Ideologices

Às vezes tenho vontade de escrever muita coisa sobre algum tema – mas no final das contas acabo é escrevendo algumas coisas sobre muitos temas…

Já o mestre jedi Sergio Leo tem o dom! Consegue pegar alguns temas pesados que seriam pra lá de áridos e com sua verve crítica aguçada brinca com o texto, deixando-o leve e interessante…

Um ótimo exemplo é o que leva o nome “Ah, os tapa-olhos da ideologia“. Uma palhinha:

É lugar comum na cobertura jornalística acusar o governo de irresponsabilidade fiscal, sinônimo para gasto irresponsável. E há uma tese baseada na teoria econômica que, como toda tese simples, é fácil de entender e equivocada. Reza a teoria que gastos em capital, investimentos, são bons, porque geram capacidade produtiva, aumentam a eficiência da economia; e gastos correntes, gastos com pessoal e material, por exemplo, são ruins porque não podem ser comprimidos quando a crise aperta.

Parece sensato, mas, levada a ferro e fogo essa tese significaria que gastar aumentando o salário pífio dos professores e médicos é uma besteira e o melhor seria jogar bilhões na construção de um hospital sem equipamentos e de uma estrada para atender ao eleitorado de um vereador picareta.

Coisa normal, às vezes uma conta pode crescer em termos nominais, mas na prática, cair em, comparação ao que importa, ao tamanho da economia, por exemplo. Mas a matéria falava que o crescimento no superávit, em termos absolutos, em reais, foi só “ligeiramente”. Aí danou-se.

Adjetivo e advérbio em jornal, só se for muito bem explicado. E se alguém tentasse explicar esse ligeiramente, sairia ligeiramente desmoralizado.

O leitor comum _ e boa parte dos editores, temo eu _ lê os números sem checá-los, influenciado pelos adjetivos e advérbios. (…)

 
Mas não fiquem só nessas referências. Leiam o texto na íntegra – pois vale a pena! Tá bem aqui.

Creio que o Copoanheiro também vai gostar (se é que já não leu antes)…

No país do futebol

Carlos Eduardo Novaes

Juvenal ouriço aproximou-se de um vendedor parado à porta de uma loja de eletrodomésticos e perguntou:

― Qual desses oito televisores os senhores vão ligar na hora do jogo?

― Qualquer um – disse o vendedor desinteressado.

― Qualquer um não. Eu cheguei com duas horas de antecedência e mereço uma certa consideração.

― Pra que o senhor quer saber?

― Para já ir tomando posição diante dele.

O vendedor apontou para um aparelho. Juvenal observou os ângulos, pegou a almofada que o acompanha ao Maracanã e sentou-se no meio da calçada.

― Ei, ei, psiu – chamou-o um mendigo recostado na parede da loja – como é que é, meu irmão?

― Que foi? – perguntou Juvenal.

― Quer me botar na miséria? Esse ponto aqui é meu.

― Eu não vou pedir esmola.

― Então senta aqui ao meu lado.

― Aí não vai dar para eu ver o jogo.

― Na hora do jogo nós vamos lá pra casa.

― Você tem TV a cores?

― Claro. Você acha que eu fico me matando aqui pra quê?

Juvenal agradeceu. Disse que preferia ficar na loja onde tinha marcado encontro com uns amigos que não via desde a final da copa de 78. O mendigo entendeu. E como gostou de Juvenal, lhe deu o chapéu onde recolhia esmolas. Juvenal, distraído, enfiou-o na cabeça.

― Não, não. Na cabeça não.

― Por que não?

― Já viu mendigo usar chapéu na cabeça? Deixe-o aí no chão. Sempre pinga qualquer coisa.

Aos poucos o público foi aumentando, operários, vendedores, contínuos, vagabundos e às 15h45 já não havia mais lugar diante das lojas de eletrodomésticos. Os retardatários corriam de uma para outra à procura de uma brecha. Alguns ficavam pulando atrás da multidão tentando enxergar a tela do aparelho.

― Quer que eu lhe ajude? – perguntou um cidadão já meio irritado com um contínuo pulando rente às suas costas.

― Quero.

― Então me diz onde é o seu controle da vertical.

― Controle da vertical, pra quê?

