O Alfarrábio de Paulo Bicarato

[Este é o prefácio que escrevi para o 1º Volume do livro “O Alfarrábio”, de Paulo Bicarato.]

“O Alfarrábio” é o nome do blog escrito pelo jornalista Paulo Henrique de Almeida Bicarato para expor suas elucubrações (quase) diárias desde sua criação, em 2001, até o presente ano de 2020.

Alfarrábio. [Do antr. ár. al-Färäbi, lat. Alfarabius, filósofo muçulmano estabelecido em Bagdá (c.870-950).] S. m. 1. Livro antigo ou velho e de pouco préstimo, ou valioso por ser antigo.

Blog. [Acrônimo de weblog] S.m. Página pessoal da web (rede) em que o log de dados (registro de eventos) tem atualizações periódicas, como num diário, mas organizadas cronologicamente de forma inversa, permitindo aos usuários trocar experiências e comentários, geralmente relacionada a uma determinada área de interesse.

Parece meio redundante ter que lembrar isso, mas realmente ainda existe nos dias de hoje gente que não sabe o que é uma coisa nem outra…

Sujeito sempre antenado com jornais, blogs e outros veículos de comunicação, era através do próprio blog que compartilhava tudo aquilo de interessante que vinha a cair em seu eclético radar.

Tinha por costume fazer a linkania entre os mais diversos blogs com os mais variados temas, postava notícias de política, cultura, arte, encontros e, lá no início, a grande discussão que era a disseminação dos blogs em contraponto ao meio jornalístico, sempre sob a premissa de que não deveriam “monetizar” suas atividades. Mais tarde começou a se aproximar de outros movimentos que cultuavam a utilização do software livre, a reciclagem de computadores e produtos de informática, tudo sempre voltado ao social e sua utilização em comunidades carentes. Sobretudo prezava o coletivo.

Também era de seu feitio pinçar pequenos trechos de músicas, de livros ou de poesias, bem como exprimir suas opiniões acerca do mundo que o cercava através de suas frases preferidas, tolices encontradas na Rede e seus inúmeros pensamentos aleatórios, os quais serviam para demonstrar como sua cabeça não linear pensava, inclusive com seu estilo de humor por muitas vezes nonsense… Seus pensamentos, relatos e principalmente suas críticas compõem uma foto do mosaico daquele início da Internet no Brasil.

A gênese d’O Alfarrábio se deu no Blogspot em junho de 2001 com um visual que, como ele mesmo definia, parecia mais o de uma cantina italiana… Aos poucos e sempre com a ajuda dos amigos mais ligados nas traquitanas tecnológicas de formatação de sites foi se arrumando, turbinando seu blog com livros de visitas, sistemas de comentários (que volta e meia perdia), e outros quetais. Sei que nos dias de hoje pode parecer meio óbvio ter todas essas ferramentas disponíveis, mas naquela romântica era pré-diluviana da Internet, quando seu caldo cósmico era formado de sites, e-zines e HTML puro, tudo era mais complicado e invariavelmente tínhamos que escrever nossos próprios códigos na unha.

Mais tarde, no decorrer de dezembro de 2004 – e sempre com a ajuda dos amigos –, migrou para um novo endereço .ORG, adotou um sistema específico para gestão blogs, o Nucleus, e mudou a cara do blog, a qual permaneceria praticamente inalterada até meados de 2017. Como o Nucleus há muito havia sido descontinuado acabou transferindo os arquivos do blog para o sistema do WordPress – e mais uma vez perdeu um tanto daquilo que já havia publicado, praticamente tudo entre 2001 e 2004 (coincidência ou não, os arquivos do tempo do Blogspot).

Cada um conheceu o Paulo Bicarato de uma maneira peculiar: o jornalista, o blogueiro, o viajante, o leitor, o copoanheiro… De minha parte somente posso descrever como foi que EU o conheci, o que por si só já é de uma ótica bem restrita.

Olhando pra trás, por tantos anos que trabalhamos juntos parece que eu já o conhecia pela minha vida toda – ou ao menos desde que comecei a trabalhar na Prefeitura de Jacareí, em 2001. Mas não. Apesar de termos convivido no mesmo período quando estávamos na Prefeitura de São José dos Campos (entre 93 e 96), eu como estagiário de direito e ele no setor de comunicação – e talvez já termos cruzado nossos caminhos entre uma ou outra viagem de elevador – não foi ali que nos conhecemos.

Toda quinta-feira era dia de fechamento do Boletim Oficial do Município na Prefeitura de Jacareí, quando invariavelmente eu ficava até um pouco mais tarde e, antes de tomar o rumo de casa, passava ali no Armazém da esquina para tomar uma breja gelada. Se não me falha minha escassa memória, estávamos em março de 2006 e eu nessa rotina de sempre. Quando cheguei para o solilóquio etílico de costume, me deparei com aquele sujeito de rabo de cavalo, numa atenta leitura, com seus óculos de perna quebrada, de um dos inúmeros recortes de páginas de jornal que sempre carregava em seu embornal, sem nem contar a mochila-casa que sempre levava consigo encostada ali do lado…

Sabíamos que trabalhávamos no mesmo lugar, mas não sei bem o porquê de ter batido na nossa veneta de repartimos a mesa, a breja, a companhia e o proseio. O que simplesmente continuou se dando por anos a fio.

Entretanto, agora em 2 de junho de 2020, como já devem saber, o Bicarato partiu de vez para outras veredas do grande sertão celeste…

Mas o Alfarrábio ficou. Desde sempre eu o instigava a publicar um livro com todo esse material do blog, mas acabou que não deu tempo. Então eis que decidi fazer isso por mim mesmo.

Eu já sabia que compilar tudo que já foi publicado seria uma tarefa gigantesca e, apesar de tanta coisa interessante que já foi noticiada, talvez um tanto inócua. Isso porque estamos falando de publicações inclusive de quase 20 anos atrás. Naqueles tempos, além do e-mail e suas listas de discussão (equiparáveis aos grupos de WhatsApp dos dias de hoje), a comunicação se dava principalmente através dos programas de mensagens instantâneas, primeiramente o ICQ e mais tarde o MSN, sendo que o advento dos blogs meio que revolucionou tudo isso. Mas o mundo virtual é extremamente dinâmico e a grande maioria dos blogs citados naquela época dos desbravadores da Rede – “era tudo mato aqui” – já nem sequer existe mais. Mesmo as redes sociais abertas ao grande público ainda demorariam alguns anos para surgir: Orkut em 2004, o Twitter e o Facebook em 2006.

Por isso neste livro limitei-me a trazer aquilo que mais dizia respeito ao Bicarato: seus textos, seus artigos, seus recadinhos, suas impressões, suas citações. Quem o conheceu pessoalmente (ou mesmo virtualmente) há de sorrir ao ler determinados trechos, citações ou elucubrações e provavelmente pensará consigo mesmo: “de fato, esse é o Bica”.

Este livro abrange o conteúdo do Alfarrábio no período que vai de junho de 2001 até dezembro de 2004, ou seja, praticamente todo o tempo em que ficou hospedado no Blogspot. E foi somente lá pelo final de novembro de 2004 que o Bica começou a classificar seus posts em “categorias”, de modo que para acomodar o que foi publicado nessa época resolvi dividir o livro em alguns tópicos específicos.

