Panfletagem espiritual

E aí? Alguém por aí ainda lembra do nosso velho amigo, Doutor Alegado? Pois é. Ele continua aprontando das suas…

Pois acontece que nosso amigo, usual e tradicional pára-raios de confusão, costuma crer piamente em grandes pérolas do saber universal, de preferência extraídas de algum dos livros que façam parte do ranking dos dez mais vendidos. É uma ótima maneira de tentar esbanjar cultura! E a tirada da vez veio de ninguém menos que Carlos Ruiz Zafón, que lhe ensinou: “Toda oportunidade de negócio tem seu ponto de partida na incapacidade de uma outra pessoa para resolver um problema simples e inevitável.”

E assim, com um propósito em mente e um objetivo a seguir, eis que nos últimos tempos ele resolveu que iria trabalhar como consultor jurídico, vejam só!

De quê?

Direito eleitoral, oras!

Mas é lógico que, com ele, o inusitado é que impera…

E assim se deu a primeira ligação do dia:

– Oi, bom dia!

– Bom dia! Em que lhe posso ser útil?

– Sabe, doutor, aqui é do cemitério municipal…

– DE ONDE?

– Do cemitério!

– Ah, tá… Pensei ter escutado isso mesmo… Bem, que posso fazer pelo senhor?

– Bem, é o seguinte doutor. Sou responsável aqui pelo cemitério. Normalmente é bem tranquilo por aqui, sabe? Às vezes até demais. Mesmo assim a gente sabe que tem que cuidar de tudo direitinho, né? Tem que tratar bem de tudo por aqui, de todas as coisas, sinal de respeito, sabe?

Ãn-ram…

– Então. Acontece que com esse negócio de eleição que começou agora, as pessoas meio que abusam. Fazem de tudo, mesmo. E a gente meio que fica preocupado, sabe doutor? A gente não tem lá muito estudo e nem entendo direito desse negócio de leis, mas tem coisa que tá na cara que tá errado! E daí não tem como ficar quieto, né? Se a pessoa abusa e falta para com o respeito com os outros, a gente tem que fazer alguma coisa! Só que fico preocupado de saber se tô fazendo direito, se não tô cometendo nenhuma injustiça, senão vai que também acaba sobrando pra mim, tá entendendo, doutor?

– Na verdade não. Qual é, de fato, o problema?

– É que tem um sujeito panfletando aqui dentro do cemitério.

– CUMÉQUIÉ???

– É, então. Esse rapaz, sabe, candidato a vereador – gente de bem até, conheço o pai dele, nunca fez mal pra ninguém – então, esse rapaz tá dentro do cemitério distribuindo santinho dele pra eleição. Isso num pode, né doutor?

Respira fundo. Olha pro teto. De olhos fechados, meneia a cabeça com um esboço de sorriso. E, como de praxe, chega a inequívoca conclusão de que cada vez menos o mundo precisa de ficção, pois a realidade já dá munição mais que suficiente…

– Olha, senhor, é o seguinte: não pode. Certo? O cemitério é um lugar público e de respeito. Se esse rapaz quiser distribuir panfletos do lado de fora, na calçada, na rua, tudo bem. Mas não do lado de dentro. Até porque – convenhamos – deverá ser bem difícil de conseguir voto de viva alma por aí, não é mesmo? Só tome cuidado para que, a exemplo do que fazem com carros, ele não invente de adesivar algumas lápides também. No mais, é isto. Tenha um bom dia.


E vocês, caros leitores?

Sim, vocês mesmos: uns quatro ou cinco, sei que estão por aí…

Que acham da atitude do pobre candidato?

A pior audiência da minha vida

Não, desta vez não foi comigo…

Mas, como costumo sempre dizer, inventar ficção pra quê? A vida já te dá munição mais que suficiente!

Então, com as recomendações do sempre amigo Cláudio Graziano (que me mandou a história), vejam este saboroso causo de, à época, um nobilíssimo Promotor…

( C&P daqui. )

A minha carreira de Promotor de Justiça foi pautada sempre pelo princípio da importância (inventei agora esse princípio), isto é, priorizava aquilo que realmente era significante diante da quantidade de fatos graves que ocorriam na Comarca em que trabalhava. Até porque eu era o único promotor da cidade e só havia um único juiz. Se nós fôssemos nos preocupar com furto de galinha do vizinho; briga no botequim de bêbado sem lesão grave e noivo que largou a noiva na porta da igreja nós não iríamos dar conta de tudo de mais importante que havia para fazer e como havia (crimes violentos, graves, como estupros, homicídios, roubos, etc).

