Renúncia de herança: é possível renunciar à herança através de um procurador?

Leandro Fialho

Uma pergunta comum feita por pessoas que vivem fora da comarca onde está sendo processada a ação de Inventário, muitas vezes até fora do país, é sobre a possibilidade de renunciar a herança através de procuração.

Assim, como praticamente tudo no mundo jurídico, a resposta é “depende”.

Caso a procuração seja realizada de forma pública, ou seja, através de instrumento lavrado por Tabelião de Notas, o interessado poderá se fazer representado por procurador no ato da renúncia da herança.

Por outro lado, caso a procuração seja particular, mesmo que a assinatura do mandante seja reconhecida por Tabelião de Notas, o instrumento não será válido para autorizar a renúncia da herança através de procurador.

Dessa maneira, ainda que a procuração particular concedida ao advogado para a atuação em ação de inventário preveja a concessão de poderes para renunciar à herança, o referido instrumento não se prestará para tal fim, conforme já decidiu o STJ no Recurso Especial nº 1236671. Veja-se:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RENÚNCIA À HERANÇA. REQUISITOS FORMAIS. MANDATO. TRANSMISSÃO DE PODERES. 1.- O ato de renúncia à herança deve constar expressamente de instrumento público ou de termo nos autos, sob pena de invalidade. Daí se segue que a constituição de mandatário para a renuncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo a validade a outorga por instrumento particular. 2.- Recurso Especial provido.

(STJ – REsp: 1236671 SP 2011/0022736-7, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 09/10/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2013)

Sendo assim, é necessário que o interessado esteja representado por procurador constituído através de procuração pública. Além disso, cabe observar que a procuração pública em discussão deve possuir poderes exclusivos para a realização da renúncia à herança. Ou seja, ela deverá possuir poderes tão somente para a pratica do ato da renúncia da herança.

Sobre a Procuração Pública para renúncia à herança:

A Procuração Pública é exigida tanto na renúncia por Escritura quanto na renúncia por Termo no Autos?

Sim! A representação para o ato da renúncia somente poderá ser feita por procuração pública, tanto no caso da renúncia realizada por meio de Escritura Pública de Renúncia, quanto por termo nos autos do inventário.

Quais são as características da Procuração Pública para a representação no ato de renunciar?

A procuração pública deve ser outorgada especificamente para fins de renúncia. Portanto, o instrumento não poderá ter a concessão de outros poderes em seu bojo, devendo ser específico para o ato de renunciar.

Confira dez características específicas da renúncia à herança:

Aspectos Gerais da Renúncia à Herança:

Podemos definir a renúncia à Herança como uma manifestação de vontade através da qual um herdeiro abre mão de receber o seu quinhão hereditário.

Decerto, a renúncia é um negócio jurídico unilateral, ou seja, é um ato que exige a vontade de apenas uma das partes na relação jurídica, não estando condicionada à aceitação.

Portanto, ao decidir por renunciar à herança, o herdeiro poderá fazê-lo sem depender da aceitação dos demais herdeiros.

Das características específicas da renúncia à herança:

Além disso, antes de renunciar à herança, é importante que o herdeiro renunciante tenha ciência das principais características da renúncia:

1. De acordo com o art. 1.808 do Código Civil, não existe renúncia parcial. Assim, ao renunciar, o herdeiro abrirá mão de todos os bens que lhe caberiam na partilha;

2. Nos termos do art. 1.806 do Código Civil, “a renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”;

3. Conforme o art. 1.812 do Código Civil, a renúncia é um ato jurídico irrevogável, ou seja, o herdeiro não poderá voltar atrás após formalizar a renúncia;

4. A renúncia é um ato jurídico abdicativo, ou seja, ao renunciar o quinhão hereditário que caberia ao herdeiro renunciante retorna para o monte mor, que também é conhecido como monte partilhável ou monte total da herança;

5. Na renúncia à herança não há incidência de tributos ao herdeiro renunciante, uma vez que não houve a transferência dos bens deixados pelo falecido a ele. Assim, caberá aos demais herdeiros o pagamento do tributo pela transmissão causa mortis (ITCMD);

6. Só poderão renunciar aqueles herdeiros que se encontrarem em pleno gozo das suas capacidades civis. Caso contrário, ele não poderá renunciar à herança que lhe cabe;

7. Se o herdeiro renunciante for casado, ele precisará da anuência do seu cônjuge para renunciar. Exceto se forem casados pelo regime da separação de bens;

8. A renúncia não pode ser utilizada para prejudicar credores, nos termos do art. 1.813 do Código Civil. Assim, caso seja verificado que a renúncia foi feita com esse intuito, o credor poderá aceitá-la em nome do devedor, com autorização do juiz.

9. A renúncia retroage à data da morte do autor da herança, ou seja, é como se o renunciante não existisse a partir de então. Dessa forma, caso sejam encontrados mais bens a partilhar, tal herdeiro não participará da sucessão.

10. Por fim, no seu art. 1.811, o CC estabelece que eventuais herdeiros do renunciante não terão direito de herdar por representação após o registro da renúncia do seu antecedente. Isso porque, como visto no item anterior, a partir da renúncia o renunciante é tido como se nunca fosse herdeiro, o que não gerará, por consequência, o direito de representar.

Renúncia Imprópria ou Renúncia Translativa:

Como visto, a renúncia é um ato abdicativo, ou seja, ocorre de forma pura e simples, com o retorno do quinhão para o monte partilhável. Certo é que o herdeiro simplesmente rejeita a herança, não indicando ninguém para transmitir o quinhão que lhe caberia.

No entanto, existe também a renúncia translativa, onde o herdeiro pratica dois atos ao renunciar:

. No primeiro ato ele aceita a herança;

. Assim, recebida a herança, no segundo ato ele doará a a herança para alguém (ex. pai, mãe, irmão, etc).

Por essa razão, esse instituo possui também a natureza jurídica de cessão gratuita de direito hereditário, dando origem à obrigação do recolhimento duplo do ITCMD. Isso porque, ao receber a Herança, haverá a primeira incidência do ITCMD. A seguir, ao transferir este quinhão para a pessoa escolhida, ocorrerá a doação, ou cessão gratuita de direitos hereditários, que dará origem a outra obrigação tributaria.

Exemplo: Imagine um herdeiro que possui outros quatro irmãos, e pretende beneficiar o pai após o falecimento da mãe. Assim, ele renuncia à sua parte da herança em nome do pai. Nesse caso, a sua renúncia implicará em dois atos. No primeiro ato, ele recebe a herança da mãe, dando origem ao pagamento do ITCMD. No segundo ato, ele doa a sua parte para o seu pai, dando origem à segunda incidência do ITCMD.

Em conclusão, podemos considerar que a diferença existente entre a renúncia abdicativa e a renúncia translativa é relevante basicamente para a apuração e recolhimento de impostos, já que no caso da renúncia translativa haverá dupla incidência do ITCMD.

A renúncia do herdeiro no inventário

Erica Platina

Renúncia, por definição semântica, é o direito de abandonar algo que se detém a titularidade, sem o transferir a terceiro. É abrir mão, deixar ir, sem motivo ou sem ter que justificar o motivo do abandono.

No Direito, a Renúncia não é diferente, mas carrega suas peculiaridades.

Os motivos que levam um herdeiro a renunciar à sua herança ou à sua cota parte de uma herança não precisam ser explicitados ou justificados, permanecendo, dessa forma, restritos à sua privacidade e esfera particular e íntima, resguardados seus direitos de não justificação.

Trata-se de direito potestativo, não podendo ser questionado pelos demais herdeiros ou condôminos do espólio, nem podendo ser exigida sua justificação para tornar-se efetiva. É um ato de liberalidade que consagra a autonomia da vontade e a busca pela auto determinação.

Entretanto, apesar de poder manter seus motivos ocultos, o ato de Renúncia deve ser aberto, público e cumprindo exigências e determinações dos dispositivos legais que disciplinam o assunto.

A Renúncia à herança no inventário, tema do presente artigo, é disciplinada pelo Código Civil nos artigos 1.804 à 1.813, onde também estão disciplinadas as regras da aceitação da herança. Temas complementares e intrinsecamente ligados, sendo que a existência de um, torna inviável a existência do outro. O ato de renúncia, bem como o ato de aceitação da herança são irrevogáveis (art. 1.812, CC).

Para que a renúncia seja válida, deve obedecer à um ato solene que requer especial formalidade: por escritura pública de declaração de vontade ou termo judicial nos autos do inventário.

Diferentemente da aceitação, que pode se dar por diferentes vias, a saber:

· aceitação expressa – apenas escrita, sem formalidade e sem a necessidade de escritura pública;

· aceitação tácita – pode ocorrer via procuração ou ainda quando no processo de inventário, o herdeiro aceita o cargo de inventariante;

· aceitação presumida – questionado sobre a renúncia e não respondendo de forma alguma, presume-se a aceitação; como não responder a uma citação, por exemplo, implica em aceitação presumida.

A renúncia, por força legal, nunca será ato presumido. Apesar de ser um ato unilateral, simples e gratuito, precisa ser expresso de forma solene. Dessa forma, como ato que traz impacto significativo ao direito à sucessão, a renúncia só será efetiva se realizada por pessoa capaz.

Quanto aos descendentes, importante salientar que o renunciante não terá direito à representação, ou seja, seus herdeiros por ordem de sucessão legítima não são chamados à representação perante o espólio. A cota parte renunciada ou a totalidade do espólio acresce à dos outros herdeiros da mesma classe (que herdariam juntamente como o renunciante) e, sendo o renunciante o único da classe, passa-se à classe subsequente.

A renúncia pode se dar de duas maneiras:

· Renúncia abdicativa – onde o renunciante abre mão da parte que lhe cabe na herança, na sua totalidade, por ato volitivo e sem escolher o destino do que abre mão.

· Renúncia translativa – a vontade do renunciante não é abrir mão da parte que lhe cabe da herança, mas destiná-la a outro herdeiro. Essa destinação pode se dar de forma gratuita (característica de doação) ou onerosa (característica de venda).

Do exposto, pode-se concluir que a renúncia abdicativa tem que ter o mesmo efeito prático da cessão gratuita de direitos hereditários.

Como efeitos da renúncia abdicativa, a primordial é seu efeito ‘ex tunc’, retroagindo à abertura da sucessão, ou seja, seus efeitos são válidos desde a data do óbito do de cujus. De forma prática, é como se o herdeiro renunciante nunca tivesse existido no processo de sucessão, nunca tivesse sido considerado a herdar parte alguma, todo o chamamento à sucessão não o considera e toda a partilha não o leva em consideração.

Questão intrigante quanto à renúncia é a situação fática de um herdeiro renunciante ter a mãe, viúva meeira, e o irmão vivos e ambos com direitos sucessórios preservados. Nesse caso, há correntes distintas quanto a destinação da cota renunciada. A cota parte da renúncia iria diretamente ao irmão (herdeiro da mesma classe)? Ou seria dividida entre a mãe e o irmão? A doutrina majoritária em harmonia com o Enunciado 575 da Jornada de Direito Civil, ensinam que nesse caso específico, a cota parte renunciada por um dos irmãos, deve voltar ao monte mor. Sendo o monte mor acrescido com a cota parte renunciada, o monte partilhável entre mãe e o outro irmão seriam acrescidos de forma equivalente.

O instituto da renúncia, prevendo as inúmeras possibilidades que seu uso impactaria no direito das sucessões, apresenta no artigo 1.813 do Código Civil, a proteção contra fraude à credores, postulando que: “Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante”.

