Veredas da Vida – V

Interlúdio

De novo, isso? Pedindo demissão outra vez? Não dava para sossegar num só lugar, não? Não. Concurseiro que era, acabei passando noutro concurso e dessa vez não tinha como continuar na Prefeitura, pois o salário era, de fato, bem melhor que aquele que eu recebia – mesmo estando num cargo em comissão.

Em 1º de setembro de 93 comecei a trabalhar como Auxiliar Administrativo II nas dependências da TELESP – Telecomunicações de São Paulo S/A. Naquele prédio que fica bem ali no Centro de São José, quase em frente ao antigo Hotel Eldorado.


Este aqui!

Meu trabalho principal constava em cuidar do estoque e do abastecimento de peças e equipamentos junto ao almoxarifado para as empreiteiras que prestavam serviços à Telesp. E só digo “meu trabalho principal” porque, não demorou muito, descobriram que aquele rapazinho novo que tinha acabado de entrar sabia “mexer” com o tal do microcomputador.

É que, naquela época (e talvez até hoje), todo o sistema informatizado da empresa estava vinculado a computadores de grande porte, cujo sistema operacional básico era o Unix. A microinformática estava começando a chegar na área e aquele pessoal da velha guarda não tinha nem ideia da poesia envolta em configurar um microcomputador – coisa que eu já vinha me aprimorando há algum tempo. Eu era craque em editar um autoexec.bat daqui, um config.sys dali, algumas mexidas na configuração do hardware, às vezes na placa de vídeo e rapidinho eu turbinava aqueles 386 de vários setores. Não entenderam nada? Tudo bem, mas acreditem: foi assim.

Graças a essa facilidade com os microcomputadores, não demorou muito e comecei a desenvolver um trabalho paralelo, em casa, de montar e vender esses equipamentos. Isso dava uma ajudinha boa na renda e me permitia, cada vez mais, me aprofundar no funcionamento dessas novas máquinas de fazer doidos…

Aliás, pela própria Telesp, em 1994, fiz um curso sobre o sistema Unix, o que me permitiu conhecer um pouco melhor o mais antigo sistema operacional estável em uso que se tem notícias. Linus Torvalds já havia lançado o Linux, mas eu somente o viria a conhecer anos depois. O Linux, não o Linus.

Por conta de tudo isso, ainda que continuasse trabalhando na Telesp, para viabilizar a empreitada com os equipamentos que vendia, no 26 de agosto de 94 inaugurei a minha própria empresa: Asa Informática e Sistemas. Mas, por conta dos compromissos que eu viria a assumir mais tarde, já na carreira de direito, sua duração foi de apenas uns dois anos, quando resolvi encerrá-la.


Asa Informática e Sistemas.

Foi também nesse ano, de agosto de 94 a novembro de 94, que desenvolvi mais um trabalho paralelo, também sem registro, desta vez na Vectra, como Instrutor de Informática. Usávamos as dependências de uma escola conveniada e eu ministrava noções de hardware, de software, sistema operacional e Windows 3.11 para algumas turmas de adolescentes. Foi quando aprendi um conceito cuja palavra somente descobriria anos depois: “ensinagem”. Basicamente é quando, ao se permitir o diálogo franco entre aluno e professor, aprendemos tanto quanto ensinamos…

Aqui cabe uma lembrança, um orgulho pessoal… Graças a esse meu conhecimento na área de informática acabei virando uma certa referência para muita gente. Dentre eles um rapazinho curioso, o Alexssandro (e que eu carinhosamente chamava de “Pequeno Gafanhoto”), a quem eu ensinei muita coisa e que mais tarde também viria a estudar direito. Quando de seu trabalho de graduação fui eu quem, informalmente, orientou-o. Até hoje guardo comigo esse trabalho, com sua dedicatória, e que teve como tema e título: “Dos Crimes de Informática: A necessidade do Direito Informático”.

Mas, apesar de tudo, o tempo estava passando, o ano era 1995, eu já estava no quarto ano de Direito e comecei a fazer o estágio obrigatório, todas as sextas, à tarde. E, pensando no futuro que me aguardava, foi quando disse para mim mesmo: “Mim mesmo, é preciso decidir o que você quer da sua vida!” E eu não via sentido em me formar bacharel em direito e continuar ali, naquele trabalho burocrático-administrativo. Sempre mudando de opinião no que dizia respeito ao meu futuro profissional, naquele momento minha cabeça me dizia que era indispensável, no mínimo, ao menos tentar advogar. Mas, ao mesmo tempo, ali na Telesp eu tinha um bom e garantido salário – desde a estabilidade da moeda, com o Plano Real, em julho de 94. Mas o golpe de misericórdia se deu quando, depois de uma entrevista com a dra. Sandra de Poli, Juíza no Terceiro Cartório do Tribunal Regional do Trabalho, fui aprovado como estagiário de direito. Decidi conversar com meu chefe, Wilmon.