Era simples. Não há outro meio de você conseguir fazer justiça se você não priorizar aquilo que, efetivamente, interessa à sociedade. Talvez esteja aí um dos males do Judiciário quando se trata de “emperramento da máquina judiciária”. Pois bem. O Procurador Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público) da época me ligou e pediu para eu colaborar com uma colega da comarca vizinha que estava enrolada com os processos e audiências dela. Lá fui eu prestar solidariedade à colega. Cheguei, me identifiquei a ela (não a conhecia) e combinamos que eu ficaria com os processos criminais e ela faria as audiências e os processos cíveis. Foi quando ela pediu para, naquele dia, eu fazer as audiências, aproveitando que já estava ali. Tudo bem. Fui à sala de audiências e me sentei no lugar reservado aos membros do Ministério Público: ao lado direito do juiz.

E eis que veio a primeira audiência do dia: um crime de ato obsceno cuja lei diz:

Ato obsceno
Art. 233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

O detalhe era: qual foi o ato obsceno que o cidadão praticou para estar ali, sentado no banco dos réus? Para que o Estado movimentasse toda a sua estrutura burocrática para fazer valer a lei? Para que todo aquele dinheiro gasto com ar condicionado, luz, papel, salário do juiz, do promotor, do defensor, dos policiais que estão de plantão, dos oficiais de justiça e demais funcionários justificasse aquela audiência? Ele, literalmente, cometeu uma ventosidade intestinal em local público, ou em palavras mais populares, soltou um pum, dentro de uma agência bancária e o guarda de segurança que estava lá para tomar conta do patrimônio da empresa, incomodado, deu voz de prisão em flagrante ao cliente peidão porque entendeu que ele fez aquilo como forma de deboche da figura do segurança, de sua autoridade, ou seja, lá estava eu, assoberbado de trabalho na minha comarca, trabalhando com o princípio inventado agora da importância, tendo que fazer audiência por causa de um peidão e de um guarda que não tinha o que fazer. E mais grave ainda: de uma promotora e um juiz que acharam que isso fosse algo relevante que pudesse autorizar o Poder Judiciário a gastar rios de dinheiro com um processo para que aquele peidão, quando muito mal educado, pudesse ser punido nas “penas da lei”.

Ponderei com o juiz que aquilo não seria um problema do Direito Penal, mas sim, quando muito, de saúde, de educação, de urbanidade, enfim… Ponderei, ponderei, mas bom senso não se compra na esquina, nem na padaria, não é mesmo? Não se aprende na faculdade. Ou você tem, ou não tem. E nem o juiz, nem a promotora tinham ao permitir que um pum se transformasse num litígio a ser resolvido pelo Poder Judiciário.

Imagina se todo pum do mundo se transformasse num processo? O cheiro dos fóruns seria insuportável.

O problema é que a audiência foi feita e eu tive que ficar ali ouvindo tudo aquilo que, óbvio, passou a ser engraçado. Já que ali estava, eu iria me divertir. Aprendi a me divertir com as coisas que não tem mais jeito. Aquela era uma delas. Afinal o que não tem remédio, remediado está.

O réu era um homem simples, humilde, mas do tipo forte, do campo, mas com idade avançada, aproximadamente, uns 70 anos.

Eis a audiência:

Juiz – Consta aqui da denúncia oferecida pelo Ministério Público que o senhor no dia x, do mês e ano tal, a tantas horas, no bairro h, dentro da agência bancária Y, o senhor, com vontade livre e consciente de ultrajar o pudor público, praticou ventosidade intestinal, depois de olhar para o guarda de forma debochada, causando odor insuportável a todas as pessoas daquela agência bancária, fato, que, por si só, impediu que pessoas pudessem ficar na fila, passando o senhor a ser o primeiro da fila. Esses fatos são verdadeiros?

Réu – Não entendi essa parte da ventosidade…. o que mesmo?

Juiz – Ventosidade intestinal.

Réu – Ah sim, ventosidade intestinal. Então, essa parte é que eu queria que o senhor me explicasse direitinho.

Juiz – Quem tem que me explicar aqui é o senhor que é réu. Não eu. Eu cobro explicações. E então… São verdadeiros ou não os fatos?

