Game world

Meu filhote mais velho, do alto de seus sete anos, já é um enxadrista melhor do que muitos adultos que conheço. O que não impediu que ontem, após cerca de uns vinte lances, eu lhe desse um fulminante xeque-mate.

Ficou acertado uma revanche para hoje à noite, mas agora em outro território: jogaremos Need for Speed Underground no Playstation II.

Sinto que levarei uma memorável surra…

Lembranças, história… e uma antena?

Há não muito tempo, num sábado de manhã, eu estava dando uma volta pelo Centro da cidade onde moro. Acho que pelo seu tamanho atual, abrigando mais de setecentos mil habitantes, já quase podemos chamá-lo de “Centro Velho”… Aliás, uma pequena pérola de cultura inútil: os censos de alguns séculos atrás referiam-se às vilas e povoados com algo como “trinta fogos e cem almas”; fiquei um tempo perdido com essa definição até que acabei descobrindo – no exemplo seriam trinta casas (cada casa um fogo, em torno do qual se une a família) e cem pessoas (cada pessoa, uma alma).

Mas onde estávamos? Ah. Sim. O Centro.

Durante muitos anos trabalhei no Banco Nacional (“O Banco que está a seu lado!”) – aquele do Ayrton Senna. Ficava bem em frente das Lojas Americanas. Sou da época em que o banco estava começando a se modernizar, de modo que comecei trabalhando com as antigas máquinas Burroughs, aquelas autenticadoras de documentos com centenas de botões na face. Ainda me lembro da dificuldade de se autenticar alguns tipos de carnês muito estreitos – chegava a machucar a mão! Houve uma época, pelo cargo que eu ocupava, em que eu era simplesmente o primeiro a entrar e o último a sair, o cara que abria e fechava os malotes diários. Lembro-me de cada detalhe do prédio, até mesmo das reformas pelas quais ele passou. Cada trinca, cada rangido, cada cheiro. São lembranças que fazem parte de mim e de mais ninguém, até porque o prédio não mais existe. Foi totalmente derrubado para construção de alguma outra coisa. Tudo que se vê – hoje – é um grande descampado bem no centro comercial da cidade, maior mesmo que um campo de futebol.

Nessa época do banco costumávamos almoçar em algum dos diversos restaurantes que fervilhavam pela cidade. Bem do lado do banco existia uma pastelaria de um chinês que tinha conta conosco – o dinheiro que ele trazia sempre cheirava a fritura – e seguindo pela mesma calçada, após uma loja só de calças Lee, havia uma espécie de cantina muito simpática, bem lá no fundo. No mesmo quarteirão, ao dobrar a esquina, passando bem em frente da Doceira do Vale, encontrávamos um outro restaurante. Toalhas e guardanapos de linho, garçons sempre simpáticos (qual não é?), um ambiente diferenciado, um local para conclusão de grandes acordos comerciais. Mesmo antes de entrar no banco, numa época em que trabalhei com marcas e patentes num escritório de publicidade, já costumava levar meus clientes ali para fechamento de contratos. Em particular lembro-me das saborosas bolinhas de manteiga (feitas por eles próprios) para se comer com um pãozinho antes das refeições. Do prédio só restou a fachada, o resto todo foi vítima de um incêndio há muitos anos. Aliás, no lugar daquela doceira temos agora uma moderna farmácia, e todo o espaço da pastelaria, da loja de jeans e daquele outro restaurante foi tomado pelo novíssimo e brilhante prédio dos correios.

Seguindo pela mesma rua, na esquina oposta a um dos poucos hotéis de luxo da cidade (na época), havia um simpático bar, que, pela sua construção antiga, possuía o piso bem mais alto que o da rua. Ficávamos tomando nossa cervejinha ali do alto, observando os transeuntes e papeando com as moçoilas que ainda iam entrar. O aconchego de suas cadeiras, o confortável formato de seus assentos ainda é uma lembrança nítida. Hoje? Não, nada de bar. Um prédio de uns vinte andares (cuja construção acompanhei dia-a-dia) tomou seu lugar.