– Então. Você sabe que estou fazendo o curso de Direito, certo? Acontece que eu consegui uma oportunidade de estágio na área de direito e resolvi investir na minha carreira. Existe alguma possibilidade de a Telesp me mandar embora sem justa causa, de modo que eu fique liberado para fazer o levantamento do Fundo de Garantia?

– Adauto, deixa eu lhe explicar uma coisa: a Telesp NÃO manda ninguém embora sem justa causa!

Eu já esperava essa resposta. E como o valor da verba rescisória seria exatamente o mesmo caso eu pedisse demissão ou fosse mandado embora por justa causa e na Carteira de Trabalho não teria nenhuma anotação nesse sentido, decidi pagar pra ver.

– Tãotáintão. Já que é assim, o negócio é o seguinte: a partir da próxima semana não virei mais trabalhar na parte da manhã, pois vou começar um estágio lá na Justiça do Trabalho. E na sexta, como já tenho estágio obrigatório à tarde na universidade, não trabalharei o dia inteiro, ok?

– Mas assim você vai ser mandado embora!

– Touché!

Ele riu, mas me entendeu – até porque ele também havia se formado em Direito recentemente, mas como já tinha muitos anos de casa e um cargo de chefia, após ter concluído o curso sequer cogitou em sair da Telesp.

Comecei como Estagiário na Justiça do Trabalho, no Terceiro Cartório do Tribunal Regional do Trabalho, em 19 de junho de 95, ajudando no cartório, atendendo advogados, reclamantes e reclamadas no balcão, auxiliando a juíza em sentenças mais simples – o que duraria até 19 de junho de 96. Na época o prédio ainda era ali no bairro São Dimas, próximo à Catedral, e o Diretor era o Paulinho – gente boa à toda prova!

Nesse meio tempo, dadas as minhas faltas, ao final de cada semana, meu chefe vinha, rindo, me entregar uma “carta de advertência”… Essa situação inusitada durou aproximadamente uns quinze dias! Chegou um momento em que fui convocado pelo Gerente Regional (acho que era esse o nome do cargo), que me encarou, sério, e disse:

– Muito bem, seu Adauto. O senhor conseguiu. Conversei com a Central e nós vamos mandar o senhor embora. Está bem assim?

Rimos um bocado, conversamos um pouco sobre o futuro e em 6 de julho de 95, antes mesmo de completar dois anos por lá, fui dispensado da Telesp sem justa causa.

E, mais uma vez, estava eu de volta à dureza, com um “salário” de estagiário para sustentar a casa e com um destino incerto pela frente…

Mas essa incerteza do destino já me era familiar e o que eu iria enfrentar a seguir é o que viria a definir meu futuro pelos próximos anos!

(Continua…)

Veredas da Vida – IV

O Início na Administração Pública

Perguntar-me-iam vocês: por que se demitir de um lugar com um salário bom e, sobretudo, com carteira assinada? Responder-lhes-ia eu: porque, apesar de tudo, ainda assim eu poderia ser mandado embora a qualquer momento. Afinal de contas, já havia acontecido antes. O registro em carteira certamente garantia direitos, mas não garantia estabilidade. E, apesar do bom trabalho lá n’O Valeparaibano, na minha cabeça, depois de tudo que eu já havia passado, era necessário ter algum tipo de estabilidade. Por esse motivo eu vinha prestando concursos a torto e a direito, até que finalmente passei em um.

Em 15 de junho de 92 foi anotado na minha carteira de trabalho o início de meu contrato na Prefeitura Municipal de São José dos Campos, no cargo efetivo de Assistente Administrativo. Sim, na época o regime ainda era celetista (regido pela Consolidação das Leis do Trabalho). Era o último ano de governo do então prefeito Pedro Yves Simão e eu fui designado para trabalhar na Secretaria de Planejamento, cujo secretário à época era o sr. Salviano. De cara já passei a fazer parte do CAMPE – Comitê de Apoio à Micro e Pequena Empresa; não ganhava nada a mais com isso, mas era divertido trabalhar com o aspirante a artista Romeu Lepiani e o militar reformado Ítalo Casoni. Isso sem nem falar no resto da turma de arquitetos, sendo de se destacar a sempre querida Rossana e o divertidíssimo Paolo… Pouco mais de um mês após meu início na Prefeitura foi aprovada a Lei Complementar nº 56, de 24 de julho de 1992, que estabeleceu o regime estatutário para todos os servidores públicos do Município. Por conta disso na minha carteira de trabalho a baixa foi dada em 21 de dezembro de 92 – ainda que eu continuasse trabalhando.