Difícil divisão, pois de acordo com seu “modus scribentes” seus textos invariavelmente tratavam de tudo ao mesmo tempo aqui e agora. Ainda assim consegui encaixá-los da seguinte forma: Preto no Branco, que trata da vida de jornalista, política e análises; Blogosfera, redes sociais, informática, blogs; Biblios, crônicas, escritos e referências a livros; Escrevinhações, textos esparsos que não consegui encaixar em lugar nenhum; e Pensatas, meu preferido, textos médios, curtos ou curtíssimos, citações, impressões, recadinhos, etc. Era através desse último que, pelo blog, ele usualmente escrevia diretamente aos seus leitores, como se simplesmente estivesse proseando ao vivo e a cores com eles. Saborosíssimo.

Mas, afinal de contas, quem foi Paulo Bicarato? Ele foi um jornalista, fã incondicional da obra de Guimarães Rosa, riponga, palmeirense, ativista, canhoto, blogueiro das antigas, viajandão, mochileiro, cachaceiro, amante da língua portuguesa, agitador de movimentos sociais, dono de um texto impecável, apaixonado pelo Brasil, de uma inteligência fora de série, um cara sincero, poeta de guardanapo de boteco, humilde, teimoso, com um coração de ouro, o senhor das crases, extremamente confiável, excelente copoanheiro, desapegado, de fina verve humorística e o melhor escritor que já conheci. Foi tudo isso e muito mais. Porém, sobretudo – ao menos para mim – o mais importante: Paulo Bicarato foi meu amigo.

Adauto de Andrade,
na hercúlea tentativa
de organizar essas
elucubrações do Bica.

Comer, rezar, amar

Já tem uns dez anos que eu li esse livro de Elizabeth Gilbert, inclusive já citei alguns bons trechos aqui no blog (aqui, aqui e aqui). Mas dando uma geral no escritório em casa encontrei uma folha com algumas anotações interessantes que fiz e para não perdê-las transcrevo-as cá neste nosso cantinho virtual…

“A ideia e passarmos uma hora sentados em silêncio, mas fico contando os minutos como se fossem quilômetros – 60 cruciantes quilômetros que preciso aguentar.”

“Isso (o ego) não te ajuda. A função do seu ego não é te ajudar. A única função dele é se manter no poder. E, nesse momento, o seu ego está morrendo de medo, porque as asas dele estão prestes a serem cortadas. Se você continuar neste caminho espiritual, baby, os dias desse menino mau estão contados. Muito em breve o seu ego vai estar desempregado, e o seu coração vai estar tomando todas as decisões. Então o seu ego está lutando pela própria sobrevivência, jogando com a sua mente, tentando mostrar a autoridade dele, tentando te manter encurralada em um cubículo, afastada do resto do universo. Não dê ouvidos a ele.”

“As pessoas acham que a alma gêmea é o encaixe perfeito, e é isso que todo mundo quer. Mas a verdadeira alma gêmea é um espelho, a pessoa que mostra tudo que está prendendo você, a pessoa que chama a sua atenção para você mesmo para que você possa mudar a sua vida. Uma verdadeira alma gêmea é provavelmente a pessoa mais importante que você vai conhecer, porque elas derrubam suas paredes e te acordam com um tapa. Mas viver com uma lama gêmea para sempre? não. Dói demais. As almas gêmeas só entram na sua vida para revelar a você uma outra camada de você mesmo, e depois vão embora.”

“A gente precisa ter o coração partido algumas vezes. Isso é um bom sinal, ter o coração partido. Quer dizer que a gente tentou  alguma coisa.”

“Reconheço que você ainda não me ama do jeito que eu amo você, mas a verdade é que não ligo muito para isso. (…) Você pode sentir o que quiser, mas eu te amo e vou te amar sempre. mesmo que a gente nunca mais se veja, você já me trouxe de volta à vida, e isso é muita coisa. E é claro que eu gostaria de compartilhar minha vida com você.”

A Gargalhada de Sócrates

E eis que no último sábado, logo pela manhã, fui agraciado pelos serviços de entrega do Correio com a chegada do meu exemplar de A Gargalhada de Sócrates: como o maior filósofo do ocidente desvendou o intrigante caso do assassino em série ateniense, com a improvável ajuda de seu desafeto Aristófanes, de autoria de Nelson Moraes Alves.

Como sempre costumo fazer quando me chegam às mãos novos livros (não necessariamente livros novos), dei uma boa olhada na capa, li o conteúdo da contracapa, li atentamente ambas as orelhas do livro, fiquei feliz com o autógrafo, dei uma checada na dedicatória e… só. Mais tarde eu daria início à leitura, juntamente com os outros quatro ou doze livros que sempre estão me aguardando na cabeceira de minha cama.

Os prognósticos já eram bons, pois, da Internet, já conhecia o “jeitão” do Nelson escrever – desde os tempos do blog Ao Mirante, Nelson! (falarei disso mais adiante) e, mais recentemente, pelas redes sociais, com seus ferinos comentários ou pequenas e bem humoradas parábolas. Mesmo assim permanecia um certo “receio”, pois não se tratava de uma coletânea de seus escritos (como eu já havia feito com meu blog), mas sim de algo totalmente novo e desconhecido: um romance completo, com começo, meio e fim distribuídos por mais de 300 páginas! E esse meu sentimento somente se dá porque, para mim, existem basicamente dois tipos de livros: aqueles que você não consegue largar e aqueles que você não consegue voltar… E se ele fosse dessa segunda categoria? Bem, só mesmo lendo para saber.

Como os sábados sempre costumam ser um tanto quanto atribulados (aliás, não diferente dos demais dias úteis da semana), deixei para a noite de domingo para começar a me engraçar com o livro. Assisti alguns episódios de algumas séries junto com a Dona Patroa (dentre elas, a britânica Killing Eve – recomendo!) e lá pelas dez da noite, enquanto ela ainda assistia um filme que me causou mais sono que interesse, recolhi-me ao quarto, afofei os travesseiros, engatei a primeira e abri o livro.

E só o fechei às cinco horas da manhã!

Na última página.

Sem parar.

É bem como está lá no comentário de Janaína Jordão, na contracapa do livro: “Me diverti horrores. O livro prende do começo ao fim, é impecável. Não dei conta de largar. E do epílogo para frente fiquei lendo com um misto de curiosidade crescente e um medo de acabar logo”. Aconteceu o mesmo comigo, pois foi de uma só toada.

Os incautos podem até vir a se assustar um bocadinho num primeiro momento, pois o livro é composto quase que inteiramente de diálogos na segunda pessoa do singular (eu, tu, ele… lembram?) e com muitas palavras tanto complexas quanto “de época”, pois a estória se passa no século 4 a.C. – eu mesmo quase fui buscar um dicionário para deixar ali do ladinho. Mas é só uma primeira e equivocada impressão. Ao começar a entrar no fio da meada a gente acaba percebendo que mesmo aquelas palavras desconhecidas se encaixam perfeitamente no contexto das frases, sendo subliminarmente compreendidas e não atrapalhando em nada a dinâmica da leitura.

O que, aliás, me fez lembrar de uma antiga piada envolvendo estudantes de grego clássico, marinheiros e uma inusitada viagem à Grécia…

Mas deixemos isso para um outro momento.