Mesmo sendo um instituto irrevogável, a renúncia poderá ser anulada quando comprovada a tentativa de fraude à credores, ou ainda, sua constituição for baseada em dolo ou coação.

A possibilidade de renúncia abre muitas possibilidades de organização patrimonial e sucessória e se constitui em ferramenta importante na tomada de decisão no momento de discussão da futura partilha, ainda mais pelo fato de que a renúncia precisa ser o primeiro ato do processo de sucessão, pois qualquer ação do herdeiro pode implicar em sua aceitação tácita; a simples assinatura de procuração ao advogado no processo de inventário caracteriza a aceitação tácita e inviabiliza a renúncia.

A renúncia de uma classe toda pode alterar como a herança será partilhada para a classe seguinte, exemplificando, se os dois filhos do de cujus renunciam à herança e cada filho tem, respectivamente, 1 e 2 filhos, a herança após a renúncia será partilhada entre os netos em partes iguais, por cabeça, recebendo cada neto 1/3 da herança. Note que, caso não fosse feita a renúncia, cada filho receberia 1/2 (metade) da herança, já os netos dividiriam o que seus pais receberam, após sua morte, ficando a divisão desigual entre essa classe (que seria o chamamento convencional da ordem sucessória).

Assim fica claro a importância na renúncia na disposição patrimonial tratada de forma individualizada e que atenda aos desejos e anseios de cada família, respeitando seu planejamento de acordo com os preceitos legais. Fundamental enfatizar que o domínio desses institutos é do advogado que deverá explanar as possibilidades legais de forma que a partilha atenda às necessidades de cada caso concreto.

Recente discussão reside na possibilidade de exercer o direito à renúncia da herança antes de aberta a sucessão, ou seja, enquanto o dono do patrimônio está vivo. Nesse caso, trata-se de um filho renunciar à herança do pai vivo por meio de um testamento ou uma escritura pública. Em respeito ao princípio da saisine, não é possível deliberar ou dispor sobre a destinação de patrimônio de pessoa viva, entretanto, vale ressaltar que o Direito como ciência tende a acompanhar as evoluções e mudanças da sociedade de forma retardatária e não de forma precípua ou antecipada, mas sendo um reflexo dos anseios sociais e das novas relações e conceitos que essa sociedade vai ressignificando.

Atualmente o princípio da liberdade e o respeito máximo à autonomia da vontade vem evidenciando que a tendência a validar e respaldar juridicamente decisões pessoais, conscientes e capazes tem ganhado força no mundo jurídico e sendo demonstrada em inúmeras decisões. Dessa forma, ainda motivo de muita controvérsia, a possibilidade de renúncia à herança vem ganhando robustez para sua validade.

A Publicidade na Advocacia

Clito Fornaciari Júnior

Mestre em Direito pela PUCSP
Advogado

SUMÁRIO: 1. O questionamento acerca da propaganda na Advocacia – 2. A disciplina da publicidade no Estatuto e no Código de Ética Profissional – 3. O anúncio permitido – 4. O entendimento do que sejam títulos – 5. A especialidade profissional – 6. A divulgação das associações a que pertença o advogado – 7. Aspectos vedados à divulgação – 8. Os veículos e a forma de divulgação – 9. A mala direta – 10. O uso da internet – 11. O advogado na mídia – 12. A propaganda subliminar – 13. Conclusão

1. As crescentes dificuldades da profissão, marcada hoje por um enorme contingente de bacharéis apenas aprovados no chamado “exame de Ordem”, aliadas à facilidade de propagação de atividades e produtos pelos métodos mais modernos e ágeis de divulgação, transformaram o advogado em alguém igualmente preocupado em buscar clientes, usando da propaganda. Ficar exposto, chamar atenção, propalar suas qualidades, divulgar seus pensamentos e conquistas profissionais seria a forma mais simples de fugir da natural indiferença e do anonimato em que se encontram as pessoas, principalmente nos grandes centros. Com isso, poderia ser atingida uma massa difusa de pessoas, com as quais, em princípio, não se tem qualquer vínculo, mas que podem necessitar de serviços jurídicos: é a clientela em potencial. Passou, então, o advogado a interessar-se pela publicidade, desacreditando que, do natural anonimato de seu gabinete de trabalho, possa galgar uma melhor posição profissional, que poderia refletir-se em um maior ganho, logicamente.

Como conseguir clientes? Essa questão coloca-se a todos os advogados, sendo, evidentemente, mais natural nos jovens, que, acreditando na Advocacia, não aceitaram seguir a trilha que virou lugar comum e que convida a trocar o risco e a liberdade do advogado pela segurança de um concurso público, qualquer que seja ele. A resposta a essa indagação passa necessariamente pelo caminho da propaganda, pelas ações de merchandising como, ainda, pela tentativa de criação de produtos diferenciados, isso porque se constata que esses instrumentos e essa forma de atuação são capazes de transformar, em curto espaço de tempo, no comércio novos produtos, não raramente sem qualidades maiores, em sucesso de vendas.

A Advocacia deve recepcionar práticas semelhantes? Alguns dizem que sim[1], invocando até mesmo o exemplo americano, onde a propaganda, que impulsiona tudo, também se faz presente na divulgação do advogado, inclusive valendo-se de estilos agressivos iguais àqueles que se usam para vender detergentes, sabonetes ou hambúrgueres. Todavia, nos Estados Unidos, as normas de ética profissional são também contrárias ao uso da propaganda[2], resultando o estado atual da publicidade na Advocacia da liberdade estendida a todos, indistintamente, por força de imperativos constitucionais que asseguram a plena possibilidade de divulgação de atividades lícitas, em nome da liberdade da palavra e da imprensa, consagrada na Emenda nº 1.

No Brasil, outrora, apontava-se (e também se praticava) a discrição como um das notas marcantes da Advocacia. Daí decorria a vedação de qualquer prática destinada a captar causas, angariar clientela ou inculcar-se para a prestação de serviços. Esses postulados, no entanto, não receberam dos profissionais uma interpretação uniforme, dando ensejo a práticas que transparecem como formas de obter de modo transverso aquilo que se proíbe. A partir dessa preocupação, com o advento do novo Estatuto da Advocacia, veio a ser editada norma mais particularizada, de modo a gizar, bem mais de perto, a publicidade permitida e proibida na atividade do advogado.

2. O parágrafo único, do art. 33, do Estatuto da Advocacia delegou a regulamentação da publicidade ao Código de Ética e Disciplina, embora contenha, no mínimo, três princípios que se prestam mesmo como enunciados genéricos dos quais devem ser deduzidos, mais amiúde, os postulados disciplinadores da matéria. Assim, segundo o Estatuto, constitui infração disciplinar “angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros” (art. 33, IV); “fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes” (art. 33, XIII); e veda-se a divulgação da Advocacia em conjunto com outra atividade (art. 1o., parágrafo 3º.).

Cumprindo a norma do Estatuto, o Código de Ética e Disciplina dedicou especificamente à publicidade todo o seu Capítulo IV, abrangendo os arts. 28 a 34, onde minuciosamente se elenca o permitido e o proibido em termos de publicidade[3]. A minúcia até abunda, mas não prejudica. Por detrás da regulamentação detalhada está o princípio do art. 7º. do mesmo Código de Ética e Disciplina, que prescreve ser “vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela.” O conjunto das normas induz, recomenda e mesmo impõe a discrição, o que, sem dúvida, colide flagrantemente com a realidade que hoje se vive em outros campos de atuação, onde a propaganda segue sendo a alma do negócio.

Justifica-se uma norma restritiva à publicidade na Advocacia ? Evidente que sim[4]. A confiança que justifica a procura de determinado profissional e dá consistência a esse relacionamento não pode ser criada artificialmente, nem as necessidades de ter um advogado podem ser fruto do imaginário. Esse elo é algo que deve ser construído de modo mais concreto e estável, o que não se compraz com as ações de marketing, que procuram criar no subconsciente a necessidade, que não existe, ou mesmo qualidades, ainda que nem sempre verdadeiras.

3. O anúncio na Advocacia é permitido: “o advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação[5], para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade” (art. 28 do CED).

Em seguida a norma explicita no que consiste a discrição e moderação, descendo verdadeiramente a detalhes. O advogado pode divulgar seu nome, mas há de ser completo[6], sendo proibido o uso de nome fantasia em escritórios[7], pois afronta o decoro da profissão, ou mesmo o nome de profissionais já falecidos que não tinham ligação com o escritório. Ressalvada fica, portanto, a possibilidade de continuar usando o nome de colega falecido, mas desde que este já emprestasse, quando vivo, o nome ao escritório. Evidente que proibido também é elencar antecessores ou por-se como sucessor de determinadas pessoas ou escritórios[8]. O vínculo da confiança e até o conhecimento da profissão e a forma de atuar não são transmissíveis como os bens materiais. O objetivo dessa previsão é fazer com que o cliente sinta-se atraído exclusivamente pelo próprio profissional ou pelo seu escritório.

4. É possível ao advogado, igualmente, divulgar títulos, qualificação profissional, especialidade e associações a que pertença. Esses aspectos devem integrar um anúncio ou uma placa de identificação do local onde a atividade é exercida, ou mesmo fazer parte de papéis de carta ou de petição.

Títulos são conquistas que qualificam o profissional dentro de sua área de atuação, podendo, nessa linha, constar da divulgação da atividade do advogado a faculdade em que se formou, os cursos de pós-graduação que realizou e a titulação que obteve, ainda que só ligada à vida acadêmica, mas desde que seja afeita à área jurídica. É vedada, portanto, a divulgação de titulação em outras campos do conhecimento, até porque a atividade do advogado não pode ser exercida em conjunto e muito menos divulgada com outra atividade (art. 1o., parágrafo 3º., do Estatuto). Assim, a menção a advogado e contador, advogado e corretor, advogado e economista, advogado e administrador de bens[9] não representa observância das regras éticas.

Títulos e qualificações nada têm com premiação. Não se concebe possa o advogado, em anúncios ou placas indicativas de sua atividade, fazer menção a que foi eleito “O Advogado do ano” ou coisas do gênero. O reconhecimento da comunidade e mesmo de seus pares não é fator idôneo a credenciá-lo perante o seu possível cliente, até porque com isto ele se apresenta como alguém superior aos demais colegas, embora a partir de um critério subjetivo de quem lhe conferiu o prêmio. Seria uma forma de inculcar-se, ou seja, impor-se como vantajoso, o que é expressamente vedado pelo Código de Ética.

Da mesma forma, não são títulos e nem qualificações as atividades anteriores exercidas pelo advogado, ainda que dentro do mundo jurídico[10]. O ex necessita ser evitado terminantemente, porque lança no subconsciente de quem procura esse advogado a idéia de que ele poderá agir com maior facilidade e proveito nos setores onde já atuou, embora em outra posição. Além disso representar propaganda enganosa, o que deslocaria a questão para fora do âmbito ético profissional, induz a que se suponha esteja sendo oferecido algo além do simples trabalho jurídico, o que não se coaduna com a Advocacia.

5. Admite-se a divulgação da especialidade do profissional. Voltando-se no tempo, encontrar-se-iam quiçá três especialidades: civil, penal e trabalhista. Hoje, todavia, a complexidade do mundo jurídico é capaz de visualizar um número infinitamente maior do que aquelas de outrora, basta atentar-se para os recentes, ao menos entre nós, Direito Ambiental, do Consumidor, do Menor, do Esporte etc. que são encarados como disciplinas autônomas, uma vez que marcadas por regras e princípios específicos que transbordam do geral do Direito.