Para os fins de semana havia o Cine Palácio, um respeitável cinema bem em frente de uma grande praça – daqueles que possuíam camarote, nos quais crianças e casais adolescentes NÃO podiam subir. Se não me falha a memória o primeiro filme que assisti nesse cinema (com um certo deslumbramento, confesso) foi o do Superman – o primeiro, com o Cristopher Reeve. Por seu tamanho e localização era um local disputado para realização de solenidades, formaturas, etc. Mesmo assim, no final da década de noventa seu prédio passou a abrigar mais uma das franquias da Igreja Universal – e hoje, totalmente despido de telas, cadeiras, mármore, tapetes e todo o resto, nada mais é que um grande estacionamento.

Sei que ando meio saudosista por esses dias, mas, fazer o quê? Esse sou eu. Também sei que a cidade não pára, tem que continuar crescendo, mudando, se modificando. Talvez essa pele da cidade seja como nossa própria pele. Possuímos marcas, cicatrizes, às vezes um hematoma – mas tudo passa: ou saramos, ou nos acostumamos com isso de tal maneira que deixa totalmente de nos incomodar, por mais gritante que seja a marca. Assim é a cidade. Com o tempo nos acostumamos de tal maneira com as mudanças, que sequer lembramos mais como era antes. Mas, no meu caso em particular, acho que é como dizia aquela música, “tudo que morre fica vivo na lembrança; como é difícil viver carregando um cemitério na cabeça (…)”.

Mas, falando em cemitérios – que mórbido! – já disse mais de uma vez o quanto aprecio genealogia e história, até porque são duas matérias que andam de braços dados. Participo de algumas listas de discussão desse gênero, tenho uma pequena, mas rica (culturalmente falando), biblioteca sobre o assunto e sempre que posso faço o possível para ajudar a guardar a memória histórica de uma cidade. Semana passada, após uma longa espera e algumas negociações, me veio às mãos um livro de registros de uma cidade vizinha. Minha missão voluntária: digitalizar e transcrever o conteúdo de suas páginas, que carregam mais de cento e trinta e cinco anos de história. Pois é, cada louco com sua mania…

Por fim, para não passar totalmente em branco, informo a todos os interessados, curiosos e afins, que FINALMENTE acertei a mão com a bendita antena. Como em casa só tenho sinal da TV aberta, eu precisava ao menos tentar melhorar a recepção da Cultura – último bastião de seriedade cultural no meio de todo o resto. Abaixo temos dois ângulos da arte desta criança grande que vos escreve.

Bons tempos!

Caneca de alumínio cheia de leite quentinho com Nescau (antes de dormir e assim que acordava). Pé descalço. O dia inteiro. Sem camisa. Estradinhas de terra no quintal pra brincar de carrinho. “Hominhos”, “indinhos” e bichinhos diversos de brinquedo. Coleção de chaveiros. Velocípede (ainda existe essa palavra?). Pipa. Carrinho de rolemã. Álbum de figurinhas. Jogo de bafo (com as figurinhas). Rela-rela, esconde-esconde, cabra cega, pular sela. Rolar na grama. Com o cachorro. Vira-lata. Fugir do banho (os dois). Assistir televisão até tarde enrolado numa mantinha. Ficar sentado no muro da frente de casa vendo o povo passando. Ir pra roça. Descer barranco de morro na carreira. Remar. Nadar na represa. Esconde-esconde no milharal. Tomar leite de manhãzinha direto da vaca. Numa canequinha esmaltada. Espumante. Quentinho. Escola. Guarda-pó. Sala de aula. Carteira (de madeira e ferro fundido). Desconfortááável! Recreio. Guerra de giz. Dardos de papel no teto. Desenhos e mensagens na última folha do caderno. Cadernos de perguntas e mensagens. Excursões da escola. Professores queridos e professores odiados. Primeiras paixões de infância… Missa do domingo. De manhãzinha. Praça. Pombos. Pipoqueiro. Pipoca com queijo. MUITO queijo! Macarrão e frango no almoço (às vezes assado). Dia de refrigerante. Visitar parentes. De sopetão. Café da tarde. Com bolo. Feito na hora. Quentinho. Brincar com a primaiada. Até cansar. Voltar pra casa. Dormindo. No carro.