Voltemos ao livro.

O Nelson conseguiu montar uma trama excelente e bem humorada, com diálogos totalmente permeados de trocadilhos e ironias. E, de quebra, podemos aprender e compreender o que era o método maiêutico utilizado por Sócrates, bem como a maneira pela qual funcionava a contemporânea Escola Sofística de pensamento. E não, não vou explicar. Se quiserem saber vão pesquisar – ou melhor, comprar o livro!

E se prestarmos um pouco mais de atenção a esses diálogos, veremos que também temos verdadeiras aulas sobre justiça, democracia e até mesmo sobre a forma e os limites do humor…

A base da estória (não se preocupem, sem spoilers) gira em torno de como Sócrates, aprisionado enquanto aguardava a execução da sentença que o condenou à morte, conseguiu, juntamente com Aristófanes, desvendar o caso do assassinatos que, um a um, estavam acontecendo em Atenas enquanto se desenrolava a trama. Trama essa muito bem construída para esconder a identidade do assassino até o último momento – se bem que, confesso, logo após o terceiro assassinato comecei a ter minhas desconfianças, as quais se confirmaram no final. Mas isso não é uma crítica e nem diminui a beleza da obra, pois talvez tenha se dado simplesmente porque já li muitos livros da Agatha Christie e todos do Sherlock Holmes, sendo que, neste caso em especial, me veio à mente Um Estudo em Vermelho.

Enfim, leiam. Leiam esse livro sem dó. Recomendo veementemente.

Mas ainda resta uma última pergunta: quem afinal de contas é esse tal de Nelson Moraes Alves?

Blogueiro das antigas, mas que há muito já aposentou seu blog Ao Mirante, Nelson!, tive que dar uma fuçada no Internet Archive para encontrar algumas de suas antigas referências… Parece que tudo começou por volta de outubro de 2002, no endereço www.aomirante.com, mais tarde tendo passado para o www.interney.net/blogs/aomirante, o que duraria até dezembro de 2009, quando foi para o www.aomirante.net e lá ficou até seus últimos posts, em dezembro de 2011. Ao menos é o que eu acho, mas posso estar errado…

Mas creio que quem possa melhor descrevê-lo seja o Idelber Avelar, conforme publicou lá em maio de 2009 no também finado blog Biscoito Fino e a Massa:

“Nelson Moraes talvez seja o único blogueiro brasileiro a ter inventado um gênero. O que você lê em Ao Mirante, Nelson! não é microconto, não é poema em prosa, não é fait divers. É um gênero próprio, burilado ali, algo para o qual ainda não há nome e que poderíamos chamar de post elevado à condição de arte.

No final de 2004, logo depois de abrir o Biscoito, ainda sem saber onde aterrizara, saturado de ler porcarias – ou uns poucos blogs bem escritos que, no entanto, não me diziam muito –, já meio rendido à tese de que tudo na blogosfera era ruim, eu cheguei a um post. Foi, ao mesmo tempo, lição de humildade e fonte de gargalhadas que insistiam em se repetir cada vez que eu revisitava o texto. Eu nunca havia visto aquilo: um diálogo de meia página que combinava uma erudição assombrosa com um domínio perfeito de todos os tiques da linguagem tecnológica daquele momento. Trata-se daquele que eu ainda considero o post mais perfeito já produzido em lusitana língua: Se os diálogos de Platão fossem pelo MSN. Se você nunca leu, siga o link e fique por lá. Volte aqui só no domingo.

A obra de Nelson Moraes – sim, de uma obra se trata – tem essa característica, a de agarrar um momento da tecnologia, da política ou do cotidiano, extrair-lhe a essência mais hilária e, ao mesmo tempo, confrontar-nos com o seu vazio. No caso da tecnologia, o mais recente exemplo é o emblemático Jornal x Blog x Twitter: a série, que diz mais que todas as nossas verborrágicas discussões sobre o futuro das mídias. Os próprios blogs são temas constantes, como nesta paródia aos comentaristas ou nesta sátira à republicação de posts. Não custa lembrar, Nelson é o responsável pela tese de que não existe ex-blogueiro.

Ninguém se lembra o que realmente foi roubado do MASP em 2007, mas para muitos de nós, aquele desimportante acontecimento jamais será esquecido. Foi, afinal de contas, quando Nelson escreveu Ladrões arrombam o MASP e se recusam a furtar inúmeras obras de arte. A criminalização da bebida para motoristas já vai caindo no olvido, como sói acontecer com as leis brasileiras, mas duvido que eu me esqueça de Lei seca ameaça piadas de bêbado. “Leem” e “voo” já me saem naturalmente sem acento (e eu não conheço tema de discussão mais chato que a Reforma Ortográfica). Mas muito depois que tenhamos nos esquecido que “heroi” “heroico”* um dia teve acento, lá estará um clássico: Após o acordo ortográfico, entra em vigor agora o acordo aritmético.

Nelson possui uma tremenda erudição literária, cinematográfica, musical e filosófica. No entanto, ao contrário de certo humor pseudoaristocrático que floresceu durante algum tempo em comarcas mais direitosas da blogosfera, a erudição de Nelson não exclui, mas inclui o leitor, mesmo aquele que não domine todo o intertexto do post. Eu, que possuo cultura cinematográfica tão vazia que nela não cabe mais nada, não deixei de gargalhar com Post Noir.

Uma vez vislumbrei uma antologia de posts de Nelson Moraes ilustrada por André Dahmer. Bem promovida, venderia mais que boa parte do catálogo de qualquer editora, mesmo que não se apagasse nada da internet. Talvez, algum dia, apareça um editor lúcido o suficiente para fazê-lo.

Vida longa e infinitas Bohemias para o Almirante.”

Por fim, uma última observaçãozinha pessoal… Desde sempre eu achava que, menos que o sujeito que derrotou Napoleão, o nome do blog dele era um trocadilho com o nome deste Almirante Nelson, da mesosóica série Viagem ao Fundo do Mar

O colar do “Sete Orelhas”

Ainda ontem – não sei mais o porquê – estava eu cá a me lembrar de antigos causos de família… Mas somente os recentes, dos quais se não participei eu mesmo, limitam-se a uma, quando muito duas gerações.

Mas existem os mais antigos. O dos antepassados, parentes ainda que longínquos. E nessa seara está esse causo que segue, contado e recontado pelas bandas do Sul de Minas em diversas versões…

Autor: Afonso Schmidt
Baseado em Cássio Costa: Achegas ao Folclore Mineiro.
“Jornal do Comércio”, 17-4-55 – Rio de Janeiro

Há anos íamos de automóvel com mais alguns companheiros, de Três Corações para Lavras, no Sul de Minas quando, próximo do lugarejo que se chamava São Bento, hoje Eremita, cortando belíssimo trecho à borda de uma pirambeira, ou desbarrancado, alguém apontou para modesta casa de fazenda que via a cerca de 400 metros de distância, ao lado de majestoso pau de óleo, vermelho, redondo como enorme guarda-chuva e falou:

– Lá está a casa da fazenda do “Tira-Couro”, de tenebrosa memória!

