Dia Nacional do Escritor – último dia!

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Sabiam que hoje é o Dia Nacional do Escritor?

E que, também, é o último dia de descontos de até 25% lá no Clube de Autores?

Estão esperando o quê? Se estavam por aí contando as moedinhas, agora tá fácil de comprar meus best-sellers pessoais:

* Filosofices de um Velho Causídico – São 400 páginas com a coletânea de textos e crônicas deste meu blog na qual, através dos tópicos Coisas de Casal, Criança dá Trabalho, Juridicausos, Vida Besta, Martelando o Teclado e Filosofices eu disponibilizo textos no geral curtos ou curtíssimos – só que às vezes não – onde falo um pouquinho da vida conjugal, da difícil arte de ser pai, de causos jurídicos, das bestagens que fazemos na nossa vida, de contos, pontos de vista, cultura inútil e coisas de antigamente, bem como também compartilho um tanto de elucubrações mentais que volta e meia passam por esta minha cabeça já atordoada por tanta vivência…

* Criança dá Trabalho – Essa criança que um dia você já foi – regra universal insuperável – é a mesma que existe em todas as casas de todo o mundo. Com a mesma imaginação, criatividade, brincadeiras, disparates, carinho sincero, risada solta ou até mesmo choro sentido. E é disso que tratam as mais de 100 páginas desse livro. Algumas aventuras e desventuras, contos, causos, situações, tiradas e sacadas que só teriam como existir saídos da convivência e da fértil imaginação desses pequeninos seres iluminados.

Diversão garantida ou… Bem, diversão garantida!

No boleto, depósito, cartão, parcelado – do jeito que quiserem!

E meu uisquezinho de final de tarde agradece… 😀

Candidata por candidata…

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Tudo começou com o beijocado do Vítor, meu sobrinho, filho de meu irmão.

Ele postou essa foto lá no Facebook e depois de muitos comentários, curtidas e gracinhas, a mãe dele me mandou essa mensagem: “Oi. Você viu o seu sobrinho? Sua cara!!! Não tem como não lembrar!!!”.

Explico.

Conheço a mãe dele desde as mais priscas eras, quando vivíamos num outro mundo e numa outra vida, ela ainda namorava meu irmão na adolescência e eu era a criança pentelha que vivia perturbando os dois… Crescemos todos meio que juntos e quando tinha lá meus vinte e poucos anos, ainda sem os cabelos grisalhos ou a barba branca dos dias de hoje (e com uns vinte quilos a menos), até que eu era um tipão… Assim como meu sobrinho atualmente, que, segundo dizem, é MUITO parecido com o meu eu daquela época.

A foto mais antiga que consegui encontrar barbado ainda assim já é com uns trinta e poucos anos anos – dez a mais do que ele, agora. Comparem:

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Mas esse ainda não é o ponto.

O ponto é que, de minha parte, também resolvi compartilhar a foto do meu sobrinho pimpão lá na minha timeline – até pra perguntar para o povo se realmente encontravam alguma semelhança – o que também rendeu sua cota de curtidas e comentários.

O interessante é que, offlinemente falando, comecei a ser assediado por “candidatas a sobrinha” das mais variadas espécies! Dentre elas, uma amiga, a Mohini, uma linda e alta morena, que após ver a foto do jovem mancebo, num tom divertido e com uma piscadela, me veio com essa:

“Chefe… Vamos combinar que eu sou a primeira da fila como candidata a sua sobrinha, tá bom?”

Rimos, trocamos comentários irônicos e tudo bem.

Bem, nem tudo.

Um pouco mais tarde, noutro departamento lá do trabalho, outra amiga – a Nenoca, outra linda e alta, só que loira – me veio exatamente com o mesmo comentário! Disse-lhe que sentia muito, mas a Mohini já tinha chegado antes. Ao que, nada boba, com sua carinha de lambeta, ela me saiu com essa:

“Bom, chefe, então tá bom. Mas acho que entre ser candidata a sua sobrinha e a Mohini ser candidata a minha sogra, prefiro ficar com a segunda opção…”

Ri litros.

Naquele mesmo instante já liguei pra Mohini e perguntei-lhe dessa disponibilidade. Tudo que ouvi do outro lado da linha foi:

“OI???”