Ah… Bateu uma saudade da minha infância…

E então…

E então na semana passada subi no telhado pra trocar o poste da antena. E então tinha uma casa de marimbondos-cavalo logo debaixo da base da antena. E então – a muito custo, muito sol na cabeça e muitas horas depois – instalei um poste mais alto. E então a imagem da TV não melhorou NADA. E então, alguns dias depois, queimou o booster da antena. E então é difícil pra caramba de achar no mercado um da marca e do modelo que preste. E então todo mundo vai ficar sem televisão até domingo, que é quando conseguirei subir na porra do telhado de novo e trocar o booster. E então hoje eu vim trabalhar. E então meu estagiário conseguiu um emprego melhor e não volta mais. E então minha colega de trabalho, amiga pessoal, meu braço direito pra tudo, ficou doente e não veio trabalhar. E então tem mais de UMA CENTENA de processos pra despachar, formalizar, aditar, dar parecer e tudo mais. E então todas as Secretarias ligam, cada qual dizendo que o seu processo é mais importante. E então hoje é dia de fechamento do Boletim e tenho que preparar as publicações. E então já passa da hora do almoço. E então estou com uma PUSTA dor de cabeça. E então, e então, e então…

É. Realmente. A única certeza é que A VIDA; a vida é uma caixinha de surpresas…

Alegado, o AdEvogado

Seu curioso nome foi fruto de uma feliz experiência de vida de seu pai. Tendo trabalhado por muitos e muitos anos em uma oficina mecânica de caminhões, ligada a uma transportadora, eis que numa bela manhã de sol viu-se desempregado. Apesar de já beirar os quarenta, sua mulher estava grávida pra valer pela primeira vez. Digo “pra valer” porque ela já havia tido complicações em duas gestações anteriores e dessa vez tudo corria bem.

Talvez tenha sido por isso, ou pela falta de perspectivas naquele momento em um Brasil vivenciando a plena ditadura, que se encheu de coragem para ajuizar uma reclamação trabalhista contra seus ex-patrões. Por certo gostava deles – afinal tinham lhe dado emprego quando sequer conhecia direito o ofício – mas, enfim, precisava sobreviver.

Após alguns meses de demanda, com seu filho prestes a nascer, eis que chegou o dia da audiência. E seus ex-patrões simplesmente não compareceram! Maravilhado com o que mais tarde descobriu chamar-se revelia, ouviu a sentença que foi dada ali, na hora, ditada em voz alta pelo magistrado – mas que guardou na memória tão-somente a parte final: “Assim, em face do alegado, dou ganha de causa ao senhor…”

Estava estupefato!

Seu advogado havia lhe dito que tudo aquilo poderia demorar anos – mas não! Tudo havia dado certo! Ligou para seu vizinho para poder compartilhar sua felicidade com a esposa, mas recebeu a notícia de que ela não estava lá. A hora havia chegado e sua sogra a tinha levado para o hospital.

Pegou o ônibus e dirigiu-se o mais rápido que pôde para maternidade. Aquelas palavras da sentença martelando em sua cabeça. Ao chegar, seu menino, seu herdeiro, acabara de nascer. Era um bom sinal. Tudo aquilo era um bom agouro. Naquele momento decidiu que seu nome deveria refletir a face de sua felicidade. A face de sua sorte. A face do Alegado.

Seu pai soube trabalhar bem com o dinheiro que havia recebido, além de ter arranjado um novo emprego logo em seguida, o que garantiu à família uma boa vida de classe média (quando esta ainda existia).

