O fio

Saboroso texto do Sérgio Rodrigues, sendo de se destacar o excelente conselho de Dorothy Parker.

Apontamentos levianos para um ensaio gravíssimo: o fio

A boa escrita é a atualização, que parece se dar no ato mesmo da leitura, de um certo potencial literário da linguagem, coisa obviamente intangível: um jogo desesperado, uma dança sedutora, tapeçaria vaporosa de ritmos, vírgulas, climas e sabedoria vocabular lançada sobre um relevo concreto de topoi, de pressupostos culturais e sensoriais que compõem o território compartilhado por escritor e leitor. Um relevo de lugares-comuns que a escrita ora aceita, acariciando, ora confronta, batendo de frente nas pedras – mas esta é outra conversa. O que importa destacar aqui é que toda essa algazarra se dá, como se acontecesse pela primeira vez, no ato mesmo da leitura, aparecendo antes de mais nada sob a forma de um comboio de palavras. E já que estamos no terreno do intangível: quanto mais charmoso esse comboio, quanto melhor a escrita, maior o fio, o gume com que fere a página naquele momento.

É o fio, para não deixar de explorar a polissemia da palavra, que nos leva a passar de uma palavra à próxima, de uma frase às frases seguintes, e virar as páginas fascinados num mundo em que a cada dia há mais páginas, páginas excessivas, implorando nossa atenção como crianças malabaristas nos sinais. E é a consciência da ausência de fio que nos leva a ler cinco páginas e meia do romance cult recém-lançado como quem encara um suflê de alfafa, garfada a garfada, penosamente, antes de tomarmos coragem para seguir o conselho de Dorothy Parker: “Este não é um livro que se possa deixar de lado de forma leviana. Deve-se atirá-lo longe com toda a força”. Teríamos cometido uma injustiça? Brilharia milagrosamente a partir da página dezoito o gume até então cego? Nós e Dorothy jamais saberemos.

Mas como se dá, afinal, a avaliação da escrita por um critério tão impressionista? Quem diz onde está o fio, ou pior, quem diz o que é o fio? Quem leu o suficiente para dizer, é claro. Mas diz em primeiro lugar – e isso é importante – a si mesmo. Assim como a realidade do texto para o leitor se dá sempre agora, não importa quanto tempo o autor tenha investido nele nem quantos séculos tenham se passado entre escrita e leitura, da mesma forma esse leitor-juiz, se tiver dois gramas de sabedoria, saberá que é irremediavelmente idiossincrático ao julgar o fio. Isso não significa decretar um vale-tudo estético baseado apenas no “gosto pessoal”. Nenhum gosto é exclusivamente pessoal, mas sempre enraizado num patrimônio de cultura que pertence à sociedade. Ocorre apenas que, de tanto ler, o leitor, submisso leitor, acaba dando um jeito de instaurar sua própria tirania sobre os escritores: se puder, não permitirá de modo algum que aquelas palavras lhe arranhem a retina, a mente ou a alma. Eis porque uma boa pedra de amolar é mais importante na mesa de trabalho do escritor do que papel e caneta – ou um computador.

Licitação do metrô de São Paulo

Bizarro.

É o mínimo que posso dizer.

Trabalho diariamente com licitações, em suas mais diversas formas e modalidades, e ver uma coisa desse tipo realmente me choca. É uma falta de respeito, de dignidade, de profissionalismo e, sobretudo, de moral. Conchavos e acertos de qualquer espécie têm que ser rechaçados em busca de uma imagem decente da Administração Pública. E se ainda existe esse tipo de coisa é porque também existe quem se deixe levar. Fiquei sabendo da história lá pelo efeefe e fui conferir no bugio. Segue, na íntegra.

O resultado da licitação para a construção da via permanente 2-Verde do Metrô, obra de mais de R$ 200 milhões, foi antecipado pela Folha Online oito horas antes da abertura dos envelopes, ontem, em São Paulo. O nome da vencedora e detalhes do processo foram ocultados em texto sobre a ópera “Salomé”, que entrou em cartaz ontem na Sala São Paulo.