Todavia não é especialidade tipos de demandas, nem réus determinados, nem ataque a certos acontecimentos sazonais. Soa absurdo apresentar-se como especialista em recuperação de impostos, de empréstimos compulsórios[11], liberação de cruzados novos[12], ações contra o Estado, ações contra bancos[13], dívidas em moeda estrangeira, pagamentos de tributo com títulos públicos. Essas verdadeiras práticas, que surgem ao sabor das ocorrências do dia-a-dia, não representam ramos do Direito, capazes de definir um especialista, até porque são marcadas pela transitoriedade e sem fugir a sua solução das regras comuns a outros verdadeiros campos da Ciência Jurídica.

Da mesma forma já se considerou que acidente de trânsito não constitui especialidade[14], assim como também inventários, separações[15], investimentos externos e cidadania[16]. Da mesma forma, o oferecimento de serviços para “registro em cartório de imóveis”[17]. Mais grave, ainda, é o advogado divulgar como especialidade a “avaliação de obras de arte e antigüidade” e a “venda de espólio”[18].

Não caracteriza falta ética apresentar-se o profissional como especialista em vários ramos do Direito, embora afronte o conceito de especialista, até porque os dicionaristas dizem especialista “aquele que se dedica a uma especialidade”.

Por fim, a especialidade também não se caracteriza pela Justiça em que se atua, não podendo alguém rotular-se como especialista em Juizados Especiais de Pequenas Causas[19].

6. Aceita-se venha o profissional a divulgar as associações a que pertença, o que não parece ter sido a melhor orientação, mas a norma aí está posta, merecendo, porém, uma interpretação bastante restritiva, evitando-se que o oportunista venha a abusar indevidamente da permissão ética em questão.

Em primeiro lugar, são associações jurídicas, que se caracterizam com centros de debates, estudos e preocupações com o Direito. Seria imoderado o anúncio que fizesse menção à ligação do advogado como clubes de serviços, entidades recreativas, partidos políticos, clubes esportivos[20] etc. Estaria aí caracterizada uma tentativa de angariar clientes dentro desses segmentos, o que não é permitido.

Igualmente se passa quanto a empregos ou cargos exercidos pelo advogado, que não pode divulgar-se como advogado de determinado sindicato ou funcionário de certa autarquia ou procurador de algum órgão, somente podendo apresentar-se assim nos casos em que esteja atuando para essas entidades, logicamente. Da mesma forma, é proibida a divulgação de clientes[21] e causas que possua[22]: o advogado é ele e não o advogado de A ou B e nem da causa X ou Y. Não se verifica, porém, falta ética quando o advogado assim se apresenta para esclarecer assuntos do interesse de seu cliente, inclusive na imprensa, onde, então, a referência ao cliente ou à causa até ser necessária.

Evidente que não transparece como possível a menção a pertencer o advogado a entidades às quais todos se encontram necessariamente ligados. Dizer um advogado que é da Ordem dos Advogados do Brasil, embora risível a muitos, pois não fora da Ordem não poderia dizer-se advogado, a outros poderá parecer um profissional com maior qualificação. Assim, a previsão em tela permitiria a divulgação de entidades às quais se está ligado, na medida que esta ligação represente, por exemplo, um preocupação com o aprimoramento profissional, sem se incluir aquelas de vinculação obrigatória.

Além de ser vedado, é de se repudiar a divulgação em anúncios, placas, cartões, papéis de correspondência ou de petições pessoais ligados ao exercício da Advocacia, de cargos ocupados pelo advogado em entidades de classe, posto que a partir daí se poderia infundir na mente das pessoas a sensação de um poder superior desse advogado em relação aos demais. A divulgação desses verdadeiros encargos há de ficar restrita às atividades próprias das entidades e nunca transladar-se para a vida profissional e, principalmente, para a divulgação desta, uma vez que estaria o profissional servindo-se do cargo.

7. Acaba, portanto, sendo vedada qualquer divulgação ou anúncio que vá além dos limites antes postos, principalmente aqueles onde se lançam as qualidades do profissional, as suas conquistas anteriores em processos ou acordos extrajudiciais, a sua clientela, o luxo de suas instalações[23], os merecimentos dos sócios do escritório, a nacionalidade dos profissionais que o integram. Da mesma forma, não pode ser divulgado, até porque se cuida de propaganda enganosa, retratando uma suposta oferta para tráfico de influência, o suposto bom conceito que o escritório ou o advogado gozariam junto à Magistratura ou Ministério Público[24]. Apesar dessas proibições, não é incomum anunciar-se ampliações de escritórios ou mudança de endereço, divulgando qualidades ou atributos pessoais de sócios que ingressam, a sua atividade passada, inclusive em outros segmentos da Justiça, ou o perfil da clientela ou das causas que patrocina. Evidente que, assim procedendo, o advogado deverá receber a devida reprimenda de seu órgão de classe.

Também existe proibição de se divulgar preços dos serviços[25], gratuidade de consultas[26], forma de pagamento ou outros fatores que possam tornar o advogado mais interessante que outros profissionais, a partir de critérios não compatíveis com aqueles que justificariam o estabelecimento de vínculo entre cliente e profissional. O oferecimento de maiores facilidades econômicas é um modo do advogado tornar-se mais interessante para o cliente, de forma a decorrer de semelhante postura a inculcação para a prestação de serviços. Essa prática além de ofender a dignidade profissional e poder implicar aviltamento de honorários ou desrespeito às tabelas, induz a que o possível cliente venha a escolher o profissional não pela confiança que lhe possa incutir, mas sim em vista das melhores condições econômicas que ele lhe oferece para assumir o patrocínio de seus interesses.

8. Há uma preocupação ética com o veículo, a forma e o local onde venha a se dar a divulgação do advogado e do exercício de sua atividade. Há proibição expressa da veiculação de anúncios pelo rádio[27] e televisão (art. 29 do CED), bem como se faz restrição ao conteúdo de boletins e malas diretas (art. 29, parágrafo terceiro, do CED). Igualmente, não é local apropriado para a divulgação da atividade a porta de veículo[28], as placas em praças de esporte[29], a camisa de jogadores, os boletins escolares[30] ou mesmo os cercados de árvores.

O modo mais comum de divulgação do advogado é a placa em seu local de trabalho e, em bem menor escala, em sua residência, sendo incompatível em outros locais[31]. Exige a ética que esses anúncios sejam discretos quanto à forma e dimensão e, evidentemente, seu conteúdo não poderá extravasar dos limites antes analisados, até porque é uma das modalidades de se anunciar os serviços profissionais. Chega mesmo a norma a proibir os luminosos, que não parece justificar-se, por si só, contanto que persista a se observar a necessária discrição. Nessa linha, obviamente, veda-se o uso de outdoor ou equivalentes (art. 30 do CED). Talvez mais simples fosse vedar-se simplesmente a placa, de qualquer dimensão, em outro local que não aquele em que o profissional exerce sua atividade.

Impede o Código o uso de “fotografias, ilustrações, cores, figuras desenhos, logotipos, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da Advocacia, sendo proibido o uso de símbolos oficiais e dos que sejam utilizados pela Ordem dos Advogados do Brasil” (art. 31). Busca-se com a norma em tela a sempre necessária discrição, o decoro, como também uma usurpada aparência de oficialidade, como se verificaria com o uso do brasão da República. Aliás, em algumas cidades do interior, nas salas dos advogados existentes nos fóruns, eram mantidos papéis com o nome da Ordem e com o brasão da República dos quais alguns advogados se serviam não só para elaborar petições urgentes, mas também para apresentar petição inicial[32]. Não foram poucas as pessoas que, quando citadas, interpretaram o escrito não como um pedido do autor em face dela, mas sim já como uma determinação judicial que devesse ser cumprida.

Essas mesmas restrições apresentam-se para o anúncio em jornais e revistas, sendo de se destacar, além disso, que o local de inserção da publicidade também pode denotar imoderação. Já houve quem se oferecesse, indevidamente, para recuperar compulsório pago na compra de veículo em caderno de jornal que estampa anúncios de compra e venda de carros.

9. É muito comum o uso da mala direta, dirigindo-se a um grupo de pessoas correspondência em caráter geral. Essa prática também guarda restrições[33]. Assim, primeiramente, não pode afrontar o conteúdo demarcado para qualquer forma de divulgação da atividade profissional. Admite-se somente este meio para a comunicação de mudança de endereço, constituição ou alteração da composição de escritório (art. 29, parágrafo terceiro, do CED), não mais que isto.

Essa modalidade de divulgação talvez seja mesmo uma das mais usadas pelos advogados que, todavia, não respeitam os limites éticos da publicidade, até talvez acreditando que entre os destinatários não encontrará algum advogado preocupado com a faceta ética da correspondência. Já houve quem remetesse correspondência a viúva, apresentando condolências pelo passamento do marido, mas alertando-a de que a vida continua e de que é preciso preocupar-se com os aspectos práticos dela, entre os quais ganharia importância, naquele momento, a realização do inventário[34]. Outro, em correspondência sistemática, pretendia comentar acontecimentos do dia-a-dia, planos econômicos, etc. e engrandecia os problemas jurídicos que deles decorrem, alertando para a necessidade de ter um advogado para resolver essas querelas[35]. Fere a ética também o envio de carta comunicando a distribuição de processo contra o destinatário na Justiça[36], evidenciando, ainda que não o diga expressamente, a intenção de patrocinar os interesses do réu naquele processo; como também correspondência a expropriados, esclarecendo-os sobre seus direitos e os riscos a que estão sujeitos[37].

A questão não muda de figura em vista do grupo a que é dirigida a mala direta. Ainda que discreta, não pode por meio dela o advogado pretender alcançar pessoas que potencialmente poderiam interessar-se pelos seus serviços, mas que não o conhecem e só passariam a conhecê-lo a partir da correspondência. Isso se dá, inclusive se a mala direta for destinada a um grupo do qual faça parte também o advogado, como os moradores de seu prédio, os sócios de seu clube.

Admite-se o oferecimento de serviços, por meio de mala direta, a advogados, objetivando o acompanhamento de processos e cumprimento de cartas precatórias em outras comarcas ou estados[38]. Tal se verifica porque a correspondência é dirigida não a leigo, mas a quem tem discernimento para não se subjugar inconscientemente ao seu conteúdo, como também não precisa, em princípio, dos serviços de advogado até por também o ser.

A mala direta na forma de carta não é diferente da edição de boletins com conteúdo semelhante, sendo permitidos estes últimos, ainda quando editados por advogados e escritórios, apenas para divulgação de informações gerais, comentar decisões dos tribunais, dar a conhecer legislação, sem, em momento algum, referir-se à necessidade de tomar alguma providência judicial ou de outra natureza, para a qual o advogado estaria prontamente à disposição. Procedimentos desta ordem são recriminados, posto que afrontosos às normas éticas. Ademais, os boletins não devem dar destaque ao nome do advogado ou de escritório[39], para não configurar a captação de clientela.