O juiz se sentiu ameaçado em sua autoridade. Como se o réu estivesse desafiando o juiz e mandando ele se explicar. Não percebeu que, em verdade, o réu não estava entendendo nada do que ele estava dizendo.

Réu – O guarda estava lá, eu estava na agência, me lembro que ninguém mais ficou na fila, mas eu não roubei ventosidade de ninguém não senhor. Eu sou um homem honesto e trabalhador, doutor juiz “meretrício”.

Na altura da audiência eu já estava rindo por dentro porque era claro e óbvio que o homem por ser um homem simples ele não sabia o que era ventosidade intestinal e o juiz por pertencer a outra camada da sociedade não entendia algo óbvio: para o povo o que ele chamava de ventosidade intestinal aquele homem simples do povo chama de PEIDO. E mais: o juiz se ofendeu de ser chamado de meretrício. E continuou a audiência.

Juiz – Em primeiro lugar, eu não sou meretrício, mas sim meritíssimo. Em segundo, ninguém está dizendo que o senhor roubou no banco, mas que soltou uma ventosidade intestinal. O senhor está me entendendo?

Réu – Ahh, agora sim. Entendi sim. Pensei que o senhor estivesse me chamando de ladrão. Nunca roubei nada de ninguém. Sou trabalhador.

E puxou do bolso uma carteira de trabalho velha e amassada para fazer prova de trabalho.

Juiz – E então, são verdadeiros ou não esses fatos.

Réu – Quais fatos?

O juiz nervoso como que perdendo a paciência e alterando a voz repetiu.

Juiz – Esses que eu acabei de narrar para o senhor. O senhor não está me ouvindo?

Réu – To ouvindo sim, mas o senhor pode repetir, por favor. Eu não prestei bem atenção.

O juiz, visivelmente irritado, repetiu a leitura da denúncia e insistiu na tal da ventosidade intestinal, mas o réu não alcançava o que ele queria dizer. Resolvi ajudar, embora não devesse, pois não fui eu quem ofereci aquela denúncia estapafúrdia e descabida. Típica de quem não tinha o que fazer.

EU – Excelência, pela ordem. Permite uma observação?

O juiz educado, do tipo que soltou pipa no ventilador de casa e jogou bola de gude no tapete persa do seu apartamento, permitiu, prontamente, minha manifestação.

Juiz – Pois não, doutor promotor. Pode falar. À vontade.

Eu – É só para dizer para o réu que ventosidade intestinal é um peido. Ele não esta entendendo o significado da palavra técnica daquilo que todos nós fazemos: soltar um pum. É disso que a promotora que fez essa denúncia está acusando o senhor.

O juiz ficou constrangido com minhas palavras diretas e objetivas, mas deu aquele riso de canto de boca e reiterou o que eu disse e perguntou, de novo, ao réu se tudo aquilo era verdade e eis que veio a confissão.

Réu – Ahhh, agora sim que eu entendi o que o senhor “meretrício” quer dizer.

O juiz o interrompeu e corrigiu na hora.

Juiz – Meretrício não, meritíssimo.

Pensei comigo: o cara não sabe o que é um peido vai saber o que é um adjetivo (meritíssimo)? Não dá. É muita falta de sensibilidade, mas vamos fazer a audiência. Vamos ver onde isso vai parar. E continuou o juiz.

Juiz – Muito bem. Agora que o doutor Promotor já explicou para o senhor de que o senhor é acusado o que o senhor tem para me dizer sobre esses fatos? São verdadeiros ou não?

Juiz adora esse negócio de verdade real. Ele quer porque quer saber da verdade, sei lá do que.

Réu – Ué, só porque eu soltei um pum o senhor quer me condenar? Vai dizer que o meretrício nunca peidou? Que o Promotor nunca soltou um pum? Que a dona moça aí do seu lado nunca peidou? (ele se referia a secretária do juiz que naquela altura já estava peidando de tanto rir como todos os presentes à audiência).

O juiz, constrangido, pediu a ele que o respeitasse e as pessoas que ali estavam, mas ele insistiu em confessar seu crime.

