De perto ninguém é normal

Acho muito maluco pessoas que acham que são malucas. Aliás, mais maluco ainda é quando a maluquice está em achar que outros é que vão te achar maluco!

Maluco!

Aliás do aliás, ando meio que implicando com as palavras ultimamente e – vamos combinar? – “maluco” por si só já é uma palavra bem maluca, nénão?

Mas, enfim, maluquices à parte, volta e meia me pego querendo escrever sobre algo que com certeza já foi escrito antes. E, normalmente, bem melhor do que eu poderia tê-lo dito. Mas talvez o cúmulo do cúmulo seja quando eu acabo encontrando um texto meu mesmo acerca de algo que estou pensando em escrever e já está escrito – talvez até bem melhor do que eu faria hoje!

Ou não.

Enfim (eu já não disse isso?), esse texto é de uma época que eu ainda conseguia pegar boa parte de minhas convicções e juntá-las numa colcha de retalhos que servia muito bem para cobrir e agasalhar os problemas que de quando em quando a gente vive. Com o passar do tempo, o agregar de novas convicções e o abandonar de outras, não sei se essa colcha ainda cobre bem ou se de repente os pés ficam de fora…

Mas quem me conhece vai perceber o quão atual continua sendo tudo isso.

Esse texto foi publicado em setembro de 2005 sob o título “Aconselhamentos“:

É curioso como as coisas são cíclicas e o ser humano, cedo ou tarde, se vê participando de situações que lhe são familiares. E às vezes sequer concorremos para desencadear tais eventos!

Tem uma pessoa – que lentamente estou descobrindo ser uma amiga – que está passando por uma situação um tanto quanto difícil. Não, não vou dar detalhes do ocorrido, mas digamos apenas que tratam-se de problemas com o “coraçãozinho véio sem portêra”… E tive um longo papo com ela, de um modo que, creio eu, pude ajudar em algo. Não no sentido de descarregar um monte de conselhos ou de filosofias de vida, mas simplesmente de bater um papo. Ouvir um pouco, falar um pouco, fazer um eventual comentário.

E isso lhe fez bem.

E também ME fez bem.

Mais no sentido de saber que posso ajudar – com um simples papo – do que qualquer outra coisa. Não sou tão velho assim, mas compartilhar as experiências de vida que tenho sempre é um tanto quanto gratificante. Como diria o Dória, um amigo dos círculos genealógicos, “O diabo não é sábio porque é diabo. É sábio porque é velho.”

E isso é uma grande verdade.

E na maior parte das vezes sequer percebemos a experiência que temos! Explico. Eu, que muitas vezes me acho um pai relapso e distante, já ouvi: “Queria ser como você, um paizão.” Eu, que por diversas vezes acho que falto com o devido carinho para com a Dona Patroa, já ouvi: “Queria ter um relacionamento carinhoso como o seu.” Uma boa parte do tempo sou portador de um mau humor cavalar e já ouvi: “Queria ter essa sua disposição, esse seu bom humor.” Sou estressado por natureza e – pasmem – já ouvi: “Queria ser calmo e tranquilo como você.”

Será que sou eu o errado, ou o mundo não me enxerga como sou? Tenho certeza de que sou a mesma pessoa em todas as situações, seja em casa ou no trabalho. Tá bom, tá bom, exceto quando tenho que atender algum cliente que espera ver uma postura de advogado, quando então ostento uma profunda voz cavernosa, com dicção perfeita e postura de lorde inglês, atingindo o ápice de meu um metro e noventa…

Mas não é esse o caso. O caso é que tanto eu quanto os demais estão plenamente certos. Tudo é uma mera questão de ponto de vista. E assim o sendo podemos tranquilamente ter duas ou mais pessoas com exatamente a mesma atitude mas que SE enxergam de maneira diferente. Pontos de vista. E o bate papo, a troca de experiência, nada mais seria que mostrar um ao outro que os pontos de vista podem ser exatamente os mesmos, podem convergir – basta que se decida assim. Uma vez compreendendo pontos de vista distintos, conseguiríamos também trilhar caminhos distintos. E sem mudar em absolutamente nada o nosso jeito de ser.

Sei que parece um tanto quanto confuso, mas basicamente o assunto se resume naquele velho ditado: devemos aprender com os erros dos outros – até porque não teremos tempo de cometê-los todos! As opiniões de outras pessoas devem sempre ser aquilatadas com parcimônia, afinal de contas, oras, eles não viverão nossas próprias vidas!

Acho incrível a capacidade que as pessoas têm de decidir a vida de outrem. “Isso é o melhor para você”, ou “Não faça dessa maneira, senão vai se arrepender”. Oras, às favas com essas opiniões! Como dizia minha bisa, muito ajuda quem não atrapalha.

