Um dia é o suficiente

Um dia.

Bastou apenas um dia.

Um único, mísero e exclusivo dia.

Foi o que bastou para levar todos os músculos de meu corpo a um estado dolorido tal que faltavam-me forças até mesmo para a tosse constante. Mas, na realidade, foi o estado febril a maior dádiva de toda a situação. Me fez meditar e divagar o suficiente para perceber o quanto as ausências são realmente sentidas por aquelas pessoas que realmente importam. Assim como quão poucas são as pessoas que realmente se importam…

E, talvez, justamente por isso, por essa simples constatação, me deu um cansaço muito grande. Me deu preguiça de escrever. Me deu preguiça das pessoas. De muitas pessoas. Daí simplesmente recortei-e-colei daqui.

Apenas alguns se importam…

Desde pequena meu pai me falava que a maioria das pessoas não se importam, realmente, umas com as outras, só quando convêm ou desconvêm umas às outras.

Nos últimos tempos, pelas coisas que vejo e leio, estou vendo, a cada dia, que meu pai sempre teve razão, e eu fui boba em não acreditar.

Algumas pessoas simplesmente são incapazes de enxergar e dar valor às atitudes das pessoas que as amam e, como se isso não bastasse, ainda ferem de morte as pessoas que elas mais amam, mas talvez ainda não tenham se dado conta disso.

Cada pessoa tem a sua própria maneira de amar, e não podemos dizer qual é a maneira certa e qual é a errada, afinal, não existe certo e errado em um mundo com tantas pessoas diferentes, de gênios tão diversos e que carregam dentro de si os mais variados medos e traumas, que influenciam diretamente na maneira de ser, pensar e agir, por isso não se importar não significa não amar, não querer perto, desprezar.

Muitas vezes, só damos valor às coisas quando já é tarde demais, quando o tempo já passou, quando a pessoa amada já partiu ou quando a situação já está crítica demais para ser solucionada.

Isso é uma atitude normal do ser humano, alguns fazem com mais frequência, outros com menos, mas todos nós, pelo menos uma vez na vida, já agimos dessa maneira.

As experiências de vida nos fazem perceber, cada dia um pouco mais, que devemos aprender a agradecer e a expressar os nossos sentimentos às pessoas que nos cercam, pois um dia elas não estarão mais lá e nós simplesmente perderemos o que pode ter sido a última chance de dizer um “eu te amo”.

É muito difícil dar o melhor de si e não esperar nada em troca, afinal, acreditamos que o nosso melhor merece um reconhecimento, pois só nós sabemos o esforço necessário para dar esse melhor, mas, infelizmente, e isso é um fato que não há como ser mudado, encontraremos por nosso caminho pessoas que amaremos muito, que moveremos céus e terras por elas e estas simplesmente agirão como se nada estivesse acontecendo, como se não estivessem vendo nenhum dos nossos esforços.

Algumas destas pessoas acordarão para a vida em tempo hábil, darão valor às suas atitudes e, provavelmente, caminharão ao seu lado por muito tempo; outras continuarão cegas diante da realidade, e só se darão conta de tudo o que você fez e significou para elas quando você já tiver partido, quando já for tarde demais para te reencontrar.

Não importa qual tipo de pessoa você encontrará pelo seu caminho, o que importa mesmo, é que quando realizamos boas ações sempre somos lembrados e valorizados, independente do tempo que isso demore, mesmo que você nunca saiba e nem veja, a pessoa um dia vai se lembrar de você, vai sentir saudades e vai perceber o quanto você a amou. Tudo nessa vida é uma questão de tempo, pois é o tempo que nos traz as experiências e a maturidade.

Às vezes somos adultos, mas agimos pior do que crianças mimadas, mas, acredite, só fazemos isso para nos defender dos nossos próprios fantasmas.

O mais importante de tudo  é dar o nosso melhor  sempre, e não  importa se  o outro não se importa, o que realmente importa é que você se importa, e tudo aquilo que se faz com amor e entrega verdadeira, volta para nós como créditos de felicidade.

Perdido entre gerações

Esse mundo de crônicas, definitivamente, é fantástico.

Sempre acabo por descobrir mais sobre mim mesmo lendo as mais distintas crônicas alheias.

E Mário Prata – o cronista da vez – tem ótimas, como essa que segue logo abaixo.