Vagamente já ouvíramos falar dessa propriedade e de um pavoroso crime ali cometido. então, o amigo, diante da nossa curiosidade, contou o que sabia:

– Isso faz muito tempo. Era dono destas terras de criação certo ricaço, pai de quatro filhos varões e uma filha. A menina, apesar do isolamento em que vivia, acabou gostando de um rapaz da sua condição, forte e trabalhador, filho de outro fazendeiro da vizinhança. Não se sabe por quê, o casamento deixou de ser do agrado da família da moça, que resolveu impedi-lo a todo custo. Isso porém, não foi obstáculo para que os dois namorados vivessem o seu romance simples e natural, cujos sinais apareceram com toda evidência pouco tempo depois.

Quando o fato chegou ao conhecimento do pai e dos irmãos da jovem, houve grande indignação, planos de exemplar vingança. Um dia, agarraram o rapaz e o amarraram pelos pés a um galho baixo daquele pau de óleo e, com afiadíssima faca, o castraram e começaram a esfolá-lo como se faz a um suíno. Quase no fim da bárbara tarefa, apareceu de repente um irmão da vítima, o qual pensavam estar longe dali, cabra valente e decidido, bom na pontaria, que apenas com sua aparição, fez todo mundo correr.

Chamava-se Januário Garcia. Cortou a corda em que estava pendurado o irmão e, vendo que este morria em seus braços, jurou matar um a um toda a família dos assassinos. E foi dando cumprimento à promessa. Cortava a orelha esquerda de cada cadáver, para com elas fazer um colar que trazia no pescoço. Por fim, já havia matado seis e andava à cata da sétima e derradeira orelha cujo dono, na época do crime, era um menino.

Certa tarde, extenuado de tanto caminhar, tinindo de fome, o matador topou com um rapazola que tratava de acender o fogo para aquecer a matula. Puseram-se a conversar. Palavra vai, palavra vem, acabou o meninote por dizer que andava escondido pelo mato porque tinha a vida jurada. Há anos fugia do homem que já havia matado seu pai, sua irmã e três irmãos.

– De onde és tu, menino? – perguntou Januário.

– De Três Corações, filho de…

– Pois sou eu o Januário Garcia, que matou tua gente e que te procura há muito tempo, para te matar também!

Diante da expressão de terror do rapaz e do fato de haver participado da sua parca comida, o bandido ficou em apuros com a própria consciência. Por outro lado, achava que não podia dar por perdidos os anos que passara à procura da última de suas vítimas, nem faltar ao solene juramento que fizera diante do cadáver ainda quente do irmão querido. Depois de hesitar um pouco, resolveu ser generoso, generoso a seu modo, oferecendo uma oportunidade ao espavorido mocinho, que tremia diante dele, esperando a sentença.

– Como você parece bonzinho e repartiu comigo a sua matula, vamos fazer uma coisa: você sai correndo, eu conto até dez e depois faço fogo. E só dou um tiro. Se não acertar, você continua correndo e vai-se embora.

Assim se fez. Mas aconteceu que Januário ainda não tinha esquecido a pontaria e a carga acertou mesmo na nuca do rapaz que afocinhou morto no chão, vindo logo a sua orelha a completar as contas do sinistro rosário e dar ao seu portador a famosa alcunha de “Sete Orelhas”.

Em Três Corações e cidades próximas, essa estória está na boca do povo, quase com as mesmas palavras. No entanto, há quem conte que Januário Garcia morreu num jogo de búzio onde, sem dinheiro, quis pagar a parada com o seu famoso colar de orelhas ressequidas. Teria havido grande tumulto, morrendo o herói, de uma facada. Outros afirmam que ele morreu de morte natural em idade avançada.

Conto publicado em:
Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro – Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro
Seleção de Mary Apocalyse / Supervisão Literária de Afonso Schmidt
Livraria Literart Editora – SP
1962

Quincas Berro D’Água

Boa dica da amiga e copoanheira eventual Margarida Negra (digna, inclusive, lá do Copoanheiros). Trata-se de filme baseado na obra “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água”, de Jorge Amado. Tentei porque tentei localizar nos Youtubes da vida o trechinho de um antigo especial da Globo – uma adaptação do original na qual Paulo Gracindo interpreta de forma fantasticamente impagável o personagem Quincas. Com todo respeito ao filme atual, não sei se conseguirão estar à altura desse monumento da dramaturgia (não acredito que escrevi isso!).

Mas tudo bem.

Independentemente do sucesso ou não do filme, por si só já possui uma peça fundamental para cair no agrado do público. Pelo menos DESTE público que vos tecla.

Tem a Mariana Ximenes!

(Ah… A Mariana…)

Segue o trailer para vosso deleite!

Famílias ( I )

Não é de hoje que tenho a pretensão de passar a limpo – na forma de um livro – minhas anotações genealógicas. Siiiiiim, ladies & gentlemen, eu admito: sou um viciado. Um viciado em genealogia. Enquanto muita gente coleciona selos, figurinhas, chaveiros, revistas, carros, mulheres, ou qualquer que seja seu objeto de desejo, eu coleciono “gente”. Especificamente gente de minha família.

Existem diversas maneiras de montar uma árvore genealógica. Dentre elas as que mais utilizo são: 1) o genograma, que é a representação gráfica de um conjunto familiar, e 2) a árvore de descendentes, também conhecida como árvore de geração, ou ainda como árvore genealógica direta, que é a árvore formada pelos descendentes de um indivíduo – partindo do passado ela avança no tempo, multiplicando-se, geração após geração, e facilita a visualização do antepassado comum de vários indivíduos na atualidade; sua estrutura é orgânica e aleatória, pois não há como racionalizar o número de filhos de cada indivíduo.

Dentre as diversas famílias que, de tempos em tempos, colocarei por aqui, as que são diretamente relacionadas com este vosso escriba são as seguintes: Andrade, Maia, Nunes, Antunes, Santos, Casaes, Mizoguti e Miura.

E, ainda, apesar de o antepassado mais antigo ao qual cheguei remontar à Idade Média, relacionarei somente o que foi fruto de minha pesquisa direta. Na realidade tudo isso talvez seja uma maneira de não deixar todas essas anotações “mofando” nas catacumbas de meu computador. Sei que existem outros membros da família que também se interessam pela matéria e assim já seria uma maneira de compartilhar essas informações (e também de receber ajuda para complementá-las).

Um último detalhe: a indentação, ou seja, essa tabulação que perceberão na descrição das famílias, serve para – juntamente com a numeração – indicar os membros de um mesmo núcleo familiar.

Bem, então, comecemos com a Família Andrade.

Até onde minhas modestas pesquisas me levaram, essa história alcança meados de 1850, na cidade de Santa Rita de Jacutinga, interior de Minas Gerais. Somente a partir desse ponto é que me foi possível ligar esse estudo a outros já existentes, permitindo assim a elaboração da árvore de costados da família Andrade (noutra hora explicarei o que seria exatamente uma árvore de costados).