(Nota: para quem não conhece, esse “oi” dela é um negócio meio que atordoado e definitivo, quando a pessoa parece querer ganhar tempo para uma resposta, mas, na realidade, é que o cérebro travou e ainda vai levar alguns momentos para voltar a pegar no tranco…)

Talvez vocês não estejam entendendo a graça disso tudo, não é mesmo? Bem, por mais que eu me esforce na escrita, não tem jeito: uma imagem vale mais que mil palavras. Confiram por vocês mesmo uma foto com o filhote da Mohini, um garotinho de tenros dezoito aninhos e raspando nos dois metros de altura…

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É… Acho que esse menino ainda vai dar trabalho…

Aliás, ambos! 🙂

Meu Mundo Perfeito

No meu mundo perfeito eu sou casado. Sim, pois por mais que eu goste de meus momentos de solidão, por mais que aprecie poder ter a paz de espírito de me largar em devaneios e sempre reavaliar tudo que ocorre à minha volta, ainda assim eu gosto de companhia. Gosto de poder acordar – ou ser acordado – logo pela manhã e ter alguém para ver, abraçar, aninhar. Gosto de ouvir e ser ouvido. Gosto de debater sem ser julgado. Gosto de fazer pequenas surpresas e de ser gentilmente surpreendido. Gosto de cuidar. Gosto de ser cuidado.

No meu mundo perfeito eu tenho filhos. Minhas crianças, sempre, não importa que idade tenham. São bonitos, inteligentes e amorosos. Gostam de perguntar, de tentar entender como o mundo funciona e apreciam a minha opinião acerca disso. São alegres, divertidos e espirituosos. E eu os amo profundamente – não porque são meus filhos, mas porque eu os criei, cuidei, sofri e me regozijei com cada pequenino novo momento e etapa de suas tenras vidas.

No meu mundo perfeito eu trabalho naquilo que gosto. E, curiosamente, não é preciso chamar isso de “trabalho”. Vejam só: eu faço aquilo que gosto, me dão condições mínimas necessárias para fazê-lo, tenho uma equipe capacitada e dedicada e ainda me pagam por isso? Não, realmente eu não tenho um trabalho e – definitivamente – não tenho um “emprego”. Eu faço aquilo que gosto e ponto final.

No meu mundo perfeito eu ganho o suficiente. Não preciso ser rico. Nunca quis isso. É necessário, sempre, ter limites para que saibamos que eles existem. Ganho o suficiente para sustentar o modo de vida que escolhi. Às vezes pode ter algum aperto daqui, alguma dificuldade dali, mas sempre existem saídas. Sempre é possível dar a volta por cima. Sempre.

No meu mundo perfeito eu tenho amigos. Não importa a idade, o credo, a cor, o sexo, a orientação sexual, o posicionamento político ou seja lá o que for. São amigos. Não estou falando de “colegas”, mas sim de amigos. Aqueles que me são fiéis na mesma proporção em que lhes sou, que me dão apoio e a quem apoio, que me escutam e a quem oriento, que tanto me divertem quanto lhes faço rir, sem cobranças, sem trocas, sem dedos em riste. Como diria Quintana: “a amizade é um amor que nunca morre”. Meus amigos são imortais.

No meu mundo perfeito nada é perfeito. Existem crises – para que as contornemos. Existem fracassos – para que possamos vencer. Existe tristeza – para que possamos nos alegrar. Existem brigas – para que nos reconciliemos. Existe dor – para que possamos ter alívio. Existem distâncias – para que nos reaproximemos. Existe ódio – para que possamos amar. Esse meu mundo é binário (por mais nuances que possam existir entre um limite e outro), pois para cada negativo haverá sempre um positivo. Basta que prestemos atenção o suficiente que conseguiremos enxergá-lo.

E então resolvo sair da utopia e encarar a realidade. E comparando meu mundo perfeito com essa imperfeita vida que levo, na qual reclamo, me entristeço, me revolto, me deixo levar, me deprimo e sabe-se lá o que mais pode caber dentro do coração e da cabeça de um ser humano, percebo finalmente a verdade que não está lá fora, mas aqui dentro: não existe mundo perfeito. Pois todos os mundos são perfeitos. Nós é que somos imperfeitos ao encarar nosso dia-a-dia e, muitas vezes, simplesmente não ter a coragem suficiente de relaxar, sorrir e compreender que o mundo perfeito daquele que está ao seu lado não é melhor ou pior que o seu, pois é dele e a ele pertence. E sim, a vida é um caos – mas de alguma maneira, no final, tudo sempre dará certo. E, chavão dos chavões, se ainda não deu certo é porque ainda não chegou no final.

