Histórias de uma Vida Passada

Descobri-me um contador de histórias.

Nem todas aconteceram comigo, nem todas ocorreram à minha época, nem sempre são do jeito que descrevo – algumas sequer existiram! Mas, uma vez contadas, todas são verdadeiras.

Ainda que com minha peculiar narrativa, do meu jeitão às vezes denso, às vezes bem humorado (mas sempre dramático), me é sempre agradável contar uma história – quer seja realmente uma história, uma estória, um causo, uma anedota, ou seja lá o que for: tudo se mistura, se funde e se transforma numa verdadeira história.

E dentre as histórias que merecem ser contadas, algumas dizem respeito às nossas vidas passadas – porque todos as temos (algumas além até mesmo desta nossa vida…), pois, ainda que não delimitadas, as lembranças da vida da infância são uma coisa, da adolescência, outra, assim como também o são as do início da vida adulta. Aquele trabalho, aquela viagem, aquela aventura, aquele relacionamento. Cada situação, curta ou não, pode ser encarada como uma das vidas que vivemos. Uma de nossas histórias.

E estas são algumas das histórias de uma de minhas vidas.

Conheci-a em 30 de agosto de 86, ficamos noivos em 8 de julho de 87 e nos casamos em 16 de janeiro de 88. Nesse meio tempo terminamos pra sempre nosso relacionamento por pelo menos umas três vezes…

Como nos conhecemos e como foi essa vida a dois, por si só já merece uma narrativa à parte! Então, por hoje, vamos focar nas histórias de sua difícil e encantadora personalidade…

Desde a mais tenra idade sempre teve a mesma carinha. Invariavelmente eu a matava de vergonha ao mostrar, todo orgulhoso, um par de fotos dela com cerca de apenas um aninho e com as roliças pernocas peculiares da idade. Era um orgulho esquisito, como se fosse um pai mostrando a foto de uma filha. Talvez tivesse sido meio que isso mesmo, apesar de eu ser apenas duas semanas mais velho que ela.

É que a relação que ela teve com o pai foi muito intensa. Comecemos com a seguinte situação nada hipotética: a mãe na cozinha, a filha de incompletos dois anos sentadinha à mesa e que, até então, jamais soltara uma única palavra sequer. Nadica de nada. A mãe absorta em seus afazeres, de repente ouve a filha dizer:

“Mamãe, o papai ainda vai demorar?”

“Não, filha, ele já deve estar chegando…”

A resposta foi automática, mas a compreensão lhe caiu como um raio! Como assim aquela criaturinha que nem “mamãe” falava de repente estava articulando frases completas? Que bruxaria era aquela? Ainda que recomposta do susto, enquanto seu marido não chegou manteve uma salutar distância da filha que continuou ali, brincando com suas coisas de criança…

Exatos três anos e dois dias depois de seu nascimento, veio seu irmão. E este sequer chegou a conhecer o pai, que faleceu apenas três meses depois.

Essa perda tão cedo, mas com memórias tão intensas do curto período que durou, foi um dos motivos que fez com que ela sempre tivesse uma empatia muito grande com minha mãe, que por sua vez sequer chegou a conhecer a própria mãe – minha avó materna – eis que esta faleceu quando ela tinha apenas dois anos. Mesmo após a separação durante algum tempo ela ainda manteve um contato muito próximo com minha família, em especial com minha mãe.

Mas o tempo passa e a vida continua. Tudo que tem um fim abre a oportunidade para um recomeço. Foi assim que, pouco mais de um ano após o falecimento do marido, sua mãe resolveu se casar novamente. E desse casamento teve outros três filhos: um menino, uma menina e outro menino. Tempos difíceis para ela, pois tinha antipatia por seu padrasto, o qual invariavelmente a provocava e ao seu pequenino irmão. E a relação com a própria mãe também não era fácil, criança cheia de vontades que era. O momento de almoçar costumava se estender por horas a fio, ela sem querer comer e a mãe, à frente, com o chinelo na mão… Ô geniozinho desde cedo difícil…

Para se ter ideia, numa outra passagem, ela brigou com a irmã. Fula da vida, pegou um martelo e pôs-se a destruir a cama dela. Não dela, da irmã. Tá, vocês entenderam. Passou uma tarde inteira na tarefa. O maior pedaço que restou não alcançava o tamanho de uma dessas réguas escolares!