Foi provavelmente por essa época que nasceu o menino JOAQUIM THEODORO DE ANDRADE, meu trisavô, que na sua mocidade viria a casar com sua sobrinha MARIA DA GLÓRIA TEIXEIRA, filha de seu irmão mais velho, também encontrada com o nome de TEIXEIRA GUIMARÃES. Não se assustem. Há quase duzentos anos atrás o casamento entre membros da mesma família não só era comum, como, muitas vezes, desejável. Era uma maneira de manterem o núcleo familiar unido e de não permitir que a fortuna da família se espalhasse em mãos alheias. Dentre outros filhos, o casal teve:

1. JOÃO AGNELLO DE ANDRADE, nascido em 1877, registrado em Madre de Deus, MG, que viria a casar-se com IRIA RITA DE BEM, nascida em 1883 na cidade de Santa Rita de Jacutinga. Foi nessa mesma cidade que se deu o enlace matrimonial destes meus bisavós, em 13/02/1901.

É pela ascendência paterna de Iria, cujos genitores eram BRAZ CARNEIRO DE BEM e LUIZA GONZAGA DE NOVAES, que nossa família deve se ligar às lendárias (e prolíferas) Três Ilhoas, as irmãs açorianas que, em fins do século XVII vieram para as Minas Gerais, dando início aos troncos familiares mais tradicionais da região.

Há notícias, também, de um provável irmão desse Braz, tio de Iria, o sr. MANOEL TEODORO DE BEM, casado com CECÍLIA, talvez Cunha, que foi professora de meu pai, conforme veremos oportunamente. Esse casal teve pelo menos dois filhos: JOSÉ DE BEM e GERALDO, sendo que este último faleceu solteiro. E de bebida.

Voltando a nossa linha de raciocínio, João Agnello e Iria Rita tiveram muitos filhos, dentre eles:

1.1. JOSÉ THEODORO DE ANDRADE, falecido em 29/09/1980, que casou-se com CAROLINA MARQUES MACHADO, natural de Santa Rita de Jacutinga, MG, onde casaram-se, e falecida em São José dos Campos, SP, em 14/06/2003, com cerca de 95 anos. Era filha de BENEDICTO MARQUES DE OLIVEIRA e JULIA VIRGÍNIA DE JESUS, naturais de Minas Gerais. Tiveram:

1.1. JOSÉ ANDRADE FILHO, nascido em 1929, que, apesar de ter se casado, separou-se cerca de um mês depois, jamais tendo regularizado a situação. Não voltou a se casar, mas também nunca deixou de namorar “meninas mais jovens”. Nada bobo, esse José…

1.2. CARLOS DE ANDRADE, já falecido, casou-se com ANA.

1.3. ADOLFO DE ANDRADE, nascido em 1935, que se casou com MARIA, irmã de sua cunhada Ana (sim, a mesma Ana dali de cima, casada com Carlos). Outro detalhe bastante comum nos tempos de antanhos: irmãos costumavam casar-se com irmãs.

1.4. LUIZA DE ANDRADE, nascida em 1938, foi casada com OLÍMPIO SOBREIRA, já falecido.

1.5. MARIA ANDRADE, nascida em 1940, casou-se com MAMUD CARNEIRO, também já falecido.

1.6. JOÃO BATISTA DE ANDRADE, nascido a 30/01/1944, sendo que em 23/12/1972 casou-se com ZENAIDE APARECIDA DE CARVALHO, esta nascida a 08/11/1948. Vivem em São Bento do Sapucaí, onde criaram seus filhos.

João herdou de seu pai a habilidade de trabalhar com a madeira, passando a fazer, como fazia seu pai antes dele, os pequeninos bois, cavalos e outros animais, com selas e arreios quando o caso, todos com cerca de trinta centímetros, e com um impressionante grau de perfeição. Um de seus trabalhos mais belos é um pequenino carro de boi, com três parelhas de bois, os quais colocou sobre uma prancha com rodas para que pudessem “andar”. O que mais chama a atenção é que esse carro de boi “canta”, da mesma maneira que “cantam” os carros de boi fabricados no Sul de Minas e região.

Tal habilidade lhe rendeu o apelido de “João do Boi”, sendo conhecido ainda como “Joãozinho Andrade”. Estando na cidade, basta perguntar por algum desses nomes que todos já sabem onde mora, dando como dica a curiosa frase: “É a casa onde tem um gato deitado no muro”. Acontece que João entalhou também um gato, em tamanho natural, deixando-o preguiçosamente deitado sobre o muro de sua casa, verdadeiro marco para quem o procura…

João e Zenaide tiveram:

6.1. MADELEINE APARECIDA DE CARVALHO ANDRADE, nascida em 05/01/1974, que de seu casamento com ÉVERSON MARQUES FROES, teve:

1.1. GUSTAVO ANDRADE FROES, nascido em 23/11/2001.

6.2. MILEIDE DONIZETI CARVALHO ANDRADE, nasceu em 25/08/1975, casou-se com VLADIMIR MARQUES DE ARAUJO, com quem teve:

2.1. JOÃO PEDRO CARVALHO ARAUJO, nascido em 20/06/2000.

6.3. JOÃO BATISTA DE ANDRADE JUNIOR, que nasceu em 24/07/1976 e, até início de 2003, solteiro.

6.4. MILEINE CAROLINA CARVALHO ANDRADE, nascida em 25/10/1978, casada com ROBERTO CARLOS DA ROSA, pais do casal:

4.1. EVELIN CAROLINA ANDRADE ROSA, de 03/01/1998.

4.2. CARLOS HENRIQUE CARVALHO ROSA, de 01/05/2002.

1.7. SEBASTIÃO ANDRADE, nascido em 1946, casado com “Cota”.

1.8. JOAQUIM MACHADO DE ANDRADE, nascido em 1948, o “Quinzote”, marido de ROSELI. Também ele artesão, como seu pai, capaz de fazer belos trabalhos de escultura na madeira.

1.9. BENTO DE ANDRADE, nascido em 1955, que casou-se com JOCELINA.

1.2. SEBASTIÃO ANDRADE, o “Tio Tatão”, falecido em 20/06/1988, e que casou-se com a cunhada de seu irmão (olha aí o casamento entre irmãos de novo!), MARCIANA CAROLINA DE JESUS, falecida em 15/08/1996, filha dos já citados JÚLIA VIRGÍNIA DE JESUS e BENEDICTO MARQUES DE OLIVEIRA.

1.3. TEÓFILO ANDRADE, casado com MAEDI, pais de:

3.1. MURILO, marido de DAMARES, com:

1.1. TIAGO.

1.2. FELIPE.

3.2. MAURÍCIO.

3.3. MARILETE.

3.4. MARILENE.

1.4. JOÃO ANDRADE, casou-se primeiro com LUCINDA, e, depois com MARIA. Com sua primeira mulher teve:

4.1. IRIA.

1.5. LUZIA ANDRADE, casou-se com DIONÍSIO e teve:

5.1. IRIA (outra coisa também bastante comum em famílias antigas – principalmente as mineiras – dar o nome dos antepassados aos filhos, ainda que outros da mesma família já o tenham feito).

5.2. JACÓ, que foi açougueiro em Santa Rita de Jacutinga, tendo recebido ajuda em seu negócio do prefeito da cidade, um certo João Andrade, provavelmente nosso parente.

