Em briga de mulher com mulher…

Descubram por si mesmos, por conta desta pitoresca sentença…

JUSTIÇA DE PRIMEIRO GRAU – COMARCA DE DIVINÓPOLIS/MG
3º JUIZ DA UNIDADE JURISDICIONAL DO JUIZADO ESPECIAL

Processo: 0123815-24.2011.8.13.0223
Parte autora: M.J.C.
Parte ré: E.P.S.

EMENTA: Briga de mulher por causa de homem. Invasão de domicílio. Surra com muitas escoriações, unhadas, socos, puxões de cabelo e ameaças posteriores. Fato provado nos mínimos detalhezinhos sórdidos. Agressor que mesmo na presença dos policiais, após o quiproquó, disse que ainda não terminou o serviço e que vai continuar a agredir a vítima, se ela tentar roubar seu namorado. Sujeito do desejo ardente das duas mulheres que afirma em juízo ser solteiro, amante das duas, mas que não pretende compromisso sério com nenhuma delas e que saiu de fininho, quando a baixaria começou, pois não queria rolo para o seu lado. Tempos modernos. Indenização por danos morais devida. Recomendação que se faz ao agente disputado, em razão do aspecto pedagógico das sentenças. Pedido julgado procedente.

SENTENÇA

Vistos etc.
A M.J.C. procurou a Justiça para reclamar da E.P.S.. Disse ter levado uma surra da requerida, com puxão de cabelo e unhada e tudo o mais que a gente imagina de briga de mulher briguenta, dentro de sua própria casa, invadida por ela só porque ela estava com o Nilson, no bem bom, fato que desagradou a agressora. Quer seus “danos morais” e não tem conversa de conciliação não. Chega de perda de tempo.

A E.P.S., esperta, veio acompanhada de advogada porque percebeu que a coisa não está boa para ela não. E a Doutora advogada já despejou logo uma preliminar de inépcia da inicial e citou muita doutrina e jurisprudência para demonstar queno mérito a autora não tem razão, porque houve agressões recíprocas e veio até citando ensinamentos de Ada Pelegrini Grinover e Maria Helena Diniz e Clayton Reis e Carlos Alberto Bittar e Yussef Said Cahali e S. J. de Assis Neto e de um outro tantão de Desembargadores mineiros e gaúchos. Gente graúda de sapiência que costuma escrever tratados de dano moral, de três ou quatro volumes de mil páginas cada um, ensinando a gente como resolver problemas de mulheres briguentas, de puxões de cabelo, de unhadas etc. A defesa mesma é verdadeira compilação da enciclopédia brasileira do dano moral. E fez pedido contraposto, porque triângulo amoroso gera descontentamento, desgraça e amargura… O lado de lá do triângulo é que deve suportar esse ônus.

Na Audiência de Instrução e Julgamento sobrou espinho pontiagudo e venenoso pra tudo que é lado, menos pro lado do Nilson, que veio sorridente, feliz da vida, senhor das moças lá do Halim Souki. Os olhos das duas se encheram de alegria e esfuziante contentamento com a chegada dele na sala. Dava gosto de ver os olhos delas duas. Ninguém nem queria ouvir o magistrado, que só queria trazer um pouco de paz na vida das moças. Todo mundo só esperando acabar os depoimentos para ouvir a sentença.

Então, passo a julgar o causo da disputa pelo Nilson, que foi mesmo na unhada.

Inépcia da inicial eu não vi não, muita data venia da doutora advogada de E.P.S.. A M.J.C. disse para o atermador da justiça o que aconteceu e pediu o que achou o que é de direito dela. Tudo muito bem explicadinho, nos seus mínimos detalhes… Dizer que a “exordial não é clara” só porque não especificou os vocábulos técnicos, a descrição das agressões, não tipificou unhada como lesão ou vias de fato, ah isso é exigir o que a Lei não exige dos atermadores, tão caprichosos no seu mister. Exigir que uma pessoa explique no nome do vocábulo técnico que se dá quando uma pessoa entra na casa da outra, sem ser convidado e para acabar com a festa, o nome técnico que se dá para o puxão de cabelo, a unhada, o soco na cara e o porquê que tudo isso causa sentimento de humilhação, constrangimento e transtorno é o mesmo que pedir que uma pessoa explique porque o fogo queima, a luz ilumina, a chuva molha. Cientista físico até sabe, mas a gente que vem na justiça sem ser cientista não precisa de saber. E isso não é inépcia. Afinal, pra quê tanto enciclopedismo inútil nos processos dos Juizados?