― Pra ver se você pára de pular aqui nas minhas costas.

As lojas concentravam multidões. As calçadas da cidade, que já são poucas, desapareciam completamente. Em jogos da seleção brasileira, durante a semana, cresce bastante o número de atropelamentos porque o pedestre é obrigado a circular pelas ruas. Além disso, os motoristas ficam muito mais ligados no rádio do que no trânsito.

Na porta da loja onde estava Juvenal, havia umas 200 pessoas do lado de fora e somente uma do lado de dentro: o gerente. Até os vendedores da loja já tinham se bandeado afirmando que assistir um jogo atrás da televisão não é a mesma coisa que vê-lo atrás do gol. Quando a bola saía entravam os comentários dos torcedores.

No início do segundo tempo, um cidadão que não se interessava por futebol (um dos 18 que a cidade abriga) foi pedindo licença à galera e com muita dificuldade conseguiu entrar na loja. O gerente foi ao seu encontro: “o senhor deseja algo?”

― Um aparelho de televisão.

― Por que o senhor não leva aquele?

― Qual?

― Aquele que está ligado ali na porta.

― É bom?

― O senhor ainda pergunta? Acha que haveria 200 pessoas diante dele se não tivesse uma boa imagem?

― Bem…

― E não é só isso – completou o gerente aproveitando a euforia do público com um gol do Brasil – que outro aparelho transmite emoções tão fortes?

― Essa gritaria toda foi diante do aparelho?

― Lógico. Esse é o novo televisor AP-007 dotado de controle de emoção. Só este televisor pode levá-lo do choro convulsivo à completa euforia.

― É mesmo? E se eu desejar vê-lo sentado quietinho na poltrona?

― Também pode, mas é aconselhável desligar o botão da emoção, se não o senhor não vai conseguir ficar quietinho na poltrona.

O cidadão convenceu-se. Disse que ia levá-lo. O gerente, precavido, pediu-lhe para ir à porta da loja apanhá-lo. O cidadão não teve dúvidas. Ignorando aquela massa toda diante do seu aparelho, foi lá tranquilamente e cleck.

Desligou-o.

O que aconteceu depois eu deixo por conta da imaginação de vocês.

Nota: graças ao amigo Sandino lembrei-me dessa antiga crônica e nada melhor que compartilhá-la por aqui em plena Copa do Mundo…

Politicamente incorreto (de novo)

Tava eu bestando por aqui enquanto aguardava completar um download (Alice, te segura!) e resolvi dar uma fuçada nas catacumbas de meu computador.

E acabei por (re)encontrar os textos que baixei lá do Jesus me chicoteia!

Já tinha transcrito aqui no blog aquele do Noé (muito bom, por sinal) e agora segue o de Caim e Abel…

CAIM & ABEL

Passaram-se os anos, Eva já era uma senhora respeitável e Adão um velho safado. Levavam aquela vida besta, Adão saía para trabalhar, Eva ficava cuidando dos filhos e dos primeiros netos. Viviam sem grandes preocupações a não ser as brigas constantes entre os dois filhos mais velhos, Caim e Abel.

Como se sabe, Abel era pastor de ovelhas e Caim era agricultor, e viviam discutindo sobre qual das duas ocupações era mais nobre e útil. Abel era apegado aos pais e carinhoso com os irmãos; Caim era o terror das mulheres (suas próprias irmãs e sobrinhas, que era o que se podia arranjar, dadas as  circunstâncias da época). Abel era apaziguador por natureza; Caim não resistia à tentação de entrar numa briga.

Apenas uma vez chegaram a um consenso: por sugestão de Caim, formaram uma dupla sertaneja. Pela primeira vez pareciam irmãos de verdade e animavam as festas da imensa família com seu talento nato. Abel entusiasmou-se tanto que até se esqueceu do tênis de mesa, que tinha sido a sua sugestão de dupla, mesmo porque ninguém ainda tinha tido a idéia de inventar a bolinha.

Mas, como era de se esperar do temperamento de ambos, a harmonia durou pouco. Os irmãos começaram a brigar em todos os ensaios, e nos shows um queria aparecer mais que o outro, com agudos, glissandos,  scats e outros malabarismos vocais para impressionar a platéia e irritar o irmão. Vendo deus que a dupla de que era empresário ameaçava desmontar-se, resolveu tirar a prova dos nove e convocou os dois para um concurso. Cada um devia apresentar uma canção de própria escolha, e o que se saísse melhor seria aceito como líder, sem discussão. Ambos aceitaram.