Réu – Quando eu tentei entrar no banco o segurança pediu para eu abrir minha bolsa quando a porta giratória travou, eu abri. A porta continuou travada e ele pediu para eu levantar a minha blusa, eu levantei. A porta continuou travada. Ele pediu para eu tirar os sapatos eu tirei, mas a porta continuou travada. Aí ele pediu para eu tirar o cinto da calça, eu tirei, mas a porta não abriu. Por último, ele pediu para eu tirar todos os metais que tinha no bolso e a porta continuou não abrindo. O gerente veio e disse que ele podia abrir a porta, mas que ele me revistasse. Eu não sou bandido. Protestei e eles disseram que eu só entraria na agência se fosse revistado e aí eu fingi que deixaria só para poder entrar. Quando ele veio botar a mão em cima de mim me revistando, passando a mão pelo meu corpo, eu fiquei nervoso e, sem querer, soltei um pum na cara dele e ele ficou possesso de raiva e me prendeu. Por isso que estou aqui, mas não fiz de propósito e sim de nervoso. Passei mal com todo aquele constrangimento das pessoas ficarem me olhando como seu eu fosse um bandido e eu não sou. Sou um trabalhador. Peidão sim, mas trabalhador e honesto.

O réu prestou o depoimento constrangido e emocionado e o juiz encerrou o interrogatório. Olhei para o defensor público e percebi que o réu foi muito bem orientado. Tipo: “assume o que fez e joga o peido no ventilador. Conta toda a verdade”. O juiz quis passar a oitiva das testemunhas de acusação e eu alertei que estava satisfeito com a prova produzida até então. Em outras palavras: eu não iria ficar ali sentado ouvindo testemunhas falando sobre um cara peidão e um segurança maluco que não tinha o que fazer junto com um gerente despreparado que gosta de constranger os clientes e um juiz que gosta de ouvir sobre o peido alheio. Eu tinha mais o que fazer. Aliás, eu estava até com vontade de soltar um pum, mas precisava ir ao banheiro porque meu pum as vezes pesa e aí já viu, né?

No fundo eu já estava me solidarizando com o pum do réu, tamanho foi o abuso do segurança e do gerente e pior: por colocarem no banco dos réus um homem simples porque praticou uma ventosidade intestinal.

É o cúmulo da falta do que fazer e da burocracia forense, além da distorção do Direito Penal sendo usado como instrumento de coação moral. Nunca imaginei fazer uma audiência por causa de uma, como disse a denúncia, ventosidade intestinal. Até pum neste País está sendo tratado como crime com tanto bandido, corrupto, ladrão andando pelas ruas o judiciário parou para julgar um pum.

Resultado: pedi a absolvição do réu alegando que o fato não era crime, sob pena de termos que ser todos, processados, criminalmente, neste País, inclusive, o juiz que recebeu a denúncia e a promotora que a fez. O juiz, constrangido, absolveu o réu, mas ainda quis fazer discurso chamando a atenção dele, dizendo que não fazia aquilo em público, ou seja, ele é o único ser humano que está nas ruas e quando quer peidar vai em casa rápido, peida e volta para audiência, por exemplo.

É um cara politicamente correto. É o tipo do peidão covarde, ou seja, o que tem medo de peidar. Só peida no banheiro e se não tem banheiro ele se contorce, engole o peido, cruza as perninhas e continua a fazer o que estava fazendo como se nada tivesse acontecido. Afinal, juiz é juiz.

Moral da história: perdemos 3 horas do dia com um processo por causa de um peido. Se contar isso na Inglaterra, com certeza, a Rainha jamais irá acreditar porque ela também, mesmo sendo Rainha… Você sabe.

Rio de Janeiro, 10 de maio de 2012.

Paulo Rangel
(Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

Fundamentação sem fundamento

A questão é simples.

Constitucionalmente simples.

É a Lei a fonte de direito para toda e qualquer sentença. Sua interpretação literal ou extensiva é que dá o fundamento necessário para garantir o assim chamado “Estado de Direito”. Portanto fundamentar (não exemplificar ou ilustrar, mas fundamentar) uma sentença em dizeres da Bíblia ou em personagens de quadrinhos… Bem, vamos combinar que não é algo que condiz com a melhor das técnicas!

Ah, sim: a celeuma toda se deu porque o autor, em sua peça inicial, esclarece que teve “desperdiçados os preciosos 38 minutos de sua vida, entre às 13h57min e 14h35min aguardando numa fila”

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ
COMARCA DE CASCAVEL
1º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE CASCAVEL – PROJUDI

Autos n° 0006624-98.2011.8.16.0021

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS

Polo Ativo: E.O.R.J.;
Polo Passivo: BANCO BRADESCO S/A.