Mas a maior prova de sua personalidade se deu quando seu padrasto, acometido de câncer, estava à beira da morte. Chamou-a em seu leito e pediu perdão por tudo aquilo que ele tinha feito ela e o irmão passarem durante todos aqueles anos. Ela não teve dúvidas:

“NÃO.”

E saiu do quarto.

Mas não se iludam por esse quadro de gênio forte. No fundo, no fundo, ela era um amor de pessoa, meiga e carinhosa. Eu tranquilamente casaria com ela. Bem, de fato, casei.

O que me faz lembrar que, ainda quando do início de nosso namoro, sua mãe veio ter uma “conversa séria” com a gente. Ela percebeu que aquilo não seria apenas um namorico passageiro e já resolveu colocar algumas “regras”.

“A questão é a seguinte: não me interessa se isso vai durar ou não. O que eu quero é que vocês tenham juízo. Mesmo se vocês vierem a se casar não me venham com essa história de ter filho logo, não, porque eu ainda sou muito nova para ser avó!”

Ah, sim: à época ela – a mãe – tinha apenas 36 anos…

Bem, por sorte ou por azar – ou seja lá o que for – cumprimos essa determinação à risca: nos praticamente dez anos que estivemos juntos não tivemos nenhum filho. Nada. Nem ameaça. E posso tranquilamente dizer que, nesse mesmo período, minha relação com minha sogra foi sempre ótima! Como ela não fazia questão nenhuma de ter proximidade com a mãe, de minha parte eu ficava quietinho no meu canto. Ou seja, ficamos todo esse tempo praticamente sem nenhum contato com ela!

Já no final de nosso relacionamento ficamos sabendo que sua mãe estava meio que de namorico com um sujeito e acabou engravidando! Teve uma filha, que não vim a conhecer. Só sei que, com o histórico anterior de casamentos da mãe dela, o sujeito, que não era besta, tratou de não querer nenhuma amarração! Vai que…

Dessa minha Vida Passada, entre períodos de harmonia, de monotonia e de conturbação, até que tivemos uma boa vida. Passamos por três casas diferentes e tínhamos lá nossas coisinhas. Eram tempos difíceis – época de hiperinflação – mas nunca deixamos de ter algum trabalho ou algum veículo na garagem. Tínhamos bons amigos, saíamos sempre – às vezes com eles, às vezes somente nós, e mesmo assim, após anos juntos, ainda tínhamos fôlego o suficiente para proseios até altas horas nos botecos da vida. Sempre politizados (ela mais que eu), invariavelmente estávamos resolvendo os problemas do mundo entre um copo e outro…

Aliás, lembro-me bem do final do ano de 89, quando recebemos a notícia da queda do muro de Berlim – que também significava o começo da queda do Comunismo e o fim da União Soviética. Ideais em que ela piamente acreditava. Ela passou praticamente a noite inteira aos prantos enquanto eu a consolava.

Enfim, estas são apenas algumas facetas dessa história. E tudo que tem um começo, um dia acaba. Às vezes antes mesmo do fim de nossas vidas. E acabou. Eu e meu fabuloso toque de Midas às avessas para relacionamentos, já ali me fazia presente. No começo do fim ela não queria terminar, mas eu não cedi. Até mesmo nos últimos momentos, em fins de 96, na sala de audiências, ela se manteve firme. Mas, ato consumado, já do lado de fora, recebi seu último olhar. Gelado. E ali ficou claro, acima de qualquer suspeita, que ela jamais voltaria a me dirigir a palavra.

E cada um de nós partiu para suas novas vidas, suas novas etapas, seus novos recomeços. Meu primeiro filhote nasceu em 99. Fiquei sabendo que o dela, no ano seguinte. De fato, quis o Destino, sabiamente, que não tivéssemos filhos…

Muita gente já me ouviu contar muito do que está aqui por mais de uma vez. Outro tanto, nem tanto. E ainda existem muitas outras histórias desses dez anos em que estivemos juntos…

Aliás, não se iludam! Relembrar esses momentos não tem nada a ver com minha atual relação com a Dona Patroa – que vai muito bem, obrigado. Mas tudo isso que aconteceu, por todo esse tempo que durou, também faz parte de mim, também ajudou a me tornar quem hoje eu sou. Apesar de nossa memória usualmente possuir tanto a lembrança do que foi bom quanto a marca do que não, é curioso como o filtro “tempo” trabalha de maneira eficaz para reter as impurezas, deixando passar em sua maioria apenas as boas histórias. E, afinal, são histórias que não podem se perder.