Afasto a preliminar insólita, como insólitas são as brigas de mulheres por causa de homem.

No mérito, o pedido merece prosperar, porque baixaria como se viu não pode ficar sem danos morais.

É que no dia dos fatos o Nilson estava lá na casa da M.J.C., “arrumando uma boia” (sic), quando a E.P.S. ligou para ele, mas ele, nem pra dizer que estava numa pescaria com os amigos! Foi logo entregando que estava com a rival. Êta sujeito despreocupado! Também, tão disputado que é pelas duas moças, que nem se alembrou de contar uma mentirinha dessas que a gente sabe que os outros contam nessas horas só pra enganar as namoradas. Talvez porque hoje isso nem mais seja preciso, como era no meu tempo de pescarias. Novas Leis de mercado. Foi logo dizendo na bucha, na cara limpa mesmo, como fez na audiência, que estava lá com a M.J.C., mas só “arrumando uma boia dela”. E a E.P.S. não gostou da história e foi lá tirar satisfação com a ladrona de namorado, pois isso não é coisa que se faça. E foi logo abrindo o portão da casa da ladrona de namorado, puxando seu cabelo, dando unhada e soco e sei lá mais o quê. O Nilson disse na audiência que só viu as duas se atracando e rolando pelo chão do terreiro, mas ele mesmo saiu de fininho, pois ão queria se meter em encrenca não. Briga de mulher é melhor não meter a colher! Disse pra polícia e pro Juiz que é solteiro, se relaciona com as duas, mas que não quer compromisso com nenhuma delas, isso ele não quer não.

Na hora das perguntas para tirar o compromisso do Nilson foi um Deus nos acuda. Eu tinha de perguntar pra ele se ele tinha “amizade íntima” com alguma das partes do processo. Tá na lei que o juiz deve de fazer essa pergunta, então eu fiz. E ele logo respondeu que namora com a E.P.S., mas que com a M.J.C. ele só tem um… A M.J.C. gritou lá da sua cadeira: Vai negar…? E antes mesmo que ela completasse a frase, aí não deu jeito, aí eu tive que intervir, lembrar que não era “Programa do Ratinho”. Dei duro na M.J.C., que era para ela respeitar. E a E.P.S. riu…

Aí o Nilson se sentiu mesmo o rei da cocada, mais desejado que bombom brigadeiro em festa de criança. “Seu juiz, eu sou solteiro, gosto das duas, tenho um caso com as duas, namoro a E.P.S., mas não quer compromisso com nenhum delas não senhor”. Estava tão soltinho na audiência , com a disputa das duas, que só faltou perguntar: “tô certo ou errado?”

Depois que o Nilson saiu da sala de audiências não vi mais alegria alguma nos olhos das duas em disputa. A M.J.C. ainda resmungando da surra que levou ainda chamou a rival de “esse trem”. Aí for preciso novamente intervenção enérgica deste Juiz, pois “esse trem”, dito assim, se referindo a uma pessoa, no caso a E.P.S., isso é xingamento, pode dar dano moral também, e isso não pode ocorrer na audiência. Dei outra dura nela. Disse que ela não pode xingar os outros na sala de audiências. Ela pediu desculpas. Mas só por causa disso eu resolvi abaixar um pouco o valor da condenação. Ela ia ganhar R$4.000,00 de dano moral. Mas porque chamou a E.P.S. de “esse trem” eu vou abaixar o valor para R$3.000,00.

A outra testemunha trazida pela autora, a Christiana, essa também relatou ter visto a requerida invadindo a casa da M.J.C. e lhe dando uma gravata, pelas costas e que depois do entrevero, dos socos e unhadas e puxões de cabelo a autora ficou mesmo com muitos hematomas.