Já se entendeu, acertadamente, contrariar as normas éticas a divulgação de “textos legais e orientação jurídica em quadros ou painéis, periodicamente alteráveis ou renovados, para afixação em locais públicos, com indicação do nome do advogado e seu endereço profissional.”[40]

10. Atualmente repercute também na Advocacia o uso da internet e, pois, ganha corpo a idéia de divulgação do profissional por este veículo. Alguns até já mantêm site ou home page próprias. A questão não enseja análise diferenciada, comparativamente a outros modos de divulgação[41]. Evidente que tudo quanto não está autorizado a se fazer por carta, anúncio ou outro meio, também não se poderá fazer pela internet. As restrições são quanto ao conteúdo e não relativamente ao meio utilizado[42].

Assim, a manutenção de uma página divulgando notícias de interesse, envolvendo problemas econômicos, novas medidas, leis recentes, decisões judiciais etc., não pode servir para, por meio dela, o profissional se apresentar para captar clientes para aquelas hipóteses por ele analisadas como meras notícias gerais.

Da mesma forma, o advogado não poderá divulgar sua fotografia, lista de clientes ou causas, seu currículo, o resultado de seus processos, os preços que cobra, as suas petições, enfim incidir por este veículo nas restrições postas para os demais meios que eram os conhecidos e usuais quando do advento da disciplina ética ainda em vigor.

A utilização de e-mail para comunicação também é permitida, mas não para dirigir-se a pessoas desconhecidas, tocando com aspectos que possam ensejar a captação de clientes ou causas. Enfim, servem para essa forma de comunicação todas as restrições postas para as simples cartas.

11. A matéria jurídica inegavelmente acaba por interessar às pessoas de um modo geral; de outro lado, certos acontecimentos que envolvem demandas ganham projeção na mídia; sem contar, ainda, que um grande número de pessoas não tem acesso a serviços jurídicos e acabam por buscá-los em programas de emissoras de rádio e televisão. Isso tudo leva a que o profissional, muitas vezes, seja convidado a participar dessas atividades, o que é visto por muitos como uma forma de inculcar-se para a prestação dos serviços.

Desde logo é de se deixar à margem dessa consideração a publicação de artigos jurídicos, mesmo analisando casos, decisões de tribunais ou legislação nova, quando veiculados em revistas, jornais e boletins jurídicos e, ainda, em colunas jurídicas de jornais leigos. Evidente que, por meio dessa atividade, o profissional não está apresentando-se para captar clientes, posto que o leitor das publicações é, fundamentalmente, também operador do Direito que, via de regra, portanto, não precisa dos serviços jurídicos de outro profissional. Ademais, nesse âmbito, a divulgação acaba tendo caráter científico, sendo versada em linguagem técnica, que, não raro, aparece aos olhos do não-iniciado como grego. Nessa mesma linha, não se pode também visualizar captação de clientela na divulgação de evento cultural, destinado a quem atua na área jurídica[43].

Afastada a questão antes posta, não se pode olvidar que o advogado presta serviço público e exerce função social (art. 2o., parágrafo primeiro, da Lei n. 8.906/94), de onde poder ser visto como um verdadeiro seu dever prestar informações à comunidade e, ainda, esclarecer sobre seus próprios casos, na medida que ganhem repercussão popular e para tanto ele seja procurado.

Relativamente aos próprios casos, o advogado não pode procurar a imprensa para divulgá-los ou sequer insinuá-los[44]. Diversamente, deve mesmo guardar segredo acerca das pendências que patrocina, jamais expondo seu cliente na mídia, ainda que obtenha um resultado final favorável. Se o seu cliente precisar divulgar o resultado do processo para afastar conclusões enganosas acerca da sua pessoa, interesses ou bens, reparando ofensa à sua imagem, ele deve reclamar essa divulgação no processo, como conseqüência da procedência da ação, fazendo, então, a publicação da sentença, se autorizado pelo juiz, abstendo-se, mesmo assim, de colocar seu nome, por qualquer modo, na veiculação.

Se o caso que o advogado patrocina vier a ter repercussão na imprensa, ele poderá procurá-la para esclarecer fatos que possam prejudicar o seu cliente ou o resultado do processo por ele patrocinado. Poderá, também, ainda que não haja o risco anterior, se convidado, esclarecer alguns pontos da causa[45], evitando a polêmica, a acusação à parte contrária, ao juiz, aos demais colegas que atuam no feito, bem como, ainda, a divulgação de estratégias que adotará futuramente, de modo a não transformar a mídia no tribunal. Ademais, deve estar extremamente atento para não divulgar qualquer fato que possa representar sigilo profissional. Os limites dessa atuação decorrem, pois, inversamente, da definição como falta ética do comportamento consistente em “fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes” (art. 34, XIII, do Estatuto).

A participação do advogado em programas para responder consultas formuladas por ouvintes, telespectadores e leitores de jornais é prática totalmente condenada[46]. Nesse caso, o advogado não responde sobre teses, mas sobre ocorrências concretas, não raras vezes submetidas a outros profissionais e à própria Justiça. Tal atuação longe está de servir como prestação de serviços e atuação de cunho social, sendo caso específico de captação de clientela, posto que o consulente, quase sempre, já precisa de um profissional e tende a contratar aquele que lhe dá uma opinião mais conforme aos seus interesses. De outro lado, sua conduta afronta o dever de lealdade para com os demais colegas, diante da possibilidade de sua opinião colidir com aquela que vem sendo defendida por outro profissional que efetivamente patrocina os interesses do consulente[47].

Não há impedimento, porém, a que o advogado comparece na mídia para discutir teses jurídicas, concedendo entrevista ou participando de debates acerca de novas leis, problemas gerais etc., o que caracterizaria uma prestação de serviços à comunidade e um trabalho de atuação em prol da melhoria dos institutos jurídicos. Não se compreende nesta atuação, a manifestação sobre caso concreto específico[48]. Nesse sentido, é de se lembrar que não são raros, infelizmente, os crimes que acabam sendo julgados antecipadamente pela mídia e com a assistência de alguns colegas, que se prontificam a tipificar a conduta do acusado, dando todos os ingredientes para o seu julgamento.

O profissional que costuma ser convidado para participar de programas ou opinar sobre assuntos gerais na mídia não pode aceitar ser transformado em um habitué, passando a ser figura rotineira a manifestar-se sobre todo e qualquer assunto[49], mesmo porque não existe um universo de problemas jurídicos novos e somente em tese a desafiar o constante pronunciamento a bem do interesse social. Semelhante prática, caracterizadora do excesso, merece a reprimenda, posto que deixa de existir a moderação, evidenciando intenção de apresentar-se para obter proveito profissional, angariando causas, posto que o lugar do advogado é em seu escritório ou nos tribunais e não na imprensa.

Por fim, a exposição do advogado na mídia, mesmo nos casos em que isso se faz permitido, não pode importar na divulgação de façalhas profissionais, nome de clientes[50] etc., o que tornaria o comportamento viciado do ponto de vista ético, se não pela entrevista, pelos outros motivos que afrontam as normas permissíveis da publicidade na Advocacia.

12. A propaganda guarda também uma outra roupagem, apresentando-se de modo subliminar. Assim, não é incomum produtos, bens e serviços serem apresentados não diretamente como uma ação comercial, oferecendo-o de forma clara e transparente, mas sim por meio subreptício, buscando identificá-lo a uma atividade ou a uma pessoa, de modo a também criar no consumidor o desejo de ter aquele bem ou produto ou desfrutar daquele serviço.

A Advocacia também parece não estar alheia a essa forma de divulgação. Nesse sentido, o Tribunal de Ética Profissional da OAB de São Paulo detectou essa prática, entendendo-a condenável, em reportagem veiculada por jornal paulista, na qual, a par de se ressaltar as dificuldades então atuais, chamava-se atenção para o que os escritórios de advocacia de dimensões empresariais, que ali eram citados, estavam fazendo para atender aos seus clientes e evitar que eles padecessem ou tivessem prejuízo com aqueles problemas. A reportagem enautecia a qualidade dos profissionais, declinava o número de clientes que tinham, as consultas que davam, o tamanho do escritório, chegando mesmo a apontar para certo escritório que havia contratado um profissional, com passado de desembargador e de determinada origem racial, apenas para melhor servir seus clientes de igual nacionalidade.[51]

Evidente que a propaganda fora dos contornos da ética deve ser combatida não só quando feita diretamente, aliás o combate a essa é bem mais fácil, mas também quando feita não às claras, mas com igual potencialidade de dano não só aos consumidores desta atividade, o que por ora não interessa, mas a toda a classe dos advogados. No caso, a matéria jornalística tinha claro intuito promocional, afrontando a discrição que deve ser a nota típica da Advocacia, para lhe conferir caráter nitidamente mercadológico e, pois, comprometido, em vista de se prestar para o aliciamento e captação de clientes.

Diferente não foi o que se viu em reportagem da revista Veja, de 1o. de dezembro de 1993. Naquela matéria, intitulada “O Romário dos Tribunais”, comparou-se conhecido advogado com o ágil e esperto jogador de futebol, na época no melhor de sua carreira. A matéria que, segundo o Tribunal de Ética da Ordem de São Paulo[52], só pode ter recebido o aval do advogado, encara a Advocacia como um negócio e ressalta como de importância facetas nada recomendáveis, como a esperteza, relacionamentos etc. Ademais, revela-se nela preços, número de causas, nome de clientes, tudo a evidenciar total desprezo para com a ética. Perfeita, para definir o grotesco do caso, foi a conclusão de ELIAS FARAH, naquele aprovado parecer: “um procedimento ético é um procedimento limpo, em que transpareça magnanimidade, discrição, sobriedade, altivez, aplaudíveis pela decência de propósito e pela inatacável credibilidade. A reportagem mais parece dirigida a um ‘mágico’ da Advocacia, que, na tribuna forense a todos deslumbra, tirando coelho da cartola ou sacando argumentos, surpresa que só gênios logram discernir nas entrelinhas dos códigos e das constituições, com poderes mirabolantes de persuassão!”

13. A propaganda evoluiu, mas na Advocacia essa evolução não encontrou, não encontra e tomara que não venha a encontrar eco. Disso, porém, não se pode concluir que a Advocacia não tenha evoluído, porque para alcançar melhores dias ela precisa que os advogados igualmente consigam estes melhores dias e a tanto o profissional não chegará criando clientela no artificialismo da publicidade, na inconstância e no momento, tomando o cliente tão só pela aparência, às vezes fabricada por um bom marqueteiro. Esse cliente é efêmero, posto que a qualquer outro apelo de melhor aparência ele também se renderá e mudará de advogado, logicamente.

Consoante LOUIS CREMIEU, citado em precioso voto de DANIEL SCHWENCK, no Tribunal de Ética da Ordem de São Paulo, “o advogado deve esperar pacientemente que a clientela venha a ele. É pelo trabalho e pelo bom renome que ele logrará inspirar nos contendores a sua confiança. Ele não se deve comprometer na procura de causas”[53].

A melhor propaganda que o advogado pode fazer está na realização do seu trabalho, contínuo e dedicado, na repercussão que suas demandas tem, não na mídia, mas, em primeiro lugar, no íntimo de seu próprio cliente, que se sentirá satisfeito e não titubeará em indicar o seu advogado para o seu amigo, parente ou voltar ele próprio a procurá-lo quando nova questão jurídica o atormentar. Essa é a única forma de propaganda capaz de valorizar o advogado.

——————————————————————————–

* Trabalho escrito em homenagem à memória do Dr. LUIZ GERALDO CONCEIÇÃO FERRARI, ex-presidente da AASP – Associação dos Advogados de São Paulo

 

[1] – Confira a propósito a posição de MARCELO RAPOSO CHERTO, “A ética do advogado e a publicidade”, O Estado de São Paulo, edição de 22 de novembro de 1986.