E Alegado cresceu. E tornou-se adulto. Possuía um tipo comum para quem é do Estado de São Paulo: era mais alto que baixo, mais magro que gordo, mais claro que escuro, com o cabelo mais pra liso que pra cacheado. E, por inúmeros motivos, formou-se advogado.

Sua estrela talvez não fosse tão brilhante quanto a de seu pai, mas é certo que se esforçava. A sorte sempre o acompanhou, mas de braços dados com o desastre iminente. Sua carreira traduz-se numa série de momentos tragicômicos: alguns resultando em vitórias e outros em fracassos – mas sempre gerando algum causo pra ser contado às futuras gerações.

A passagem a seguir ocorreu numa audiência em São Sebastião, litoral paulista. Lá pr’aquelas bandas a predominância é de dois tipos de ações judiciais: investigação de paternidade e reintegração de posse (pela proximidade com o porto e pela grilagem de terras).

Num dia que fazia um calor causticante, aguardando o início da audiência, e tentando demonstrar sua boa vontade, Alegado puxou conversa com os advogados da outra parte. Eis que passam duas moçoilas, bronzeadíssimas, pernas de fora, bustiê, exalando hormônios…

– Êita, que abriram a porta da zona no meio da tarde! – Foi o comentário de Alegado. Os outros advogados só esboçaram um sorriso, piscando entre si. Ainda assim Alegado continuou sua preleção sobre as beldades que passaram.

Minutos depois, no horário marcado, eis que todos são chamados à sala de audiência. E Alegado sentiu o sangue esvair-se do corpo. Deu de cara com as “meninas”: juíza e escrevente, respectivamente…

_______________________________________

Pois bem. Vocês acabaram de conhecer a gênese de “Alegado, o AdEvogado”. Como diria Richard Bach, trata-se de uma forminha de pensamento que criei para poder expressar melhor algumas idéias. Existem diversas histórias que permeiam os corredores dos fóruns da vida e que seriam impublicáveis se conhecida a autoria. Através do Alegado, de quando em quando vou compartilhar tais histórias por aqui. Muitos talvez se recordem que já publiquei alguns desses causos antes, mas – oras bolas – precisava dar um passado ao nosso personagem!…

Quintana

QuintanaDefinitivamente sou um apaixonado pela leitura. Posso ser considerado um leitor contumaz e onívoro – pois tenho compulsão de ter que estar sempre lendo alguma coisa. Nem que seja bula de remédio.

No meu dia-a-dia tenho minhas leituras prediletas (algumas obrigatórias): clippings de direito, história e informática, listas de discussão de genealogia, gibis da linha DC Comics e Vertigo (sim, sou fã e colecionador), alguns tipos de mangás (do estilo Lobo Solitário), revistas de história do Brasil e revistas sobre a língua portuguesa.

Nesse último caso tenho comprado a excelente revista chamada Língua Portuguesa, que já está na sua décima edição (não, não estou ganhando absolutamente nada pelo marketing). Como eu somente arquivo as revistas na minha modesta biblioteca somente após tê-las lido completamente, ainda estou terminando a de número oito – uma que tem o Chico Buarque na capa.

Mal cheguei na metade da revista e já posso concluir que é uma das melhores da série até agora. Além da entrevista com o Chico, de uma curiosa reportagem sobre erros tipográficos históricos, de contar sobre a vida de alguns de nossos gênios literários que também trabalharam concomitantemente no mercado de traduções e de reclames (adoro essa palavra) publicitários, tem também um pequeno tributo à Mário Quintana, falecido em 1994 (alguém saberia dizer o porquê de a grande imprensa sempre utilizar a pesada palavra “morto” em vez dessa mais suave “falecido”?).

Mas você não sabe quem foi Mário Quintana? Tudo bem. Eu também não sabia. Segundo o texto, foi um mestre da ironia terna, um observador do cotidiano que sabia chamar a atenção para o frescor lírico contido no que é evidente, poetizando o óbvio. “Poesia e ironia não rimam a ouvidos consonantais e, por muito tempo, o tipo de lírica humorada de Quintana pareceu desprestigiá-lo e excluí-lo das listas nobres em que despontavam Drummond e Bandeira. Mas, como ele mesmo escreveu, a esperança ‘é um urubu pintado de verde’.”