E não foi só isso que foi provado. Também ficou provado que depois de tudo isso a requerida ainda disse para os policiais que não havia terminado o serviço, que ainda acertaria contas com a M.J.C.. Mas o Nilson não tem nada com isso. Ele deixou claro que não se mete nessas coisas das duas.

Conquanto a parte criminal do causo já tenha sido objeto de transação penal, segundo a culta advogada da E.P.S., podemos tipificar a conduta da requerida em pelo menos três dispositivos do Código Penal, sem medo de errar: invasão de domicílio, ameaça e lesões corporais leves. Tudo isso bem provadinho, tim-tim por tim-tim. E nem se diga que não houve lesões, mas vias de fato, porque isso não é verdade não. Vias de fato não dói. É o empurrãozinho, a cusparada, trequetê. Mas puxão de cabelo e unhada dói muito. Unhada, Deus me livre; dói demais da conta…

Diz o art. 333, do CPC, que ao autor incumbe a prova do fato constitutivo do seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

A invasão de domicílio, as agressões e ameaça posterior foram provadas.

Para mim, só a invasão de domicílio já bastaria para fundamentar a condenação, pois a inviolabilidade do domicílio é direito fundamental previsto no inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, e somente pode ser violada com o consentimento do morador, “salvo em flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Mas, além dela, ainda restaram as agressões e a ameaça, e todas devem ser objeto de valoração negativa da conduta da E.P.S.. Veja-se a propósito o que dizem os doutores nesse assunto de brigas, xingamentos, ameaças, baixarias e agressões:

(…)

Com relação ao valor pleiteado a título de danos morais, fixo a condenação em R$3.000,00. Ia fixar em R$4.000,00, mas como a M.J.C. desrespeitou a E.P.S., chamando-a de “esse trem”, durante a Audiência de Instrução e Julgamento, acho que ela também deve ser punida por esse fato. E ela também não é santa não, deve ter retrucado as agressões. Mas a culpa maior foi da E.P.S., que foi lá na casa dela tirar satisfação. Assim, a condenação é só de R$3.000,00.

Quanto ao Nilson, considerando o aspecto pedagógico das sentenças judiciais, caso ele tome conhecimento da sentença, recomendo que ele tome juízo. Quando estiver na casa de uma e a outra ligar para ele, ao invés de falar a verdade, recomendo que ele diga que está na pescaria com os amigos. Evita briga, litígio, quiproquó e não tem importância nenhuma. Isso não é crime. Pode passar depois lá no “Traíras” e comprar uns lambarizinhos congelados, daqueles de rabinhos vermelhos, e depois no ABC, comprar umas latinhas de Skol e levar para a outra. Ela vai acreditar que ele estava mesmo na pescaria. Trouxe até peixe. Além disso, ainda sobraram algumas latinhas de cerveja da pescaria… E não queira sair de fininho da próxima vez, se tudo der em fuzuê ou muvuca. Isso é feio, muito feio. Fica esperto: da próxima vez que você fizer isso você poderá ser condenado por danos morais. Qualquer advogado vai achar alguma jurisprudência nesse sentido, isso vai. Tem jurisprudência pra tudo! Isso não se faz, não senhor. Ao invés de sair de fininho, como se nada estivesse acontecendo, vê se bota ordem no banzé das moças.

Em face do exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial e condeno E.P.S. a pagar para a M.J.C. a quantia de R$3.000,00, a título de indenização por danos morais, valor este que deverá ser devidamente corrigido pelos índices oficiais adotados pelo Poder Judiciário, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da publicação desta sentença.

(…)

Defiro a assistência judiciária para ambas as partes. Elas são pobres mesmo, em todos os aspectos. E ainda têm que brigar até por homem. Coitadas. E, além disso, na semana passada foi Dia Internacional da Mulher. Elas merecem pelo menos esse tipo de assistência.

Sem custas e honorários em 1º grau de jurisdição.

Publique-se; registre-se; intimem-se.

Divinópolis/MG, 16 de março de 2012.

C.R.L.
Juiz de Direito

Um homem, um barril e a gravidade da situação

Explicações de um operário português sinistrado à Companhia Seguradora que estranhou a forma como o acidente ocorreu. A transcrição abaixo foi obtida através de uma cópia do arquivo da Companhia Seguradora. O caso foi julgado no Tribunal de Justiça da comarca de Cascais.