[2] – Cf. PAULO LUIZ NETTO LÔBO, Comentários ao Estatuto da Advocacia, Brasília, Editora Jurídica, 2a. edição, 1996, pág. 143, onde destaca o texto do art. 8o. do Código International de Ética do Advogado da Internacional Bar Association, que expressamente dispõe ser “contrário à dignidade do advogado recorrer ao anúncio.” Não é diferente a disposição do Código da American Bar Association, que, em seu art. 27, entende não profissional obter serviços por meio de circulares, propaganda e entrevistas não autorizadas.

[3] – O conteúdo dos artigos em questão corresponde ao teor da Resolução n. 2/92 do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB de São Paulo, aprovada em 2 de novembro de 1992, sob a presidência de MODESTO CARVALHOSA e tendo como relator ELIAS FARAH.

[4] – Nesse sentido, WALTER CENEVIVA, “A propaganda na Advocacia.”, palestra proferida na Associação dos Advogados de São Paulo, em 16 de março de 1999, à disposição em vídeo.

[5] – A moderação não se compadece com títulos estrondosos como “Sofreu você algum prejuízo em acidente?”, “Deixe-me proteger seus direitos”. A par de violar outros enunciados acerca da publicidade, a chamada desses supostos anúncios, comuns nos Estados Unidos e no Canadá, ofende às nossas regras éticas (cf. processo n. 896 do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, rel. DANIEL SCHWENCK, publicado nos Julgados do Tribunal de Ética Profissional, São Paulo, OAB, 1995, 2o. vol., pág. 103).

[6] – Cf. decisão do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 700, rel. MILTON BASAGLIA, publicado nos Julgados do Tribunal de Ética Profissional, São Paulo, OAB, 1o. vol., pág. 57. A divulgação de anúncio sem o nome do advogado foi entendida como falta censurável, passível de punição após identificação do responsável (cf. decisão do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 870, rel. DANIEL SCHWENCK, publicado nos Julgados cit., 2o. vol., pág. 90).

[7] – Já houve vedação ao uso de “Pronto Socorro Jurídico” (Cf. decisão do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 777, rel. MILTON BASAGLIA, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 67); da mesma forma, foi considerado infringente das normas éticas a adoção do nome “O Advogado da Família” (processo n. 800, rel. JOSÉ EDUARDO DIAS COLLAÇO, Julgados cit., 1o. vol., pág. 254), como, ainda, “S.O.S. JURÍDICO” (cf. decisão no processo n. 1004, do Tribunal de Ética da OAB, São Paulo, rel. JOSÉ URBANO PRATES, Julgados cit., 2o. vol., pág. 373). Ofenda as regras éticas a referência a “Plantão” e “24 horas por dia” (cf. processo n. 1029, do Tribunal de Ética da OAB São Paulo, rel. PAULO AFONSO LUCAS, Julgados cit., 2o. vol., pág. 92).

[8] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 846, rel. BRUNO SAMMARCO, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 61.

[9] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 779, rel. ELIAS FARAH, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 84.

[10] – O Tribunal de Ética da OAB de São Paulo já entendeu, no passado, possível o uso em anúncio da expressão “ex-promotor de Justiça” (cf. processo n. 695, rel. SAMUEL SINDER, Julgados cit., 1o. vol., pág. 256). Todavia, a matéria veio a ser pacificada de forma diferente, proibindo-se a divulgação de antecedentes funcionais relativos ao exercício de alguma função pública (cf. Resolução n. 5/93, rel. BRUNO SAMMARCO, Julgados cit., 2o. vol., pág. 40). Aplicando a resolução e vedando o uso da expressão “ex-magistrado”, confira-se processo n. 1003, do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, rel. ELIAS FARAH, Julgados cit., 2o. vol., pág. 389).

[11] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 863, rel. JOVIANO MENDES DA SILVA, Julgados cit., 2o. vol., pág. 99; processo n. 869, rel. CLITO FORNACIARI JÚNIOR, Julgados cit., 2o. vol. pág. 407.

[12] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 789, rel. ANTONIO DUMIT NETO, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 71.

[13] – cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 984, rel. DANIEL SCHWENCK, Julgados cit., 2o. vol., pág. 376.

[14] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 796, rel. DANIEL SCHWENCK, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 68.

[15] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 740, rel. FUED MIGUEL TEMER, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 73; processo n. 722, rel. ELIAS FARAH, Julgados cit., 1o. vol., pág. 244; processo n. 687, rel. FUED MIGUEL TEMER, Julgados cit., 1o. vol., pág. 248.

[16] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1070, rel. JOSÉ URBANO PRATES, Julgados cit., 2o. vol., pág. 383.

[17] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 770, rel. FLÁVIO DEL PRÁ, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 249.

[18] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 905, rel. CLITO FORNACIARI JÚNIOR, Julgados cit., 2o. vol., pág. 96.

[19] – Cf . Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 971, rel. BENEDITO EDISON TRAMA, Julgados cit., 2o. vol., pág. 410.

[20] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1047, rel. BRUNO SAMMARCO, Julgados cit., 2o. vol., pág. 412.

[21] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 689, rel. MILTON BASAGLIA, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 210.

[22] – Cf. decisão do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1.778/98, relator JOSÉ ROBERTO BOTTINO, ementa publicada no jornal Tribuna do Direito, março de 1.999, pág. 34.

[23] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 834, rel. JOSÉ EDUARDO DIAS COLLAÇO, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 263; processo n. 1047, rel. BRUNO SAMMARCO, Julgados cit., 2o. vol., pág. 412.

[24] – Cf. decisão do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1778/98, já citada quanto a outro aspecto.

[25] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1.780/98, rel. PAULO MARQUES DE FIGUEIREDO JÚNIOR, ementa publicada na Tribuna do Direito, março de 1999, pág. 34.

[26] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 693, rel. FUED MIGUEL TEMER, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 76. O anúncio, além de referir-se a campos que não se caracterizam como especialidades, dizia “atende-se sem compromisso.” No mesmo sentido, processo n. 934, rel. JOSÉ URBANO PRATES, Julgados cit., 2o. vol., pág. 386. Da mesma forma, foi apontado como em desconformidade com as normas éticas anúncio que ao seu final dizia “a consulta é grátis” (processo n. 503, rel. GILDO DOS SANTOS, Julgados cit., 1o. vol., pág. 261).

[27] – A proibição atinge, logicamente, o patrocínio de programas, inclusive de natureza policial (cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 940, rel. JOVIANO MENDES DA SILVA, Julgados cit., 2o. vol., pág. 85). Da mesma forma, é vedado o meio radiofônico, mesmo se atender à moderação (cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1016, rel. ANTONIO FITTIPALDI, Julgados cit., 2o.vol., pág. 364).

[28] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 780, rel. LEILA BUAZAR, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 66.

[29] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 928, rel. GERALDO JOSÉ GUIMARÃES DA SILVA, Julgados cit., 2o. vol., pág. 359.

[30] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 759, rel. ANTONIO DUMIT NETO, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 257.

[31] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 831, rel. ELIAS FARAH, Julgados cit., 2o. vol., pág. 363.

[32] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 871, rel. ANTONIO LOPES MUNIZ, Julgados cit., 2o. vol., pág. 256; processo n. 937, rel. GERALDO JOSÉ GUIMARÃES DA SILVA, Julgados cit., 2o. vol., pág. 257.

[33] – Julgados mais antigos do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, genericamente, entendiam que o meio não era compatível com a dignidade da Advocacia: processo n. 684, no qual são citados os processos ns. 404, 528 e 539, rel. REYNALDO MATTAR; processo n. 783, rel. ANTONIO DUMIT NETO, e processo n. 788, rel. EDMUNDO DANTÉS NASCIMENTO, Julgados cit., 1o. vol., págs. 78 e segs. e 187 e segs.

[34] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 943, rel. JOSÉ EDUARDO DIAS COLLAÇO, Julgados cit., 2o. vol., pág. 115.

[35] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 809, rel. CLITO FORNACIARI JÚNIOR, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 259.

[36] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 833, rel. CLITO FORNACIARI JÚNIOR, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 58.

[37] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 683, rel. SILVESTRE DE LIMA NETO, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 85.

[38] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1010, rel. ROBISON BARONI, Julgados cit., 2o. vol., pág. 367, citando, no mesmo sentido, processo n. 385, rel. HAMILTON PENA.

[39] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1008, rel. ELIAS FARAH, Julgados cit., 2o. vol., pág. 368.

[40] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 764, rel. ELIAS FARAH, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 79.

[41] – Aliás, o advento do telex, da televisão também, certamente, desafiaram debates acerca da matéria, sendo interessante destacar-se a constância de uma posição voltada à discrição, que se vê desde parecer de GABRIEL DE REZENDE, quando do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo (processo n. 002, parecer emitido em 12 de junho de 1940, citado em Julgados cit., 2o. vol., pág. 405).

[42] – Cf. WALTER CENEVIVA, na palestra antes já citada.

[43] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 930, rel. ANTONIO FITTIPALDI, Julgados cit., 2o. vol., pág. 371.

[44] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1030, rel. ANTONIO FITTIPALDI, Julgados cit., 2o. vol., pág. 372.

[45] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 688, rel. BRIAND COLLIN FERREIRA, publicado nos Julgados cit., 1o. vol., pág. 209.

[46] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 872, rel. DANIEL SCHWENCK, Julgados cit., 2o. vol., pág. 350; processo n. 839, rel. JOVIANO MENDES DA SILVA, Julgados cit., 2o. vol. pág. 351.

[47] – No Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, no processo n. 839, votamos vencido, não pretendendo restringir a possibilidade da resposta de modo absoluto, mas colocamos tantas restrições a essa atuação, que tornaria difícil algum advogado conseguir, no caso concreto, responder a perguntas em programas de rádio ou televisão e não incidir em falta ética (Julgados cit., 2o. vol., pág. 351).

[48] – Até porque, ao ver de PAULO LUIZ NETTO LÔBO (Comentários cit., pág. 144), tal procedimento gera impedimento ético para o advogado patrocinar novas causas relacionadas ao tema.

[49] – PAULO LUIZ NETTO LÔBO (Comentários cit., pág. 144) reputa, com toda a correção, “absolutamente condenável a publicidade freqüente de opinião sobre matérias jurídicas” na mídia.

[50] – Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 914, rel. ROBISON BARONI, Julgados cit., 2o. vol., pág. 403.
[51] – Cf. Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 898, rel. CLITO FORNACIARI JÚNIOR, Julgados cit., 2o. vol., pág. 97.

[52] – Cf. processo n. 1075, rel. ELIAS FARAH, Julgados cit., 2o. vol., pág. 394.

[53] – Cf. Traité de la Profession d’Avocat, Paris, 1939, n. 277, pág. 276, apud Julgados cit., 1o. vol., pág. 69.

 

Cinco pontos de reflexão sobre a Judicialização da Saúde

Excelentes reflexões do sempre excelente argumentador, Professor George Marmelstein.

Meu primeiro contato com o problema da judicialização da saúde foi em 1998, quando ainda era um simples estagiário de vara de fazenda pública. Desde então, nunca parei de refletir sobre essa questão e tive a oportunidade de vivenciar diversas etapas da evolução do problema.