SENTENÇA

1. Relatório dispensado (art. 38 da Lei n° 9.099/95).

2. Conciliação rejeitada e julgamento antecipado que se impõe.

3. Os fundamentos da sentença, ainda mais no sistema dos Juizados Especiais, devem primar pela objetividade, simplicidade, informalidade e precisão, a fim de permitir a celeridade na resolução dos conflitos (art. 2° da Lei n° 9.099/95), sem prejuízo de enfrentar as questões importantes suscitadas pelas partes e expor o livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC c/c artigos 5° e 6° da Lei n° 9.099/95), e, aqui, são os seguintes:

O pedido de indenização por danos morais, formulado pelo autor contra o réu, deve ser rejeitado, isto porque:

(a) o fato de alguém ter que esperar atendimento em filas, por tempo não extraordinário, seja de bancos, de supermercados, de prefeituras, de guichês de cartórios, da pizzaria, da pista de boliche, num laboratório ou clínica médica, não representa em si dano moral algum; é fenômeno que integra o cotidiano; indesejável, mas tolerável;

(b) nem tudo pode ser na hora, pra já, imediatamente, tampouco em cinco ou dez minutos! Nem aqui nem na China, ou nos EUA;

(c) quem chega primeiro tem a preferência, é atendido primeiro; a lei, ainda, acrescenta outras preferências para idosos, gestantes, etc.; se “a fila anda”, ainda que não no ritmo alucinado e frenético que o autor almeja (pelo menos é o que parece), não se pode intuir, sem provas, que os funcionários do banco não estivessem trabalhando ou deixando de atender outras pessoas, tão importantes quanto o autor (CF, art. 5º, caput), enquanto a vez dele não chegava;

(d) o eventual desrespeito dos bancos ao tempo máximo de espera para atendimento de clientes, fixado em lei, sob pena de sanção de ordem administrativa (multa), geralmente imposta pela fiscalização do PROCON, não quer dizer, automaticamente, que cada pessoa que não tenha sido atendida dentro daquele período foi violada em seus direitos íntimos de personalidade, que foi abalada, aviltada, desprezada, traumatizada, enxovalhada, humilhada ou qualquer coisa desse gênero; o aprimoramento do sistema de atendimento dos consumidores é desejável em todas as áreas, mas isso não é a “senha” para que todo mundo se considere um mártir ou um supremo injustiçado;

(e) sinceramente, ninguém é senhor absoluto do seu próprio tempo; além de não saber quanto tempo tenho de vida, não tenho como afirmar onde estarei e o que estarei fazendo daqui a meia hora ou dez minutos porque as variáveis são imponderáveis, por mais que me queira organizar e planejar; se o autor tem esse poder, não sei, mas desconfio que não;

(f) a Bíblia Sagrada, em Eclesiastes, capítulo 3, dos versos 1 a 8, já ensina: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.”; o que diria para o autor, apoiado nesta Palavra é: “há tempo de ficar na fila, conforme-se com isso”;

(g) o comprovante de autenticação bancária trazido pelo autor, com a petição inicial, até pode servir de prova, ainda que indireta, para a alegação de que no dia 09/03/2011, ele teve “desperdiçados” os preciosos 38 minutos de sua vida, entre às 13h57min e 14h35min aguardando numa fila, em pé, dentro da Agência Central (0438) do BRADESCO, em Cascavel, para ser atendido por um caixa livre;

(h) a questão é que o ser humano possui uma condição privilegiada entre toda a criação; nós não fazemos uma coisa só por vez; nossa mente trabalha permanentemente, nossos sentidos captam o que se passa e, pois, a vida do autor não foi abreviada ou diminuída enquanto ele, pacienciosa ou irritadamente, passou aquele tempo aguardando; talvez tenha falado ao celular, organizado mentalmente seus afazeres posteriores, encontrado algum conhecido, ou reclamado de tudo e de todos, sei lá;

(i) o que tenho certeza é que ele não foi vítima de dano moral por parte do banco; a existência de um dano é fundamental para que se possa condenar alguém a indenizar ou reparar alguma coisa; e por dano moral não se entende, absolutamente, qualquer desgosto ou contratempo; tem pessoas que se estressam por qualquer coisa;