A antecipação mostra que a concorrência pode ter sido direcionada, de forma a dar vitória ao consórcio liderado pela Camargo Corrêa. Procurada, a empresa se recusou a falar sobre o assunto.

Mundo globalizado?

Que sirva de lição aos grandes amantes das modernidades e de todas essas traquitanas tecnológicas. Nossa realidade é bem outra. O mundo lá fora existe, sim senhores. Eu mesmo somente acabei me lembrando disso ao – só hoje! – ler o post  do último dia 10 de junho lá no Lente do Zé.

Ficamos tão preocupados com as novidades, com o virtual, com as posturas, com os movimentos sociais na rede, e, no meu caso ainda pior, com posturas jurídicas, correntes doutrinárias, decisões de tribunais, sentenças incongruentes, que acabamos esquecendo que o mundo não gira em torno de nosso umbigo. O ser humano foi “inventado” bem antes dos computadores e costumava ter seu próprio modus operandi antes dessa era digital. Eu sou o primeiro a sempre me dar esse puxão de orelha para me lembrar disso – mas também sou sempre o primeiro a esquecer…

Bem, segue o texto na íntegra, que foi publicado pelo Zé sob o título de “Rosário e Chapada do Norte”.

Alguém já ouviu falar em Chapada do Norte?

Trata-se de uma cidadezinha mineira de apenas 15 mil habitantes (destes, 9.000 na zona rural), 555 km pra cima de Belo Horizonte – mais precisamente no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais miseráveis do país.

Minha diarista, a Rosário, é de lá. Há mais de vinte anos trabalhando comigo, em quatro casas eu morei, nas quatro ela me ajudou a organizar o caos semanal. Também faz faxina no Villaggio, na casa da Rô e até na gravadora Lua, ainda hoje. Trabalha duro seis dias por semana, incansável.

Vinte anos trabalhando pra mim e até hoje não sei seu sobrenome – até porque nunca precisei saber. Também nunca soube seu endereço, e só passei a ter como falar com ela fora de casa depois lhe dar um celular que havia trocado por um modelo mais novo, cerca de dois anos atrás. Não porque tivesse necessidade ou motivos pra ligar – já que nunca faltou sequer um dia. Simplesmente perguntei se ela queria a geringonça e a resposta foi sim, aceito, obrigado.

Perto dos seus sessenta anos, sempre foi do tipo caladona, séria. Nos últimos anos é que começou a rir um pouco das minhas brincadeiras, a conversar timidamente. Solteira e sem filhos, mora num desses subúrbios da Capital com uma “sobrinha”, moça (des) casada que era filha de uma de suas ex-patroas e que, quando perdeu a mãe, foi morar com a amada faxineira – vejam só.

Das poucas coisas que sei dela, uma é que, há anos, vem economizando e mandando caraminguás pra construção de uma casinha para os pais, velhinhos, lá em Minas. Nesse “palácio”, que nunca termina de ser construído, é que planeja morar quando se aposentar.

Já faz três anos que Rosário não vai a Chapada do Norte. Um pouco por falta de dias livres, outro pra não deixar a “sobrinha” sozinha com seu bebê, já que praticamente sustenta todo mundo em casa. “Este ano ano eu vou dar um jeito de ir”, vinha dizendo.

Ontem ela soube, através de um telefonema – que nem teve chance de atender -, que seu pai falecera. Na verdade, já tinha até sido enterrado, no último sábado.

Veio trabalhar assim mesmo, mais calada do que de costume. Hoje cedo sua tristeza só não era maior do que a frustração e a sensação de impotência diante de um simples detalhe: não tem como falar com seus familiares. Não pode saber como está a mãe, só soube – por quem ligou e deixou recado na sua casa – que a velha senhora “não estava bem”.

Ora, mas como – em pleno 2008 – alguém não consegue falar com alguém neste país por telefone, questionei? Resignada, respondeu que na zona rural de Chapada do Norte só tem um telefone, comunitário, e que não consegue completar uma mísera ligação pra lá. “Deve estar quebrado, como sempre”, concluiu, com pesar. Quem ligou e avisou sobre a perda do pai, explica, teve que rodar pelo menos 40 minutos em estrada de terra até a cidade, sabe-se lá em que condução, pra ter como mandar a triste mensagem.