Meu local de trabalho era no próprio Paço Municipal, uma construção estranha, um caixotão de dez andares (sete pra cima, três pra baixo), cujo ar condicionado de vez em quando pifava e éramos todos obrigados a evacuar o prédio, pois não era possível abrir NENHUMA janela, já que todas eram seladas. Bicho fuçador que sou, conhecia praticamente todos os andares, assim como o povo que trabalhava por ali. Foi um local onde passamos por muitos bons momentos, assim como por muitos perrengues também. E foi lá que acompanhamos, voto a voto, o impeachment do Collor, no final de 92…

Aliás, de quando em quando o Fundo do Vale (como é chamado o local onde fica a Prefeitura) alagava completamente e o terceiro subsolo do Paço ficava totalmente inundado, assim como os carros que estivessem lá no momento. Isso se dava graças à canalização do córrego – ou seria ribeirão? – Vidoca, que, se não me engano, começou com o Ednardo enquanto Prefeito (correu atrás de um convênio para canalizar, o que seria concluído pelo seu sucessor) e terminou com o Ednardo enquanto Vice Prefeito (reabriu o que não deveria ter fechado)…


Não, o prédio não era azul e amarelo na época…

Teve início o ano de 93 e, com ele, uma nova Administração Municipal, com a prefeita eleita Ângela Moraes Guadagnin. Período conturbado, logo no início, com greve de servidores e o escambau! Apesar dos pesares, da busca pela estabilidade, o salário já não estava mais dando conta, graças a uma inflação que se mantinha firme em torno de 25% ao mês!

Mais uma vez tive que rever meus conceitos e decidi que seria menos pior um trabalho que pagasse mais, ainda que às custas de meu cargo efetivo. Conversei com o pessoal com quem trabalhava e eles, obviamente, acharam que era a ideia mais idiota da face da Terra. Mas sou taurino e, bem, já sabem, né? No início de fevereiro entreguei a documentação necessária no Departamento de Recursos Humanos e fui trabalhar numa marcenaria, mais uma vez no cargo de Serviços Gerais, cuidando de toda a parte administrativa e de atendimento, bem como, de quebra, também desenhando e projetando móveis embutidos sob medida. Não era feliz, sentia falta da Prefeitura, mas a remuneração era melhor. Durou apenas duas semanas.

Isso porque, lá na Prefeitura, deram um jeito de resgatar minha documentação no RH antes que dessem baixa e conseguiram me realocar para um cargo comissionado, cujo salário era um pouco melhor que o meu de origem: Assistente Técnico II (devidamente nomeado através da Portaria nº 266, de 16 de fevereiro de 1993). O CAMPE havia sido extinto junto com o governo anterior e eu passei a desempenhar minhas novas funções na biblioteca da Secretaria de Planejamento: de um lado eu era o responsável pelo controle do orçamento da secretaria (cujo secretário agora era o sr. Edmundo, então Vice-Prefeito) e, complementarmente, ficou aos meus cuidados a organização de toda a documentação que viria a se tornar o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da cidade de São José dos Campos.

Foram mais de 300 laudas feitas sabem em quê? Word 5.0 for DOS! Mas o pior mesmo foi a compilação de todo o material, que chegava via disquete (pendrives ainda não existiam e gravadores de CDs eram um luxo caro demais para se ter), impressos e até mesmo manuscritos. E o que vinha nos disquetes possuía os mais diversos formatos: WordStar, Word 2, arquivos TXT e outros que não eram possíveis de abrir e voltavam para que a origem o “consertasse” e encaminhasse novamente. Não fiquei na Prefeitura tempo suficiente para acompanhar a conclusão do projeto e outros viriam a me substituir naquela tarefa, mas ao menos (orgulho besta…), quando da edição final e impressão do Plano Diretor, meu nome esteve presente, encabeçando a equipe de digitação!