Exmos. Senhores.

Em resposta ao pedido de informações adicionais informo:

No quesito nº 3, da participação de sinistro mencionei: “Tentando fazer o trabalho sozinho” como causa do meu acidente. Disseram na vossa carta que deveria dar uma explicação mais pormenorizada pelo que espero os detalhes abaixo sejam suficientes.

Sou assentador de tijolos. No dia do acidente estava a trabalhar sozinho no telhado dum edifício novo de 6 (seis) andares. Quando acabei meu trabalho, verifiquei que haviam sobrado 250 (duzentos e cinquenta) tijolos, com cerca de 1 (um) quilo cada. Em vez de os levar a mão para baixo, decidi colocá-los dentro dum barril com a ajuda de uma roldana, a qual felizmente estava fixada num dos lados do edifício ao 6º andar.

Desci e atei o barril com uma corda, fui para o telhado, puxei o barril para cima e coloquei os tijolos dentro. Voltei para baixo, desatei a corda e segurei-a com força de modo que o barril com os 250 (duzentos e cinquenta) quilos de tijolos descessem devagar (de notar que no quesito nº 11 indiquei que meu peso é de 80 (oitenta) quilos.

Devido a minha surpresa por ter saltado repentinamente do chão perdi a minha presença de espírito e esqueci-me de largar a corda. É desnecessário dizer que fui içado a grande velocidade. Na proximidade do 3º andar, embati no barril que vinha a descer. Isto explica a fratura no crânio e a clavícula partida (conforme laudo médico anexo).

Continuei a subir a uma velocidade ligeiramente menor, tendo parado somente quando os nós dos dedos de minha mão direita ficaram entalados na roldana, ante o que soltei a corda (vide laudo médico anexo). Felizmente já tinha recuperado a minha presença de espírito e, antes que caísse, consegui, apesar das forte dores, agarrar novamente a corda com a mão esquerda.

Mais ou menos ao mesmo tempo o barril com os tijolos atingiu o solo e o fundo partiu-se fazendo com que os tijolos ficassem no chão. Vazio o barril pesava aproximadamente 25 (vinte e cinco) quilos.

Como podem imaginar, comecei a descer rapidamente (refiro-me novamente ao meu peso indicado no quesito nº 11), e próximo ao 3º andar encontro o barril que vinha a subir. Isto justifica a natureza dos tornozelos partidos e das lacerações nas pernas, bem como da parte inferior do corpo. O encontro com o barril diminuiu a minha descida o suficiente para minimizar meu sofrimento, de modo que ao cair em cima dos tijolos esparramados no chão felizmente só fraturei 3 (três) vértebras.

Lamento no entanto informar que, encontrando-me caído por sobre os tijolos, sofrendo terríveis dores e incapacitado de me levantar, ao ver o barril pendurado acima de mim, perdi novamente a presença de espírito e larguei a corda. O barril pesava mais que a corda, de modo que desceu e espatifou-se sobre mim, partindo-me as pernas.

Espero ter dado as informações solicitadas do modo como ocorreu o acidente.

Manuel Eduardo de Araujo

( Publiquei originalmente no e-zine CTRL-C nº 02, de março/2000 )

Pamonhas peticionais

Advogado escreve receita de pamonha na petição pra provar que
juiz não lê os autos

Li o causo lá no Direito e Trabalho e fui conferir lá no Não Entendo Direito. Achei divertido…

Entretanto, na minha opinião, o “efeito bombástico” do título não é lá tudo isso, pois, como bem disse o Jorge, “A mensagem que ele incluiu o foi dentro de um texto que parecia ser uma jurisprudência e que tinha uma parte em negrito que, se não houvesse a alteração, seria um resumo do seu conteúdo.”

Ou seja, a receita estava bem escondidinha – ainda que à vista de todos!