“Meu pai tinha 84 anos, mas sua saúde era boa”, falou. “Nem sei do que ele morreu, vamos tentar mandar um telegrama amanhã e pedir notícias”.

E continuou seu trabalho, calada, como sempre fez nesses vinte anos.

Evolução da matemática

Tragicômico.

Mas real.

A estória recebi já há um bom tempo do amigo Cláudio (um dos mais novos cidadãos Pelotenses), mas poderia ser plenamente real. E ainda preciso falar por aqui sobre a volta da matéria Filosofia às escolas. Mas por enquanto fiquemos na matemática…

Semana passada comprei um produto que custou R$1,58. Dei à balconista R$2,00 e peguei na minha bolsa 8 centavos, para evitar receber ainda mais moedas. A balconista pegou o dinheiro e ficou olhando para a máquina registradora, aparentemente sem saber o que fazer. Tentei explicar que ela tinha que me dar 50 centavos de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para ajudá-la. Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender.

Por que estou contando isso?

Porque me dei conta da evolução do ensino de matemática desde 1950, que deve ter sido assim:

1. Ensino de matemática em 1950:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda. Qual é o lucro?

2. Ensino de matemática em 1970:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda ou R$80,00. Qual é o lucro?

3. Ensino de matemática em 1980:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção desse carro de lenha é R$80,00. Qual é o lucro?

4. Ensino de matemática em 1990:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção desse carro de lenha é R$80,00. Escolha a resposta certa,que indica o lucro:

( )R$20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

5. Ensino de matemática em 2000:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção desse carro de lenha é R$80,00. O lucro é de R$20,00. Está certo?

( )Sim ( )Não

6. Ensino de matemática em 2007:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$80,00. Se você consegue ler coloque um X no R$20,00.

( )R$20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

Onde vamos parar?…

Política de reflorestamento

Simplesmente perfeito. Segue, na íntegra, lá do blog da Cláudia, no melhor estilo Ctrl-C/Ctrl-V…

Tramita pela Câmara dos Deputados projeto de lei de autoria do deputado Manato (PDT-ES), que obriga, entre outras situações, o plantio de árvores em caso de casamento e de divórcio.

10 árvores em caso de casamento; 25 em caso de divórcio. Vinte e cinco???

É, 25. Segundo o genial raciocínio do autor do projeto, quando as famílias se dividem e vão morar separadas, há maior ocupação de espaço e maior consumo de energia e água. Daí a necessidade de mais que o dobro do número de árvores do que quando se casam. Ele deve imaginar, por exemplo, que mulheres divorciadas tomam mais banho que as casadas, uma vez que precisam estar mais cheirosas para conquistar um novo par. É, faz sentido.

Resumindo: como se não bastassem as dolorosas questões inerentes a qualquer divórcio, por mais amigável que seja ele, como divisão de bens, separação de corpos, separação de objetos cuja propriedade se confundiu ao longo do tempo, explicar para os filhos o que acontece, saudade dos filhos, saudade um do outro, confusão na hora de tratar o ex-parceiro que foi seu marido/mulher por tanto tempo, mudança de casa, abrir mão de amigos algumas vezes, as lembranças aqui e ali, os espaços vazios dentro dos armários e mais uma montanha de coisas que certamente não cabem nas linhas de um blog, as pessoas que se divorciam ainda terão que pagar o preço por não terem sido capazes de manter o compromisso firmado. Além, é claro, no caso de serem católicas, de não poderem mais se casar na igreja, nem comungar, nem ir para o céu quando morrerem.

O que, do ponto de vista ecológico, faz com que a dissolução do casamento seja muito mais benéfico para o planeta. Se você se casa, duas pessoas juntas têm de plantar 10 árvores. Se essas duas pessoas não se separarem, não precisam plantar mais nada, e se tiverem filhos, estão contribuindo de maneira decisiva para o aumento do consumo de energia, água e outros recursos naturais, diretamente proporcional ao número de filhos que tiverem. Tudo isso na conta daquelas 10 arvrinhas do começo da vida a dois.

