The Rolling Stones – Living in a Ghost Town

 

Desde 2012 o grupo The Rolling Stones não lançava uma música nova.

Até agora.

Composta por Mick Jagger e Keith (“o imortal”) Richards, Living in a Ghost Town é uma canção que fala sobre viver forçadamente em uma cidade vazia – com imagens de Londres impressionantemente deserta por conta da crise da Covid-19.

Pior do que o Coronavírus é a pandemia de imbecis

Matheus Conceição

Desde as primeiras notícias sobre a pandemia, o brasileiro vive uma saga na luta por verdades. De negacionistas a alarmistas, uma profusão de desinformações foi propagada, fazendo a população ficar confusa ao não saber de fato o que é certo ou errado. Para piorar a situação, governos estaduais e o Planalto divergem sobre medidas a serem tomadas e também sobre possíveis soluções. A conta da irresponsabilidade, contudo, parece estar chegando, com dados que demonstram que o Brasil caminha para condições iguais ou superiores às que a Itália e a Espanha apresentaram. Em meio a tudo isso, a insensatez parece ainda medrar, com surtos que, a bem da verdade, preocupam mais do que o próprio vírus. É a nudez da imbecilidade, que já não mais se esconde por estar ratificada pela torpeza da normalidade.

Quando se iniciaram as notícias sobre a pandemia do Coronavírus, o primeiro discurso foi o de tranquilidade para a população. Afinal, os dados até então demonstravam que “apenas” idosos e pessoas com doenças pré-existentes seriam possíveis vítimas fatais. Uma absurda crueldade travestida de conforto, mas que já mostrava como seria encarado por aqui o combate ao vírus. Como se já não bastasse o temor de se chegar à aposentadoria e viver uma vida de esquecimento, recebendo uma contraprestação obscena pelos anos de trabalho, a saúde dos idosos ainda relegada ao descarte. E os potenciais enfermos, preocupados em excesso por seus males cotidianos, eram da mesma forma “acalmados” pela tal naturalidade mórbida por parte das autoridades nacionais. Estroinice criminosa e desanimadora, pois.

De logo surgiram negacionistas para se apegar às conspirações. Organizaram-se nas redes, fizeram passeatas e protestos. Apoiavam-se no cego e confortável egoísmo de quem não apenas se coloca em situação de risco, mas também se porta como transmissor em potencial. Sem muito acesso à informação, considerável parcela da população adotou também o discurso de reabertura e de basta aos alarmes. Os números do país, contudo, demonstram que o pico da doença ainda sequer chegou e os leitos começam a minguar diante do crescente número de casos. Para se ter uma noção, um estudo do Observatório Covid-19 aponta que o ritmo alcançado pelo vírus no Brasil supera em velocidade os registrados na Espanha no comparativo do mesmo período. Seria dado preocupante para todo e qualquer país sério. Mas, em se tratando de Brasil…

Para a surpresa dos mais precavidos, governadores e prefeitos começam a afrouxar as medidas de isolamento. Em Santa Catarina, por exemplo, um shopping promoveu a sua reabertura com música e uma aglomeração impressionante. Os mais atentos já percebem que poucos são os que de fato estão agora confinados em restrição profilática como determina o script seguido pelo mundo. São situações contrastantes com as catastróficas cenas manauaras divulgadas, onde valas comuns coletivas às centenas foram construídas em meio ao colapso na saúde do estado. Mesmo isso não foi o suficiente para assustar o resto do país: ainda no final de semana, uma carreata pedia intervenção militar no afã de acabar com a quarentena imposta.

O remédio para a contenção do desastre anunciado deveria ser iniciado justamente por quem dele diverge. Governos estaduais e o Executivo Federal entram constantemente em rota de colisão sobre o que deve ser feito em razão da pandemia. No desencontro de informações, os grandes vencedores são as correntes de Whatsapp, com seus conteúdos esdrúxulos e poder de propagação tão forte quanto o próprio vírus. A guerra de egos sobre as certezas expõe a falta de tato e responsabilidade para com quem mais precisa, fazendo valer apenas uma batalha por narrativas. Cenário perfeito para o surgimento de absurdos de todo gênero, como propostas de campos de concentração ou de demarcação de símbolos em quem estiver se negando a voltar ao trabalho. A comparação com o estigma da estrela de seis pontas do período nazista é inevitável. A crueldade e a desumanidade, de semelhanças assustadoras.

A triste realidade nacional parece caminhar a passos largos para um colapso que só será definitivamente sentido quando os camburões estiverem carregando corpos amontoados. Enquanto isso, a marcha da insensatez segue o seu caminho, com o desprezo às medidas de precaução e a controvérsia entre os governantes. O país, com isso, surge como chacota mundial pelas atitudes insanas cometidas. Porém, em se tratando de um lugar onde estádios têm mais valor do que hospitais e escolas, em nada surpreendem as atitudes desarrazoadas. Se de nada adianta o noticiário internacional, talvez o óbito de pessoas próximas possa funcionar para fazer cair a ficha dos irresponsáveis. Até lá, salve-se quem puder. Visivelmente, o navio Brasil há tempos vaga à deriva. E a razão, de fato, assiste ao aclamado ator argentino Ricardo Darín: difícil mesmo é lutar contra a pandemia dos imbecis.