E como não descobri nenhuma foto dessa época, então, só pra constar: bem lá do nosso jeito, ainda continuávamos bem casadinhos…


Levando…

E mesmo assim, após pouco mais de um ano na Prefeitura, metade desse tempo numa Administração, metade noutra, mais uma vez pedi demissão e, conforme Portaria nº 1557/93, fui exonerado em 31 de agosto de 93.

Difícil ficar quieto num canto, né?

(Continua…)

Veredas da Vida – III

O primeiro registro (de verdade)

Pois bem, lá estava eu, com meus recém completados dezoito anos de idade, sem nenhuma formação e já tendo me acostumado a ter minha própria grana. Ainda assim, desempregado.

Bicho inquieto que sempre fui, vivia aproveitando as horas vagas para preencher toda e qualquer ficha de emprego que me viesse às mãos. Por conta de uma dessas fui chamado para participar de uma dinâmica em grupo para uma vaga de trabalho que eu sequer sabia o que era. Como criatividade e cara de pau sempre me acompanharam, devo ter passado bem nesse teste, pois logo em seguida, em 2 de setembro de 87 eu começaria um outro “emprego formal”, como Caixa no Banco Nacional (Agência 0189) – aquele cujo prédio hoje já não existe mais e ficava bem ali na Praça Afonso Penna, do lado da Igreja de São Benedito. Foram quatro bons anos com muitos bons amigos e muitas boas farras e bebedeiras…


Alguém ainda lembra desse antigo prédio, ali à esquerda?…

Meu “posto oficial” era na Agência do Centro, mas volta e meia também trabalhava nos “Caixas Avançados”, que tinham postos dentro da Embraer (no F-107), Tectran (no final da Avenida Cassiano Ricardo), Avibrás (ali no Edifício Rui Dória, no Centro) e Mesbla (dentro do Centervale). Mas o divertido mesmo era sempre que íamos fazer o pagamento do pessoal do quinto turno da Tectran, lá pelas onze da noite, diretamente na linha de produção! Quando acabávamos, após liberar o carro-forte, todo aquele povo ia direto para a Pizzaria Augustos (sim, já existia naquela época) e de lá não saíamos tão cedo… Aliás, nos reuníamos sempre que possível – principalmente quando das corridas de Fórmula 1, pois o “garoto propaganda” do banco era ninguém menos que o próprio Ayrton Senna! Tínhamos um orgulho danado disso!


Sim, sim, eu era sindicalizado!

E foi também no banco que passamos dias de tensão quando, em 16 de março de 90, o safardana do Collor colocou em prática o chamado “Plano Brasil Novo” para tentar estabilizar a inflação através do congelamento e do confisco. Após três dias praticamente confinados na agência, quando abrimos a porta… Bem, deu no que deu.


A única foto que tenho dessa época – e ainda assim foi num curso, em Santos,
não necessariamente com o povo que trabalhava comigo…

No geral era um trabalho divertido, numa época em que ainda não haviam inventado o conceito de “fila única”, com dez caixas em linha e mais outro tanto de atendentes para atendimento no balcão. As autenticadoras eram antigas Burroughs, gigantescas máquinas eletromecânicas que invariavelmente martelavam os dedos dos incautos caixas que não posicionavam corretamente os documentos para autenticação…


Minha ferramenta de trabalho!

Naqueles tempos todos os cheques, independentemente do valor, eram encaminhados para a agência, por isso era necessário ter também uma “câmara de compensação”, ou seja, junte-se a esse povo os chefes, gerentes, secretárias e o escambau e tínhamos um verdadeiro batalhão para tocar o dia-a-dia do banco – bem diferente do conceito de “agências minimalistas” que temos nos dias de hoje… E foi justamente nessa época, no começo dos anos noventa, que teve início a informatização dos bancos, quando paulatinamente foram se transformando até chegarem no formato de hoje, onde todos tentam a todo custo lhe vender algum produto, quer você queira ou não.

Com o tempo acabei sendo promovido a Supervisor de Processamento Contábil (em 1º de outubro de 90) e invariavelmente era o primeiro sujeito que chegava na agência e o último a sair; sabia como funcionava absolutamente todos os setores – talvez mesmo até mais do que deveria. Tal era minha desenvoltura que já no finalzinho vinha frequentando alguns cursos específicos, preparatórios para futuros gerentes…


“Banco Nacional: o banco que está ao seu lado!”

E foi enquanto trabalhava no banco que finalmente, depois de tantos cursos inacabados, conclui o segundo grau, tendo me formado Técnico de Assistente de Administração em 89, pelo Colégio Comercial Olavo Bilac. De quebra aproveitei o ano de 90 e conclui o curso de Desenhista Técnico Mecânico, junto ao CDT, na ETEP.