Heh… Na verdade acho que estou simplesmente assimilando outros pontos de vista também. Eu, que sempre estou na incansável busca de qualidade de vida, procurando ser um sujeito mais centrado, através da opinião de terceiros acabo descobrindo que JÁ sou assim. Pelo menos sob outros pontos de vista. Acho que falta somente convencer a mim mesmo…

Pois é, gente, a vida é dinâmica, não pára nunca, etc, etc, etc, e acho que temos que SEMPRE procurar melhorar. Pessoas vêm e vão, amizades aquecem e esfriam, paixões começam e acabam. Entretanto as decisões que tomamos são só nossas. NÓS MESMOS é que temos que resolver o que queremos para nossas vidas, traçar uma linha reta e seguir em frente, sem dó nem arrependimento. Ficar confabulando sobre passados possíveis só serve para nos levar a um passo mais próximo da loucura. Lembram-se do filme Efeito Borboleta?

Maníaco por gibis como sou, não poderia deixar de dar uma pitada da matéria aqui. Uma das coleções favoritas que tenho é a do Sandman, a qual retrata a existência dos Perpétuos, sete irmãos que não são deuses, nem mortais, mas aos quais todos se curvam. Sonho, Morte, Desejo, Delírio, Desespero, Destruição e Destino (ou, do original, Dream, Death, Desire, Delirium, Despair, Destruction e Destiny). Ainda falarei mais deles por aqui, mas por ora fiquemos com Destino.

É o mais velho dos irmãos, cego e acorrentado ao livro que contém tudo que já aconteceu e que ainda acontecerá. Caminha, até o fim dos tempos, em seus jardins, que são completamente tomados por labirintos.

E, diz a lenda, você pode passar toda uma existência andando pelos jardins de Destino, sempre com bifurcações e múltiplas opções de caminhos. Mas, se parar, e olhar para trás, verá que deixou atrás de si um único caminho trilhado. Assim é o destino. Hoje, quando olho pra trás, vejo que o caminho que trilhei tinha que ser esse mesmo, e sou sinceramente feliz por isso.

O difícil é conseguir atingir plenamente essa consciência…

PS: Talvez seja importante que saibam o final dessa história. Ela acabou por mirar o coração para um lado, disparou, casou e hoje tem uma filhinha claramente linda e tem vivido feliz para sempre desde então…

Ondas do mar

Vocês já observaram as ondas do mar? Elas vem e vão… vem e vão infinitamente… eternamente… E os acontecimentos da vida? Bons, ruins, felizes, tristes, inesperados, assustadores, surpreendentes são como as ondas do mar. Vem e vão… Nós brincamos no mar, pulamos as ondas baixas, mergulhamos nas ondas altas… nos despenteamos nas ondas que nos surpreende, não ficamos bravos quando a onda veio de um jeito que não queriamos, simplesmente não temos expectativas quanto às ondas… Porém, ainda não conseguimos lidar tão bem com as ondas da vida… Ainda brigamos com elas porque às vezes elas vão embora quando queremos que elas fiquem e às vezes elas chegam quando não estamos preparados. Não conseguimos flexibilizar nossos comportamentos diantes do inesperado. Ficamos parados à margem da vida, sem nos aprofundar na riqueza do oceano que é a vida. Não brigue com a onda, você sempre vai perder, porque é impossivel vencer a onda… se entrega e boia… porque ela vai e volta… mas você fica.

Karin

Alone in the darkness

E então você chega em casa.

Silêncio.

Para minimizar o efeito você se concentra nas tarefas triviais. Limpeza da casa. Roupas no varal. Correspondência sob a porta. Coisas do cotidiano.

Mas, ainda assim…

Silêncio.

Checa seus e-mails, atualiza seu blog, publica no Twitter, passeia pelo Facebook.

Enquanto isso…

Silêncio.

Toma um banho, rememora o dia, resguarda quem queria ver, releva quem não pretendia, planeja o amanhã, imagina o depois, mas…

Silêncio.

E seu coração começa a ficar apertado (somente compreende plenamente essa expressão quem já por ela passou).

Come o último pão integral, repassa mentalmente uma lista de compras que sabe que vai esquecer e flerta por alguns momentos com uma garrafa de vinho ainda fechada que sedutoramente te encara da cristaleira.

Mas o vinho, ao contrário dos solitários destilados, é uma bebida para ser verdadeiramente apreciada, no mínimo, a dois.

Que fique, pois, a garrafa quieta em seu canto, sossegada em seu mais absoluto…

Silêncio.

Recosta-se na cama, arruma o travesseiro, cobre-se, puxa um dos vários livros para mais uma vez continuar alguma das várias leituras.

Mas depois de duas, três, quatro páginas percebe que sequer tem idéia do que está lendo. Seu corpo está presente, mas sua mente não. Deixa o marcador na mesma posição de quando pegou o livro, apaga a luz, aninha-se e fecha os olhos.

E escuta.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Muito silêncio.

Um silêncio ensurdecedor.

Um silêncio que se expande, que cobre, que envolve, se espalha e faz tremer as paredes.

Um aterrador silêncio.