Porque toda história merece ser contada.

Simples assim.

Reciclar

Sabem, nunca havia prestado atenção na obviedade dessa palavra: reciclar. Tem a ver com ciclos. “RE-CICLAR”. “Ciclar de novo” (tá, isso ficou péssimo). “Refazer o ciclo” (miorou…). Pois a vida é feita de ciclos. Já há incontáveis milhões de anos todos os seres vivos, pensantes ou não, têm definido isso: nascer, crescer, cumprir com seu destino (ou não) e morrer. É o ciclo da vida. Não tem certo ou errado. Apenas é.

Mas tem mais.

Reciclar não diz respeito somente à vida, mas a tudo. E não, não estou falando daquela reciclagem na qual você separa seu lixo de acordo com sua composição num recipiente azul, vermelho, verde, amarelo, preto, laranja, branco, roxo, marrom ou cinza (nem eu sabia que eram tantos!). Tá, até que também. Mas a questão aqui é outra…

O que eu quero dizer é que, além da própria vida, TUDO é feito de ciclos. Alguns tão curtos que sequer percebemos por já tê-los incorporados em nosso dia-a-dia. Outros tão longos que apenas uma geração não é suficiente para concretizá-los. Tudo tem prazo de validade. E cabe tão-somente a nós perceber quando um ciclo se encerrou ou não. Se devemos insistir e protrair no tempo seu desfecho ou se devemos acelerar e concluir de uma vez por todas para que se encerre.

Mas não se iludam! Qualquer fim é complicado. Pode ser doloroso ou não, mas, complicado, sempre. Porque fins são necessários para novos começos. Para “refazer o ciclo” sob uma perspectiva diferente. E isso diz respeito ao seu namoro, seu casamento, seu emprego, seu trabalho, seus colegas, seus amigos, seus filhos, seus pais, sua tristeza, sua solidão, sua alegria, seus bens, suas coleções, suas manias, seus vícios, suas rotinas, seu endereço, dê asas à imaginação – a lista é infindável! É preciso ter tanto coragem quanto desapego para saber reconhecer o momento de seguir adiante.

E iniciar um novo ciclo.

É preciso (re)tomar as rédeas da vida em nossas próprias mãos para que possamos encará-la sob uma nova perspectiva, pois somente assim o tempo poderá novamente vir a passar mais lento, tirando-nos do marasmo e do torpor que o contínuo afundamento num único ciclo nos deixa. Não sair de um ciclo que já acabou, que já deu o que tinha que dar, é ficar numa eterna espiral – nem boa, nem má – mas que nos consome sem que percebamos. A segurança trazida por aquilo que já conhecemos, dominamos e estamos acostumados abafa a falta de novas experiências, de desafios e aprendizados – e são estes que nos dão a verdadeira percepção da passagem do tempo, pois requerem atenção e dedicação, fazendo com que compreendamos melhor tudo que está à nossa volta.

“Oi, mas já é abril? Quase maio? Nem percebi! Ainda ontem estávamos na virada do ano…” Pois é, então seu ciclo está espiralado… O tempo está passando e você não está percebendo… Olhe pra si mesmo! Para sua vida! É isso mesmo?

A Primavera vem depois do Inverno… O Outono, depois do Verão. Ciclos. Tudo tem seu fim. Tudo tem seu recomeço. É necessário deixar para trás aquilo que nos puxa, aquilo que nos pesa; respirem fundo, tomem impulso e abram suas asas! Sei que o vôo é incerto e a chegada é desconhecida, mas espelhem-se na natureza: as aves que migram passam por isso todos os anos. Ciclo após ciclo se reciclam…

E, depois de falar tanto sobre fins e recomeços, o que mais uma vez me vem à mente são aquelas habituais palavras escritas tal qual se para mim fossem:

“Você ensina melhor o que mais precisa aprender.”