E antes mesmo disso, em 16 de janeiro de 88, eu e Evanilda nos casamos…


Casados!

Mesmo com tudo isso, com um futuro aparentemente promissor pela frente, já com alguma formação, com bons amigos, casa própria, carro na garagem – nada disso adiantou quando chegou a hora. Que hora? A hora em que o banco decide reduzir gastos, fechar agências, cortar pessoal. A hora do corte. A hora do então chamado “facão”.

E foi justamente quando o facão passou.

E, em 7 de novembro de 91, lá estava eu, de novo, desempregado.

Já que nunca fui de ficar lamuriando pelos cantos, e como – ao menos naqueles tempos – bancos não contratavam ex-bancários, agarrei a primeira oportunidade que me apareceu pela frente. E nesse mesmo mês de novembro de 91 lá estava eu na Organização Contábil Liberdade, uma mistura de corretora de imóveis, contabilidade e advocacia, tudo no mesmo local. De quase gerente em um dos maiores bancos da cidade de volta ao salário mínimo, trabalhando como Assistente Administrativo – que é uma pomposa nomenclatura utilizada para denominar qualquer espécie de “faz-tudo” num ambiente de trabalho…

O bom é que o escritório ficava em Santana, bem pertinho de casa. E eu ficava na antessala do dr. José Ricardo, cuidando do lançamento de notas fiscais e manutenção do programa com que fazia esses lançamentos: um portentoso PC-XT, com um HD cuja memória atingia inigualáveis 10 Mb (sim, é isso mesmo!), que era a minha ferramenta de trabalho. Se eu sabia programar? Eu mal sabia como era um computador! Bem, mais ou menos. O negócio é que quem quer, aprende. E lá fui eu me embrenhar naquele mundo binário de códigos esquisitos, descobrindo o que era um Sistema Operacional (no caso, o MS-DOS 3.30), as ferramentas básicas de um escritório (planilhas no Lotus 1-2-3, bancos de dados no dBase III Plus, e editor de textos no WordStar) e começando a compilar meus primeiros programas no Clipper Summer 87. Fiquei lá até fevereiro de 92, pois já não tinha mais como conciliar dois empregos e, ainda, a faculdade.

Ah é, ainda não falei sobre isso, né?

Logo que saí do banco, percebendo a dificuldade do mercado de trabalho para aqueles que não tinham formação superior, decidi me inscrever em algum curso – ainda que naquele momento não tivesse nem ideia de como iria fazer para pagar se eu passasse! Eu e a Dona Patroa de então já havíamos passado no vestibular no ano anterior, em Mogi, mas nosso orçamento da época não comportava os dois na faculdade, de modo que ela começou o curso de Psicologia, mas eu próprio acabei não indo estudar no curso que tinha escohido daquela vez: Engenharia. Naquele final de 91, de volta à “rua da amargura”, cheguei à conclusão de que, como sempre tive facilidade em várias áreas, o ideal seria escolher algum curso que me desse liberdade o suficiente para não ter que sempre depender dos humores inconstantes de um mercado de trabalho volátil. E Direito parecia ser bom. Passei em 7º lugar.


E esta era minha Carteirinha de Estudante da Univap.

Como eu ia dizendo, não seria possível conciliar dois empregos mais a faculdade. Isso porque, sempre correndo atrás de alguma coisa, fui fazer um teste para uma vaga de Digitador no Jornal “O Valeparaibano”. Finalmente se mostrou realmente útil aquele curso de datilografia que eu havia feito nos idos de 81! Comecei a trabalhar às vésperas do Natal, em 23 de dezembro de 91, com uma jornada de seis horas, que ia das nove da noite até às três da madrugada! Invariavelmente voltávamos para casa de carona na Kombi que saía pouco antes do dia amanhecer para entregar os primeiros fardos de jornais nas bancas da cidade…

O interessante é que entrei na empresa exatamente após uma mega greve que abrangeu, dentre outros setores, as equipes de digitação e de revisão. O Supervisor de Digitação, chateado com o desfecho da greve, resolveu pedir demissão. E a diretoria do jornal não queria de jeito nenhum promover algum daqueles grevistas, de modo que sobrou pra quem? Exato. Eu mesmo.