E, talvez, a questão principal e que mais me chamou a atenção foi que acabei descobrindo que não existo. Não nessa concepção, ao menos. Não sou da geração dele, onde simplesmente havia uma clara linha separatória entre o que seria sexo e o que seria amor. Não, mesmo. Mas também não sou dessa geração atual, a de ficantes, onde tudo é permitido e nada há a ser perdoado. Estou entre ambas. Sou das antigas mas com pensamentos modernosos, sim, e daí? Na prática, creio que fiquei perdido entre as gerações…

Sabe o que acontece? Para mim, sexo e amor são elementos indispensáveis um para o outro, principalmente o segundo em relação ao primeiro. Se não houver um, não há que se falar no outro. O que já é uma evolução em relação à distinção da geração anterior. Mas daí a essas ficâncias e alternâncias dignas de Friends, onde a amiga de hoje será a namorada de amanhã, a esposa do amigo de depois de amanhã, e sabe-se mais o quê lá no futuro? Não. Sou daqueles que não sabem ficar. Que querem mais. Desse jeito, simplesmente não consigo.

É informação demais para este velho dinossauro…

Mas, cá entre nós, entre ficar por ficar, então fiquemos com a crônica de Mário Prata, que, garanto, é bem mais interessante que meus costumeiros devaneios.

De como ficar sem culpa

Mário Prata
MAR/1996

– O brasileiro é, antes de tudo, um infiel.

Poderia ter dito Euclides da Cunha, que conheceu na pele o problema. E nas costas.

Mas nem todos, diriam os mais jovens. Correto. Mas eu estou a me referir à minha geração, dos meus pais e meus avós.

Não é preciso deitar em nenhum divã de psicanalista para entender o que aconteceu com a minha turma.

Para nós, no começo dos 60, amor e sexo eram duas coisas completamente distintas. As namoradas não deixavam nada. Não se ficava, naquele tempo, imagine. A gente, depois de uns 15 dias (e de muita conversa), pegava na mão. Beijo na boca, só uns seis meses depois. E ficava nisso. Um ou outro conseguia um bico por cima do banlon. Sexo, jamais, impossível. Todo mundo tinha sua namorada (muitos casaram com elas). Depois do namoro íamos para a zona. Lá não tinha amor, tinha sexo, com descalcificadas prostitutas interioranas. E na capital, acontecia o mesmo.

Sexo com amor não existia. Portanto, para nós a divisão amor/sexo era absolutamente normal. Para nós, até então, uma coisa não tinha nada a ver com a outra.

A primeira vez que fiz amor e sexo junto, foi um desastre. A namorada sentou-se na cama e me disse:

– Não é nada disso.

E começou a falar de coisas que eu nunca havia imaginado. Carinho, por exemplo. Nunca tinha feito carinho numa profissional do amor, é claro. Essa namorada me ensinou a fazer amor com sexo. Foi uma grande descoberta para mim. Sei até o dia: 1º de maio de 68 (eu tinha 22 anos), entre uma barricada e outra lá na USP.

Portanto, para a minha geração, no início, traía-se naturalmente, sem culpa.

Hoje com um pouco de culpa, com um certo remorso.

Se na vida dos meus pais e avós eram normal a infidelidade e as amantes fixas ou eventuais (as esposas sempre sabiam e fingiam que não era com elas), com a nova geração a história é outra.

A maior invenção dos anos 90 foi o ficar. Que inveja! Fica-se com uma hoje, com outra amanhã e ninguém está enganando ninguém, traindo ninguém. Culpa?

Nem pensar. Sábia essa geração.

Ainda não entendi por que não se libera esse negócio de ficar para nós também, mais velhos. Acabaria a infidelidade. Você me traiu? Não, só fiquei. Ou seja, a novíssima geração continua infiel. Só que deram um jeito na jogada. Ficar não é pecado, não está nos mandamentos nem de Deus nem da Igreja. Mas se eu ficar, como fica a minha namorada?

Eu tento entender os limites do ficar, mas sinto que a compreensão foge aos meus limites de infiel salesiano. Eu pergunto aos mais jovens: mas ficar, fica até que ponto? Está me entendendo? Tem ficada completa? Ou, se for completa, não é mais ficar? E eles me dizem que, às vezes, ficar pode ser completo. E não é traição. Pinta, entende? E, se pinta, rola. No dia seguinte, imagino eu, nem contam para o melhor amigo. Onde já se viu?

Só que, com a gente, mais velho, elas não ficam. E não é por causa da idade, não. É que elas sabem que nós não sabemos ficar. Quando um cara da minha idade consegue ficar com uma, quer ficar mais, quer no outro dia de novo. Aí não é mais ficar, já entra compromisso, pai e mãe no meio. Ficar, pode.