Ainda que busque consolo nas memórias do dia, nas risadas compartilhadas, nas tarefas executadas, nas pessoas encontradas – ou, ainda mais distante, nas memórias recentes, na companhia dos amigos, nas viagens realizadas, na bagunça dos filhotes, nos lábios da amada, enfim, nos ruídos, nas percepções, nas experiências que poderiam preencher sua alma… Ainda assim ele se faz avassaladoramente presente.

Silêncio.

E a noite se estende e é cedo o suficiente para saber quão longa ela será. E nessa, em especial, na qual as famílias já se recolheram, os operários já se foram e as baladas acolhem seus devotos, mais uma vez é a solidão que em meio ao escuro do quarto se aproxima, se entremeia nas cobertas, te envolve nos frios braços e sussura em seus ouvidos.

Silêncio.

E você – pela bilionésima vez – se questiona acerca de seus caminhos, suas decisões, suas escolhas. As conversas que já teve, as que não teve, as que gostaria de ter, as que esperava ter, as que não terá.

E, animal social que é, percebe o quanto lhe faz falta o carinho, o aconchego, o sorriso, o abraço, o entrelaço de pernas, a pele na pele, a confiança largada, a segura companhia, a estável presença, o suave murmúrio das crianças na madrugada, o calor de realmente querer bem e de ser verdadeiramente correspondido, a simples e tenra ternura de sentir serenamente preenchido o coração. Sem efusão. Sem sofrimento. Doce acalento.

Mas não é esse o seu caminho.

Não hoje.

Não agora.

Resta, então, o abraço da solidão.

A noite que se distende.

E, obviamente.

Silêncio.

O poder da memória

Eu me lembro de uma estória – contada em verso, prosa e quadrinhos – de um mago que conseguiu ampliar seus poderes ao vender pedaços de sua memória a vários demônios. Lembranças tão antigas que ele sequer sabia mais que as tinha. Considerou-as inúteis e, pedaço por pedaço, as foi descartando.

“Primeiro dia na escola? Pode levar essa lembrança!”

“Brigas com meus pais? Para que vou querer isso?”

“Colegas de trabalho, conhecidos do dia-a-dia? Não me servem de nada.”

“Aquele relacionamento que não deu certo? Essa eu até pagaria para você levar!”

Enfim, cada uma daquelas memórias – ou sequência de memórias – foi sendo levada, substituída por mais e mais poder. Assim ele se tornou o mago mais poderoso de sua era.

E também o mais confuso.

Sem o auxílio das memórias – mesmo daquelas que ele sequer lembrava – todo seu embasamento moral, toda sua estrutura emocional acabou por ficar em frangalhos…

O mago em questão imaginou que estava fazendo um ótimo “negócio” simplesmente porque não tinha noção do verdadeiro poder da memória. São nossas memórias que nos fazem ser quem somos e como somos. Elas nos definem. Nos acalentam e nos protegem quando precisamos. Mas também doem. Também machucam. Também deixam o coração apertado, espremido e saturado.

Basta um cheiro. Uma música. Um lugar. Uma frase. Qualquer mínima fagulha serve para abrir os diques d’alma e nos inundar com memórias nem sempre desejadas.

E mais: é um erro pensar que manter-se em movimento ou em constante mudança evitaria essas fagulhas. Nada mais estamos fazendo que criando novas memórias – que, ao seu devido tempo, invariavelmente entrelaçadas com as anteriores, também poderão nos consumir…

Ou seja, não há fuga.

Não há onde se esconder.

Não há local, remédio, bebida, trabalho, diversão ou companhia que surta efeito quando tratamos do quesito apagar memórias. Exceto, talvez, a solução radical adotada em Sucker Punch

Então, na prática, não tem jeito. A única alternativa (e se é única, por que seria alternativa?) é conviver com nossas memórias, tentando mantê-las sob controle, com rédeas curtas e, se preciso for, até mesmo focinheira! Pois as memórias estarão sempre ali, estáticas, esperando para nos pegar de assalto. Então é bom que estejamos prevenidos!

Aliás, é creditado a Bob Marley a frase de que “a única razão de sermos tão apegados em memórias, é que elas não mudam, mesmo que as pessoas tenham mudado”. E as pessoas mudam. Sempre. E é mais uma vez culpa da maldita memória a insuportável insistência que temos em tentar resgatar os bons momentos. O problema é que os bons momentos não podem ser resgatados. Eles já se foram. Podem apenas ser preservados. Onde? Sim, na memória.

O truque então é manter o foco em outro objetivo: criar novos bons momentos. E tentar mantê-los, protraí-los no tempo, distendê-los até que se tornem uma constante em nossas vidas. E, dessa maneira, esses novos bons momentos poderão fixar sua indelével marca na memória, talvez até mesmo sobrepujando aquelas que teimam em doer…

Porque a dor de uma memória é uma dor inigualável. É a dor que vem da sapiência do que foi, do reconhecimento do que poderia ter sido e do desespero do que não será. É uma dor que dilacera, que rasga, vira no avesso e torna a rasgar. E que invariavelmente nos leva às lágrimas.

Mas – incomensurável detalhe – essas lágrimas em especial não vêm do corpo.

Vêm da alma…