Mal havia acabado os 90 dias de experiência e, em 1º de abril de 92, já fui promovido a Supervisor de Digitação… Na realidade eu já vinha fazendo esse serviço desde fevereiro, mas o departamento de pessoal não tinha como promover alguém durante o período de experiência. Ao menos foi o que me disseram e eu acreditei… Mantive os dois empregos (já que no escritório de contabilidade, pra variar, eu não era registrado) até o início das aulas na faculdade – quando então fiquei somente no jornal. Estudava de manhã, cochilava um pouco, trabalhava à noite, cochilava outro pouco e assim ia levando minha vidinha suburbana…

Contudo, antes mesmo de completar seis meses nesse trabalho, em 11 de junho de 92, pedi demissão do jornal.

No próximo episódio lhes contarei o porquê…

(Continua…)

Veredas da Vida – II

O primeiro registro (só que não)

Estávamos agora no ano de 1986. Dezessete anos nas costas, tendo passado pelo curso de Mecânica na ETEP e de Contabilidade no Olavo Bilac, mas sem concluir nenhum…


Carteirinha de Estudante da ETEP.

Aliás, conforme já contei por aqui outro dia, nessa época também comecei a fazer Magistério no Maria Luiza, mas foi só de farra! Faltando apenas um ano para me alistar não era nada fácil arranjar alguém que resolvesse contratar o marmitão aqui!

Mesmo assim consegui uma vaga na Serralheria Teixeira, no cargo de “Serviços Gerais” cuidando de toda a parte administrativa e de recepção, lugar onde trabalhei por cerca de uns três meses. E, lógico, sem registro. Infelizmente para o dono da serralheria baixou uma fiscalização trabalhista por lá e ele foi obrigado a me registrar, o que, como diziam na época, só serviu para “sujar a carteira”… Ainda assim esse acabou sendo o meu primeiro “emprego formal” – mesmo que o registro tenha sido feito somente em 6 de agosto e acabei saindo logo em seguida, poucos dias depois, e já foi dado baixa, em 25 de agosto de 86.


Finalmente teve seu primeiro registro…

Exatos cinco dias depois, em 30 de agosto de 86, eu viria a conhecer a Evanilda, que também viria a ser minha primeira esposa…


Namoradinhos!

Como informalidade gera informalidade – e uma vez que eu estava “namorando firme” – precisava ter um trabalho para pagar as contas que ainda não tinha. Já não me lembro como, mas acabei conhecendo o Jorge Chang, proprietário da Chang Assessoria & Marketing, uma microempresa familiar (no começo funcionava na sala da casa dele), com quem trabalhei de novembro de 86 até junho de 87. Na função de “Agente de Marcas e Patentes“, caçar empresas e providenciar o registro de suas marcas e/ou patentes junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) era o meu trabalho – se bem que de vez em quando eu também ajudava um bocadinho na área de publicidade… Foi quando comecei a construir uma rede de contatos, de gente que trabalhava na área e que seriam bastante úteis mais tarde. Reuniões de negócios em restaurantes pomposos eram constantes nessa era pré-cataclísmica anterior ao advento da informática, quando sequer celulares existiam e era indispensável ter sempre algumas fichas telefônicas na carteira. Foi bom enquanto durou.


O primeiro cartão pessoal a gente nunca esquece…

Já tendo passado o “fantasma” do alistamento militar, mas ainda sem uma formação e numa época de hiperinflação galopante, passei o mês seguinte à minha saída trabalhando como Vendedor de Cotas de Consórcios, na Autorama Administradora de Consórcios, de propriedade do Demico, um daqueles contatos da rede que citei. Ganhei MUITA grana no mês de julho de 87, pois a cada cota de consórcio que vendia, de imediato eu recebia 20% do valor do veículo em espécie, ali, na hora. Era um bom dinheiro e que tinha que ser utilizado bem rapidinho, pois no dia seguinte ele já estaria bastante desvalorizado. Foi nessa época que aprendi que eu não gostava de vendas, principalmente se eu não acreditasse naquilo que estava vendendo. A cada novo consorciado que saía dali feliz eu pensava: “Pobre coitado… Não tem a mínima noção da enrascada em que se meteu…”.

Foi também nesse mês, exatamente em 8 de julho de 87, que eu e a Evanilda ficaríamos noivos…


Noivinha!

Mas não deu. Não, não com relação a ela, com relação ao emprego. Mesmo sem registro, mesmo ganhando uma boa grana, até mesmo já estando noivo, aquele negócio de vendas me deprimia – ainda mais sendo de consórcio e, pior, numa época de hiperinflação! Eu tinha acabado de chegar à maioridade e pretendia me casar. Era preciso arranjar alguma coisa mais concreta. Mal completei um mês por ali e caí fora. Já com algumas reservas no bolso resolvi pagar para ver para onde os ventos me levariam.

