Um pouco de história

De quando em quando tenho o hábito de reler alguns bons livros que tenho na minha parca biblioteca caseira. O estilo do livro sempre dependerá do momento (e humor) pelo qual estou passando: às vezes ficção, outras humor, um livro bem técnico sobre informática, algum compêndio jurídico, algo sobre genealogia, um simples gibi, enfim, varia…

A “bola da vez” diz respeito a gerenciamento e administração. Há alguns dias lembrei-me de uma história lá de meados da década de oitenta, quando as empresas passaram a valorizar os profissionais que tivessem passado por momentos de aguda crise em suas empresas. Ainda que as empresas tivessem falido, esses profissionais eram disputados a tapa no mercado de trabalho, pois seriam eles – justamente por já terem passado por isso – quem teriam condições de identificar possíveis sintomas que levariam uma empresa à bancarrota.

Ora, já dizia um velho ditado que aprender com os erros do passado seria a única maneira de evitá-los no futuro. Ou seja, quem não estiver disposto a aprender com a história, estará fadado a repeti-la…

O livro?

“Big Blues – A derrocada da IBM”, de Paul Carrol. Publicado em 1994 (ou seja, quando a microinformática começava a, de fato, a conquistar o mundo), esse livro conta a história da IBM desde sua fundação até o começo da década de oitenta, quando o computador pessoal acabou fazendo com que essa outrora poderosíssima empresa, sucumbisse ante seu próprio gigantismo, acomodação, burocracia e inflexibilidade. De quebra conta como algumas pequenas e incipientes empresas souberam aproveitar a crista da onda e acabaram por colocar definitivamente sua marca na história da informática. Estamos falando, é claro, de casos como os da Apple, Intel, Compaq, Sun e Microsoft.

Aliás, independentemente da opinião de qualquer um, há que se render à genialidade de Bill Gates, da Microsoft, pois mais que qualquer um ele soube aproveitar o momento em que estavam vivendo. Talvez o mais curioso seja uma passagem na qual ele, na condição de ex-hacker (isso existe?), se mostra indignado ante a postura de outros que estavam “utilizando indevidamente” o software que criou.

Como a maioria dos hackers, Gates considerava em geral a programação como um exercício intelectual, muito embora tivesse uma opinião notavelmente diferente sobre as possibilidades financeiras do software. A maioria dos hackers era constituída de remanescentes da década de 1960, que pensavam no computador pessoal como o instrumento democratizador final. Consideravam os PCs como uma maneira de dar poder às pessoas, permitindo que todos tivessem acesso aos poderosos computadores que haviam sido os principais símbolos do sistema empresarial. Os hackers achavam que o software devia ser compartilhado. Uma pessoa escreveria alguma coisa e a divulgaria. Outros melhorariam o software, terceiros introduziriam novos melhoramentos no que fora conseguido e assim por diante – de maneira muito parecida com os pintores que se valeram das ideias e técnicas de seus predecessores para, através dos séculos, construir sobre a obra uns dos outros. (…)

Agora vocês poderiam dizer: “Uai, mas isso nada mais é do que o princípio do Software Livre, tão divulgado pelo Linux!”. Crianças, lembrem-se que esse livro foi escrito no início da década de noventa, de modo que o Linux (que, por sua vez, foi baseado no já antigo Unix) mal tinha saído das fraldas. Coisas como copyleft e as licenças GPL e Creative Commons simplesmente não existiam. Esses princípios, que praticamente uma geração inteira vêm seguindo, já existem há muito mais tempo do que possam imaginar. Faz parte da própria história da humanidade. E, como já disse lá no início, faz-se necessário aprender com a história, senão…

Direito à fuga

Ele não está descrito em nenhum código ou lei e também não está previsto na Constituição. Ao senso comum parece até absurdo, mas é visto com bons olhos pelo judiciário. O direito à fuga voltou a ser tema de debate entre juristas com a prisão do ex-banqueiro Salvatore Cacciola em Mônaco, no dia 15. Condenado a 13 anos de prisão em 2005, ele deixou o Brasil em 2000 sem nenhuma restrição da Justiça.