Por outro lado, quanto mais rápido duas pessoas se divorciarem, mais elas estarão preservando o planeta, porque não terão tempo de ter muitos filhos – se forem realmente rápidas, não terão tempo de ter nenhum, o que, sob o ponto de vista do excelentíssimo deputado Manato, já os candidata a receber uma medalha de honra ao mérito do Greenpeace – e de cara já terão de plantar 25 árvores.

Levando em conta que pessoas divorciadas têm a possibilidade de se casar de novo, eis que o nobre deputado acaba de propor a multiplicação das árvores. Eu explico: os noivos plantam 10 árvores, certo? e os divorciados, 25. Só aí, temos 60 árvores: 10 dos noivos, que fazem tudo juntos, e 50 dos divorciados, 25 cada um, pois divorciados não fazem nada juntos. Quando cada um dos divorciados se casa novamente, cada um planta, junto com seu novo par, mais 10 árvores. Isso significa que cada casal original, divorciando-se apenas uma única vez e casando-se novamente tem potencial para o plantio de 80 novas árvores!

Não é maravilhoso que tenhamos parlamentares capazes de propor coisas tão geniais? E a gente aqui preocupadíssima, achando que a Amazônia ia acabar, olha só que bobagem!

Verdade nua e crua

E para aqueles que ainda tem o desplante de achar que seria absurdo – verdadeira Teoria da Conspiração – esse negócio de a imprensa “alterar” as notícias conforme lhe convenha, eis aí (mais) uma prova. Recortado e colado diretamente do site do copoanheiro Bica:

“:: Fotoxópi ::

*Isto é* o quê mesmo? Jornalismo é que não é, com toda a certeza. Tá na Istoé dessa semana, numa matéria sobre um protesto do MST contra a privatização da Cesp. A foto é do Cristiano Machado pra matéria *O MST contra o desenvolvimento*. O Corpo12 e o BlueBus também comentam. Eu me limito a deixar aí a montagem:


Esquerda: a foto publicada ||| Direita: a foto original

Mais uma na ferradura

Notícia direto lá do pBlog:

“Wordpress.com pode ser bloqueado no Brasil

Erros grotescos do Judiciário em decisões que envolvam a Internet são comuns e, até certo ponto, compreensíveis. O que me espanta nesta notícia, entretanto, é a falta de conhecimento da Abranet, associação dos provedores de Internet, ao tratar questão tão simples e irrelevante de maneira espalhafatosa, optando pela decisão mais burra e destrutiva possível.

A situação é a seguinte: um blog qualquer, criado e mantido no WordPress.com, cometeu algum ilícito, o qual tenho quase certeza de que se trata de crime contra a honra. O ofendido, ou o Ministério Público (depende do crime), ajuizou ação penal contra o dono do blog. A justiça recebeu a queixa-crime/denúncia, e aparentemente, segundo nota do G1, pedirá o bloqueio do domínio wordpress.com no território nacional.

A estupidez de tal decisão, corroborada pela Abranet, é gritante. Fazendo uma analogia exagerada, seria algo com matar uma mosca com uma bala de canhão, ou num exemplo mais próximo, punir todos pelo erro de um.

O WordPress.com possui um canal de denúncias de abusos muito eficiente. Através do e-mail tosreport@wordpress.com, pode-se solicitar a exclusão de algum blog que esteja infringindo os termos de uso do serviço, ou que, como no caso em tela, seja instrumento de um crime. O Mark, que é quem geralmente responde esses e-mails, é muito atencioso e sempre responde as solicitações com muita agilidade – palavra de quem se comunica com ele freqüentemente. Comparando o caso com o da Cicarelli, neste há a vantagem de que o conteúdo dificilmente será replicado, ao contrário daquele, o que torna a mera exclusão do blog-problema mais que suficiente para atingir o objetivo do despacho/sentença/whatever, que é impedir o acesso dos brasileiros ao conteúdo <ironia>de extrema periculosidade</ironia> veiculado por tal blog.

Depois do YouTube, agora é a vez do WordPress.com. Quem será o próximo? pBlog? (Brincadeirinha, haha).

[Via Guia do PC]