Mal sabia eu o que teria pela frente…

(Continua…)

Veredas da Vida – I

Antes do Início

Dia desses cheguei à conclusão de que precisava dar uma atualizada no meu currículo – aquele costumeiro rol de empresas e períodos de trabalho que colecionamos no decorrer de uma vida inteira. Afinal já há bem mais de uma década que eu sequer colocava os olhos nele! Resgatei-o das catacumbas de meu computador e comecei a dar uma lida… E a cada linha que eu avançava, um sorriso diferente eu esboçava, afinal foram tantos lugares, tantas pessoas, tantos momentos, tantas situações que já enfrentei, que já nem mais lembrava…

É interessante parar para pensar nas trilhas pelas quais já passamos. Principalmente em se tratando de nossa vida profissional. Hoje, quando olho para trás, vejo o caminho tortuoso que segui até chegar onde estou e – fato incontestável – percebo o quão interligada nossa vida é em todas suas pequeninas nuances…

É uma falácia gigantesca o discurso simplista de que “quando entramos no trabalho devemos deixar nossa vida pessoal lá fora”. Besteira! Nossa vida pessoal é intrínseca à nossa vida profissional – assim como o contrário: o que nos afeta no trabalho também nos afeta em casa. Tomamos nossas decisões profissionais de acordo com as experiências que temos de vida, bem como decidimos a direção de nossas vidas pessoais de acordo com o rumo para o qual as oportunidades de trabalho nos levam. Nada é perene, tudo é inconstante. Às vezes estamos muito bem em ambos os aspectos, outras, nem tanto.

E é isso que desejo lhes mostrar nesta série de textos através dos quais vou contar um bocadinho de toda minha “experiência profissional”, sem exceção, desde a mais tenra idade…

Ou seja, é isso mesmo: senta que lá vem história!

E das grandes!

Muito antes de sequer pensar em trabalhar numa Administração Pública Municipal, assim como a grande maioria dos mortais tive vários outros empregos (e subempregos…), alguns registrados e outros não – afinal, na época, o que era mais importante: trabalhar (e ter um dinheirinho) ou ser “formalmente registrado”? Então.

Se não me falha a memória, meu primeiro trabalho “trabalho” mesmo foi lá pelos idos de 82, do alto dos meus 13 anos de idade, quando eu estava na sétima série (quando o primeiro grau ainda terminava na oitava, ok?). Alguns ainda devem se lembrar dessa história, pois foi quando comecei a trabalhar numa bicicletaria sem saber absolutamente nada de como consertar uma bicicleta. A proposta que fiz foi a seguinte: que me deixassem trabalhar por lá, aprender o ofício e em vez de pagamento em dinheiro eu receberia meu pagamento em peças novas. E essas peças serviriam para reformar a Matilde, uma boa e velha Monareta que eu havia comprado já toda detonada e, em casa mesmo, fui descobrindo como consertá-la… Entre idas e vindas fiquei bastante tempo por lá, pois me tornei um “Técnico em Bicicletas” de mão cheia, tendo aprendido – e muito bem – todos os segredos do ofício. Ao menos no que diz respeito às bicicletas daquela época…


Senhoras e senhores, com vocês, minha primeira bicicleta: Matilde!

É lógico que depois da Matilde tive outras bicicletas “mais decentes”, o que me permitiu inclusive partir para outros “trabalhos” nos anos seguintes.

Um deles foi ajudar a Dona Vitória, mãe de meu grande amigo Niltinho serralheiro, fazedora de salgados e detentora da melhor receita de empada da face da Terra. Eu chegava na casa dela bem cedinho, antes mesmo das cinco da manhã, para auxiliar no término das empadas, pastéis e coxinhas – as verdadeiras: feitas com a legítima massa de batata… Entenda-se por “auxiliar”: pincelar as empadas com gema de ovo antes de colocar no forno. Na maior parte das vezes ficava mesmo era proseando com aquela boa velhinha, muito bem vivida, contadora de causos como ela só! Ou meio que paquerando com o rabo dos olhos a filha caçula dela que sempre meio que estava por ali quando eu também estava… Quando os salgados ficavam todos prontos, com o dia começando a amanhecer, acomodava tudo num isopor e, com minha bicicleta, ia desempenhar minha função de “Entregador de Salgados” distribuindo-os em uma meia dúzia de bares com quem ela já tinha um acordo prévio.