Ficar mais de uma vez, não. Tá pensando o quê? Casa da sogra, como se diria no meu tempo? Definitivamente eu não sei ficar. Fico devendo.

Ou seja, esse negócio de ficar pra cá, ficar pra lá, completo ou incompleto, é só entre eles. Há de se entender o espírito da coisa. E a minha geração tá muito mais para a carne que para o espírito em relação à ficagem.

Já namorou fulana? Não, mas fiquei. Que coisa mais normal.

Outro dia encontrei com uma amiga da minha geração e ela me disse com a maior naturalidade que a filha dela tinha ficado com o meu filho. Só que quando eu quis tirar um sarro (que é como a gente ficava) com ela há uns 20 anos, nem pensar. Ficou me devendo. E agora vem pra cima de mim com essa normalidade toda. Será que ela quer ficar comigo? Agora? A gente quase avô?

E o mais doido é que há 30 anos a gente cantava no ouvido das meninas: fica comigo esta noite e não te arrependerás!!! E nenhuma delas entendeu o que eu queria dizer.

Resumindo: quem ficou, ficou. Quem não ficou, não fica mais!

E, como já dizia Zilda Mayo, atriz da pornochanchada, numa célebre entrevista para a revista Homem, amar não é só colocar lá dentro.

Rendo-me ao inevitável

Sempre achei essa frase – “rendo-me ao inevitável” – uma grande falácia. Um verdadeiro logro linguístico com palavras bonitas que geram uma bela frase de efeito.

Ora, em última análise, render-se ao inevitável não implicaria em simplesmente desistir? Seria isso, então? Render, capitular, submeter, sujeitar, se entregar, dar-se por vencido. Frente a quê? Ao inevitável, aquilo que não se pode esquivar, o que é necessário, indispensável, fatal.

Capitular perante o inesquivável?

Submeter-se ao necessário?

Sujeitar-se à fatalidade?

De um modo geral tais acepções sempre me soaram de uma comodidade muito grande. Invariavelmente tenho brigas homéricas com diversas palavras – mesmo as mais prosaicas – quer seja com seu sentido, quer seja com sua sonoridade. Expressões, então, também não fogem à essa minha regra encrenqueirística. E, para mim, render-se ao inevitável sempre pareceu trazer implícita a mensagem de que fugir à luta seria então muito mais fácil…

Afinal de contas, viver dá trabalho! Como já me disseram, é para profissionais! Administrar trabalho, família, vida pessoal e relação envolve um quadrilátero com ângulos contrapostos, diversos e, muitas vezes, conflitantes entre si. É quase que desumano viver à procura de um denominador comum que conjugue situações tão díspares, numa incansável tentativa de transformar esse quadro em um panorama harmônico e estável.

Mas não é justamente esse o diferencial do ser humano? Ser humano? Enfrentar os problemas e suplantar as adversidades de modo que torne-se senhor de seu próprio destino? Então a luta constante e inesgotável pela pretendida harmonia seria simplesmente uma condição natural de sua própria existência… Qualquer coisa diferente disso seria um ato de covardia, de desistência, de render-se ao inevitável

Belas palavras, confesso.

Inclusive bem mais prolixas do que eu gostaria (aliás, quão prolixa é a palavra prolixa…) – mas esse modo rebuscado é, também, da minha natureza…

Só que essas palavras, na verdade esse posicionamento – norteador de minhas atitudes – acabou defrontando-se com o peso de minha própria idade. E não falo aqui simplesmente de velhice. Mas sim de experiência. Pois, com o tempo, a gente acaba aprendendo o valor da tolerância…

E assim sendo – ah, inevitável conclusão! – render-se ao inevitável já não me soa assim tão agressivo aos ouvidos.

Talvez porque meu foco tenha sempre sido pela ótica da inevitabilidade da rendição – que, com suada luta, poderia sim ser evitada. Talvez nunca tenha o sido pela ótica da rendição ao inevitável – algo mais voltado a não desperdiçar energias com o imutável. Até porque se é inevitavelmente imutável, havemos de nos render à convivência com tal situação. Ou seja, há que se tranformar em paisagem. Podemos gostar ou não dessa paisagem. Mas inevitavelmente teremos que conviver com ela. Rendemo-nos a ela. Inevitável.

Então, hoje, creio que posso afirmar que render-se ao inevitável não seria, em si, um ato de rendição. Soa-me quase que como uma consequência, um caminho a ser trilhado e para o qual as encruzilhadas ficaram para trás, sem mais desvios ou bifurcações. Nossas próprias responsabilidades a ninguém mais pertencem: descortinam-se por todo o caminho dessa clara trilha e inimagináveis são as consequências de afastar-se de seus tijolos amarelos.