Todo cidadão que cometer um crime pode fugir se achar que é vítima de injustiça. Não tem a obrigação, portanto, de colaborar com a Justiça. “É direito natural do homem fugir de um ato que entenda ilegal. Qualquer um de nós entenderia dessa forma. É algo natural, é inato ao homem”, diz o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello.

Novamente me pego consultando a velha foto de minha carteira de advogado para saber se, como eu, acharia que tudo isso não passa de um grande disparate. Dessa vez não recebo de volta sequer um sorrisinho cínico – pois não há ninguém lá. Deve ter saído para gargalhar em algum outro canto…

Conclusões inconclusas

No usual trajeto casa-trabalho / trabalho-casa que faço diariamente de moto, me permito rememorar os detalhes dos últimos acontecimentos de meu dia a dia.

Lembrando algumas discussões (etílicas) do fim de semana fiquei com alguns questionamentos pendentes na cabeça…

O fato de alguém, para determinadas situações, assumir para si um posicionamento que chama de “apolítico”, já não implicaria por si só estar verdadeiramente assumindo um posicionamento político?

E se um sujeito bate no peito declarando que de forma alguma seria arrogante, execrando quem o seja, também já não seria uma forma velada (ou expressa) de extrema arrogância?

Penso reiteradamente nessas questões – que talvez até sejam simples – mas ainda assim não consigo chegar a conclusão alguma…

“Antigamente”

Já fazia um tempinho que eu não comprava nenhuma edição da revista Língua Portuguesa, mas a última – agora de outubro de 2007 – me chamou a atenção pela quantidade de matérias interessantes, a começar pela chamada da capa: “O humor de Guimarães Rosa”.

Dentre vários textos deliciosos (suculentos, eu diria) temos um pequeno comparativo sobre as traduções da obra de Gilbert Keith Chesterton (1874-1936); alguns estudos etimológicos sobre a evolução da língua em detrimento da escrita (quando se fala, por exemplo, “lidileiti” em vez de “litro de leite”); os casos de nomes curiosos e incomuns, segundo levantamentos feitos por Mário Souto Maior (e não aquelas invencionices que circulam pela Internet); e mais algumas outras matérias de maior ou menor relevância – vocês sabiam que a nossa boa e velha cachaça pode ser encontrada com os mais diversos nomes pelo país afora, tais como: abrideira, caeba, moça branca, guampa, porongo, meropéia, pelecopá, penicilina, rama, cotréia, canjebrina, caiana…

Mas uma das matérias que mais gostei foi a entitulada “As línguas mudam”, de José Luiz Florin. Nela o autor traz alguns comparativos sobre a evolução da língua brasileira, e cita trechos de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) que visa demonstrar o fenômeno da mudança do idioma. Segundo o autor, “Esse texto, publicado em Poesia e prosa (Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1983, p. 1320-1321), mostra que muitos termos e expressões, corriqueiros num determinado período, deixam de ser usados e tornam-se incompreensíveis em outro. é o que acontece com grande parte do vocabulário com que o texto é construído (…)”.

Contagiado com os trechos que li, fiquei ansioso por conhecer o restante desse texto. Como na Internet, sabendo fuçar, podemos encontrar praticamente TUDO (“santo Google, Batman!”), segue, na íntegra, a crônica Antigamente, de Carlos Drummond de Andrade.

I – ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficava longos meses debaixo do balaio. E levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era de tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-diogo. Os idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.

HAVIA OS QUE tomavam chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”; ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava – sinal de defluxo – eram impelidos a exortar: “Dominus Tecum.” Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.

ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um “cabrito”, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.

ACONTECIA o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthmas os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

MAS TUDO ISSO era antigamente, isto é, outrora.

II – ANTIGAMENTE, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés sem tugir nem mugir. Nada de bater na corcunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete; depois de fintar e de engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco. O diacho eram os filhos da Candinha: que somava a candongas acabava na rua da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira, que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto.

BOM ERA TER costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão; melhor ainda, ter uma caixinha de pós de pirlimpimpim, pois isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse servido. Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegavam a urtiga no nariz, ou se o faziam de gato-sapato. Mas que regalo, receber de graça, no dia-de-reis, um capado! Ganhar vidro de cheiro marca Barbante, isso não: a mocinha dava o cavaco. Às vezes, sem tirte nem guarte, aparecia um doutor pomada, todo cheio de nove horas; ia-se ver, debaixo de tanta farafo era um doutor mula ruça, um pé rapado, que espiga! E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de rabicho, caía das nuvens. Quem queria lá fazer papel pança? Daí se perder as estribeiras por uma tutaméi, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada.