Nos anos 1990, o clima era de ceticismo em relação à efetivação judicial do direito à saúde. Em geral, as decisões judiciais invocavam barreiras como a reserva do possível ou natureza programática dos direitos sociais ou a separação de poderes para negar a possibilidade de reconhecer direitos subjetivos com base no direito à saúde. Aos poucos, a jurisprudência foi superando esse entendimento para aceitar algum tipo de intervenção judicial concretizadora do direito fundamental, especialmente envolvendo fornecimento de medicamentos vitais para pessoas carentes. As primeiras decisões do STF sobre o assunto são do final dos anos 1990 e envolviam o fornecimento do coquetel de medicamentos para os portadores de HIV. A partir de 2000, consolidou-se de vez a ideia de que os juízes podem obrigar o poder público a adotar medidas para implementar o direito à saúde, seja num nível individual, seja num nível coletivo.

Hoje, pode-se dizer que a questão atingiu um ponto de saturação. O pêndulo, que começou com a eficácia zero do direito à saúde, oscilou para o extremo oposto. Vivemos um excesso de judicialização que alcançou um nível patológico. Afinal, quando os hospitais criam setores específicos para auxiliarem os pacientes a ingressarem com ações judiciais, é um claro sinal de algo não vai bem… (Curiosamente, um dos principais sintomas para diagnosticar um estado de coisas inconstitucional é verificar a necessidade de sempre ter que se buscar a tutela judicial para a obtenção do direito, algo que tem ocorrido no caso da saúde).

O presente texto é fruto de uma inquietação de alguém que lida com demandas da saúde quase diariamente. Mais ainda: é fruto de uma angústia de alguém que era entusiasta da judicialização da saúde, mas hoje tem plena consciência do caráter ambivalente desse fenômeno. Não se trata de ser absolutamente contra a judicialização da saúde, algo que parece demasiadamente contrafactual, mas de reconhecer os limites e os problemas que a judicialização tem acarretado. Portanto, os “pontos de reflexão” que serão aqui apresentados não têm por objetivo criar argumentos contra a judicialização, mas apontar algumas distorções que, atualmente, em nome da efetivação do direito à saúde, são cometidas.

1 – Prioridade de atendimento para quem tem ordem judicial favorável

Durante um plantão judicial, liguei para o coordenador de leitos de UTIs do meu Estado e perguntei como estava a situação da fila de espera. Ele me disse que, na “fila dos pacientes com liminar”, havia oito pacientes esperando leito. Na “fila dos pacientes sem liminar”, havia dezesseis pacientes, que somente seriam atendidos depois dos oito pacientes com liminares. Ou seja, o fator “com liminar”/”sem liminar” tornou-se um critério de classificação de prioridades!

Não há o menor sentido em se criar um lista de prioridade de atendimento que favoreça alguém pelo mero fato de ele ter uma ordem judicial a seu favor. Há critérios bem definidos, fundados na gravidade da situação do paciente, que estabelecem a ordem de atendimento nos leitos de UTIs. Pacientes no mesmo nível de gravidade são atendidos conforme a ordem cronológica.

Hoje, com a judicialização da saúde, tem havido um fenômeno interessante, pois, em muitos casos, esses critérios objetivos têm sido ignorados para favorecer um paciente que tenha obtido uma ordem judicial, ainda que esse paciente tenha chegado depois e sua situação não seja mais grave do que a dos demais pacientes. O único fator que o diferencia dos demais pacientes é o fato de ele ter uma ordem judicial determinando a sua internação em um leito de UTI.

A meu ver, tal tipo de discriminação é um absurdo. Em geral, nas minhas ordens judiciais, sempre incluo uma advertência dizendo que aquela decisão não deve ser interpretada de forma a autorizar uma quebra da ordem objetiva de prioridade. E por que eu concedo a liminar? Por uma única razão: se eu não conceder, corre o risco de esse paciente ser preterido por alguém que tenha uma ordem judicial. Então, tento, pelo menos, garantir que a sua posição na fila não seja prejudicada.

Em todo caso, se o poder público adota um critério objetivo de atendimento e se tal critério é razoável, não me parece correto que um juiz conceda uma liminar para alterar a referida ordem sem levar em conta a posição preferencial dos demais pacientes.

Mas e se houver uma demora desarrazoada para o internamento de pacientes em leitos de UTI? Nesse caso, temos um problema estrutural que há de ser resolvido de forma estrutural. Não é reservando um leito de UTI para um paciente e quebrando a ordem de atendimento que o problema vai ser resolvido.

Perceba que, mesmo que a ordem seja para garantir àquele paciente em específico um leito de UTI em hospital particular, também está havendo aí uma quebra da igualdade, pois a ordem de atendimento está sendo, de qualquer modo, burlada. Qualquer ordem judicial, para ser justa, tem que observar se existem pacientes com o mesmo nível de gravidade que estão aguardando o surgimento de vagas a mais tempo. Estes pacientes não podem ser prejudicados apenas porque um outro paciente tem uma ordem judicial favorável, já que ter uma ordem judicial favorável não é por si só um fator relevante para estabelecer ordem de prioridade de atendimento.

2 – Prescrições Médicas (de médicos públicos) que Ignoram o Protocolo Oficial do SUS

Esse é um ponto complexo, mas o objetivo é fazer refletir. Aparentemente, no âmbito do SUS, os médicos não são instruídos a seguirem os regulamentos que estabelecem os protocolos clínicos oficiais. Será que os protocolos oficiais, estabelecidos por normas jurídicas, são totalmente equivocados do ponto de vista médico e, portanto, não devem ser mesmo seguidos? Será que os médicos são plenamente livres para prescreverem o tratamento que acharem mais adequados, ainda que violem a diretriz oficial? Como encontrar um equilíbrio entre a liberdade de prescrição do médico e o dever de funcionários públicos de seguirem os regulamentos administrativos?

O problema pode ganhar ainda mais complexidade, na medida em que diversos médicos do SUS prescrevem medicamentos que sequer foram aprovados pela Anvisa. Em vários países, esse tipo de conduta (prescrição de remédios não-aprovados pelo órgão de saúde) seria considerado crime. Aqui no Brasil, tornou-se uma espécie de procedimento padrão não-oficial. E isso nos leva a alguns questionamentos. Podem os médicos públicos fundamentarem suas prescrições em tratamentos ainda em fase de estudos? Estudos científicos preliminares são suficientes para garantir a um paciente o direito de receber um medicamento experimental? De que vale a aprovação da Anvisa aqui no Brasil?

Na minha ótica, o problema da judicialização da saúde somente será superado quando os próprios médicos perceberem que fazem parte de um sistema mais amplo. É preciso que se tenha algum tipo de vinculação, ainda que relativa, em relação aos protocolocos oficiais. As decisões médicas, assim como as decisões judiciais, não devem se basear em voluntarismos (por mais que tenham um suporte da literatura científica, que, convenhamos, nem sempre é unívoca). Em linha de princípio, as normas do sistema devem ser seguidas, salvo se houver razões superiores que justifiquem a sua não-aplicação. A não observância do padrão oficial há de ser devidamente fundamentada. O problema é que, muitas vezes, os médicos sequer conhecem as diretrizes oficiais, nem se sentem vinculados a elas. E os juízes tendem a seguir o que o médico prescreve. Se o médico não leva em consideração o protocolo oficial, o juiz também não levará, o que certamente causará, em algum momento, o colapso do sistema.

Os protocolos clínicos cumprem um papel, a aprovação da Anvisa também, a análise do Conitec idem… enfim, a meu ver, o problema da saúde deveria ser resolvido, primeiro, dentro de casa, com os próprios médicos refletindo sobre seus problemas e tentando desenvolver soluções para o sistema como um todo. Para isso, o poder público deveria, de algum modo, ser capaz de influenciar os médicos do sistema a seguirem as políticas públicas adotadas. Aliás, em várias audiências que fiz com médicos, eles mostraram desconhecimento dos protocolos aprovados pelo Conitec ou outras regras do Ministério da Saúde.

De nada adianta existir um monte de órgãos técnicos para definir a eficácia e segurança de um medicamento, o custo-efetividade dos tratamentos ou os procedimentos a serem seguidos, se, na prática, ninguém dentro do sistema respeita essas decisões.

3 – Entrega de Medicamentos Diretamente ao Paciente

Esse pode parecer um ponto meramente operacional, mas há também um problema de fundo em jogo. Parte-se da crença de que o paciente X tem direito ao remédio Y e que, uma vez concedida a liminar, o remédio Y pertence a X. Em razão disso, o poder público entrega o remédio ao paciente, com todos os riscos que isso pode acarretar (acondicionamento inadequado, mau uso, desvio de finalidade etc.).

A meu ver, a concessão judicial de um direito a um tratamento não dá ao paciente o direito de propriedade sobre os insumos que vêm junto com o tratamento. O paciente tem direito ao medicamento na forma prescrita pelo médico, mas o medicamento pertence ao sistema de saúde e será ministrado enquanto tiver utilidade para o tratamento. Se o paciente tiver uma alergia imprevista ao medicamento, o remanescente continua no hospital e não na casa do paciente. Se o paciente morrer durante o tratamento, os sucessores não terão o direito de “herdar” os remédios que sobrarem. Hoje, na prática, o poder público tem fornecido medicamentos de alto custo diretamente aos pacientes, o que me parece um absurdo. Essa questão certamente é menor, mas demonstra como a judicialização pode gerar algumas distorções que quebram toda a lógica do sistema.

4 – Crença de que o estado tem o dever de prestar o melhor tratamento possível e imaginável, sem levar em conta o seu custo-efetividade

Os direitos sociais são, por natureza, direitos de realização progressiva. Há custos de implementação e, portanto, o fator econômico não pode ser ignorado, por mais valiosa que seja a saúde humana. Esse fator entra na equação sob o nome de “custo-efetividade”, que é uma metodologia de avaliação que compara tecnologias médicas levando em conta seus efeitos clínicos e seus custos. Existem critérios objetivos para medir o custo-efetividade e tal análise, em geral, é feita pelo Conitec quando resolve incorporar ou não uma nova tecnologia ao sistema público de saúde. As decisões tomadas pelo Conitec, quando não forem comprovadamente equivocadas, devem ser respeitadas. O mero fato de um tratamento ser mais eficaz não significa dizer que deve ser fornecido pelo SUS. É preciso analisar também seu custo-efetividade em comparação com outras tecnologias.

É preciso refletir se cabe ao poder público, sempre e em toda situação, fornecer um tratamento de ponta aos seus pacientes, sobretudo quando tal tratamento não pode ser universalizado, ou seja, estendido para todos os pacientes na mesma situação. Tão grave quanto negar um tratamento de ponta a todos os pacientes é conceder o direito apenas a alguns que tiveram a sorte de obter uma ordem judicial favorável.

Além disso, é de se questionar até onde o poder público deve ir para arcar com os tratamentos de “última esperança”, que são aqueles adotados quando todas as demais opções terapêuticas falham. Esse é um tema complexo, mas deve ser posto na mesa. Afinal, há um direito subjetivo de receber tratamentos extraordinários, às custas do poder público? O poder público deve jogar todas as fichas para salvar a vida do paciente, mesmo que as chances de fracasso sejam elevadas? A “obstinação terapêutica” é uma virtude médica ou, pelo contrário, um prolongamento desnecessário do sofrimento?