5.3. JOÃO.

1.6. BRÁS ANDRADE, marido de MARIA DE OLIVEIRA.

1.7. MARIA ANDRADE, casada com PEDRO AREDES, conhecido como “Nhonhozinho”.

1.8. ANTONIO DE ANDRADE, meu avô, nascido em Santa Rita de Jacutinga em 06/03/1909, mesmo local onde, por volta de 1936, casou-se com SEBASTIANNA (sim, seu nome era só esse mesmo, só o primeiro nome – foi dessa maneira que foi registrada), nascida em 13/04/1920 e falecida aos 80 anos, em 10/10/2000. Mais dados referentes a minha avó serão vistos no capítulo da família MAIA.

(continua…)

Piloto Automático – VIII

( Direto das catacumbas do Legal… )

Pirataria – Rota de Bucaneiros

Desde a criação do PC houve a natural evolução do software, muitas vezes em detrimento do hardware, de modo que a tecnologia como um todo permitiu a existência de equipamentos mais velozes com programas cada vez mais sofisticados, versáteis e fáceis de usar.

De igual maneira a “duplicação não autorizada de software”, a qual romanticamente denominamos PIRATARIA, acompanhou esse desenvolvimento, permitindo a proliferação desses mesmos softwares em todos os meios. A pirataria de software é definida como sendo uma prática ilícita caracterizada pela reprodução e uso indevidos de programas de computador legalmente protegidos.

Um dos primeiros casos de pirataria em PCs se deu com nada mais nada menos que o próprio Bill Gates. Mas para melhor entender esse quadro, bem como dar o devido valor a prática ou não de pirataria, vamos a um pouco de história:

Na era pré-cataclísmica, lá pelo final dos anos 60, quando microcomputadores ainda eram sonhos distantes e os programadores jedi começavam a surgir, os adolescentes Bill Gates e Paul Allen faziam sua especialização como ratos de laboratório viciados em PDP-10 (um caríssimo minicomputador conectado através de um teletipo a um “computador de verdade” cujo tempo de acesso tinha que ser comprado). Concomitantemente, já no início dos anos 70 a Intel, uma recém-criada empresa que, dentre outras coisas, fabricava chips para calculadoras, lançou o histórico microprocessador chamado 8008.

É importante ter em mente que ainda não existiam microcomputadores, os computadores e minicomputadores disponíveis eram poucos, os quais possuíam tempo de acesso caros, a linguagem era complexa e não existiam programas para uso popular, o que acabava por torná-los pouco acessíveis, desencorajando assim a incursão dos novatos.

Pois bem, o lançamento do microprocessador 8008 foi visto com entusiasmo pela dupla, a qual resolveu criar uma ferramenta de programação para o chip. Escolheram o BASIC, uma linguagem que usaram bastante em seus tempos de escola.

O BASIC (Beginner´s All-purpose Symbolic Instruction Code), apesar de parecer uma linguagem para principiantes com poucos recursos de programação, é na realidade composto por comandos poderosos, porém com uma sintaxe muito simples. Ao ser criado pelos professores John Kemeny e Thomas Kurtz, em 1963, sua missão era permitir que os alunos concentrassem seus esforços no aprendizado de programação em vez de gastar seu tempo decorando comandos esotéricos e destrinchando como compilar e linkeditar os programas. Decididamente o BASIC era muito mais inteligível a um leigo que o Cobol, Fortran, Assembler ou JCL, as linguagens dominantes na época.

A versão do BASIC da dupla Gates-Allen foi tão bem escrita que liderou o mercado nos seis anos seguintes; mais tarde recebeu a denominação de GW-BASIC, distribuída com o MS-DOS até a versão 4.01, e em 1982 a sintaxe foi redefinida e foram implementados todos os recursos necessários para se desenvolver programas utilizando a técnica da programação estruturada – surgia o QuickBasic. Por fim, os conceitos utilizados em um programa chamado “Ruby”, criado por Alan Cooper em 1987, foram implementados no QuickBasic, dando origem, em 1991, ao Visual Basic. Como se percebe, nada se perde, nada se cria, tudo se copia…

Voltando ao fio da meada, em 1974 a Intel lançou o chip 8080, muito mais poderoso que seu predecessor e que foi utilizado na criação do que pode ser chamado de primeiro microcomputador, criado pela MITS: o ALTAIR. O proprietário da MITS (Micro Instrumentation and Telemetry Systems), Ed Roberts, contratou a dupla para escrever uma versão de seu BASIC para o Altair – uma opção óbvia, já que a intenção era comercializar o microcomputador para o público em geral, que precisava de uma ferramenta de programação acessível ao seu nível de conhecimento.

A fim de realizar as negociações com a MITS, Gates e Allen formaram em julho de 75 uma sociedade de nome Micro-Soft (o hífen caiu depois), e no contrato foi estipulado que nenhum fabricante, programador ou usuário final seria totalmente dono do software. Essa tornou-se a base da relação legal que existe atualmente entre quem cria software e quem comercializa ou usa seu produto.

Apesar de a MITS possuir exclusividade na distribuição da licença para o BASIC da Microsoft, após alguns meses, verificou-se duas coisas: que o programa era um sucesso e que, paradoxalmente, a receita havia sido mínima.

A razão disso era um fenômeno novo e insidioso: a PIRATARIA ! O que ocorreu foi que muitos aficcionados que iam a reuniões dos clubes de computação estavam copiando descaradamente o BASIC e distribuindo-o de graça a qualquer interessado. Gates ficou puto da vida e escreveu uma carta aberta a todos os aficcionados em fevereiro de 1976, cujo conteúdo era o seguinte:

“A maioria dos aficcionados precisa saber que grande parte de vocês rouba o software dos outros. Paga-se pelo hardware, mas o software é copiado livremente. E daí se as pessoas que o criaram ganham ou não? Esse roubo de software pode impedir os programadores talentosos de escrever programas para microcomputadores. Quem trabalha de graça? Que aficcionado está disposto a investir três anos da sua vida programando, descobrindo erros e documentando seu programa, para depois distribuí-lo de graça?”

Nem é preciso dizer que a dita carta, apesar de corajosa e direta, não foi nem um pouco bem recebida, sendo que um desses clubes de computação ameaçou processá-lo por chamar os aficcionados de ladrões.

A argumentação utilizada para justificar a atitude desses primeiros “piratas” era basicamente a seguinte: o BASIC era implicitamente uma linguagem de domínio público; os aficcionados eram altruístas e não ladrões; sem o BASIC seus sistemas eram praticamente inúteis; se o software necessário para processar o computador era tão caro nada mais aceitável do que copiá-lo para uso próprio ou de outros.

Bem, esse foi, creio eu, realmente o primeiro caso de pirataria no mundo da microinformática. Há de se ressaltar, entretanto, que se não fosse por essa mesma prática de pirataria o MS-Windows não seria hoje o programa líder de mercado. Apesar da possibilidade de se instalar travas e dispositivos anti-pirataria em seus softwares, a Microsoft jamais o fez. Entendo isso como uma grande jogada mercadológica: você alardeia aos quatro ventos que é contra a cópia ilegal, mas permite que façam tantas cópias quanto quiserem de seus programas, de modo que sejam instalados em cada vez mais microcomputadores, tornando-se por fim o padrão do mercado.

