Horário Eleitoral Gratuito

Realmente. Se fosse pago, COM CERTEZA, ninguém ousaria se expor da maneira como faz a grande maioria dos candidatos. Confesso que ontem, pela primeira vez, tive a pachorra de assisti-los. Também confesso que cochilei antes do final…

O que primeiro me chamou a atenção foi a necessidade de chamar a atenção que é demonstrada pelos candidatos. Mas, para situá-los no meu raciocínio, antes vamos a um pouco de história genealógica: há alguns séculos a maior parte do povo simplesmente não tinha o que hoje denominamos sobrenome. Esse tipo de coisa somente era uma constante na realeza, que vivia traçando sua ascendência para comprovar a “nobreza” de sua estirpe. Mas o povo, de uma forma natural, começou a necessitar de uma identificação familiar, algo que caracterizasse seus descendentes. Daí foram traçadas as primeiras tentativas de se destacar em seu meio, quer seja através de sua ascendência (Robson, filho de Rob), de uma característica natural (Oswaldo, o vermelho; Sebastião, o coxo), de sua profissão (Adriano, o ferreiro), da localidade em que morava (José, dos campos), enfim, algo que identificasse de forma exclusiva aquele determinado núcleo familiar. É lógico que com o passar do tempo e a miscigenação foram surgindo variantes e adaptações fonéticas que perduram até os dias de hoje.

Mas o porquê desse assunto? Simples. Na identificação dos candidatos pode-se perceber claramente que eles procuram desesperadamente chamar a atenção para si, tentando destacar-se dos demais, através de alcunhas “exclusivas”, como fazia o povo de antigamente. Daí surgem os candidatos “perueiros”, “doutores”, “pipoqueiros”, “fofões”, etc, etc, etc.

Outra maneira pela qual procuram fazer isso é dizendo o óbvio. Prometem regularizar, regulamentar ou defender coisas que até mesmo a propria Constituição já faz! Isso quando não trazem frases do tipo: “fui eu quem apresentou tal projeto de lei” – ou, pior ainda: “eu votei a favor no projeto de lei tal”…

Oras bolas! Depois de tantos ANOS no poder era de se esperar que tivessem feito alguma coisa, não é?

É nítido o despreparo de uma grande parcela dos candidatos. Alguns mal conseguem se expressar, e nos casos extremos ainda surge alguém um pouco mais “famoso” e fala pelo candidato! Será que alguém votaria numa pessoa assim? Será que ele próprio votaria em si mesmo?

Outro detalhe comicamente curioso são os candidatos do Prona (vulgo “meu nome é Enéas!”). Será que para se filiar ao partido eles são obrigados a fazer um cursinho pra falar daquele jeito? Não importa se jovem, velho, homem, mulher, seja lá o que for, todos eles trazem exatamente o mesmo tipo de discurso entusiástico. Burlesco e caricato. Mas entusiástico.

De um modo geral, as promessas continuam vazias. Muitos se propõe a consertar esta ou aquela situação, mas simplesmente não dizem COMO irão fazê-lo. É fácil criticar algo que existe e dizer que fará diferente. Mas prestem atenção nas entrelinhas e nas letrinhas miúdas: há que se ter uma proposta concreta, factível; caso contrário teremos pura e simplesmente mais uma promessa de político em campanha…

Hoje tentarei assistir novamente – se não estiver muito cansado tenho certeza de que darei boas risadas!

De minha parte, votarei nos mesmos candidatos nos quais já votei anteriormente. Afinal de contas, acompanhei sua trajetória e sei o que eles fizeram no verão passado. E vocês? Lembram-se em quem votaram? Sabem o que eles têm feito?

“in dubio pro reo”

Uma das presenças constantes na vida de um advogado em começo de carreira são os “clientes” da PGE – Procuradoria Geral do Estado – também carinhosamente conhecidos como “Jóta-Gê”, ou seja, Justiça Gratuita. Tratam-se de pessoas que necessitam da presença de um advogado – porque são demandantes ou demandadas em juízo – mas cujos rendimentos são tão baixos que o próprio Estado se incumbe de constituir um representante legal para eles.

