VII – Até quando tudo dá certo, ainda dá errado. Ou não.
(Para os desavisados de plantão: esta é a continuação da narrativa de uma de minhas desventuras que comecei a contar no final de 2016 – putz, já se vão quase quatro anos! – e que até agora ainda não tinha concluído. Nada demais, apenas um pré-infarto pelo qual passei. Se quiserem saber como tudo isso começou ou rememorar o causo desde o princípio, desçam direto lá para o final deste texto e cliquem no link “Início da Saga”.)
Quinta-feira. Dia três. Noite. Cerca de 60 horas de internação, sendo espetado, desespetado, medido, apalpado, remediado e outros tantos quetais. Porém já estava muito bem descansado e – até que enfim! – munido de óculos e muitos livros os quais poderia ficar lendo até bem tarde da noite de quinta para sexta (lembrem-se que eu havia dado entrada na Santa Casa por volta de dez da manhã de terça-feira).
Já era de madrugada e distraído como estava acabei levando um susto dos infernos quando ouvi batidas na janela, ao lado da minha cama. Alguém estava lá fora, no estacionamento.
– Mas que catzo…
Abri a janela, com cautela e armado de um livro volumoso o suficiente para causar o estrago na testa do primeiro desavisado.
Era o Torquemada. E a Marcela. E a Joseane.
Como obviamente já não era mais horário de visitação e já cientes que dentro em breve eu teria alta eles foram lá para me tripudiar consolar e não me deixar sozinho, ao menos por alguns momentos durante aquela longa noite. Tudo bem que eles já tinham acabado de chegar do Armazém, nosso boteco’s-bar predileto próximo do trabalho, onde deviam ter passado as últimas horas por lá. E pelo estrago estado geral da galera, eu tive absoluta certeza de que não estavam tomando suco de laranja…
Conversamos um tanto, rimos outro tanto (“Porra, não trouxeram nada pra mim? Sacanagem, hein?”), levei uma comida de rabo por essa frase e quando por fim perceberam que aquela janela não era um balcão de bar – e, em especial, que não tinha nenhuma bebida por lá – antes que fossem descobertos pela altura das risadas, resolveram ir embora. Despedimo-nos e, confesso, independentemente do estado geral que fisicamente meu coração poderia estar, espiritualmente ele estava bem mais leve e quentinho. Como é bom ter amigos! Mesmo um sádico como o Torquemada…
Depois dessa resolvi simplesmente deitar e dormir enquanto ainda estava com aquela sensação gostosa de aconchego.
No dia seguinte acordei tarde pra caramba (umas seis e meia), pois pelo visto meu relógio biológico havia resolvido tirar férias. Como eu já sabia que o café da manhã ainda iria demorar um pouco resolvi tomar um outro bom banho – ao menos para lembrar que ainda existia água quente no mundo. Carregando aquela parafernália de soros e acessos e camisola aberta no rego, com um pouco de trabalho – e quase pranchando no chão por umas duas vezes – finalmente consegui terminar a ducha. Bem na hora, pois o café havia acabado de chegar.
Apesar de nos últimos anos ter ostentado uma vetusta barba na maior parte do tempo, naquela época eu preferia ficar bem escanhoado. Mas como é cheia e cresce rápido, ao final de uns dias sem ver um barbeador eu já estava parecendo um indigente. Paciência. Só faltava mais um dia, segundo o “protocolo”, e no sábado eu iria para casa.
Passei o dia meio que bestando, cochilando um tanto e lendo outro tanto e no finalzinho da tarde me veio a médica para a visita de praxe.
– Parabéns, o senhor já vai ter alta.
– Sei, sei. Amanhã, né?
– Não, hoje mesmo. Só falta meu colega assinar comigo e o senhor já pode ir embora. Tem quem venha lhe buscar?
– Mas, mas… E o tal do protocolo? De que eu teria que ficar sei lá quanto tempo em observação?
– Ah, isso é mais uma orientação do que uma regra. Como o senhor está reagindo muito bem não há necessidade de mantê-lo por aqui.
“Mais uma orientação do que uma regra”? Caray! Não pude deixar de me lembrar do filme Piratas do Caribe onde, de acordo com o momento e a conveniência, a “parola” poderia ser considerada uma regra ou não. Sexta-feira, final de expediente, após cravadas oitenta horas longe da sociedade e eu sem uma muda de roupa sequer para ir embora. Liguei para a Dona Patroa – coitada… – e, não demorou muito, ela chegou com o que eu precisava. Separei todo o resto para já levar para o carro enquanto aguardaríamos a segunda assinatura e – enfim! – a alta.
E aguardamos.
E aguardamos.
Aguardamos.
Aguardamos mais um pouco.
E nada.
E já estava ficando muito tarde e ela precisava voltar para dar conta das crianças em casa.
E lá foi ela e lá fiquei eu.
De novo.
E ASSIM QUE ELA SAIU ME TROUXERAM O TAL DO PAPEL DA ALTA!!!
Que estava desde não sei que horas parado na mesa de não sei quem para levar não sei onde e depois entregar para mim.
E já não adiantava mais ligar para ela, pois era tarde e devia estar a meio caminho de casa.
Paciência.
No dia seguinte, cedinho, combinaríamos de ela vir me buscar.
Mas é lógico que não foi isso que aconteceu.