5 – Falta de Preocupação com Soluções Estruturais, Sistemáticas, Igualitárias e Universalizáveis

Situação hipotética: um grupo de médicos de um determinado hospital público retorna de um congresso científico empolgado com um novo estudo científico que comprovou os efeitos benéficos de uma droga experimental para uma doença grave. Eles resolvem padronizar o uso desse medicamento em seus pacientes apesar de não haver nenhuma diretriz do SUS autorizando. O problema é que o custo do tratamento é alto. O medicamento é importado e ainda não foi sequer aprovado pela Anvisa. Mesmo assim, eles resolvem padronizar e informam à direção do hospital. O diretor do hospital, contudo, avisa que não há verba para aquisição do referido medicamento. O SUS somente fornece R$ 1.000,00 por mês para cada paciente portador daquela doença grave e o remédio custa R$ 50.000,00. Ou seja, o hospital não tem como comprar.

O que deveriam fazer os médicos? Acionar os instrumentos do sistema para que o remédio possa ser incorporado ao protocolo oficial e, a partir daí, tentar alterar o valor disponibilizado pelo SUS para o tratamento daquela doença.

Como o sistema não responde de imediato ao apelo dos médicos, o que eles, de fato, fazem? Orientam seus pacientes a procurarem um advogado (ou a defensoria pública) e assim surge a judicialização… Alguns pacientes vão conseguir liminar e vão receber o medicamento; outros não…

Esse é um tipo de problema que deve ser resolvido de forma estrutural. Se há uma droga nova que não está sendo fornecida pelo SUS, as perguntas fundamentais são: (a) por que a medicação ainda não foi aprovada pela Anvisa? Qual o prazo previsto para aprovação (b) por que o Conitec não a incorporou como uma droga a ser fornecida? Já foram iniciados os estudos necessários? (c) quais são os tratamentos oferecidos pelo SUS para aquela doença? Os tratamentos oferecidos são inadequados? O tratamento novo tem custo-efetividade? Enfim…há diversas questões de alta complexidade que devem ser tomadas antes de se decidir se o SUS fornecerá ou não o medicamento.

Logicamente, é possível controlar judicialmente a validade do procedimento de incorporação, bem como o procedimento de aprovação na Anvisa, inclusive para verificar a razoabilidade da demora da análise. Mas o Judiciário somente deveria atropelar essas etapas em situações excepcionalíssimas, evitando ao máximo tomar uma decisão no lugar das autoridades médicas. Atualmente, a desconsideração dos processos de incorporação e aprovação de medicamentos tornou-se banalizada. Os médicos não aguardam a conclusão dos processos, e os juízes, com base na prescrição dos médicos, concedem liminares de modo automático. É como se os órgãos responsáveis fossem figurativos.

Aliás, a situação chegou a um ponto em que a concessão da liminar já se tornou a resposta esperada. A judicialização criou um sistema paralelo de concessão de medicamentos que funciona com base na expectativa da resposta judicial favorável. Muitas vezes, negar a liminar é quebrar a lógica desse sistema paralelo, na medida em que vários pacientes, em situação semelhante, estão recebendo a medicação com base em ordens judiciais. Assim, se um juiz deixa de conceder a liminar, pode até mesmo estar violando a igualdade, pois o que era para ser a exceção virou a regra.

Se investigarmos a origem do problema, provavelmente encontraríamos a sua fonte na atitude dos médicos que resolvem prescrever a medicação sem levar em conta o funcionamento do sistema em si (ou seja, sem levar em conta as regras oficiais e os procedimentos de incorporação de novas tecnologias). Pode-se dizer que eles são os primeiros responsáveis pela quebra do sistema e talvez até o façam de modo consciente, pois o sistema não tem respondido satisfatoriamente às suas demandas. Assim, só resta a eles estimular a judicialização.

Para um juiz é muito difícil mudar esse quadro. Primeiro, porque lhe falta conhecimento especializado. Segundo, porque a profissão médica possui um enorme prestígio e, portanto, o juiz tende a seguir a opinião do médico. Terceiro, porque seus pares estão concedendo liminares para casos semelhantes e, portanto, seria uma injustiça privar o demandante do mesmo direito. Quarto, porque o processo de concessão entrou numa linha de produção automatizada que não requer muito esforço de raciocínio. Quinto, porque a negação do direito provavelmente vai ser reformada pelo tribunal. Assim, a solução mais cômoda é a concessão da liminar.

****

Muito mais poderia ser dito sobre a judicialização da saúde e a sua ambivalência. Seria interessante, por exemplo, ressaltar que as regras padronizadas pelo SUS não costumam estabelecer cláusulas de exceção para situações singulares, que seria um ponto onde provavelmente a judicialização teria alguma importância. Explicando melhor: certamente, a judicialização da saúde pode ter algum sentido quando se está diante de situações peculiares (doenças raras ou situações inusitadas), pois possibilitará alguma flexibilização dos procedimentos sem que se quebre de modo absoluto a lógica da padronização.

Do mesmo modo, é preciso refletir também sobre a falta de articulação e coordenação entre os órgãos envolvidos, que tem gerado diversos problemas de legitimidade, competência e efetivação das decisões judiciais. Aliás, a própria ausência de efetividade das decisões judiciais mereceria uma análise à parte. Além disso, é urgente desenvolver mecanismos processuais eficientes para enfrentar os problemas estruturais, que, atualmente, são os mais frequentes e os mais difíceis de serem superados. Enfim… Talvez eu volte a falar disso em outra oportunidade. Aqui, deixo apenas um último ponto de reflexão.

O que percebo, com esse fenômeno da judicialização da saúde, é que, cada vez mais, os médicos estão perdendo o controle sobre as decisões envolvendo as políticas públicas de saúde (num nível macro) e, por isso, estão agindo propositadamente num nível micro (individual). Pode ser impressão minha, mas me parece que os médicos deixaram de se sentir parte de um sistema e, por isso, agem de forma isolada, sem se preocuparem com o todo. A preocupação imediata é com aquilo que consideram ser o melhor para o seu paciente e não com o funcionamento do sistema em si. E como eles perceberam que os juízes costumam estar aberto às demandas individuais, resolveram estimular a judicialização, ainda que isso possa significar, em última análise, a renúncia da autonomia da medicina ou a “colonização da saúde pelo direito”. No final, nem se tem uma justiça bem feita, nem uma prestação de saúde minimamente satisfatória.

Nova Lei de Crimes Sexuais

Muito bons os comentários do Túlio Vianna sobre as alterações ocorridas no Código Penal. Até porque essa matéria realmente nunca foi meu forte… Segue, na integra:

A lei 12.015 de de 7 de agosto de 2009 que alterou o tratamento dados aos crimes sexuais no Brasil já está em vigor.

Alguns rápidos comentários em relação a ela:

1. O legislador inovou fundindo em um único crime de estupro (art.213 CP) o constrangimento ao sexo vaginal e o constrangimento ao sexo anal (anteriormente punido como atentado violento ao pudor). Homem agora também pode ser vítima de estupro. A fusão certamente desagradará aos penalistas ortodoxos, pois o estupro “clássico” (sexo vaginal forçado) sempre foi considerado um crime mais grave, até em função de uma possível gravidez (e, historicamente, da perda da virgindade). Nos tempos atuais, não vejo realmente muito sentido em diferenciar a punição do sexo vaginal forçado e a do sexo anal forçado, até porque tal distinção criava problemas teóricos de pouca relevância prática como saber se o transexual poderia ou não ser vítima de estupro. A equiparação dos dois crimes põe fim a estas discussões inúteis.

2. O legislador insistiu no uso da vetusta expressão “ato libidinoso” na redação dos tipos e perdeu a chance de superar de uma vez por todas problemas de interpretação do tipo. Muita coisa pode ser ato libidinoso: desde o sexo anal, passando pelo sexo oral, até a bolinação ou mesmo o beijo de língua. Assim, qualquer destas práticas com o uso da força ou de grave ameaça passaram a ser consideradas estupro. Conclusão: se alguém forçar outra pessoa a um beijo de língua, pela mera descrição do tipo, estará praticando crime de estupro e será punido com a mesma pena de quem forçar alguém ao sexo anal. Tudo porque o legislador, por falsos pudores, evitou mais uma vez usar a objetividade de expressões como “sexo vaginal”, “sexo anal”, “sexo oral”, “toques libidinosos”, etc., optando pela anacrônica expressão “conjunção carnal” para se referir ao sexo vaginal e pela vaga expressão “atos libidinosos” para se referir a qualquer outro ato que provoque excitação sexual no agente. Grave erro!

3. O legislador acabou com a antiga presunção de violência que equiparava ao estupro com violência ou grave ameaça, o sexo com menores de 14 anos, com deficientes mentais e com quem por qualquer motivo não pudesse dissentir, como por exemplo, a vítima adormecida por um sonífero. Em seu lugar, criou o crime de “estupro de vulnerável” (art.217-A), punindo com penas de 8 a 15 anos a relação sexual, consensual ou não, com menores de 14 anos e com deficientes mentais. Trata-se de um atentado à liberdade sexual de adolescentes e deficientes mentais brasileiros. Se um rapaz de 13 anos mantiver relação sexual com uma mulher maior de 18 anos (uma prostituta, por exemplo), ela poderá ser punida por estupro de vulnerável com pena mínima de 8 anos de prisão. O mesmo se diga em relação a um deficiente mental adulto que doravante não mais poderá se relacionar sexualmente, sob pena de seu parceiro ser punido pelo referido crime. Uma inaceitável ingerência do Estado brasileiro na vida sexual de seus cidadãos.

4. Não há mais a presunção de violência quando a vítima não puder oferecer resistência (antigo art.224, agora revogado). Esta hipótese está prevista agora no novo art.215, com pena bem inferior (de 2 a 6 anos). Assim, se alguém der sonífero à vítima para, aproveitando-se do seu sono, manter com ela relação sexual, não mais pratica crime de estupro, mas tão-somente o crime bem mais leve de “violação sexual mediante fraude”. Esta hipótese que antes era punida como estupro (pena mínima de 6 anos) passa a ser punida agora com pena mínima de 2 anos. Conclusão: se o agente força a vítima a um beijo de língua pode ser condenado a 6 anos de prisão; se dá um sonífero à vítima e com ela mantém relação sexual, será punido com pena mínima de apenas 2 anos. Exageradamente incoerente.

5. O legislador insiste na criminalização da casa de prostituição (art. 229) na contramão da regulamentação da profissão da prostituta e das casas onde o serviço é prestado. Trata-se de uma criminalização baseada exclusivamente em falsos moralismos. Criminalizar a casa de prostituição não vai acabar com este negócio que teve, tem e terá sempre um público consumidor interessado nestes serviços sexuais. A legalização das casas de prostituição permitiria um tratamento muito mais digno à prostituta que poderia ter todos os benefícios de uma carteira de trabalho assinada, incluindo a possibilidade de aposentar-se, bem como exames médicos periódicos a serem exigidos por lei. Por outro lado, o combate à prostituição infantil tornar-se-ia mais fácil, pois o joio seria separado do trigo: estabelecimentos com alvará e legalizados ofereceriam serviços de prostituição prestados por homens e mulheres maiores e a prostituição infantil seria relegada a estabelecimentos à margem da lei. O próprio usuário destes serviços já teria de antemão a possibilidade de optar entre o lícito e o ilícito, o que facilitaria em muito o combate à prostituição infantil e aos que se beneficiam dela.

6. O legislador perdeu mais uma vez a chance de revogar o art.234 do Código Penal que prevê penas de 6 meses a 2 anos de prisão para quem produzir, comercializar ou simplesmente possuir qualquer “objeto obsceno” (sim, as SexShops, por exemplo, praticam todos os dias esta conduta ainda criminalizada por nosso Código Penal puritano). Este crime há muito já deixou de ser aplicado, pois é incompatível com nossa Constituição, mas sabe-se lá por que o legislador o mantém no Código Penal.