Quando eu andava de bicicleta…

Quando eu andava de bicicleta, o que nesta versão paquidérmica e sedentária que vos tecla já chega a uma distância temporal de séculos, o mundo e a vida eram assaz diferentes…

Nunca ganhei uma bicicleta. A primeira que tive comprei com o dinheirinho arrecadado vendendo jornais velhos em açougues. Por incrível que pareça, à época, era um mercado lucrativo! Uma bela Monareta (a marca da bicicleta). Já nem lembro mais de quem comprei – tinha lá meus onze anos, se não me engano. Comprei e entoquei num quartinho de bagunças no fundo de casa. Uma bicicleta velha, enferrujada, mais propícia ao ferro velho que ao uso. Mas, para mim, aquilo era ouro puro! Eu via possibilidades onde outros veriam lixo. Eu enxergava adaptações onde outros enxergariam dor de cabeça. E meu pai, tanto zeloso quanto cético quanto tradicional, proferiu uma das primeiras sentenças de minha vida: “Livre-se disso.”

Sentença essa a qual, honrosamente, jamais cumpri.

A primeira reforma – até por desconhecimento próprio – veio por intermédio de meu irmão do meio (eu sou o caçula). Serramos o quadro, estirpando-lhe o bagageiro, foi pintada de verde (única tinta que tinha disponível no tal do quartinho), foi engraxada e remontada. Inclusive, na época, quem mais usava a bicicleta era ele mesmo, pois estudava na ETEP e a usava para ir às aulas todos os dias – morávamos em Santana e a escola ficava no Esplanada, a alguns quilômetros de distância…

Mas, bicho irrequieto que sou, logo dei um jeito de reformá-la novamente. Cheguei à conclusão que precisava de conhecimento e de peças – imprescindíveis para tal empreitada! Com uma cara de pau que hoje já não reconheço mais, fui até uma bicicletaria próxima de casa e pedi emprego. “Mas você sabe consertar bicicletas?” perguntou-me o Seo Márcio, dono da bicicletaria familiar, que tocava com seus dois filhos e duas filhas, num tom entre cético e desacreditando que aquele fedelho estava ali a pedir-lhe emprego. “Não tenho nem ideia, mas tenho muita disposição e vontade, e quando e se o senhor não gostar de meus serviços pode me dispensar que tá tudo certo!” Até hoje não sei se por dó ou por confiança ele resolveu me dar a vaga que não existia. E eu, com todo meu afinco, me pus a aprender o que era aquele dia-a-dia pseudo-mecânico do mundo das bicicletas. De cara me dei muito bem com o filho mais velho – Jezimiel – e, simultaneamente, arranjei treta atrás de treta com o segundo filho – Cadimiel. A Vânia e a Valéria, as outras filhas, fica para alguma outra história…

Mas nada disso me impediu de avançar no meu projeto: aprender o que podia e arranjar peças para reformar minha valorosa bike!

Eu não recebia salário, mas o serviço que eu havia feito durante a semana era mensurado e computávamos aquilo num valor referente a peças de bicicleta, as quais eu arrematava e levava para a segunda reforma do meu futuro portentoso veículo. Logo, logo, já com know-how o suficiente, desmontei-a, pintei-a de preto, adaptei cinco marchas na bichinha, coloquei um garfo telescópico, dobrei a capacidade de resistência do aro e raios e cheguei no “produto final”. Foi batizada de “Matilde”.

Pois bem. Mais ou menos à mesma época, quando estava começando a despontar o bicicross na molecada, dei um jeito de arranjar uma bicicleta desse tipo para mim. O preço de uma Caloicross “de verdade” era proibitivo – mesmo usada -, então, com meus rolos acabei conseguindo uma BMX. Era como uma caloicross mas com acessórios que foram imediatamente dispensados, tais como os pára-lamas, as laterais, o banco e – especialmente – o tanquinho. A merda era o maldito freio contrapedal. Bastava descuidar que brecava. Empinar, então, nem pensar!

Mas o tempo passa e as pessoas crescem. A boa e velha Matilde, aro vinte, tão prestimosa durante tanto tempo, já não comportava aquele adolescente de mais de um metro e setenta de altura. Comprei uma nova bicicleta velha, desta vez uma Barra Circular, da Monark, aro vinte e seis, que já era mais condizente com meu nada nobre porte. Nesse meio tempo acabei me tornando amigo inseparável do Cadimiel, sujeito revoltado e incompreendido, que tinha tudo a ver comigo na época. Essa bicicleta não durou muito, pois, também nesse meio tempo, aperfeiçoei – e muito – a adorável arte de empinar e, numa dessas, meio que me exibindo para uma família de loirinhas que moravam lá na boa e velha Vila Paiva, ao descer com a bicicleta ladeira abaixo ela simplesmente partiu-se em dois. Só não foi um desastre total porque os cabos de aço das marchas (coroa e catraca) seguraram a onda.