E um dia de cada vez é o que temos que encarar.

Vivendo, cada qual, em seu mundo perfeito.

Imperfeitamente, é claro.

Histórias de uma Vida Passada

Descobri-me um contador de histórias.

Nem todas aconteceram comigo, nem todas ocorreram à minha época, nem sempre são do jeito que descrevo – algumas sequer existiram! Mas, uma vez contadas, todas são verdadeiras.

Ainda que com minha peculiar narrativa, do meu jeitão às vezes denso, às vezes bem humorado (mas sempre dramático), me é sempre agradável contar uma história – quer seja realmente uma história, uma estória, um causo, uma anedota, ou seja lá o que for: tudo se mistura, se funde e se transforma numa verdadeira história.

E dentre as histórias que merecem ser contadas, algumas dizem respeito às nossas vidas passadas – porque todos as temos (algumas além até mesmo desta nossa vida…), pois, ainda que não delimitadas, as lembranças da vida da infância são uma coisa, da adolescência, outra, assim como também o são as do início da vida adulta. Aquele trabalho, aquela viagem, aquela aventura, aquele relacionamento. Cada situação, curta ou não, pode ser encarada como uma das vidas que vivemos. Uma de nossas histórias.

E estas são algumas das histórias de uma de minhas vidas.

Conheci-a em 30 de agosto de 86, ficamos noivos em 8 de julho de 87 e nos casamos em 16 de janeiro de 88. Nesse meio tempo terminamos pra sempre nosso relacionamento por pelo menos umas três vezes…

Como nos conhecemos e como foi essa vida a dois, por si só já merece uma narrativa à parte! Então, por hoje, vamos focar nas histórias de sua difícil e encantadora personalidade…

Desde a mais tenra idade sempre teve a mesma carinha. Invariavelmente eu a matava de vergonha ao mostrar, todo orgulhoso, um par de fotos dela com cerca de apenas um aninho e com as roliças pernocas peculiares da idade. Era um orgulho esquisito, como se fosse um pai mostrando a foto de uma filha. Talvez tivesse sido meio que isso mesmo, apesar de eu ser apenas duas semanas mais velho que ela.

É que a relação que ela teve com o pai foi muito intensa. Comecemos com a seguinte situação nada hipotética: a mãe na cozinha, a filha de incompletos dois anos sentadinha à mesa e que, até então, jamais soltara uma única palavra sequer. Nadica de nada. A mãe absorta em seus afazeres, de repente ouve a filha dizer:

“Mamãe, o papai ainda vai demorar?”

“Não, filha, ele já deve estar chegando…”

A resposta foi automática, mas a compreensão lhe caiu como um raio! Como assim aquela criaturinha que nem “mamãe” falava de repente estava articulando frases completas? Que bruxaria era aquela? Ainda que recomposta do susto, enquanto seu marido não chegou manteve uma salutar distância da filha que continuou ali, brincando com suas coisas de criança…

Exatos três anos e dois dias depois de seu nascimento, veio seu irmão. E este sequer chegou a conhecer o pai, que faleceu apenas três meses depois.

Essa perda tão cedo, mas com memórias tão intensas do curto período que durou, foi um dos motivos que fez com que ela sempre tivesse uma empatia muito grande com minha mãe, que por sua vez sequer chegou a conhecer a própria mãe – minha avó materna – eis que esta faleceu quando ela tinha apenas dois anos. Mesmo após a separação durante algum tempo ela ainda manteve um contato muito próximo com minha família, em especial com minha mãe.

Mas o tempo passa e a vida continua. Tudo que tem um fim abre a oportunidade para um recomeço. Foi assim que, pouco mais de um ano após o falecimento do marido, sua mãe resolveu se casar novamente. E desse casamento teve outros três filhos: um menino, uma menina e outro menino. Tempos difíceis para ela, pois tinha antipatia por seu padrasto, o qual invariavelmente a provocava e ao seu pequenino irmão. E a relação com a própria mãe também não era fácil, criança cheia de vontades que era. O momento de almoçar costumava se estender por horas a fio, ela sem querer comer e a mãe, à frente, com o chinelo na mão… Ô geniozinho desde cedo difícil…

Para se ter ideia, numa outra passagem, ela brigou com a irmã. Fula da vida, pegou um martelo e pôs-se a destruir a cama dela. Não dela, da irmã. Tá, vocês entenderam. Passou uma tarde inteira na tarefa. O maior pedaço que restou não alcançava o tamanho de uma dessas réguas escolares!