7. O novo art.234-A prevê um aumento de metade na pena caso a vítima de algum dos crimes sexuais engravide, mas prevê um aumento de um sexto à metade se a vítima contrair alguma doença. Conclusão: se a vítima contrair AIDS em virtude do crime a pena do réu será aumentada no máximo em igual quantidade caso ela tivesse engravidado.

ISO 9000

A exigência de apresentação de certificado ISO 9000 (ou similares) restringe a participação num certame licitatório, não devendo ser utilizado, posto que não há interesse público nessa exigência.

Isso porque trata-se de uma certificação cuja obrigatoriedade não é exigível ou indispensável para o funcionamento de uma empresa. Não sendo obrigatório, então existirão no universo de licitantes empresas que simplesmente não teriam tal certificado e ainda assim teriam condições de atender plenamente o objeto licitado.

Entretanto, o certificado ISO 9000 poderia ser utilizado numa licitação somente para fins supletivos, como, por exemplo, para pontuação numa licitação de melhor técnica – mas nunca para fins de habilitação.

Domínios homônimos com conteúdo distinto

PARECER Nº 002/AA/2000       MMIVXXI

Domínios homônimos com conteúdos distintos. 1. Empresas que utilizam o mesmo domínio na Internet. Possibilidade, desde que utilizem DPNs distintas e não se trate de marca notória. 2. Empresa com domínio homônimo a outra cuja única intenção é desacreditar publicamente a original. Conforme o caso particular, pode ser caracterizado crime contra o registro de marca ou crime cometido por meio de marca, e, ainda, o de difamação.

 
Consulta do sr. D. T. R., estudante de Engenharia de Computadores em Porto Alegre, RS. Ele informa que foi registrado em um provedor de hospedagem gratuita (de funcionamento idêntico ao Geocities) um endereço muito parecido com o de uma determinada empresa. Cita, a título de exemplo, o nome “www.empresa.cjb” enquanto que o domínio do site oficial da empresa é “www.empresa.com.br”. Deduz que o intuito do autor, provavelmente, foi o de atrair o público da empresa para sua homepage, que na realidade tem como escopo difamar a citada empresa, revelando situações e expondo funcionários da mesma ao ridículo. Conclui questionando acerca de casos similares, bem como da possibilidade de imputar conduta criminosa ao autor dessa homepage.

Num primeiro momento entendo ser necessário definir o que é um “domínio” na Internet, como se dá o registro do mesmo e alguns outros comentários pertinentes.

“Domínio” vem a ser o nome que serve para localizar e identificar conjuntos de computadores na Internet. O nome de domínio foi concebido com o objetivo de facilitar a memorização dos endereços de computadores, haja vista que são constituídos especificamente de grandes sequências numéricas.

No Brasil o órgão responsável pela coordenação, atribuição, manutenção e registro de domínios “.br” na Internet é o Comitê Gestor Internet do Brasil, criado pela Portaria Interministerial MC/MCT 147 de 31/05/95. Entretanto delegou essa competência à FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, através da Resolução 001 de 21/05/98. O setor da FAPESP envolvido na realização desses serviços se autodenomina “Registro.br”, e pode ser consultado em http://registro.br.

Para registrar um domínio, é necessário ser uma entidade legalmente estabelecida no Brasil, quer seja como pessoa jurídica (instituições que possuam CGC/CNPJ), quer seja como pessoa física (CIC/CPF), e, ainda, deve possuir um contato em território nacional.

Juridicamente falando existe uma diferença sutil entre as figuras de “nome” e “marca” de uma empresa. Entretanto, na Internet o nome de um domínio por si só já reflete tanto a idéia do nome da empresa como também o da marca pertinente. Portanto, para melhor compreensão do presente parecer, sempre que se fizer alguma referência a marca de determinada empresa, o entendimento deve se dar num contexto mais amplo, o qual abrange também o nome da mesma.

Ainda que não seja idêntico, o caso em tela assemelha-se aos de “cibergrilagem”, que valem ser citados para efeito de compreensão do assunto. Cibergrilagem é uma violação de direitos de propriedade intelectual baseada em má-fé, onde geralmente o nome de domínio relacionado a uma marca famosa é reservado (registrado por terceiros) com o intuito de venda posterior aos proprietários de direito por valores astronômicos.

Na recente história da Internet no Brasil, dentre muitos outros, vieram a público os casos das sandálias de marca Raider e o próprio America On Line. Essas empresas não tiveram a cautela necessária e, quando tentaram registrar os respectivos domínios (“raider.com.br” e “aol.com.br”), descobriram que terceiros já o haviam feito. A título de curiosidade, até mesmo o domínio “padremarcelo.com.br” foi registrado por um indivíduo que sugeriu vultuosa quantia para cedê-lo a quem de direito.

Outro caso a ser citado, esse sim mais de acordo com o que originou a presente consulta, é o que envolveu a Telefônica e o provedor de acesso Greco Internet, em meados de 1999. O domínio “telefonica.com.br” foi registrado pelo proprietário da Greco Internet, que criou uma homepage visando reunir reclamações de usuários contra os serviços telefônicos prestados pela operadora espanhola. Seu principal argumento para manter o site seria o de que não há direito de marcas e patentes na Internet.

A Telefônica reagiu, através de um processo judicial, alegando em sua defesa que trata-se de marca notória, registrada no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), estando amparada pelo artigo 6º da Convenção da União de Paris. Não obstante, em função do ocorrido, a empresa teve que inaugurar seus serviços na Internet sob o domínio “telefonica.net.br”.

Isso nos leva ao tópico seguinte: as Categorias de Registro e o fato de que um domínio registrado em uma categoria pode ser registrado em outras.

Essas Categorias de Registro são, na realidade, os chamados DPNs – Domínios de Primeiro Nível. São as “extensões” logo após o nome principal do domínio e antes da partícula “.br”, e que servem justamente para identificar a natureza do site. Assim, temos que os sites com DPNs “.com” referem-se às empresas comerciais, “.org” às organizações não governamentais, “.gov” aos órgãos do governo, e assim por diante.

Desse modo, a exemplo do que acontece quando se registra o nome de uma empresa na Junta Comercial, na Internet uma vez que as empresas estejam atuando em áreas distintas nada obsta a existência de nomes idênticos, mas com DPNs diferentes. Graças a essa regra é que a Telefônica, apesar de não deter o domínio “telefonica.com.br”, pôde registrar o domínio “telefonica.net.br”.

Ainda assim, há de se ressaltar que o caso ora discutido envolve um provedor de hospedagem gratuita, que tem por característica permitir a criação de qualquer nome de domínio sem que haja necessidade de registro junto ao Registro.br. Necessário faz-se esclarecer que os nomes criados sempre deverão estar relacionados com o do próprio provedor de hospedagem, de modo a não suscitar dúvidas de que não se trata de “página oficial” de nenhuma empresa. Como exemplo podemos citar a existência fictícia de um site que poderia ser acessado através do domínio “www.geocities.com/telefonica”. Percebe-se a existência de elemento identificador no nome que nos remete ao provedor de hospedagem gratuita Geocities.

Nesse ponto a consulta é obscura, pois parece citar um exemplo de domínio registrado e não de domínio ligado a um provedor de hospedagem gratuita, o que dificulta a análise.

O fato de registrar um domínio na Internet utilizando o nome de uma marca registrada não necessariamente significa uma violação dos direitos autorais, desde que não se trate de marca notória. Como visto, a própria regulamentação do Registro.br traz essa previsão legal.

A legislação brasileira prevê o registro de marca notória (Lei 5772/71). Dentro dos conceitos estabelecidos, a marca que adquire notoriedade popular, ou seja, imediato reconhecimento em todo o território nacional, por todas as camadas sociais, como referência a uma produção industrial, a uma faixa de comercialização ou prestação de serviços, pode ser considerada como notória.

A marca notória, devidamente registrada, tem assegurada proteção especial em todas as classes, impedindo-se sua reprodução ou imitação por outra que prejudique sua reputação ou que dê causa a confusão por parte do consumidor. Assim, a marca declarada notória não pode ser aplicada a nenhum produto, ramo comercial ou serviço, qualquer que seja a classe.

De modo a esclarecer e corroborar tais assertivas, vejamos o que nos traz a jurisprudência:

MARCA E NOME COMERCIAL – COLIDÊNCIA – PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE – NÃO-APLICAÇÃO – MARCA NOTÓRIA – OMISSÃO EXISTENTE – EMBARGOS ACOLHIDOS – I. Não há que confundir-se marca e nome comercial; este, elemento individualizador da empresa; aquela, meio de identificação de produtos, mercadorias e serviços. Eventual conflito entre eles deve ser resolvido pelo princípio da especificidade, sendo fundamental a determinação dos ramos de atividade das empresas litigantes, porque, se distintos, de molde a importar confusão, não haveria impossibilidade de convivência. II. Sendo notória a marca, porém, tem a empresa titular o direito de impor-lhe respeito, porque pode, em regra, a razão social ser utilizada em qualquer documento da sociedade, a colidir com o propósito de evitar-se o uso indiscriminado da referida marca que guarda característica diferenciada. (STJ – ED-REsp 50.609 – MG – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 02.02.1998)

Não se tratando de marca notória, entendo que o direito de uso de um determinado domínio já existente está diretamente vinculado ao fato do site possuir um conteúdo próprio que o distinga do original, conteúdo este que deve condizer com próprio nome do domínio sob o qual está registrado. E, ainda, caso exista semelhança de conteúdo entre domínios de prefixo idênticos, cabe àquele que não detém a homepage “oficial” informar de modo inequívoco tal situação aos navegantes.

Caso não seja prestada a informação retro citada, e o autor do site de conteúdo não-oficial esteja reproduzindo ou imitando a marca oficial, visando obter vantagens financeiras diretas ou indiretas para si, pode ser caracterizado crime contra o registro de marca ou crime cometido por meio de marca, conforme seja o caso (Lei de Patentes – Lei 9279/96, artigos 189 a 191).

Já no tocante à alegação de difamação e ofensas à empresa e seus funcionários: “difamar” significa atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação. Esse crime encontra-se claramente tipificado no Código Penal, em seu artigo 139, não tendo ligação com os detalhes técnicos de utilização de domínio semelhante. Assim, comprovado de forma inequívoca o envolvimento do indivíduo na elaboração e manutenção dos dizeres difamatórios inseridos em sua homepage, torna-se possível denunciar às autoridades competentes o cometimento de crime de difamação.

Ante todo o exposto, face às ponderações supra, conclui-se que existem apenas duas atitudes, as quais podem ser consideradas cumulativa ou isoladamente, que caracterizariam conduta criminosa do autor do site “não-oficial”. Em primeiro lugar, se estiver tirando vantagem pecuniária direta ou indiretamente para si tendo em vista a utilização de um domínio que reproduz ou imita marca oficial, verifica-se a existência de crime contra o registro de marca ou crime cometido por meio de marca. E, em segundo lugar, se for comprovado que o autor da homepage seja o responsável pelo seu conteúdo, que contenha afirmações que visem desacreditar a citada empresa, revelando situações e expondo funcionários da mesma ao ridículo, afirmações estas vindas a público por intermédio da Internet, verifica-se o crime de difamação.

Este é, salvo melhor juízo, meu parecer.

São José dos Campos, 21 de abril de 2000.

Adauto de Andrade