Os advogados interessados se inscrevem numa listagem e, na medida em que os futuros clientes passam por uma prévia triagem, são encaminhados para esses defensores. Nenhum dos dois se conhece até o momento em que esse cliente entra no escritório do advogado munido de sua carta de encaminhamento. Após o final da demanda judicial o cartório envolvido emite uma certidão assinada pelo juiz de direito atestando que o advogado fulano de tal cumpriu com as tarefas para as quais foi nomeado. Essa certidão é apresentada para o Estado, o qual (normalmente depois de loooooooongo e tenebroso inverno) deposita os honorários advocatícios numa conta-corrente específica para isso. É LÓGICO que a tabela do Estado não tem NADA a ver com a tabela da OAB, estando bem aquém desta…

Ainda assim são muitos os advogados que se inscrevem. Inclusive como ocorreu com o nosso amigo, Alegado

Foi dessa maneira que ele se viu defendendo um sujeito contra o qual a mulher ajuizou ação de separação. Em tese seria uma audiência simples, um pouco de lavagem de roupa suja – como de praxe -, algum acordo e pronto. A audiência transcorreu conforme o esperado e, após a assinatura do termo pelas partes, pouco antes de sair, eis que, remexendo em seus papéis e um tanto quanto distraída, a juíza diz:

– Senhor Fulano, espere apenas mais um momento… Parece que temos também aqui uma ação de execução de alimentos correndo em outro cartório na qual o senhor ainda não foi citado e recebi o processo aqui para que se procedesse a dita citação em audiência… Deixe-me ver…

Mais tarde Alegado viria a saber que aquela senhorinha da separação havia ajuizado DUAS ações contra o tal do Fulano. Por se tratar de justiça gratuita, foram nomeados dois advogados distintos e as ações foram distribuídas em dois cartórios distintos. Entretanto, na de execução de alimentos, simplesmente não conseguiam citar seu cliente e quando descobriram que estava marcada uma audiência de separação… bem, num sinal de perspicácia da advogada dessa outra ação, foi só questão de requerer a citação em audiência.

Mas naquele momento, naquele átimo em que as últimas palavras da juíza ainda reverberavam pela sala de audiência, ante a lividez de seu cliente, e num estágio de pleno curto circuito cerebral, tudo que Alegado conseguiu lhe dizer foi o seguinte:

– Se você tem pernas, corre!

E lá se foi o Fulano porta afora…

Já disse antes que a sorte de Alegado anda de braços dados com o desastre iminente. Bem, nesse caso, foi pura estupidez mesmo. Todos os demais presentes na sala encararam Alegado com ar estupefato. Não era crível que alguém, em sã consciência, desse um “conselho” daquele tipo. Ainda mais NA FRENTE da juíza.

E esta, numa cena digna da fúria do mago Gandhalf em Senhor dos Anéis, colocou as mãos sobre a mesa, levantou-se, o olhar em chamas, e do alto de seus quatro metros de altura vociferou:

– O SENHOR FICOU LOUCO?!!! ACHA MESMO QUE ISSO VAI IMPEDIR A CITAÇÃO DO FULANO?!!! POIS SAIBA QUE NÃO SÓ VOU DÁ-LO COMO CITADO COMO AINDA VOU REPRESENTAR VOSSA SENHORIA NA ORDEM DOS ADVOGADOS!!!!!

Tudo que restou a Alegado foi desvanecer da sala de audiência, sentindo-se sem uma gota sequer de sangue no corpo. Ainda tentou, mais tarde, verificar com a advogada da ação de execução de alimentos o que exatamente a juíza teria certificado nos autos daquele processo (pois algumas ações de família correm em segredo de justiça), mas a única resposta que obteve – com uma certa satisfação dessa advogada, diga-se de passagem – foi:

– Faz o seguinte, doutor: o senhor junta uma procuração nesse processo e daí o senhor vai poder não só ver o que quiser como também peticionar se achar necessário…

Bem, no mundo real, um advogado que tivesse cometido tal sandice certamente seria representado na Ordem, com o sério risco de ter sua carteira cassada, nem que tivesse mais de treze anos de profissão. Mas como esse é o mundo do Alegado, o AdEvogado, e como ele ainda deverá passar por muita coisa por aqui, basta dizer que não foi desta vez que ele deu com os burros n’água.

Mas certamente não foi a última gafe que cometeu…

* Existem diversas histórias que permeiam os corredores dos fóruns da vida, que já aconteceram comigo, com você e com todo mundo, mas que seriam impublicáveis se conhecida a autoria. Pensando nisso criei o “Dr. Alegado”  – um personagem que possibilita compartilhar tais histórias – todas verídicas!

Game world

Meu filhote mais velho, do alto de seus sete anos, já é um enxadrista melhor do que muitos adultos que conheço. O que não impediu que ontem, após cerca de uns vinte lances, eu lhe desse um fulminante xeque-mate.

Ficou acertado uma revanche para hoje à noite, mas agora em outro território: jogaremos Need for Speed Underground no Playstation II.