Mas não muda o fato que os nobres causídicos de hoje em dia ainda têm o péssimo costume de despejar jurisprudências aos borbotões dentro de suas petições, como se as mesmas fossem aquilatadas por metro linear. Desculpem-me, mas deixemos a medição de lições por comprimento somente para os pergaminhos de Hogwarts, ok? Se algo não for visceralmente essencial para provar seu ponto de vista, então utilize seu próprio bom vocabulário para exercer todo seu poder de convencimento, ou, ao menos, limite-se às citações curtas…

Se o seu texto for claro e objetivo o suficiente, não comportando controvérsias, desnecessários serão os penduricalhos jurisprudenciais. Afinal, “da mihi factum, dabo tibi jus”¹, não é mesmo? Hein? Não entenderam? Ora, isso é latim, pessoal! Fica bem bonitona uma petição toda recheada de latinório, não fica não?

Pode até ficar. Mas, certamente, perdeu um pouco de sua objetividade…

Não, não sou contra o uso do latim, não! Mas somente sou daqueles que acredita que seu uso deve estar no lugar certo dentro do texto certo e no momento certo de ser lido. Simples assim.

Afinal, se já reclamamos o suficiente da morosidade do Judiciário, entupir nossas peças com textos repetitivos e jurisprudência inútil não vai melhorar isso em nada. Só estaríamos tomando ainda mais tempo dos juízes que poderiam se dedicar a coisas mais úteis. Ainda que fosse a busca de uma simples receita de pamonha…

Enfim, ultimamente tenho tentado encarar – quase que tudo – através de uma das filosofias de Steve Jobs: “O simples pode ser mais difícil que o complexo. Você precisa se esforçar muito para conseguir clarear o pensamento o suficiente a ponto de fazer o que é simples.” Acho que é bem por aí. Construir algo simples dá um trabalho fenomenal. E não são aquelas toneladas de jurisprudências que vão conseguir mudar isso!

Aliás, confiram o original vocês também:

Clique na imagem para ampliar!

¹ “Dá-me os fatos, dar-te-ei o direito.”

Indenização por danos religiosos

E eu não canso de falar sempre? Ficção pra quê? A vida real costuma nos brindar com mais absurdos que possam imaginar nossos vãs roteiristas…

Desta feita foi um distinto que entrou com uma ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido Liminar e Perdas e Danos em face do proprietário do terreno acima do seu – pois o caboclo mora no morro e, por isso mesmo, o imóvel de baixo possui servidão de passagem para tubulação das águas pluviais que vem do terreno de cima. Resumo da ópera: se a água é de chuva, não tem como evitar e tem mais é que ceder uma área do próprio terreno para que ela passe.

É como aquele ditado – chuva morro abaixo, fogo morro acima e mulher… Hm… Errr… Não, é melhor deixar pra lá. Voltemos ao causo.

Pois bem, acontece que na região onde moram esses simpáticos vizinhos tem chovido a cântaros (e se você não sabe o que isso significa, saiba que isso não é juridiquês e o que lhe faz falta agora é um bom dicionário) e a tubulação simplesmente não aguentou. Estourou. E transbordou. E inundou.

E, prejudicado com tantos prejuízos – e, talvez, sem nenhum pré-juízo – ajuizou essa pomposa ação que citei no início. Mas adiantando um bocadinho do tema, saibam que, na verdade, a Constituição Federal protege a liberdade de culto, mesmo quando envolve sacrifícios rituais em religiões afro-brasileiras, no caso, a proteção jurídica aos animais não humanos frente a valores religiosos e culturais.

Hein?

Sim, além da questão religiosa, estamos falando também do animal como sujeito de direito, bem como do direito animal e sua proteção legal face à convicção religiosa dos adeptos de determinado culto.

Piorou?