E lá vai o Jamanta atrás de outra bicicleta.

Desta vez arranjei uma Barra Forte, da Caloi – com direito a um confortável assento almofadado entre o selim e o guidão! Uma das primeiras atitudes foi soldar um barra de reforço no quadro para impedir que a desgraçada quebrasse como a anterior. Já com mais de um metro e oitenta, lá pelos meus quinze anos, instalei também um garfo telescópico e adaptei dez marchas na criança. Selim projetado para dar conforto nas pedaladas, duplo reforço nos cubos, raios e aro, um sistema duplo de freios e alavanca de mudança de marchas no guidão – ambos inventados e construídos por mim! Sucesso com a meninada – que preferia andar na bicicleta mais confortável, com almofadinha no quadro e tudo o mais – e imbatível nas competições de empinada (hoje chamam de “wheeling”), pois eu tinha domínio absoluto da bicicleta. Modéstia às favas eu tinha a capacidade de andar mais de quilômetro em apenas uma roda – já contando curvas, descidas e subidas. Apenas duas pessoas, reconheço, eram melhores que eu: o próprio Cadimiel, com sua bicicleta azul-celeste também construída sob medida – a “Heroína”, e o Nelil, um caboclinho que eu nem conhecia direito, mas que tinha um domínio muito melhor que nós dois sobre a bike.

Sinal dos tempos. Ambos morreram. Ambos de forma idiota e não tendo nada a ver com aqueles adolescentes destemidos da época.

Depois disso é história. Casei, separei, casei de novo e tive filhos.

Mais de trinta anos me separam desde aquele primeiro momento com minha primeira bicicleta.

Dessa nova era a lembrança mais carinhosa que tenho é quando, já no segundo casamento, montei (sim, eu mesmo as construi) novas bicicletas para mim e para a Dona Patroa. Uma Barra Circular e uma Ceci (uma bicicleta exclusivamente “feminina” e com um quadro elaborado com uma engenharia de dar inveja). Quando o filhote mais velho tinha lá entre seus seis meses e um ano, invariavelmente nos sábados a Dona Patroa resolvia fazer a faxina semanal na casa. Toca tudo de pernas para o ar, mangueira em praticamente todos os aposentos, e muita água e sabão na parte externa. Eu não tinha dúvidas: pegava a cadeirinha que se adaptava em qualquer uma de nossas bicicletas, colocava o filhote e simplesmente sumia pelas horas seguintes. Muitas vezes o pequerrucho começava a dormitar no seu assento e eu tinha que fazer uma pusta ginástica para acomodar sua cabecinha no meu braço enquanto continuava a pedalar…

Mas esse tempo já passou.

Hoje, com três filhotes, a lembrança marcante que fica foi quando ele, justamente o mais velho, numa bela manhã de sol, simplesmente pediu para que tirasse as rodinhas da bicicleta dele. Com receio e temor o fiz e, ato seguinte, o fiudumaégua saiu pedalando como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo! O caçula, a seu tempo, também aprendeu a pedalar com a mesma desenvoltura. Somente o do meio é, ainda, reticente com tudo isso até hoje.

Minha bicicleta? É a mesma Barra Circular do início desse casamento. E que, provavelmente, não vê graxa nova desde então. E tudo isso, todo esse “causo”, foi só pra lembrar que preciso desmontá-la, engraxá-la e lubrificá-la a contento para sair desse sedentarismo paquidérmico do qual não consigo me livrar…

Outro proseio

– E aí, meu rapaz?

– E aí…

– Êêêê… Já vi tudo. Problemas de novo, né?

– Oi?

– PRO-BLE-MAS. Pê-érre-ô-bê-éle-ê-ême-á-ésse. Problemas.

– É. Mais ou menos…

– Sabe o que é infinitamente incrível? E olhe que de infinito Eu entendo. Você raramente vem aqui, quando vem é porque tem alguma coisa incomodando sua cachola e quando Eu pergunto o que é, você fica com essa infantilidade de “meio que sim”, “meio que não”… Enfim, DE-SEM-BU-CHA!

– Caramba! Calma aí! Um pouquinho de paciência, faz favor.

– Paciência Eu tenho. Divina paciência, Eu diria. Mas se você já sabe o que precisa, então poupe Meu tempo.

– Ei! E aquele negócio de onipresença, hein? Presente em todos os lugares, etc, etc, etc?