Minha boa e velha Barraforte…

Outro trabalho que arranjei nessa época foi o de Entregador de Jornais. No caso, a Folha de São Paulo. Eu fazia toda a área que cobria desde o Jardim Paulista até as proximidades do Centervale Shopping. Também começava de madrugada, pegando todo o lote de jornais a ser entregue e, com o rol de assinantes na mão, ia de casa em casa, cumprindo minha tarefa. Na época não haviam pensado em colocar os jornais dentro de sacos plásticos (como é feito hoje) e havia toda uma técnica para dobrar o jornal e, ao arremessá-lo lá do portão, ele ia se desdobrando no ar até cair perfeitamente aberto na varanda da casa, próximo à porta. É lógico que, até que eu aprendesse a tal da técnica, muitos jornais ficaram espalhados pelas garagens e alpendres da vida… Isso sem falar em suplementos que iam parar em árvores, páginas de esportes estraçalhadas por cachorros, notícias em geral levadas pelo vento para os vizinhos… Uma festa!

Ou seja, nessa época, para mim, trabalhar nunca foi uma verdadeira “obrigação” – mas sim uma espécie de “diversão”. Eu não tinha uma necessidade premente de dinheiro e quando precisava de algum invariavelmente passava pela bicicletaria para fazer um ou outro bico (de dias ou semanas), levantava a grana pretendida e voltava para minha vida de adolescente.

A exemplo de meu pai, que veio da roça e basicamente com o primário tornou-se um mecânico, técnico em eletrônica e “faz-tudo” de primeira linha, ou de minha mãe, que mesmo sem formação nenhuma era uma costureira detalhista ao extremo, e assim ambos garantiram o sustento de três adolescentes, parecia-me claro que bastava realmente “querer” que as coisas se arranjavam.

Na prática sempre haveria alguma coisa para fazer – se você realmente estivesse disposto a trabalhar. Uma parede para pintar, um gramado para cortar, um terreno para carpir, um “rolo” para fazer, enfim, um bico qualquer. Mas o mais divertido, para mim, era fazer algo que ninguém mais sabia como fazer – e por isso me procuravam. No caso, a manutenção de bicicletas. Desde então passei a frequentar a chamada “Feira do Rolo”, comprava bicicletas usadas caindo aos pedaços, com paciência e gastos mínimos as reformava e voltava nessa mesma feira para revendê-las. E lá vinha uma graninha de novo.


E esse era o meu “eu” da época,
com minha mãe e meu irmão mais velho.

Talvez seja por isso, por tudo que fiz nessa época, que eu acabei adquirindo esta minha fé inabalável de que as coisas sempre vão se ajeitar. Tudo bem que eu não tinha uma real necessidade de dinheiro, mas caso precisasse sempre haveria uma saída, um Plano B – ou C, ou D, ou E, e por aí adiante… Isso porque desde então eu já acreditava firmemente que o universo sempre conspiraria em favor daqueles que não se desesperam frente aos caprichos do destino.

E não demoraria muito para eu encontrar com o destino que me aguardava…

(Continua…)

Sinnerman

Eu gosto de ouvir música.

Não, minto.

Eu gosto MUITO de ouvir música.

Invariavelmente, seja no carro, em casa ou no trabalho, sempre coloco alguma música para tocar. E, por conta disso, acabei descobrindo que tenho uma memória mais auditiva que visual – ou seja, sou péssimo para lembrar de pessoas, mas músicas, vozes, timbres fazem minha memória funcionar…

Tudo isso lhes contei só para dizer que dia desses estava eu aqui no computador, fazendo meus trabalhos e pesquisas, ouvindo ao fundo o álbum Pastel Blues, gravado em 1965 pela Nina Simone (valeu tê-la me apresentado, Nydia!). De repente começou a tocar a música Sinnerman (“Pecador”) e, de imediato, reconheci aquele toque de piano. Mas como assim? Era a primeira vez que eu estava ouvindo aquele álbum! De onde será que conhecia essa música?

E em poucos segundos a minha memória desarquivou a informação: a série Lucifer. Fui conferir e descobri que ele cantou a mesmíssima música no sexto episódio da primeira temporada. Detalhe: eu assisti esse episódio em março do ano passado!

Mas, não sei como, me lembrei disso…

Enfim, a música é muito boa. E serve para que vocês possam conferir a performance de Lucifer Morningstar ao piano.

E, aqui, vocês podem ouvir a versão original, na voz de Nina Simone.