Mas a maior prova de sua personalidade se deu quando seu padrasto, acometido de câncer, estava à beira da morte. Chamou-a em seu leito e pediu perdão por tudo aquilo que ele tinha feito ela e o irmão passarem durante todos aqueles anos. Ela não teve dúvidas:

“NÃO.”

E saiu do quarto.

Mas não se iludam por esse quadro de gênio forte. No fundo, no fundo, ela era um amor de pessoa, meiga e carinhosa. Eu tranquilamente casaria com ela. Bem, de fato, casei.

O que me faz lembrar que, ainda quando do início de nosso namoro, sua mãe veio ter uma “conversa séria” com a gente. Ela percebeu que aquilo não seria apenas um namorico passageiro e já resolveu colocar algumas “regras”.

“A questão é a seguinte: não me interessa se isso vai durar ou não. O que eu quero é que vocês tenham juízo. Mesmo se vocês vierem a se casar não me venham com essa história de ter filho logo, não, porque eu ainda sou muito nova para ser avó!”

Ah, sim: à época ela – a mãe – tinha apenas 36 anos…

Bem, por sorte ou por azar – ou seja lá o que for – cumprimos essa determinação à risca: nos praticamente dez anos que estivemos juntos não tivemos nenhum filho. Nada. Nem ameaça. E posso tranquilamente dizer que, nesse mesmo período, minha relação com minha sogra foi sempre ótima! Como ela não fazia questão nenhuma de ter proximidade com a mãe, de minha parte eu ficava quietinho no meu canto. Ou seja, ficamos todo esse tempo praticamente sem nenhum contato com ela!

Já no final de nosso relacionamento ficamos sabendo que sua mãe estava meio que de namorico com um sujeito e acabou engravidando! Teve uma filha, que não vim a conhecer. Só sei que, com o histórico anterior de casamentos da mãe dela, o sujeito, que não era besta, tratou de não querer nenhuma amarração! Vai que…

Dessa minha Vida Passada, entre períodos de harmonia, de monotonia e de conturbação, até que tivemos uma boa vida. Passamos por três casas diferentes e tínhamos lá nossas coisinhas. Eram tempos difíceis – época de hiperinflação – mas nunca deixamos de ter algum trabalho ou algum veículo na garagem. Tínhamos bons amigos, saíamos sempre – às vezes com eles, às vezes somente nós, e mesmo assim, após anos juntos, ainda tínhamos fôlego o suficiente para proseios até altas horas nos botecos da vida. Sempre politizados (ela mais que eu), invariavelmente estávamos resolvendo os problemas do mundo entre um copo e outro…

Aliás, lembro-me bem do final do ano de 89, quando recebemos a notícia da queda do muro de Berlim – que também significava o começo da queda do Comunismo e o fim da União Soviética. Ideais em que ela piamente acreditava. Ela passou praticamente a noite inteira aos prantos enquanto eu a consolava.

Enfim, estas são apenas algumas facetas dessa história. E tudo que tem um começo, um dia acaba. Às vezes antes mesmo do fim de nossas vidas. E acabou. Eu e meu fabuloso toque de Midas às avessas para relacionamentos, já ali me fazia presente. No começo do fim ela não queria terminar, mas eu não cedi. Até mesmo nos últimos momentos, em fins de 96, na sala de audiências, ela se manteve firme. Mas, ato consumado, já do lado de fora, recebi seu último olhar. Gelado. E ali ficou claro, acima de qualquer suspeita, que ela jamais voltaria a me dirigir a palavra.