Sinto que levarei uma memorável surra…

Lembranças, história… e uma antena?

Há não muito tempo, num sábado de manhã, eu estava dando uma volta pelo Centro da cidade onde moro. Acho que pelo seu tamanho atual, abrigando mais de setecentos mil habitantes, já quase podemos chamá-lo de “Centro Velho”… Aliás, uma pequena pérola de cultura inútil: os censos de alguns séculos atrás referiam-se às vilas e povoados com algo como “trinta fogos e cem almas”; fiquei um tempo perdido com essa definição até que acabei descobrindo – no exemplo seriam trinta casas (cada casa um fogo, em torno do qual se une a família) e cem pessoas (cada pessoa, uma alma).

Mas onde estávamos? Ah. Sim. O Centro.

Durante muitos anos trabalhei no Banco Nacional (“O Banco que está a seu lado!”) – aquele do Ayrton Senna. Ficava bem em frente das Lojas Americanas. Sou da época em que o banco estava começando a se modernizar, de modo que comecei trabalhando com as antigas máquinas Burroughs, aquelas autenticadoras de documentos com centenas de botões na face. Ainda me lembro da dificuldade de se autenticar alguns tipos de carnês muito estreitos – chegava a machucar a mão! Houve uma época, pelo cargo que eu ocupava, em que eu era simplesmente o primeiro a entrar e o último a sair, o cara que abria e fechava os malotes diários. Lembro-me de cada detalhe do prédio, até mesmo das reformas pelas quais ele passou. Cada trinca, cada rangido, cada cheiro. São lembranças que fazem parte de mim e de mais ninguém, até porque o prédio não mais existe. Foi totalmente derrubado para construção de alguma outra coisa. Tudo que se vê – hoje – é um grande descampado bem no centro comercial da cidade, maior mesmo que um campo de futebol.

Nessa época do banco costumávamos almoçar em algum dos diversos restaurantes que fervilhavam pela cidade. Bem do lado do banco existia uma pastelaria de um chinês que tinha conta conosco – o dinheiro que ele trazia sempre cheirava a fritura – e seguindo pela mesma calçada, após uma loja só de calças Lee, havia uma espécie de cantina muito simpática, bem lá no fundo. No mesmo quarteirão, ao dobrar a esquina, passando bem em frente da Doceira do Vale, encontrávamos um outro restaurante. Toalhas e guardanapos de linho, garçons sempre simpáticos (qual não é?), um ambiente diferenciado, um local para conclusão de grandes acordos comerciais. Mesmo antes de entrar no banco, numa época em que trabalhei com marcas e patentes num escritório de publicidade, já costumava levar meus clientes ali para fechamento de contratos. Em particular lembro-me das saborosas bolinhas de manteiga (feitas por eles próprios) para se comer com um pãozinho antes das refeições. Do prédio só restou a fachada, o resto todo foi vítima de um incêndio há muitos anos. Aliás, no lugar daquela doceira temos agora uma moderna farmácia, e todo o espaço da pastelaria, da loja de jeans e daquele outro restaurante foi tomado pelo novíssimo e brilhante prédio dos correios.

Seguindo pela mesma rua, na esquina oposta a um dos poucos hotéis de luxo da cidade (na época), havia um simpático bar, que, pela sua construção antiga, possuía o piso bem mais alto que o da rua. Ficávamos tomando nossa cervejinha ali do alto, observando os transeuntes e papeando com as moçoilas que ainda iam entrar. O aconchego de suas cadeiras, o confortável formato de seus assentos ainda é uma lembrança nítida. Hoje? Não, nada de bar. Um prédio de uns vinte andares (cuja construção acompanhei dia-a-dia) tomou seu lugar.

Para os fins de semana havia o Cine Palácio, um respeitável cinema bem em frente de uma grande praça – daqueles que possuíam camarote, nos quais crianças e casais adolescentes NÃO podiam subir. Se não me falha a memória o primeiro filme que assisti nesse cinema (com um certo deslumbramento, confesso) foi o do Superman – o primeiro, com o Cristopher Reeve. Por seu tamanho e localização era um local disputado para realização de solenidades, formaturas, etc. Mesmo assim, no final da década de noventa seu prédio passou a abrigar mais uma das franquias da Igreja Universal – e hoje, totalmente despido de telas, cadeiras, mármore, tapetes e todo o resto, nada mais é que um grande estacionamento.