Assim o é no trabalho, onde convivemos com paisagens nem sempre agradáveis, na família, onde raramente os verdadeiros parentes nascem sob o mesmo teto, na vida pessoal, que invariavelmente se atrapalha e se confunde em si mesma pela simples falta de foco, e, principalmente, nas relações, onde este já empedernido coração ainda sofre abalos sísmicos – mas jamais voltará a apresentar novas trincas!

Resta pois a este velho bandeirante d’almas, sertanista de palavras, o óbvio caudaloso caminho rio abaixo, com correntezas, quedas e rodamoinhos no porvir, mas cujo destino final – como todo e qualquer rio que nasce já com essa intenção – sempre será o mar. O aparentemente infinito mar. Almejado e misterioso mar. Naufragável mar. Inevitável mar.

Rendo-me, pois, ao inevitável…

A mulher que fuma

Meu bom (e sumido) amigo Zé Luiz já tratou desse tema lá na Lente do Zé, com seu ótimo texto sobre A Dama de Vermelho – rememorando os áureos tempos do Villagio Café…

Mas esse assunto me veio à mente logo após ler um texto do Mário Prata – pra variar, muit0 bom.

Fui levado a uma recente época em que ainda não tínhamos esse cerceamento que hoje vivemos, esse vigilantismo hipócrita das brigadas do “politicamente correto”.

Naqueles dias sentávamos num bar qualquer, um cinzeiro à mesa, um garçom atento, uma boa bebida, suave música ao fundo, um bom proseio, sorrisos, um excesso em charme e aquele ar meio noir que pairava em ambientes assim. Às vezes uma carona até em casa, um trecho de rodovia, um tempinho para nós, “acende pra mim?” – eu dirigia, “claro!” – me respondia, e a cor e o sabor de seu batom se misturavam às minhas tragadas pela estrada…
 
A mulher que fuma

Mário Prata
JAN/2002

A mulher que fuma é, antes de mais nada, sexy.

Se você for mulher e não fuma, não pense que estou defendendo o cigarro. Não. Estou defendendo a mulher que fuma cigarros. É completamente diferente.

Sim, porque homem fumar pode ser até um ato machista. O mundo inteiro fazendo campanha contra a nicotina e o homem lá, todo macho: fumo mesmo, e daí?

Já a mulher, não. É um dos prazeres do cotidiano dela. Não quer agredir ninguém nem burlar nenhuma lei. Nem feminista é. É feminina e como. O cigarro se incorpora ao seu corpo, suas curvas.

Siga o movimento do braço dela até perto da boca para levar o cigarro, num ritmo que só ela tem. A mão fechada e dois dedos em linha reta, hirtos, que vão se abrindo lentamente até chegar perto do cigarro. Admire a tragada, que faz com que seus lábios participem de um movimento no mínimo excitante. O puxar da fumaça para os pulmões faz com que seus seios se ergam magicamente uns dois centímetros. E, para completar, ainda passa a língua, descaradamente pelos lábios.

Depois solta a fumaça fazendo um biquinho muito do comprometedor, como se estivesse assoviando para a gente. E, com uma leve inclinada do pescoço, fica observando a fumaça virar ar.

Agora observe o seu dedo indicador batendo a cinza no cinzeiro. E, se ela deixa o cigarro descansando ali, não sei por qual fenômeno da natureza, a fumaça sobe retinha e lá em cima, depois de mais de um metro, serpenteia como a gingada de uma baiana de corpo delgado. E se você olha para o filtro vê a marca de um batom que poderia estar – quem sabe – nos nossos lábios.

E não pense que ela apaga o cigarro dando porradas nele. Não. Ela passa a bituca de um lado do outro do cinzeiro, sem pressa, como se estivesse pincelando alguma coisa.

Deviam proibir o cigarro só para os homens. Que teriam o prazer do cigarro apenas na boca da mulher amada. Pra que mais?

Volteando

Mundo cheio de voltas. De coisas que vêm e que vão. E que voltam.

Mais de quatro anos já se passaram e ainda hoje continuo tentando aprender parte da lição…

Constatação
segunda-feira, 26 de março de 2007, às 0:01

Tudo que eu sempre quis foi dividir meus sonhos.

Ledo engano.

Sonhos são únicos. Pessoais, indivisíveis e intransferíveis.

São duros de quebrar, mas às vezes se estilhaçam com facilidade.

E, mais às vezes ainda, acabam.