E cada um de nós partiu para suas novas vidas, suas novas etapas, seus novos recomeços. Meu primeiro filhote nasceu em 99. Fiquei sabendo que o dela, no ano seguinte. De fato, quis o Destino, sabiamente, que não tivéssemos filhos…

Muita gente já me ouviu contar muito do que está aqui por mais de uma vez. Outro tanto, nem tanto. E ainda existem muitas outras histórias desses dez anos em que estivemos juntos…

Aliás, não se iludam! Relembrar esses momentos não tem nada a ver com minha atual relação com a Dona Patroa – que vai muito bem, obrigado. Mas tudo isso que aconteceu, por todo esse tempo que durou, também faz parte de mim, também ajudou a me tornar quem hoje eu sou. Apesar de nossa memória usualmente possuir tanto a lembrança do que foi bom quanto a marca do que não, é curioso como o filtro “tempo” trabalha de maneira eficaz para reter as impurezas, deixando passar em sua maioria apenas as boas histórias. E, afinal, são histórias que não podem se perder.

Porque toda história merece ser contada.

Simples assim.

Reciclar

Sabem, nunca havia prestado atenção na obviedade dessa palavra: reciclar. Tem a ver com ciclos. “RE-CICLAR”. “Ciclar de novo” (tá, isso ficou péssimo). “Refazer o ciclo” (miorou…). Pois a vida é feita de ciclos. Já há incontáveis milhões de anos todos os seres vivos, pensantes ou não, têm definido isso: nascer, crescer, cumprir com seu destino (ou não) e morrer. É o ciclo da vida. Não tem certo ou errado. Apenas é.

Mas tem mais.

Reciclar não diz respeito somente à vida, mas a tudo. E não, não estou falando daquela reciclagem na qual você separa seu lixo de acordo com sua composição num recipiente azul, vermelho, verde, amarelo, preto, laranja, branco, roxo, marrom ou cinza (nem eu sabia que eram tantos!). Tá, até que também. Mas a questão aqui é outra…

O que eu quero dizer é que, além da própria vida, TUDO é feito de ciclos. Alguns tão curtos que sequer percebemos por já tê-los incorporados em nosso dia-a-dia. Outros tão longos que apenas uma geração não é suficiente para concretizá-los. Tudo tem prazo de validade. E cabe tão-somente a nós perceber quando um ciclo se encerrou ou não. Se devemos insistir e protrair no tempo seu desfecho ou se devemos acelerar e concluir de uma vez por todas para que se encerre.

Mas não se iludam! Qualquer fim é complicado. Pode ser doloroso ou não, mas, complicado, sempre. Porque fins são necessários para novos começos. Para “refazer o ciclo” sob uma perspectiva diferente. E isso diz respeito ao seu namoro, seu casamento, seu emprego, seu trabalho, seus colegas, seus amigos, seus filhos, seus pais, sua tristeza, sua solidão, sua alegria, seus bens, suas coleções, suas manias, seus vícios, suas rotinas, seu endereço, dê asas à imaginação – a lista é infindável! É preciso ter tanto coragem quanto desapego para saber reconhecer o momento de seguir adiante.

E iniciar um novo ciclo.

É preciso (re)tomar as rédeas da vida em nossas próprias mãos para que possamos encará-la sob uma nova perspectiva, pois somente assim o tempo poderá novamente vir a passar mais lento, tirando-nos do marasmo e do torpor que o contínuo afundamento num único ciclo nos deixa. Não sair de um ciclo que já acabou, que já deu o que tinha que dar, é ficar numa eterna espiral – nem boa, nem má – mas que nos consome sem que percebamos. A segurança trazida por aquilo que já conhecemos, dominamos e estamos acostumados abafa a falta de novas experiências, de desafios e aprendizados – e são estes que nos dão a verdadeira percepção da passagem do tempo, pois requerem atenção e dedicação, fazendo com que compreendamos melhor tudo que está à nossa volta.

“Oi, mas já é abril? Quase maio? Nem percebi! Ainda ontem estávamos na virada do ano…” Pois é, então seu ciclo está espiralado… O tempo está passando e você não está percebendo… Olhe pra si mesmo! Para sua vida! É isso mesmo?

A Primavera vem depois do Inverno… O Outono, depois do Verão. Ciclos. Tudo tem seu fim. Tudo tem seu recomeço. É necessário deixar para trás aquilo que nos puxa, aquilo que nos pesa; respirem fundo, tomem impulso e abram suas asas! Sei que o vôo é incerto e a chegada é desconhecida, mas espelhem-se na natureza: as aves que migram passam por isso todos os anos. Ciclo após ciclo se reciclam…

E, depois de falar tanto sobre fins e recomeços, o que mais uma vez me vem à mente são aquelas habituais palavras escritas tal qual se para mim fossem:

“Você ensina melhor o que mais precisa aprender.”