Sei que ando meio saudosista por esses dias, mas, fazer o quê? Esse sou eu. Também sei que a cidade não pára, tem que continuar crescendo, mudando, se modificando. Talvez essa pele da cidade seja como nossa própria pele. Possuímos marcas, cicatrizes, às vezes um hematoma – mas tudo passa: ou saramos, ou nos acostumamos com isso de tal maneira que deixa totalmente de nos incomodar, por mais gritante que seja a marca. Assim é a cidade. Com o tempo nos acostumamos de tal maneira com as mudanças, que sequer lembramos mais como era antes. Mas, no meu caso em particular, acho que é como dizia aquela música, “tudo que morre fica vivo na lembrança; como é difícil viver carregando um cemitério na cabeça (…)”.

Mas, falando em cemitérios – que mórbido! – já disse mais de uma vez o quanto aprecio genealogia e história, até porque são duas matérias que andam de braços dados. Participo de algumas listas de discussão desse gênero, tenho uma pequena, mas rica (culturalmente falando), biblioteca sobre o assunto e sempre que posso faço o possível para ajudar a guardar a memória histórica de uma cidade. Semana passada, após uma longa espera e algumas negociações, me veio às mãos um livro de registros de uma cidade vizinha. Minha missão voluntária: digitalizar e transcrever o conteúdo de suas páginas, que carregam mais de cento e trinta e cinco anos de história. Pois é, cada louco com sua mania…

Por fim, para não passar totalmente em branco, informo a todos os interessados, curiosos e afins, que FINALMENTE acertei a mão com a bendita antena. Como em casa só tenho sinal da TV aberta, eu precisava ao menos tentar melhorar a recepção da Cultura – último bastião de seriedade cultural no meio de todo o resto. Abaixo temos dois ângulos da arte desta criança grande que vos escreve.

Bons tempos!

Caneca de alumínio cheia de leite quentinho com Nescau (antes de dormir e assim que acordava). Pé descalço. O dia inteiro. Sem camisa. Estradinhas de terra no quintal pra brincar de carrinho. “Hominhos”, “indinhos” e bichinhos diversos de brinquedo. Coleção de chaveiros. Velocípede (ainda existe essa palavra?). Pipa. Carrinho de rolemã. Álbum de figurinhas. Jogo de bafo (com as figurinhas). Rela-rela, esconde-esconde, cabra cega, pular sela. Rolar na grama. Com o cachorro. Vira-lata. Fugir do banho (os dois). Assistir televisão até tarde enrolado numa mantinha. Ficar sentado no muro da frente de casa vendo o povo passando. Ir pra roça. Descer barranco de morro na carreira. Remar. Nadar na represa. Esconde-esconde no milharal. Tomar leite de manhãzinha direto da vaca. Numa canequinha esmaltada. Espumante. Quentinho. Escola. Guarda-pó. Sala de aula. Carteira (de madeira e ferro fundido). Desconfortááável! Recreio. Guerra de giz. Dardos de papel no teto. Desenhos e mensagens na última folha do caderno. Cadernos de perguntas e mensagens. Excursões da escola. Professores queridos e professores odiados. Primeiras paixões de infância… Missa do domingo. De manhãzinha. Praça. Pombos. Pipoqueiro. Pipoca com queijo. MUITO queijo! Macarrão e frango no almoço (às vezes assado). Dia de refrigerante. Visitar parentes. De sopetão. Café da tarde. Com bolo. Feito na hora. Quentinho. Brincar com a primaiada. Até cansar. Voltar pra casa. Dormindo. No carro.

Ah… Bateu uma saudade da minha infância…

E então…

E então na semana passada subi no telhado pra trocar o poste da antena. E então tinha uma casa de marimbondos-cavalo logo debaixo da base da antena. E então – a muito custo, muito sol na cabeça e muitas horas depois – instalei um poste mais alto. E então a imagem da TV não melhorou NADA. E então, alguns dias depois, queimou o booster da antena. E então é difícil pra caramba de achar no mercado um da marca e do modelo que preste. E então todo mundo vai ficar sem televisão até domingo, que é quando conseguirei subir na porra do telhado de novo e trocar o booster. E então hoje eu vim trabalhar. E então meu estagiário conseguiu um emprego melhor e não volta mais. E então minha colega de trabalho, amiga pessoal, meu braço direito pra tudo, ficou doente e não veio trabalhar. E então tem mais de UMA CENTENA de processos pra despachar, formalizar, aditar, dar parecer e tudo mais. E então todas as Secretarias ligam, cada qual dizendo que o seu processo é mais importante. E então hoje é dia de fechamento do Boletim e tenho que preparar as publicações. E então já passa da hora do almoço. E então estou com uma PUSTA dor de cabeça. E então, e então, e então…

É. Realmente. A única certeza é que A VIDA; a vida é uma caixinha de surpresas…

Alegado, o AdEvogado

Seu curioso nome foi fruto de uma feliz experiência de vida de seu pai. Tendo trabalhado por muitos e muitos anos em uma oficina mecânica de caminhões, ligada a uma transportadora, eis que numa bela manhã de sol viu-se desempregado. Apesar de já beirar os quarenta, sua mulher estava grávida pra valer pela primeira vez. Digo “pra valer” porque ela já havia tido complicações em duas gestações anteriores e dessa vez tudo corria bem.