EM COMPENSAÇÃO, viver não era sangria desatada, e até o Chico vir de baixo vosmecê podia provar uma abrideira que era o suco, ficando na chuva mesmo com bom tempo. Não sendo pexote, e soltando arame, que vida supimpa a do Degas! Macacos me mordam se estou pregando peta. E os tipos que havia: o pau-para-toda-obra, o vira-casaca (este cuspia no prato em que comera), o testa-de-ferro, o sabe-com-quem-está-falando, o sangue-de-barata, o dr. Fiado que morreu ontem, o Zé-povinho, o biltre, o peralvilho, o salta-pocinhas, o alferes, a polaca, o passador de nota falsa, o mequetrefe, o safardana, o maria-vai-com-as-outras… Depois de mil peripécias, assim ou assado, todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca, ou simplesmente a bota, sem saber como descalçá-la. Mas até aí morreu o Neves, e não foi no dia de São Nunca de tarde: foi vítima de pertinaz enfermidade que zombou de todos os recursos da ciência, e acreditam que a família nem sequer botou fumo no chapéu?

Greve dos bancários

Tenho visto aqui e ali uma ou outra notícia a respeito da “greve dos bancários”. Parece que não se trata de nada que seja lá muito consistente. Foi estimado que apenas uns 3% das agências fecharam – o que, é lógico, deve ser desmentido pelo sindicato da categoria, o qual deve informar que a adesão foi beeeeeem maior que isso. O tempo passa, nada muda…

Aliás, muda assim.

Lá pelos idos do final da década de oitenta, começo da de noventa, eu também trabalhei em banco. Na época, o “Banco Nacional – O banco que está a seu lado”. Também conhecido como o “Banco do guarda-chuva” ou o “Banco do Ayrton Senna”. Na realidade um banco de mineirinhos mesmo, pois, como dá para perceber em seu próprio logotipo, fica claro que procuraram fazer com que o triângulo mineiro (da bandeira do Estado de Minas Gerais) estivesse bem protegida ali no meio…

Mas, divagações à parte, voltemos à greve.

Desde aquela época, setembro já era mês de dissídio. E era quando começavam os movimentos grevísticos. Ora, o Sindicato ficava num bairro bem lá na extremidade do que poderíamos chamar de a “Avenida dos Bancos”, enquanto que a agência do Banco Nacional ficava quase que na outra ponta. E o pessoal do sindicato, com seus apitinhos, eram leeeeeerdos…

Nesses dias não tínhamos dúvida: chamávamos o contínuo (uma espécie de office-boy da época), que era irmão de uma das dirigentes do sindicato e o encarregávamos da seguinte tarefa: “Vai lá e faz com que sua irmã comece o movimento de paralisação pelo nosso banco. Se você não conseguir, nem adianta voltar!” E lá se ia o garoto (aterrorizado). Como éramos maus. Mas dava certo!

Como numa estória que já ouvi sobre a greve dos órgãos do ser humano, com os bancos funcionava do mesmo jeito. Bastava travar o sistema que a grita da própria sociedade fazia com que os banqueiros (não confunda com bancários) abrissem a burra e nos concedesse o pleiteado aumento.

Nada subversivo, nada abusivo. Apenas o justo numa época – que talvez a maioria da garotada internetizada sequer conheça – em que galopava a rédeas soltas a hiperinflação. O dinheiro que você ganhava no início do mês valia menos da metade quando se chegava no final daquele mesmo mês. Uma loucura.

Aí eu vejo um pessoalzinho reclamando dessa “greve” que está por aí.

Isso não é greve.

É mera paralisação temporária.

Nada que tenha lá grande consistência.

E no lugar da finada agência do finado Banco Nacional, nada mais existe. Totalmente demolido. Os detalhes do prédio, suas características, seus cheiros, seu visual, seus cantos e móveis somente continuam existindo, em parte, nas lembranças deste velho escriba, que – como diz a música – carrega um cemitério na cabeça.

Tempus fugit…