendemos a sentir-nos trapaceados pelos próprios sentimentos. Como foi que me iludi tanto, que escolhi tão mal? Repentinamente aquele que se desejou torna-se um estranho e o amor parece propaganda enganosa, um feitiço que se desfez, revelando alguém que nada vale aos nossos olhos.

Não creio que nos equivoquemos tanto. Por vezes no fim da história não se vive feliz para sempre: a gente se perde, ou apenas escolhe caminhos que tornam-se incompatíveis, mas por certo alguma estrada, boa ou ruim se percorreu juntos. Aquele a quem amamos não é uma pessoa imutável, ele também é resultado do casal que formou. Contemplá-lo, agora afastado de nós, é também ver o resultado disso. Se encontrarmos duas pessoas idênticas ao que eram, então a suspeita do engano se confirma: não houve relação, apenas ilusão.

Mesmo complicados, os amores foram escolhas e deixam marcas no destino que não podem nem devem ser apagadas. Há músicas, cheiros, fotografias, gestos íntimos, que são oriundos daquele laço. Tudo o que vivemos intensamente nos modifica; assim, somos filhos dos amores que tivemos e deles ficamos órfãos.

Pior do que suportar a perda daquilo que se sonhou e viveu juntos é encontrar no lugar do amor que se teve um buraco negro que nos traga. Já conheci esse desespero, já vi um olhar vazio aparecer num rosto em que antes me reconhecia. Sei que todo divórcio é de si mesmo. A sensação que o encontro com um ex-amor recente causa é de cair num abismo, é como se o corpo se dissolvesse.

Por um tempo, seremos pessoas fantasma, até que um dia, passando por um espelho, descobrimos que nossa imagem voltou a estar lá. Vampiros não se enxergam porque perderam todo o sangue próprio. É assim que nos sentimos quando separados: esvaziados. Aos poucos, felizmente, a vida começa a pulsar novamente e podemos voltar a refletir uma imagem. Só que, agora, marcada pelos traços daquele olhar que uma vez escolhemos para nos refletir.

Acabou, mas existiu.

( Crônica publicada na revista Vida Simples, de FEV/2015 )

Daquilo que desejei que vivêssemos…

Alê Félix em 07/AGO/2011

Contar e recontar a história de como nos conhecemos, igual ao dia que passamos no Pé pra Fora.
Ver você chegando no meu portão, tocando a campainha, olhando pra janela e me esperando jogar a chave… Igual a primeira vez que veio aqui em casa.
Trocar emails como se fossem cartas, trocar cartas como se fosse amor, mensagens como se palavras nos bastassem, posts daí e de cá como se precisássemos nos manter em segredo.
Te beijar sem o desespero da minha saudade…
Banho quente jogando conversa fora, outros filmes no meu futon, mais cobertores e vinhos na sua cama, meu queijo e o seu tomate seco na minha mesa.
Andar de mãos dadas.
Suas mãos…
Conversar abraçada.
Quentinho…
Morder seu nariz.
Seu rosto que me faz sorrir…
Deslizar meus dedos pelas suas mãos enquanto tagarelávamos…
Acarinhar seu coração enquanto te sentia triste…
Cabular o dia, dar a partida, ignorar todo o resto da vida só pra cuidar um pouco de mim e de você.
Compartilhar amigos…
Esbanjar carinho…
Passar outras tardes, noites e manhãs sem nos darmos conta das horas, adivinhando as horas…
Outras estradas… Escrever outras histórias.
Ouvir suas músicas, passar as minhas…
Dirigir, ver você dormir…
Esperar a intimidade chegar…
Conseguir dormir.
Brincar de pensar…
Brinde de garrafa…
Brinde de arco-iris, brinde de estrelas…
Brinde no café da manhã…
Café misturado com leite frio e pão na chapa com muita manteiga toda santa vez, iogurte com frutas e inveja do seu pedido pra mim.
Ouvir você falando de política.
Ouvir você falando das crianças.
Ver o seu jeito e seus olhares diante da vida que passa a nossa volta…
Sentir tanta vontade de escrever…
Escrever.
Seu livro.
Meu livro.
Nossos livros.
Caminhar na praia…
Caminhar pelas ruas e praças de qualquer lugar…
Pararmos pra você fumar, pra eu pensar, pra bebermos, pra tentarmos enxergar, pra descansar, pra abraçar, pra viver.
Passarmos mais tempo em pousadas como aquela da serra…
Dormirmos até mais tarde em pousadas como aquela da praia…
Vivermos nossos dramalhões mexicanos em paz e encontrarmos um jeito de rir e contá-los depois de superados…
Passar no final da tarde no seu trabalho e me perder em pensamentos sobre nós e gravatas e paletós e vestidos pra embrulhar presentes.
E ir contigo até o seu Armazém e ir contigo até o meu Armazém…
E conhecer o seu Arpoador e ver você no sol do meu Arpoador…
Suas vindas pra São Paulo e o resto da tarde comigo depois das reuniões…
Passar mais tempo beijando em vez de falando, mais tempo namorando em vez de pensando, passar o tempo sem pensar no tempo, sem dar tchau com o coração apertado, sem pensar em tudo que queriamos deixar de lado.
E conseguir dormir ao seu lado, dividir o colchão, o chão, meu coração. Aprender a te dar fôlego para enfrentar os dias, tirá-lo durante as noites…
Acordar com café, com sorriso de bom dia.
Tentar te fazer feliz… Me manter feliz.
Dar um ponto final para a confusão de sempre, uma exclamação para o seu coração meio cheio ou meio vazio, tirar a interrogação da minha porta aberta, sem saber se fecha ou espera mais um pouco.
Interromper de vez minhas lágrimas, por nunca saber o que fazer pra jogar nessa barriga quentinha, pelo menos uma mísera larvinha.