Pra se ter uma idéia da verve humorística de Quintana, me permito transcrever uma parte do texto “O vírus da gripe literária”, de Rubem Alves, sobre ele:

Epitáfio é uma frase que se grava numa lápide, contando algo sobre o enterrado. Já escolhi a minha. Não é original. É a mesma de Robert Frost: ‘Ele teve um caso de amor com a vida…’

Quintana, sabendo que a morte o esperava em alguma esquina, escolheu a sua: ‘Eu não estou aqui…’ Já imaginaram? Caminhando pelo cemitério, as lápides se sucedendo graves e fúnebres. ‘Aqui jaz…’, ‘Aqui jaz…’. De repente os olhos batem na frase ‘Eu não estou aqui’, que é o mesmo que ‘Aqui não jaz…’. É possível evitar o riso? É possível evitar amar quem assim brincou com a própria morte?

(…)

Veio-me então uma idéia original: aos professores se oferecem cursos de atualização e reciclagem. A idéia é que serão melhores professores se tiverem mais informações! Duvido… A minha idéia é que houvesse para os professores cursos… Não! Poesia e literatura não se aprendem em cursos – ‘samba não se aprende no colégio’, disse Noel Rosa. Não sei que nome dar: experiências coletivas com a literatura, que só ocorrem quando há prazer, espanto, deslumbramento, susto, beleza, riso.

Primeiro, para que os professores ficassem mais ricos por dentro. Segundo, para que as aulas de todas as matérias se iniciassem com dez minutos de poesia. Aí os alunos aprenderiam que literatura não é algo que acontece em certas horas de certos dias. Ela é como o ar; está misturada com a vida toda. Quem lê Quintana aprende isso.

Lúcido, lúcido. Muito lúcido.

Além de seus livros e sonetos, Quintana também era autor de frases memoráveis, tais como:

– A imaginação é a memória que enlouqueceu.

– Mera ilusão auditiva graças à qual a gente ouve sempre “tic-tac” e nunca “tac-tic”… Depois disso, como acreditar nos relógios? Ou na gente?

– Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um.

– Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.

– É preciso escrever um poema várias vezes para que dê a impressão de que foi escrito pela primeira vez.

– O estilo é uma dificuldade de expressão.

– Contudo, não me sai da lembrança um professor dos meus tempos de ginásio que, ao dar-nos o tema para a Redação de Português, dizia: “Não adianta escreverem muito, meninos, porque só leio a primeira página; o resto, eu rasgo”. E assim nos dava, ao mesmo tempo, a primeira e a melhor lição de estilo, obrigando-nos a reter as rédeas de Pégaso e a dizer tudo (que, aliás, não podia ser muito) nas trinta linhas de papel almaço, contando título e assinatura.

– O que eu queria dizer é que todas, todas as coisas têm de ser dosadas com suspense, para poderem impressionar e encantar. / Mestra de estilo, feiticeira da arte narrativa, era aquela negra velha que nos contava histórias em pequeninos. Ficávamos literalmente no ar, nem respirávamos quando ela, encomprindando a corda, dizia arrastadamente esta longa frase, cheia de nada e de tudo: “E vai daí o príncipe pegou e disse…”

– Crise de estilo não existe. O que existe é crise de pensamento.

Mas, para mim, a melhor tirada de todo o texto, numa verdadeira demonstração de sua consciência linguística ao pontuar que uma negação não equivale ao inverso de uma afirmação, é a seguinte: “Amizade é quando o silêncio a dois não se torna incômodo. Amor é quando o silêncio a dois se torna cômodo.”

Preciso ler Quintana.

Definitivamente.