(j) aliás, é absolutamente previsível que se possa enfrentar alguma espera para ser atendido num banco; afinal, há milhões de pessoas que são clientes bancários e na nossa cidade são quase trezentos mil habitantes; categorizar o incidente, sem mais elementos circunstanciais, como ilícito, abusivo ou imprevisto já é complicado, que dirá dize-lo danoso da personalidade de alguém; o dano moral não estáposto para ser parametrizado pelos dengosos ou hipersensíveis;

(l) digo isso porque o autor, na petição inicial, chega ao ponto de sustentar que“qualquer ser que seja Humano, portanto que tenha a capacidade de sentir emoções, e saiba se colocar na “pele” do lesado, conseguirá perceber que NÃO estamos diante de mero dissabor do cotidiano e/ou contratempos. É visível para qualquer ser Humano que o fato ocorrido com o Autor causou humilhação, impotência, stress, perda de tempo, angustia, e até ausência de condições para realização de necessidades básicas”;

(m) bem, desde que “me conheço por gente” me considero bem humano, e também não tenho nenhuma “redoma de vidro” a me proteger – para ir à outra alusão da petição inicial; aliás, o único sujeito que conheço que anda com essa tal redoma de vidro é o Astronauta, personagem das histórias em quadrinhos do Maurício de Souza; ele sim, não pega fila, pois vive mais no espaço sideral do que na terra; em compensação, é solitária a beça;

(n) a Turma Recursal do Paraná que me desculpe, com seu Enunciado nº 2.7, mas não considero apropriado erigir a espera em fila de agência bancária como fator desencadeante de danos morais, senão em situações especialíssimas, às quais se agreguem fatos concorrentes peculiares, tais como algum problema de saúde com o cliente, e o descaso dos prepostos da instituição financeira esteja escancaradamente comprovado, o que não é o caso dos autos (e as partes dispensaram outras provas na audiência conciliatória);

(o) não sou nada simpático à tal da “Teoria da Rentabilidade sobre o Caos” (!), propalada na petição inicial, a pretexto de querer colocar o Poder Judiciário no papel de educador mor da Nação, a distribuir chineladas de dinheiro nos inescrupulosos capitalistas, para dar “um basta” no comportamento reprovado por esse ou aquele; se bem que talvez essa teoria se aplique a muitas demandas talhadas para se converterem em ações repetitivas, com intuito de enriquecimento sem causa, se acolhidas forem em Juízo, donde o caos seria da Justiça, cada vez mais vem sendo entupida com a mania de judicializar as pequenas banalidades, e a rentabilidade dos escritórios de advocacia que se propõem a isso; Nesse caso, tudo bem… Dê-me aqui o chinelo!

(p) o STJ, no julgamento do REsp nº 844.736/DF, da 4ª Turma, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, teve oportunidade de equilibradamente afirmar:

“Segundo a doutrina pátria “só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”; e este magistrado assina embaixo;

(q) específico sobre o tema, encontramos o seguinte julgado estadual, de cujos princípios norteadores compartilho:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. DECORRENTE DE LARGO TEMPO NA ESPERA NA FILA NO BANCO. CASO CONCRETO. Dano moral não caracterizado. O simples aguardo em fila de instituição bancária, por período superior ao previsto na Lei 8.192/98, constitui mero dissabor do cotidiano na hipótese vertente. Não configurando qualquer dano à personalidade da parte autora, em decorrência do caso concreto. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.” (TJ-RS, Apelação Cível nº 70025538570, 9ª Câmara Cível, Relator: LÉO ROMI PILAU JÚNIOR, Julgado em 24/09/2008);

(r) enfim, tantas outras coisas poderia dizer, para repelir o pleito do autor, contudo já superei 38 minutos de pensamento e digitação, e até precisarei acessar de novo o PROJUDI, pois minha sessão expirou. . : Julgo improcedente o pedido, extinguindo o processo 4 DISPOSITIVO com resolução do mérito (CPC, art. 269, I).

P. R. I.

Cascavel, 16 de dezembro de 2011.

ROSALDO ELIAS PACAGNAN
Juiz de Direito

Desconstrução

Recortei-e-colei daqui. Não, não tem a beleza, a simetria, a rima, os vários sentidos e muito menos o proparoxitonismo da canção original. Mas, ainda assim, muito bom!