Tá bom, tá bom. Vamos ao que nos interessa, que são apenas alguns trechos de mais essa pérola jurídica:

Ressalte-se Excelência o seguinte:

Em época de chuva aproximadamente 2/3 do terreno fica inundado, devido ao vazamento da tubulação em questão. Esse vazamento já ocasionou diversos danos materiais devido aos alagamentos da casa, senão vejamos:

– Queda parcial do muro lateral direito, o que motivou a cercar a área com tela de alambrado devido a falta de recursos;

– Construção de degrau para contenção de água na casa dos fundos – frise-se casa de funções religiosas, e, uma vez que o atende pessoas idosas e enfermas, dificulta o acesso das mesmas para a casa;

– Inundação do galinheiro, fazendo o Autor perder diversas cabeças de aves que cria para seus cultos religiosos;

– Erosões de todos os tipos e tamanhos no terreno;

– Devido ao aumento considerável de água desde a aquisição do imóvel até a presente data, os assentamentos do Orixá Ossain do Autor estão sendo atingidos pela água, causando danos patrimoniais, materiais e religiosos ao Autor que é sacerdote de religião africana, explica-se, o culto aos Orixás remonta a antes do Cristianismo, desde os primórdios alguns Orixás são cultuados na terra, que é o caso desse Orixá, e a força das águas da enxurrada leva os fundamentos do Orixá embora, fazendo com que o Autor tenha que refazer tudo, tendo novos gastos com animais para sacrifício, buscar novas folhas, velas, grãos entre outros apetrechos necessários para o culto.

– Perda de hortaliças, devido ao alagamento dos canteiros na horta, perdendo inclusive mudas de plantas fundamentais para seu culto e de difícil aquisição na região, tais quais, dendezeiro, akoko, orobô, obi (noz de cola), manjericão, alfavaca, bálsamo etc.

(…)

Do Dano Moral: Visualizar a existência do dano material é bem simples, basta somente calcular o valor dos animais mortos, o valor das plantas e hortaliças perdidas no alagamento, calcular o valor da mão de obra de construção do metro quadrado de muro, bem como o valor do material de construção, e chegaremos ao montante.

Entretanto, o difícil é visualizar um valor do Dano Moral. Primeiramente esclarece que o Autor entende bem o que vem a ser mero dissabor, e que no caso em questão não se trata penas de mero dissabor.

Veja bem, o Requerente desde que adquiriu o seu sítio, possuía uma idéia de local para descansar e passar o resto de seus dias, cuidando de galinhas, de sua horta e cabrita, relaxar na piscina, receber sua família em sua churrasqueira, e até mesmo celebrar os Orixás em sua religião.

Ocorre que toda a calma almejada, foram bruscamente interrompidas com a primeira chuva mais forte e todas as demais que vieram posteriormente:

– Os nimais que seriam sacrificados para seu culto, morreram sem servir ao fim a qual se destinavam e para o qual eram criados;

– As velas de 7 dias, atualmente no importe de R$5,00 (cinco reais) cada, que são acesas semanalmente aonde existem os assentamentos dos seus Orixás eram carregadas pela água;

– As plantas que o Autor com muito custo conseguiu adquirir em outras cidades e estados perderam-se na enxurrada;

– A horta que demandou muito serviço do Autor e de colaboradores ficou sem nenhuma hortaliça restando hoje apenas os canteiros

(…)

Independente disso, o Requerente por ser de uma religião africana já sofre discriminação na vizinhança, sendo chamado constantemente de macumbeiro, quando apareceu com as referidas manchas no corpo [psoríase], algumas pessoas de outras religiões começaram a falar no bairro que o macumbeiro estava sendo castigado por Deus.

No fundo, no fundo…

Êpa!

Pópará!

Até porque este aqui é um blog limpinho e de respeito.

Mas… No fundo, no fundo, beeeeem lá no fundo, a gente até que gosta de se divertir de vez em quando… E, assim o sendo, eis mais uma das maravilhosas pérolas jurídicas que encontramos neste mundão véio sem portêra!

Deleitem-se.

😀

Inversão de valores

Hilário juridicauso pinçado pelo Bicarato (o de lá), mas quem me mostrou foi o Bicarato (o de cá). Roubartilhado daqui.

No Ceará, cabaré processa Igreja Universal
Stella Maris, 08/05/2013 – 08:36

Em Aquiraz, no Ceará, dona Tarcília Bezerra construiu uma expansão de seu cabaré, cujas atividades estavam em constante crescimento (…).

Em resposta, a Igreja Universal local iniciou uma forte campanha para bloquear a expansão, com sessões de oração em sua igreja, de manhã, à tarde e à noite.