Quando eu andava de bicicleta…

Quando eu andava de bicicleta, o que nesta versão paquidérmica e sedentária que vos tecla já chega a uma distância temporal de séculos, o mundo e a vida eram assaz diferentes…

Nunca ganhei uma bicicleta. A primeira que tive comprei com o dinheirinho arrecadado vendendo jornais velhos em açougues. Por incrível que pareça, à época, era um mercado lucrativo! Uma bela Monareta (a marca da bicicleta). Já nem lembro mais de quem comprei – tinha lá meus onze anos, se não me engano. Comprei e entoquei num quartinho de bagunças no fundo de casa. Uma bicicleta velha, enferrujada, mais propícia ao ferro velho que ao uso. Mas, para mim, aquilo era ouro puro! Eu via possibilidades onde outros veriam lixo. Eu enxergava adaptações onde outros enxergariam dor de cabeça. E meu pai, tanto zeloso quanto cético quanto tradicional, proferiu uma das primeiras sentenças de minha vida: “Livre-se disso.”

Sentença essa a qual, honrosamente, jamais cumpri.

A primeira reforma – até por desconhecimento próprio – veio por intermédio de meu irmão do meio (eu sou o caçula). Serramos o quadro, estirpando-lhe o bagageiro, foi pintada de verde (única tinta que tinha disponível no tal do quartinho), foi engraxada e remontada. Inclusive, na época, quem mais usava a bicicleta era ele mesmo, pois estudava na ETEP e a usava para ir às aulas todos os dias – morávamos em Santana e a escola ficava no Esplanada, a alguns quilômetros de distância…

Mas, bicho irrequieto que sou, logo dei um jeito de reformá-la novamente. Cheguei à conclusão que precisava de conhecimento e de peças – imprescindíveis para tal empreitada! Com uma cara de pau que hoje já não reconheço mais, fui até uma bicicletaria próxima de casa e pedi emprego. “Mas você sabe consertar bicicletas?” perguntou-me o Seo Márcio, dono da bicicletaria familiar, que tocava com seus dois filhos e duas filhas, num tom entre cético e desacreditando que aquele fedelho estava ali a pedir-lhe emprego. “Não tenho nem ideia, mas tenho muita disposição e vontade, e quando e se o senhor não gostar de meus serviços pode me dispensar que tá tudo certo!” Até hoje não sei se por dó ou por confiança ele resolveu me dar a vaga que não existia. E eu, com todo meu afinco, me pus a aprender o que era aquele dia-a-dia pseudo-mecânico do mundo das bicicletas. De cara me dei muito bem com o filho mais velho – Jezimiel – e, simultaneamente, arranjei treta atrás de treta com o segundo filho – Cadimiel. A Vânia e a Valéria, as outras filhas, fica para alguma outra história…

Mas nada disso me impediu de avançar no meu projeto: aprender o que podia e arranjar peças para reformar minha valorosa bike!

Eu não recebia salário, mas o serviço que eu havia feito durante a semana era mensurado e computávamos aquilo num valor referente a peças de bicicleta, as quais eu arrematava e levava para a segunda reforma do meu futuro portentoso veículo. Logo, logo, já com know-how o suficiente, desmontei-a, pintei-a de preto, adaptei cinco marchas na bichinha, coloquei um garfo telescópico, dobrei a capacidade de resistência do aro e raios e cheguei no “produto final”. Foi batizada de “Matilde”.

Pois bem. Mais ou menos à mesma época, quando estava começando a despontar o bicicross na molecada, dei um jeito de arranjar uma bicicleta desse tipo para mim. O preço de uma Caloicross “de verdade” era proibitivo – mesmo usada -, então, com meus rolos acabei conseguindo uma BMX. Era como uma caloicross mas com acessórios que foram imediatamente dispensados, tais como os pára-lamas, as laterais, o banco e – especialmente – o tanquinho. A merda era o maldito freio contrapedal. Bastava descuidar que brecava. Empinar, então, nem pensar!