Talvez tenha sido por isso, ou pela falta de perspectivas naquele momento em um Brasil vivenciando a plena ditadura, que se encheu de coragem para ajuizar uma reclamação trabalhista contra seus ex-patrões. Por certo gostava deles – afinal tinham lhe dado emprego quando sequer conhecia direito o ofício – mas, enfim, precisava sobreviver.

Após alguns meses de demanda, com seu filho prestes a nascer, eis que chegou o dia da audiência. E seus ex-patrões simplesmente não compareceram! Maravilhado com o que mais tarde descobriu chamar-se revelia, ouviu a sentença que foi dada ali, na hora, ditada em voz alta pelo magistrado – mas que guardou na memória tão-somente a parte final: “Assim, em face do alegado, dou ganha de causa ao senhor…”

Estava estupefato!

Seu advogado havia lhe dito que tudo aquilo poderia demorar anos – mas não! Tudo havia dado certo! Ligou para seu vizinho para poder compartilhar sua felicidade com a esposa, mas recebeu a notícia de que ela não estava lá. A hora havia chegado e sua sogra a tinha levado para o hospital.

Pegou o ônibus e dirigiu-se o mais rápido que pôde para maternidade. Aquelas palavras da sentença martelando em sua cabeça. Ao chegar, seu menino, seu herdeiro, acabara de nascer. Era um bom sinal. Tudo aquilo era um bom agouro. Naquele momento decidiu que seu nome deveria refletir a face de sua felicidade. A face de sua sorte. A face do Alegado.

Seu pai soube trabalhar bem com o dinheiro que havia recebido, além de ter arranjado um novo emprego logo em seguida, o que garantiu à família uma boa vida de classe média (quando esta ainda existia).

E Alegado cresceu. E tornou-se adulto. Possuía um tipo comum para quem é do Estado de São Paulo: era mais alto que baixo, mais magro que gordo, mais claro que escuro, com o cabelo mais pra liso que pra cacheado. E, por inúmeros motivos, formou-se advogado.

Sua estrela talvez não fosse tão brilhante quanto a de seu pai, mas é certo que se esforçava. A sorte sempre o acompanhou, mas de braços dados com o desastre iminente. Sua carreira traduz-se numa série de momentos tragicômicos: alguns resultando em vitórias e outros em fracassos – mas sempre gerando algum causo pra ser contado às futuras gerações.

A passagem a seguir ocorreu numa audiência em São Sebastião, litoral paulista. Lá pr’aquelas bandas a predominância é de dois tipos de ações judiciais: investigação de paternidade e reintegração de posse (pela proximidade com o porto e pela grilagem de terras).

Num dia que fazia um calor causticante, aguardando o início da audiência, e tentando demonstrar sua boa vontade, Alegado puxou conversa com os advogados da outra parte. Eis que passam duas moçoilas, bronzeadíssimas, pernas de fora, bustiê, exalando hormônios…

– Êita, que abriram a porta da zona no meio da tarde! – Foi o comentário de Alegado. Os outros advogados só esboçaram um sorriso, piscando entre si. Ainda assim Alegado continuou sua preleção sobre as beldades que passaram.

Minutos depois, no horário marcado, eis que todos são chamados à sala de audiência. E Alegado sentiu o sangue esvair-se do corpo. Deu de cara com as “meninas”: juíza e escrevente, respectivamente…

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Pois bem. Vocês acabaram de conhecer a gênese de “Alegado, o AdEvogado”. Como diria Richard Bach, trata-se de uma forminha de pensamento que criei para poder expressar melhor algumas idéias. Existem diversas histórias que permeiam os corredores dos fóruns da vida e que seriam impublicáveis se conhecida a autoria. Através do Alegado, de quando em quando vou compartilhar tais histórias por aqui. Muitos talvez se recordem que já publiquei alguns desses causos antes, mas – oras bolas – precisava dar um passado ao nosso personagem!…