Chegado o dia do concurso, com uma numerosa platéia (lembremo-nos que os tempos eram outros, as pessoas viviam mais e não tinham muito o que fazer além de sexo, o que levava a taxas de natalidade absurdas), Abel foi o primeiro a apresentar-se, com a música Segura Na Mão De Deus. Cantou a última estrofe de um jeito meio sincopado e terminou com um agudo impressionante. O coro de “Já ganhou!” durou dez minutos.

Ainda no meio da ovação dirigida ao irmão, Caim subiu ao palco. Olhou com ódio para o público e começou sua interpretação intimista e sofrida de Se Eu Quiser Falar Com Deus, e foi tão aplaudido quanto Abel.

Terminado o concurso, deus subiu ao palco para anunciar o vencedor. O resultado justo seria o empate, mas Caim arriscara -se cantando uma música cuja letra chegava a questionar a existência de deus, vejam só. Movido mais por despeito do que por critérios musicais, deus anunciou Abel como vencedor e entregou a Caim o Troféu Abacaxi. Abalado com a injustiça e a ironia cruel de tudo aquilo, Caim arrebentou o violão na cabeça de Abel e saiu correndo do palco. Abel morreu como consequência de traumatismo craniano grave, e deus condenou Caim ao pior dos estigmas: sair pelo mundo sem destino, cantando em churrascarias.

Com isso, deus criou o exílio e Caim inventou o assassinato e inaugurou essa tradição de sempre morrer um nas duplas sertanejas.

Como não fazer Powerpoint

Sei que a poeira estática tem se acumulado nos cantos aqui no Legal, mas – fazer o quê? Garanto que não é falta de inspiração e sim falta de tempo para escrever algo que realmente valha a pena (certo, Cacá?). Tudo bem, tudo bem, “o ótimo é inimigo do bom” era o que o Davi sempre dizia. Mas, enquanto fico nesta entressafra critativa, utilizando o bom e velho esquema do recortar-e-colar, vamos compartilhando os textos de quem efetivamente vale a pena.

No caso é do Jarbas, um copoanheiro virtual, que em poucas palavras transmitiu tudo que eu sempre quis dizer acerca dos Powerpoint (royalties, please, Bill…) da vida. O original tá bem aqui.

Você certamente já viu slides de Powerpoint hiper poluídos. Quem os faz acha que é moderno e bom comunicador. Quem os vê acha que está diante de uma chateação.

Num Powerpoint o que importa é a imagem. Nada de detalhes. Cada slide é um convite para destacar um ponto, para ilustrar uma idéia. Por isso, texto excessivo nos slides nada comunica. Por isso, imagens poluídas aborrecem a platéia. Essas descobertas não são novas. Os modernistas da antiga União Soviética sabiam disso. Nessa linha, produziam cartazes com imagens simples e poucos detalhes, com pouco ou nenhum texto.

Tentei encontrar um cartaz de Kandinsky sobre o exército vermelho. Na obra, o pintor mostra uma cunha vermelha que penetra numa superfície branca (o exército branco combatido pelas forças revolucionárias). Poucas palavras. Algo assim: o vermelho derrota o branco. Nada mais. Bem diferente de certos cartazes nos quais os comunicadores querem colocar “todas” as informações. Excesso em cartazes acaba não chamando atenção das pessoas. Acaba nada comunicando. Como não encontrei o cartaz de Kandinsky, coloco aqui um outro exemplo mais recente: cartaz que mostra a força dos aliados no combate ao nazismo [nota: a imagem à qual o Jarbas se refere é aquela lá de cima, tirada daqui].

Volto ao Powerpoint. Em recente exposição sobre a Guerra no Afeganistão, o exército americano produziu uma obra prima de como não produzir slides em Powerpoint. Reproduzo aqui figura publicada no The New York Times sobre complexidade da estratégia americana na guerra. Alguém comenta que o material não é uma “figura informativa, é um tigela de espaguete”. Não preciso dizer que o slide é exemplo acabado de não-informação.