😀

(Com a vênia do Chico)

Julgou daquela vez como se fosse a última
Compôs a lide como se fosse a última
E cada processo como se fosse o único
E atravessou o fórum com seu passo firme
Apertou as teclas como se fosse máquina
Encheu o gabinete com dezenas de casos trágicos
Sentenças e despachos com fundamentos sólidos
Seus olhos embotados do monitor e lágrimas
Sentou pra trabalhar como se não existissem férias
Comeu feijão com arroz num intervalo rápido
Bebeu café e leu o d.o. como se fosse um pária
Acumulou mas não compensou como se fosse múltiplo
E interrogou o réu como se fosse a vítima
E foi tratado como se fosse ele o bárbaro
E acabou na mídia feito o culpado último
Agonizou no meio da pressão do público
Morreu na sua função atrapalhando o tráfico
Honrou a toga como se fosse a última
Beijou a lona como se fosse o espúrio
Um cargo vago esperando o próximo
E atravessou a rua com seu passo sôfrego
Se iludiu com a carreira como se fosse sólida
Perdeu o ânimo com a estrutura imprópria
A visão do inferno nas reformas ilógicas
Seus olhos embotados de planilhas hipócritas
Sentou pra ver os filhos como se fosse um pai omisso
Comeu feijão com arroz das sobras do almoço
Bebeu e dormiu como se fosse um luxo
Não reclamou para não ser representado
E tropeçou no ego deles como se fossem ungidos
E esperou contando os dias para a aposentadoria
E acabou no vão dos burocratas públicos
Agonizou no meio de uma nova ética
Morreu com a mão atrapalhando a improbidade pública
Julgou daquela vez como se fosse máquina
Tirou sua toga como se fosse um túmulo
Esqueceu de si, deixou crescer uma barriga flácida
Ficou sozinho com a consciência intacta
E foi lançado à lama como se fosse um nada
E se acabou no chão feito um capacho velho
Morreu como se fosse um número qualquer das estatísticas

Por esse pão (do diabo) pra comer
Por essa droga pra dormir
A retidão a ceder
E a frouxidão em punir
Por me não me deixar respirar
Por não me deixar existir
O executivo lhe pague

Pelos sapos indigestos
Que a gente tem que engolir
Pela impunidade que grassa
A qual a gente tem que anuir
Pelo andar cambaleante
Da moral a cair
O legislativo lhe pague

Pela mulher carpideira
Pra nos destratar e cuspir
E pelas moscas bicheiras
Que hão de nos destruir
E pela derrocada derradeira
Do judiciário a sucumbir
O conselho lhe pague

Advogados e Magistrados

Recortei-e-colei lá do blog d’A menina que roubava idéias, especificamente daqui. Sei que o texto leva muito jeitão de “piada interna”, pois todo seu humor talvez só possa ser plenamente percebido pelos causídicos da vida…

Mesmo assim taí!

Desajeitado, o magistrado Dr. Juílson tentava equilibrar em suas as mãos, a cuia, a térmica, um pacotinho de biscoitos, e uma pasta de documentos.

Com toda esta tralha, dirigia-se para seu gabinete mas, ao dar meia volta, deparou-se com sua esposa, a advogada Dra. Themis, que já o observava há sabe-se lá quantos minutos.

O susto foi tal que cuia, erva e documentos foram ao chão.

O juiz franziu o cenho e estava pronto para praguejar, quando observou que a testa da mulher era ainda mais franzida que a sua.

Por se tratar de dois juristas experientes, não é estranho o diálogo litigioso que se instaurava obedecesse aos mais altos padrões de erudição processual.

– Juílson! Eu não aguento mais essa sua inércia! Eu estou carente, carente de ação, entende?

– Carente de ação? Ora, você sabe muito bem que, para sair da inércia, o Juízo precisa ser provocado e você não me provoca, há anos!

– Claro, você preferia que o processo corresse à revelia. Mas não adianta, tem que haver o exame das preliminares, antes de entrar no mérito. E mais, com você o rito é sempre sumaríssimo, isso quando a lide não fica pendente… Daí é que a execução fica frustrada mesmo!

– Calma aí, agora você está apelando. Eu já disse que não quero acordar o apenso, no quarto ao lado! Já é muito difícil colocá-lo para dormir. Quanto ao rito sumaríssimo, é que eu prezo a economia processual e detesto a morosidade. Além disso, às vezes até uma simples cautelar pode ser satisfativa!