Amo você. E era o suficiente pra ter arriscado esperar o tempo nos dizer se ele se tornaria história ou estória. Mesmo diante da nossa imatura e dramática necessidade de deletar, amo você. E por tudo aquilo que desejei que vivêssemos, mesmo que fosse só um pouco mais.

Lembra se puder, se não der esqueça… De algum jeito vai passar.

Dançando até cair

Um dia eu ainda gostaria de dançar assim. Por mais avesso que eu seja a danças! Dançar solto, descompromissado, sem senões, sem dedos em riste, sem esperar, sem cobrar, sem querer – mas querendo, no ritmo que quiser, do jeito que aprouver, virando, torcendo, cantando, com alegria, com vontade, com desejo, com parceria, com olhos nos olhos e coração com coração… Até a exaustão!

E vocês? Já têm seu par?

I-dentificando uma situação

E então o bom e velho senhor conhecido como “meu sogro” (ou “Miyagi-San”, segundo eu mesmo), alguns anos atrás costumava receber a filha do meio e suas netinhas para passar o final de semana em sua casa – hoje todas já adultas. As filhas, entenda-se. Nessa época a Dona Patroa – que ainda estava bem longe de ganhar essa alcunha – era simplesmente a tia querida e preferida de toda sobrinhada, em especial essas três filhas de sua irmã.

Pois bem.

Naqueles tempos a casa, projetada e construída como uma “construção das antigas”, tinha apenas um banheiro e nenhuma suíte. Isso mesmo, o banheiro era para uso comum de todos. E o bom velhinho costumava deixar sua bela dentadura descansando dentro de um copo d’água todas as noites, ali mesmo, sobre a pia do banheiro.

E então eis que uma de suas pequeninas netinhas entrou no banheiro para a famosa última escovadela de dentes antes de dormir.

E, lá, encarou aquele copo com toda aquela dentaria dentro!

Não teve dúvidas!

Saiu pela casa em franca desabalada carreira!

– Ô tia! Ô tia! Ô tií-ááá!!!

– Oi, oi? O que é que foi? Aconteceu alguma coisa?

– Você viu lá no banheiro? Você viu? Você viu?

– Viu o quê, minha lindinha?

– É que o vovô esqueceu o sorriso dele lá em cima da pia…