O trabalho de ampliação e reforma progredia célere até uma semana antes da reinauguração, quando um raio atingiu o cabaré queimando as instalações elétricas e provocando um incêndio que destruiu o telhado e grande parte da construção.

Após a destruição do cabaré, o pastor e os crentes da igreja passaram a se gabar “do grande poder da oração”.

Então, Tarcília processou a igreja, o pastor e toda a congregação, com o fundamento de que eles “foram os responsáveis pelo fim de seu prédio e de seu negócio” utilizando-se da intervenção divina, direta ou indireta e das ações ou meios.”

Na sua resposta à ação judicial, a igreja, veementemente, negou toda e qualquer responsabilidade ou qualquer ligação com o fim do edifício.

O juiz a quem o processo foi submetido leu a reclamação da autora e a resposta dos réus e, na audiência de abertura, comentou:

– “Eu não sei como vou decidir neste caso, mas uma coisa está patente nos autos. Temos aqui uma proprietária de um cabaré que firmemente acredita no poder das orações e uma igreja inteira declarando que as orações não valem nada!”.

Adêvogado dos bão

Dizem que aconteceu em Minas Gerais, em Ubá, cidade onde nasceu o genial compositor Ary Barroso.

Na cidade havia um senhor, cujo apelido era Cabeçudo. Nascera com uma cabeça grande, dessas cuja boina dá pra botar dentro, fácil, fácil, uma dúzia de laranjas.

Mas fora isso, era um cara pacato, bonachão e paciente.

Não gostava, é claro, de ser chamado de Cabeçudo, mas desde os tempos do grupo escolar, tinha um chato que não perdoava. Onde quer que o encontrasse, lhe dava um tapa na cabeça e perguntava:

“Tudo bom Cabeçudo?”

O Cabeçudo, já com seus quarenta e poucos anos, e o cara sempre zombando dele.

Um dia, depois do milésimo tapão na sua cabeça, o Cabeçudo meteu a faca no zombeteiro e matou-o na hora.

A família da vítima era rica; a do Cabeçudo, pobre.

Não houve jeito de encontrar um advogado pra defendê-lo, pois o crime tinha muitas testemunhas.

Depois de apelarem pra advogados de Minas e do Rio, sem sucesso algum, resolveram procurar um tal de “Zé Caneado”, advogado que há muito tempo deixara a profissão, pois, como o próprio apelido indicava, vivia de porre.

Pois não é que o “Zé Caneado” aceitou o caso? Passou a semana anterior ao julgamento sem botar uma gota de cachaça na boca!

Na hora de defender o Cabeçudo, ele começou a sua defesa assim:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.

Quando todo mundo pensou que ele ia continuar a defesa, ele repetiu:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri..

Repetiu a frase mais uma vez e foi advertido pelo juiz:

– Peço ao advogado que, por favor, inicie a defesa.

Zé Caneado, porém, fingiu que não ouviu e:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.

E o promotor:

– A defesa está tentando ridicularizar esta corte!

O juiz:

– Advirto ao advogado de defesa que, se não apresentar imediatamente os seus argumentos…

Foi cortado por Zé Caneado, que repetiu:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.

O juiz não aguentou:

– Seu moleque safado, seu bêbado irresponsável, está pensando que a justiça é motivo de zombaria?
Ponha-se daqui pra fora, antes que eu mande prendê-lo.

Foi então que o Zé Caneado disse:

– Senhoras e Senhores jurados, esta Côrte chegou ao ponto em que eu queria chegar… Vejam que, se apenas por repetir algumas vezes que o juiz é meritíssimo, que o promotor é honrado e que os membros do júri são dignos, todos perdem a paciência, consideram-se ofendidos e me ameaçam de prisão! Pensem então na situação deste pobre homem, que durante quarenta anos, todos os dias da sua vida, foi chamado de Cabeçudo!

Cabeçudo foi absolvido e o Zé voltou a tomar suas cachaças em paz.

Moral da estória? Mais vale ser um “Bêbado Inteligente” do que um “Alcoólatra Anônimo”!

Mas pode ainda ter outra, melhorzinha:

“No mundo sempre existirão pessoas que vão te amar pelo que você é,
e outras, que vão te odiar pelo mesmo motivo.
Conforme-se com isso.”