– Sim, mas pra isso é preciso que se usem alguns recursos especiais. Teus recursos são sempre desertos, por absoluta ausência de preparo!

– Ah, mas quando eu tento manejar o recurso extraordinário você sempre nega seguimento… Fala dos meus recursos, mas impugna todas as minhas tentativas de inovação processual. Isso quando não embarga a execução…

Mas existia um fundo de verdade nos argumentos da Dra. Themis. E o Dr. Juílson só se recusava a aceitar a culpa exclusiva pela crise do relacionamento. Por isso, complementou:

– Acho que o pedido procede, em parte, pois pelo que vejo existem culpas concorrentes. Já que ambos somos sucumbentes vamos nos dar por reciprocamente quitados e compor amigavelmente o litígio.

– Não posso. Agora existem terceiros interessados. E já houve a preclusão consumativa…

– Meu Deus! Mas de minha parte não havia sequer suspeição!

– Sim. Há muito que sua cognição não é exauriente. Aliás, nossa relação está extinta! Só vim pegar apensinho em carga e fazer remessa para a casa da minha mãe.

E ao ver a mulher bater a porta atrás de si, Dr. Juílson fica tentando compreender tudo o que havia acontecido. Após deliberar por alguns minutos, chegou a uma triste conclusão:

– E eu é que vou ter que pagar as custas…

Juristas versus cientistas políticos

(Integralmente recortado-e-colado lá dos Direitos Fundamentais…)

Imagine uma competição entre dois grupos adversários onde o vencedor é aquele que consegue acertar o maior número possível de previsões sobre as decisões jurídicas que serão tomadas pelos juízes da Suprema Corte. Imagine que um desses grupos é formado por cientistas políticos e o outro grupo é formado por juristas especializados. Quem você acha que irá vencer o desafio?

Esse desafio ocorreu de verdade nos Estados Unidos e reuniu um grupo de 83 juristas, com profundo conhecimento sobre a jurisprudência da Suprema Corte, e outro grupo de cientistas políticos que não conheciam tão bem o direito norte-americano, mas acreditavam que seria possível, com o uso de métodos estatísticos, prever o resultado dos julgamentos a partir da tabulação de informações obtidas em casos passados.

A surpresa maior foi causada por um fato inusitado: os cientistas políticos desenvolveram um programa que era capaz de fazer projeções sobre qual seria a decisão de cada juiz individualmente. Não era um programa muito complexo. Na verdade, era bem simples, já que levava em conta apenas seis fatores que poderiam influenciar o resultado do julgamento: (1) o distrito de origem do caso; (2) a área do caso; (3) quem entrava com a petição (por exemplo, o governo federal, um empregador etc.); (4) o demandado; (5) a direção ideológica (liberal ou conservadora) da decisão em instâncias inferiores; e (6) se quem entrou com a petição argumentou que uma lei ou prática era inconstitucional.

É óbvio que quando os juristas descobriram isso consideraram que era uma perspectiva muito reducionista para captar todas as nuances da tomada de decisões. Afinal, o programa sequer levava em conta o conteúdo das leis existentes ou dos precedentes construídos ao longo da história da Suprema Corte. Os juristas, que eram experts em julgamentos da Suprema Corte, certamente acharam que o programinha não seria capaz de vencer a competição.

Os cientistas políticos, por sua vez, adotaram o espírito “holmesiano”, segundo o qual o jurista do futuro é o homem das estatísticas e dos cálculos e que mais vale conhecer os preconceitos dos juízes e suas visões ideológicas pessoais do que todos os compêndios de ciência do direito. Com base nisso, coletaram informações de 628 casos com decisões anteriores tomadas pelos nove juízes da Suprema Corte e tentaram identificar quais os fatores que costumavam influenciar o resultado do julgamento. Chegaram aos seis fatores acima identificados e desenvolveram um organograma, baseado numa combinação condicional desses fatores, capaz de prever os votos de cada juiz.

Para surpresa de muita gente, os juristas perderam o desafio. Para cada caso discutido durante o ano de 2002, o modelo algoritmo desenvolvido pelos cientistas políticos previu 75% de resultados corretos, enquanto os juristas só acertaram 59,1%. Na “ciência do direito”, as máquinas já estão vencendo os homens.

Será que Oliver Wendell Holmes estava mesmo correto quando disse que o jurista do futuro é o homem das estatísticas?

Fonte de consulta: Super Crunchers, de Ian Ayres.