– Não é porque Sou onipresente que o tempo passa mais rápido ou mais devagar para cada aspecto de Mim. Aliás, no nosso último proseio já não deixei bem claro que nem precisava vir aqui para Me procurar? Lembra? “Sempre contigo…”

– Sim, sim. Eu sei. É que, apesar de toda esta ostentação, aqui na cidade, na falta de um bosque, de um riacho, de uma cachoeira, fica mais fácil nossa conversa aqui neste lugar. Grande, arejado, geladinho…

– Tá, tá, tá. Mas, e daí?

– Tá bom. Calma. E não adianta me olhar assim, hein? Na nossa última conversa eu estava meio que sozinho, meio que deprimido, lembra? Mas eu já superei isso!

– E?…

– Bom, o problema agora não está em mim. Está nos outros. Estou ficando cansado, muito cansado… Sabe, a mesquinhez desse povo me espanta! No meu dia-a-dia tenho encontrado situações que não dá pra acreditar!

– Não acredito!

– Não?

– Na verdade, sim. Mas continue.

– Tá. Pois bem. Ficar decepcionado com quem não faz parte do seu círculo, tudo bem. Na realidade, é bem isso: faz parte. Sabe, é revoltante suspeitar que algumas pessoas são capazes de jogar sujo – e muito – para conseguir alcançar seus próprios objetivos. Mas é frustrante não saber se isso acontece ou não. Contudo é extremamente decepcionante ter a certeza de que isso realmente acontece.

– Então é isso?

– Não, na realidade tem até mais. Às vezes sou obrigado a assistir pessoas maravilhosas serem engaioladas. Privadas de sua criatividade, de seu fantástico potencial de transformação. Pessoas que, por conta de situações que envolvem seus maridos, suas esposas, sua chefia, seu vizinho – não importa quem! – pessoas que são tolhidas da própria existência, limitando-se a levar uma vidinha controlada, planilhada, regrada, abrindo mão da própria felicidade sem sequer perceber o que verdadeiramente está lhe acontecendo!

– Acho que já estou entendendo…

– Não é por mim. Não mais! É por essas pessoas que não despertam para a realidade! Do quão prejudiciais estão sendo para com os outros ou para consigo mesmas! Será que não percebem? Existe um bem maior! Um plano maior!

– E disso COM CERTEZA Eu entendo!

– Heh… Tá, tá bom. Pedi por essa alfinetada, né?

– Né?

– Então. Estou cansado, extremamente cansado, justamente porque estou rodeado desse tipo de pessoas. Por que é que são assim? Não consigo entender o porquê… Por quê?

– Ah, minha criança… Se algum dia você tiver a resposta para todas essas perguntas, mande engarrafar, rotular, reproduzir e fique rico vendendo esse elixir milagroso…

– Cuméquié?

– O que eu quero dizer é que não há resposta. Ou melhor, há. Sabe onde?

– Em mim mesmo? Nah! Não me venha com esse papinho de novo não!

– Olha o respeito, moleque… Mas perceba bem o quanto você já evoluiu: antes você vinha aqui num estado de autocomiseração, agora você vem PEDIR pelos outros!

– Não estou pedindo por ninguém! O que eu quero é saber como me livrar deles!

– Pensa bem. Não mesmo?

– (…)

– Presta atenção. Você, com seu discursinho autopiedoso, acabou demonstrando mais piedade é pelos outros que por si mesmo. Você vê injustiça nessas pessoas engaioladas em si mesmas e não consegue se conformar com a ideia de que elas não possam ou não consigam se libertar. Não é bem isso?

– É, olhando por essa ótica…

– Então. Mas o que você não sabe – ou não aceita – é que nem todos estão prontos pra voar. Tem gente que, muito pelo contrário, prefere a “segurança” de sua gaiola, mesmo com todas as limitações que ela lhes impõe. Mas sabe o que é pior?

– Não. O quê?

– É que não existe gaiola. Cada um de vocês é dotado com a pequena centelha divina que Eu lhes dei, e, por isso mesmo, têm o livre arbítrio necessário para fazer o que bem desejarem. Apesar de uma gigantesca capacidade tanto para o bem quanto para o mal, a decisão sempre vai ser individual. E impor limites a si mesmos, prender-se em situações – gaiolas – das quais acreditam que não podem se livrar, bem, isso faz parte também desse livre arbítrio…

– Mas não seria melhor acordá-los para a vida? Mostrar que tudo é uma grande ilusão e que cada um pode se livrar de seu próprio sofrimento?