Do ponto de vista das empresas e distribuidoras de software, a pirataria é um problema a ser solucionado, visto que, segundo seu raciocínio, prejudica não só essas próprias empresas como também o usuário final. Graças à pirataria reduz-se o nível do suporte e retarda-se o desenvolvimento de novos produtos, o que influi, diretamente, na qualidade dos programas. Nesse contexto relacionam basicamente quatro tipos de prática de pirataria:

– Pirataria Corporativa: a empresa até chega a adquirir um pacote oficial de programas para o computador, mas esse mesmo pacote é instalado em diversos computadores sem a necessária aquisição de novas licenças. Não pense que isso acontece somente em grandes empresas, isso é uma montanha que vai desde os pequenos escritórios de cada cidade até as grandes estatais e órgãos do governo (a maioria, eu diria);

– Pirataria Individual: o indivíduo tem diversos softwares instalados em seu computador e vive “trocando figurinhas” com outros colegas. Tem plena consciência de que são cópias ilegais, mas simplesmente não acredita que será descoberto no meio de tanta gente que se utiliza dessa prática;

– Revendas de Software: esses já têm um comportamento criminoso, pois simplesmente duplicam e distribuem cópias de programas com o objetivo de lucro. Abra qualquer jornal no caderno de informática e os encontrará;

– Revendas de Hardware: computadores são vendidos quase que pelo preço de custo de seus componentes, com lucro mínimo, e os programas pré-instalados são cópias não autorizadas de software, não existindo documentação técnica ou discos de (re)instalação. A dureza é que os computadores que vêm com o software original, discos de instalação e manuais, possuem apenas o sistema operacional instalado, o que obriga o feliz consumidor a adquirir o pacote de programas que realmente vai precisar (editor de textos, no mínimo), seja comprando-o ou pirateando-o.

Não digo que seja a favor da pirataria, mas é difícil de engolir que o sistema básico mais utilizado para trabalhar com um micro hoje em dia (sistema operacional, processador de textos, planilha eletrônica), quando adquirido através dos meios legais (comprando-se), tem seu valor total próximo a 50% do custo do hardware. É justamente por isso que aqueles que mal conseguiram juntar o dinheiro suficiente para comprar um microcomputador (a maioria dos mortais) não tem escrúpulo algum de instalar um software pirata, a custo zero.

As maiores dificuldades encontradas por estes usuários de cópias ilegais é o fato de não contarem com suporte técnico, não recebem nenhuma documentação, apoio e informação sobre atualizações de produto, sem falar na possibilidade de infecção por vírus. Respeitar os direitos de propriedade intelectual exige determinado grau de diligência por parte dos usuários finais, uma vez que duplicar é muito fácil, e a cópia fica em geral tão boa quanto o original.

Nos casos mais extremos, existem alguns programas que trazem senhas, bloqueios e até mesmo identificação do disco original de instalação. Tudo isso é passível de ser violado, existindo na própria Internet listas completas de senhas, códigos de instação e programas elaborados para desbloquear os mais variados softwares. É lógico que aqueles que quiserem encontrar essas pérolas vão ter que navegar muito, enfiando-se em páginas suspeitas, desvendando alguns truques labirínticos e escapando de armadilhas em java criadas para dificultar o acesso aos “não-iniciados”.

Um exemplo (mais ou menos) recente de pirataria através de desbloqueio do código se deu no início de 97. A Microsoft lançou o Office 97 e, para promover o produto, distribuiu uma versão em CD-ROM ao preço de US$ 4.99, só que com prazo certo de expiração: 90 dias. Ao final desse prazo o consumidor precisaria comprar o produto oficial por uma “bagatela” que variava de US$ 300.00 a US$ 500.00. Entretanto um jovem estudante de Minneapolis, Minnesota, – Christopher Fazendin, de 22 anos – infortunadamente resolveu distribuir em seu site um programa que removia a limitação, liberando o uso do software. Resultado: a Microsoft descobriu e providenciou não só a remoção do site de Fazendin como também processou-o, exigindo a indenização por perdas e violação de direitos autorais, indenização esta que, segundo a legislação norte-americana, poderia chegar a US$ 500.000.00. Na realidade nosso desastrado amigo acabou servindo de bode expiatório, visto que o dito programa podia ser facilmente encontrado na Internet na época…

Mas, oras bolas, a grande maioria dos profissionais, consultores e desenvolvedores de hoje se formaram na escola de pirataria de ontem. Dentre os dinossauros respondam-me: quem é que da velha guarda, juntamente com seu primeiro micro (XTssauros e afins da época), não tinha no mínimo uma cópia do MS-DOS, PCTools, dBase, Clipper e outras “ferramentas”? Trocava-se o horário de almoço por uma boa hora de estudo (de preferência nos livros da biblioteca) até que se conseguia desenvolver um primeiro programa razoável (normalmente em cima de outro já existente). Aliás nem poderia ter sido diferente, já que cumprir a lei era economicamente inviável para a grande maioria – há apenas alguns anos atrás um 386, visto como lixo hoje em dia, era o supra sumo do mercado nacional de PCs, custando alguns milhares de dólares. Os programas então, pffff, nem pensar.

Vejam o caso do AutoCAD, utilizado normalmente por 8 entre 10 engenheiros e arquitetos: ele custa aproximadamente uns US$ 4.000.00 – é isso aí, QUATRO MIL DÓLARES – e mesmo assim é pirateado entre os usuários; acontece que para poder apresentar um projeto oficial utilizando o programa, o profissional deve ter uma cópia registrada do mesmo, o que o obriga a desembolsar essa pequena fortuna para poder trabalhar. Conheço o caso de vários profissionais que simplesmente se reúnem, fazem a famosa “vaquinha”, compram o software, fazem tantas instalações quanto necessário, e na hora de apresentar o projeto o fazem em nome daquele que registrou o programa – o qual, é lógico, tem um percentual disso. É o nosso jeitinho brasileiro…

Apesar de parecer desnecessária tal lembrança, é importante não confundir o programa, ou software, com o respectivo suporte (disquete, cd-rom, etc). O programa é a obra intelectual (corpus mysticum) e o suporte é simplesmente seu meio físico (corpus mechanicum).

Nos dias de hoje, piratear software no Brasil é simples e visto como xerocar um livro ou gravar uma música do rádio – e teoricamente a infração aos direitos autorais seria a mesma. Na prática existe o pressuposto de uma certa conivência na pirataria entre aquele que vende ou cede e aquele que compra ou ganha a cópia pirata, ao contrário de outros tipos de falsificações, onde normalmente o consumidor final é vítima de um engodo, pois acreditava tratar-se de produto original. No fundo tudo é questão de conscientização cultural.

Mesmo no caso de diversas empresas, se for prevista uma verba de “X” no orçamento para a área de informática, 99,9% desta verba vai para hardware e o restante vai para o software, aplicando-se a já citada pirataria corporativa.

Ainda assim as grandes empresas alegam prejuízos de milhões de dólares devido à pirataria. Na realidade não há prejuízo e sim o chamado lucro cessante – aquilo que as empresas deixaram de ganhar. Particularmente acredito que seus planos de venda contabilizam somente aquilo que sabem que vão vender de fato, já prevendo um percentual de cópias piratas que acabam servindo de “amostra” de seu software aos usuários. Se alguém vier a comprar, tudo bem, aí sim é lucro. Porém, mesmo com todo esse alegado “prejuízo” ainda assim continuam trabalhando a pleno vapor, lançando versões mais novas e complexas de seus programas.