Mas o tempo passa e as pessoas crescem. A boa e velha Matilde, aro vinte, tão prestimosa durante tanto tempo, já não comportava aquele adolescente de mais de um metro e setenta de altura. Comprei uma nova bicicleta velha, desta vez uma Barra Circular, da Monark, aro vinte e seis, que já era mais condizente com meu nada nobre porte. Nesse meio tempo acabei me tornando amigo inseparável do Cadimiel, sujeito revoltado e incompreendido, que tinha tudo a ver comigo na época. Essa bicicleta não durou muito, pois, também nesse meio tempo, aperfeiçoei – e muito – a adorável arte de empinar e, numa dessas, meio que me exibindo para uma família de loirinhas que moravam lá na boa e velha Vila Paiva, ao descer com a bicicleta ladeira abaixo ela simplesmente partiu-se em dois. Só não foi um desastre total porque os cabos de aço das marchas (coroa e catraca) seguraram a onda.

E lá vai o Jamanta atrás de outra bicicleta.

Desta vez arranjei uma Barra Forte, da Caloi – com direito a um confortável assento almofadado entre o selim e o guidão! Uma das primeiras atitudes foi soldar um barra de reforço no quadro para impedir que a desgraçada quebrasse como a anterior. Já com mais de um metro e oitenta, lá pelos meus quinze anos, instalei também um garfo telescópico e adaptei dez marchas na criança. Selim projetado para dar conforto nas pedaladas, duplo reforço nos cubos, raios e aro, um sistema duplo de freios e alavanca de mudança de marchas no guidão – ambos inventados e construídos por mim! Sucesso com a meninada – que preferia andar na bicicleta mais confortável, com almofadinha no quadro e tudo o mais – e imbatível nas competições de empinada (hoje chamam de “wheeling”), pois eu tinha domínio absoluto da bicicleta. Modéstia às favas eu tinha a capacidade de andar mais de quilômetro em apenas uma roda – já contando curvas, descidas e subidas. Apenas duas pessoas, reconheço, eram melhores que eu: o próprio Cadimiel, com sua bicicleta azul-celeste também construída sob medida – a “Heroína”, e o Nelil, um caboclinho que eu nem conhecia direito, mas que tinha um domínio muito melhor que nós dois sobre a bike.

Sinal dos tempos. Ambos morreram. Ambos de forma idiota e não tendo nada a ver com aqueles adolescentes destemidos da época.

Depois disso é história. Casei, separei, casei de novo e tive filhos.

Mais de trinta anos me separam desde aquele primeiro momento com minha primeira bicicleta.

Dessa nova era a lembrança mais carinhosa que tenho é quando, já no segundo casamento, montei (sim, eu mesmo as construi) novas bicicletas para mim e para a Dona Patroa. Uma Barra Circular e uma Ceci (uma bicicleta exclusivamente “feminina” e com um quadro elaborado com uma engenharia de dar inveja). Quando o filhote mais velho tinha lá entre seus seis meses e um ano, invariavelmente nos sábados a Dona Patroa resolvia fazer a faxina semanal na casa. Toca tudo de pernas para o ar, mangueira em praticamente todos os aposentos, e muita água e sabão na parte externa. Eu não tinha dúvidas: pegava a cadeirinha que se adaptava em qualquer uma de nossas bicicletas, colocava o filhote e simplesmente sumia pelas horas seguintes. Muitas vezes o pequerrucho começava a dormitar no seu assento e eu tinha que fazer uma pusta ginástica para acomodar sua cabecinha no meu braço enquanto continuava a pedalar…

Mas esse tempo já passou.

Hoje, com três filhotes, a lembrança marcante que fica foi quando ele, justamente o mais velho, numa bela manhã de sol, simplesmente pediu para que tirasse as rodinhas da bicicleta dele. Com receio e temor o fiz e, ato seguinte, o fiudumaégua saiu pedalando como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo! O caçula, a seu tempo, também aprendeu a pedalar com a mesma desenvoltura. Somente o do meio é, ainda, reticente com tudo isso até hoje.

Minha bicicleta? É a mesma Barra Circular do início desse casamento. E que, provavelmente, não vê graxa nova desde então. E tudo isso, todo esse “causo”, foi só pra lembrar que preciso desmontá-la, engraxá-la e lubrificá-la a contento para sair desse sedentarismo paquidérmico do qual não consigo me livrar…