– Você andou lendo aquele livro do Richard Bach de novo?

– Não é isso – apesar de eu praticamente tê-lo de cor em minha mente. É que essas pessoas têm tudo pra ser felizes e não o são! Não querem ser!

– Por uma decisão única e exclusiva delas próprias… Livre arbítrio, lembra? Aliás, você mesmo tem sua própria gaiola sentimental e não percebe, não é mesmo?

– Na verdade, sim… Mas prefiro ignorá-la.

– Decisão sua…

– Como é que Você sempre consegue me fazer sentir como um tolo, como seu eu já tivesse todas as respostas?

– Porque você as tem!

– É, né?

– É.

– Bem, tãotáintão. Vou nessa.

– Tá bom. Vai em paz. E se precisar….

– Sim, sim. Sempre comigo, né?

– Isso… Sempre.

Tinderada

E eis que nossa heroína de hoje havia marcado um encontro pelo Tinder!

Para os incautos que não conheçam o atual estado da tecnologia de pegação, saibam que “Tinder” nada mais é que “um aplicativo que apresenta pessoas que estão próximas a você. Através do programa, você poderá conhecer outros usuários que também estão registrados no aplicativo, com o objetivo de marcar encontros.” Ou seja, dá uma olhada na foto, troca umas mensagens, vê se rola um clima e marca uma ponta… Simples assim.

E o local do encontro marcado foi um belo de um barzinho aconchegante…

Apesar de não gostar nem um pouco de se adiantar, curiosamente nesse dia ela acabou chegando antes que o moçoilo. Resolveu mandar uma mensagem pra saber por onde ele andava. “Já estou entrando” – foi a resposta dele.

Nisso, eis que ela levanta os olhos e vê o sujeito vindo porta adentro enquanto guardava o celular no bolso. Seus olhares se cruzaram e ambos sorriram. Ele, de contentamento. Ela, de mais puro nervosismo.

E não, não era nervosismo pelo encontro em si. É que o caboclo não tinha NADA a ver com a foto. Sabem “nada”? Nothing? Niente? Zero? Então. Que enrascada! E agora, como sair dessa? Enquanto isso, ele veio caminhando em sua direção. Ela esboçou o sorriso mais congelado que se pode imaginar para alguém, olhos levemente arregalados e tascou-lhe um “ooooooooooooooooiiiiiii” próximo do interminável…

Ele aproximou-se, ela beijou-o no rosto (ainda com aquele sorriso sardônico travado em seu próprio rosto), entreolharam-se – aquele momento meio de vazio quando duas pessoas não sabem bem qual o próximo passo. Ela começou:

– E aí?

– E aí? Tudo bem?

– Tudo!

– Ahn… Você já pediu alguma coisa?

– Não, não. Também acabei de chegar.

– Que tal um choppinho pra ir quebrando o gelo?

– Ah, tá. Acho legal!

Deu uma olhada sobre o ombro, parecendo que estava meio que medindo o local. Fixou um ponto ao longe, sorriu e garantiu:

– Vou providenciar, então. Só um minutinho e eu já volto!

“Só um minutinho”? Cumassim? Podia levar todos os minutos que quisesse! E um só chopp não iria dar conta de enfrentar essa noitada. Ou melhor, essa roubada! Um porre era o mínimo que ela tinha que esperar agora… Que sacanagem, isso! Como podia ter se enganado tanto com alguém? E a conversa dele até que era legal, bem descolada, inteligente, bem humorada… Bem, como dizem por aí, “já que está no inferno, abraça o capeta”. E que capeta, viu? O negócio agora era tentar descontrair um pouco, olhar o movimento, o lugar, as possíveis rotas de fuga…

Foi então que ela o viu.

Um outro sujeito.

Parado, na porta, conversando.

Seus olhares se cruzaram.

E ele sorriu. E acenou.

E ela, tímida, parva, também acenou…

ESSE é que era o rapaz da foto, do Tinder, das conversas, de tudo!

Mas, mas, mas… E o outro?

Nisso, ela virou-se e o viu voltando para a mesa.

Com o chopp.

Era o garçom…

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E, cá entre nós, se não pelo leitinho das crianças, ao menos pelo meu uisquezinho de final de tarde… 😀