Enfocando o tema pelo âmbito legal, e para melhor entedermos como se dá a proteção aos programas de computador, é importante compreender que o software, não obstante seu uso prático, tem sua criação revestida de esteticidade, cumprindo as funções primordiais de transmissão de conhecimentos e de sensibilização. Ora, como tais funções são as mesmas que emanam de obras estéticas, o caminho lógico a se seguir é protegê-las através do Direito do Autor.

Aliás a proteção de obras estéticas tendo por base as funções acima citadas se dá desde a Convenção de Berna, em 1886; mas a tese de proteção pelo Direito do Autor no caso específico do software só foi aprovada internacionalmente após os debates realizados pelas Nações Unidas, por volta de 1970, e trabalho posterior da OMPI. Nos Estados Unidos o software foi inserido no regime do Copyright em 1980, estando desde então sob os princípios e regras que protegem os direitos autorais. Outros países que definiram normas específicas sobre o tema, e na mesma linha de raciocínio, foram: Filipinas (1972), Itália, Países Baixos, Hungria (1983), Austrália (1984), França (1985), Espanha (1987) e Brasil (dezembro de 1987).

O tratamento mundial dado à pirataria varia de país a país. Existem aqueles que a toleram, ou até mesmo a patrocinam; em outros, mesmo não sendo permitida, as leis de direito autoral não protegem especificamente o software, ou, quando protegem, tratam-se de normas vagas ou que estabelecem penalidades tão ínfimas que acabam sendo ignoradas; havendo ainda países que sequer têm leis de direito autoral.

No caso específico do Brasil a proteção aos programas de computador era regulamentada pela Lei 7646/87, a qual foi expressamente revogada pela Lei 9609/98 (na íntegra, ainda nesse número). A legislação brasileira foi claramente inspirada nos direitos norte-americano e francês (será que esses países não farão exigência de seus direitos autorais?), estabelecendo que a a violação dos direitos autorais de programas de computador é passível de ação criminal e de ação cível de indenização. Traduzindo: o pirata pode ser processado criminalmente (cadeia, multa, etc) e também pode ser processado civilmente (indenização por perdas e danos, lucros cessantes, danos morais, etc).

Segundo a Lei de Software, a reprodução da cópia legitimamente adquirida é permitida apenas na medida do indispensável para a utilização adequada do programa, ou seja, quando muito uma cópia de segurança. Aliás, aproveito para informar aos incautos que, em caso de pirataria, NÃO ADIANTA ALEGAR DESCONHECIMENTO DA LEI ! Isso conforme estipulado no artigo 3º da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil): “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Entretanto o Código Penal, em seu artigo 21, minimiza um pouco o fato: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.

Sob a ótica da pessoa ou empresa que teve seu programa pirateado, conforme lhe pareça mais adequado, existem três caminhos a seguir: o administrativo, acionando os órgãos do setor que formam instâncias de consulta e de solução de dúvidas; o civil, procurando a justiça comum para cessação das violações, cominação de sanções, reparação de danos e outras providências cabíveis; e o penal, pelo ingresso na justiça repressiva a fim de obter-se o apenamento do infrator.

Já sob a ótica do pirateador de programas, verificamos a pirataria ocorre com base em um dos seguintes pressupostos: ou pelo intuito de lucro, ou pela oportunidade/necessidade de se ter a cópia de determinado programa.

A pirataria pelo intuito de lucro é tão óbvia que nem adianta me prolongar nesse tema. Já a pirataria devido a oportunidade ou necessidade de obter determinado programa nos leva a algumas considerações. O pirata, nesse caso, é um verdadeiro colecionador que almeja conseguir as cópias mais recentes dos programas existentes no mercado – muitas vezes possui arquivos completos com softwares que jamais teve sequer tempo para verificar como funciona. O simples fato de saber que possui uma cópia já é o suficiente.

Na maioria das vezes esse indivíduo usa os próprios programas como moeda de troca, repassando aqueles que estão em seu arquivo em troca de outros que ainda não possui. Já vi casos em que se chega a pagar por uma cópia pirata ou até mesmo a comprar o software original só para fazer parte de sua “coleção”. O fato de passar a cópia para outros também não o incomoda, pois sente verdadeiro orgulho de ser o primeiro a ter em mãos determinado programa, sentindo-se lisonjeado pelo reconhecimento de usuários menos experientes.

No seu entendimento a pirataria não pode ser vista como uma espécie de contrabando – muitos piratas simplesmente abominam tal título. Na realidade não conseguem enxergar em seu comportamento nada de ilegal ou imoral, pois simplesmente não entendem estar prejudicando ninguém, muito pelo contrário: estão auxiliando aqueles que não conseguem comprar ou instalar os programas que possuem. O divertido da coisa está em repartir seu conhecimento num comércio onde a moeda é a informação – os “verdadeiros” piratas estão sempre em contato com grupos de pessoas que possuem a mesma afinidade, onde o princípio básico é “você tem que dar um pouco para conseguir um pouco… você recebe aquilo que você dá”. A diversão de encontrar um programa obscuro para alguém, a emoção de quebrar a proteção de um programa, a corrida para ver quem consegue obter a última versão de algum software – esta é a sedução da pirataria. São verdadeiros colecionadores de informação, pois ao contrário daqueles que guardam seu conhecimento informático para uns poucos, os piratas preferem torná-lo disponível para as massas.

No que tange aos alegados prejuízo das indústrias, os piratas entendem que na realidade são um verdadeiro benefício para as empresas, pois funcionam como fonte de propaganda da qualidade de seus produtos. Muitas pessoas acabam por comprar um programa por causa dos manuais ou do suporte, mas quem vai investir em quatro ou cinco programas similares só para saber qual deles atende às suas necessidades? Se não fosse a pirataria, muito provavelmente estaríamos hoje inseridos numa babel de sistemas operacionais, editores de textos, etc. A Microsoft que o diga…

Os “verdadeiros” piratas entendem que seu comportamento, mesmo indo contra a letra fria da lei, na realidade tem um fim mais elevado, não podendo ser questionado nem mesmo sob o ponto de vista ético: por manter o conhecimento disponível e fluindo, estão promovendo a democracia e a liberdade de mercado.

Pois é… a conclusão a que se chega é que tudo sempre vai depender do ponto de vista adotado para glorificar ou crucificar a pirataria. Em particular concordo plenamente com o desmantelamento dos esquemas daqueles que desejam ganhar dinheiro paralelamente com o trabalho alheio. A indústria de software subsiste e mantém milhares de empregos simplesmente através da venda de seus programas, e aproveitar-se do esforço de outrem é vil e asqueroso. Por outro lado os “verdadeiros” piratas causam mais bem que mal, pois através de suas abordagens virtuais o conteúdo de sua pilhagem informática acaba por beneficiar o usuário final (serão esses modernos bucaneiros as atuais versões de Robin Hood?).

Enfim, a pirataria como meio de disseminar o conhecimento e compartilhar programas é que veio a dar origem a mais nova tendência mundial: o software gratuito* – o qual na maior parte das vezes tem muito mais qualidade e menos bugs do que os softwares comerciais. Mas isso já é assunto para uma outra edição…

* Leia-se “software livre”

** Publicado originalmente em AGO/1999 (Ctrl-C)