“Doutores” e algo mais…

Acabamos de passar por mais um “Dia do Advogado” (11 de agosto), e acho que convém lembrar o porquê dessa data. Como eu já havia escrito sobre isso antes, fui buscar nos velhos arquivos deste site e achei o que queria lá em 05/JUL/2004. De quebra, direto do Túnel do Tempo, veio uma lembrança de meu filhote do meio…

1. “DOUTORES”…

Se tem uma coisa que eu NUNCA vou conseguir me acostumar é com essa prepotência que existe no meio advocatício com o pseudo-título de “doutor”…

Sexta participei de uma reunião com uma advogada descompensada que levou uns dez minutos para nos atender (eu e mais dois), isso APÓS estarmos sentados à sua frente. Minha vontade era de ir embora enquanto ela ficava resmungando de si para si mesma: “essa greve atrapalhou tudo… deixa eu dar uma limpada na minha mesa… tenho audiência em outra cidade segunda pela manhã… Fulana! Cadê você?…”, etc, etc, etc.

Mas não é esse o ponto. O ponto é que começamos a reunião com ela nos tratando no tapa. Ríspida. Arrogante. “Porque eu advogo há mais de vinte e dois anos… Porque sempre estou no Fórum…”, e assim por diante. Mas QUANDO ela identificou um de nós como advogado (não, eu não), passou a tratá-lo na base do pão-de-ló: “Pois é, DOUTOR, o senhor sabe como é… Não DOUTOR, acho que assim não dá… Imagine, DOUTOR, eu sabia que o conhecia de algum lugar…”

Sabe, não tenho um pingo de vaidade no tocante a isso, mas a situação se tornou meio que insólita… No final das contas, É LÓGICO, demos boas risadas da infeliz…

Mas o fato é que normalmente a maioria dos adEvogados fazem questão de serem chamados de “DOUTOR”, mal tendo competência para o bacharelado. Sempre invocam a quantidade de anos que estão na praça, ou o número de ações que possuem, e até mesmo que estão sempre no Fórum, como se isso fosse sinal de capacidade. Pô, na realidade quem tem competência se estabelece. Pelos próprios méritos. Não é a presença ou falta de uma alcunha que vai tornar este ou aquele melhor ou pior que outrem.

E o curioso é que normalmente esse povo não tem nem idéia do porquê “poderiam” ser chamados de doutores. “Ah, porque advogado é doutor, né?”. Tá, mas por quê? Vamos a um pouco de cultura inútil…

Tudo começou há muito, muito tempo atrás, não no reino de Shrek, mas aqui mesmo, in Terra Brasilis, quando predominavam basicamente duas profissões de renome no país (normalmente de brasileiros formados na Europa): a de medicina e a de direito. E, já desde aquela época, os adEvogados se sentiram enciumados pelo fato de que seus colegas médicos eram chamados de doutores, enquanto que eles não… Para resolver o dilema, inclusive pra agradar sua tchurminha maçônica, D. Pedro I, então Chefe do Governo Brasileiro, baixou um DIM (Decreto Imperial) em 1º de agosto de 1825 (que veio a dar origem à Lei do Império de 11 de agosto de 1827), que não só criou dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil, como também dispôs sobre o título (grau) de “Doutor” para o advogado. E, como não consta que essa norma tenha sido revogada…

Assim, vem daí de mais de século e meio atrás, a já arraigada prepotência de muitos advogados que até hoje fazem questão de ser tratados por “doutores”, sem sequer saber o porquê “poderiam” usar tal título…

Mas que é um absurdo, ah, isso é!

2. AND THE OSCAR GOES TO…

Vai para meu filho, Erik, pela “melhor performance espontânea”. Ontem, final da tarde, do alto de seus dois anos e meio, ele nos convocou direto do banheiro. É que ele estava fazendo “totô” (criança nunca defeca, faz “totô”) e, após terminado o serviço ele nos chamou…

Ele simplesmente continuou sentadinho, inclinou-se beeeem pra frente, abaixou a tampa do vaso sobre as costas e disse: “Paiê, Mãiê: Tartaiuga!…”