Votos para o Ano Novo

Crônica publicada por Rubem Braga originalmente em 14/12/1957 com o título “O ano vai acabar” e, novamente, em 13/01/1968, com o título “Balanço de fim de ano”. Apesar das décadas que se passaram, continua atualíssima…

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Os cronistas mais organizados costumam escolher, no fim de ano, os dez melhores, os dez maiores, os dez mais isto ou aquilo do ano que passou. Essas escolhas públicas não têm o encanto das escolhas particulares, feitas em uma pequena roda, em que se costuma decidir, depois de severos debates, qual foi o maior “fora”, o pior vexame, o melhor golpe do baú, o maior chato do ano, a mais bela dor de cotovelo, o mais louvável infarto do miocárdio, o party mais fracassado, a cena mais ridícula, o marido mais manso etc. Note-se que para a escolha deste último deve-se levar em conta que há muitos cavalheiros que não podem ser aceitos no páreo, devem ser considerados hors-concours. É preciso incentivar os valores novos.

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Depois desse salutar exercício, proponho que cada pessoa faça um exame de consciência e pergunte a si mesma com que direito se arvora em juiz dos outros. Pense nos seus próprios ridículos. Procure ver a si mesmo como se fosse alguém a quem quisesse ridicularizar. Como seria fácil! Quem sabe que a virtude de que você mais se envaidece é menos uma virtude do que medo da polícia, ou, mais comumente, do ridículo?

Dizem que o crime não compensa. E a virtude, compensará? Espero que sim, mas talvez só no outro mundo. Neste aqui não sei; mas conheço pessoas virtuosas que me parecem tão azedas, tão infelizes, tão entediadas, tão sem graça com a própria virtude que dão vontade da gente dizer:

— Está muito bem, nossa amizade, você é formidável. Mas assim também enjoa. Peque pelo menos uma vezinha, sim? É bom para relaxar.

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Raul de Leoni sonhava com “um cristianismo ideal, que não existe, onde a virtude não precisasse ser triste, onde a tristeza fosse um pecado venial…”.

Acho que a pessoa querer buscar a felicidade em pecados e sujeiras só não é um erro quando a pessoa tem mesmo muita vocação para essas coisas. Mas isso é raríssimo. A maior parte dos sujos tem uma inveja secreta e imensa dos honrados, dos limpos. Sofre com isto. Sofre tanto quanto os que vivem além do gabarito da própria virtude.

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Desejo a todos, no Ano Novo, muitas virtudes e boas ações e alguns pecados agradáveis, excitantes, discretos, e, principalmente, bem-sucedidos.

We will rock you

E eis que a Pepsi se superou mais uma vez!

Desde longa data admiro a criatividade desse povo ao criar seus comerciais. E este, do longínquo ano de 2004 (mas que somente agora vim a conhecer), na minha nada humilde opinião ficou MUITO BOM! Tudo bem que não conheço nenhuma das músicas ou sequer sou admirador da Beyoncé, da Pink ou da Britney Spears. Aliás nem tampouco sou admirador da Pepsi…

Mas a música do Queen? Ah, essa sim admiro – e muito!!!

Ah, essas dificulidades…

– Oi, moça, bom dia!

– Bom dia.

– Você cobra pra mim, por favor? Tá aqui a comanda!

– Foi um pingado e um pão de queijo, isso mesmo?

– Isso, isso. Você sabe como é, né? Um bom cafezinho da manhã pra começar o dia!

Ãh-han…

– …

– São cinco reais, senhor.

– Tá bom. Passa no cartão, por gentileza.

No cartão??? CINCO REAIS???

– É. No cartão, oras bolas! Por quê?

– Não, me perdoe, é que um valor pequeno assim todo mundo costuma ter no bolso!

– E eu sou “todo mundo”, por acaso? Não tenho nem um centavo no bolso e nem por isso deixo de ter minha dignidade! Atualmente as pessoas trabalham com cartão, com PIX, QR Code, transferência direta pelo celular, o escambau! O dinheiro virtual está fazendo com que deixemos o dinheiro real no passado. Raro é quem anda com dinheiro na carteira! Aliás, nos dias de hoje, ter dinheiro na carteira não só é uma raridade, como é também um perigo. Se o assaltante chega e você tiver apenas alguns míseros trocados, vai querer saber onde é que você “escondeu” o resto. E não encontre pra ver o que acontece! Agora, se você não tiver nada de dinheiro, apenas uns cartõezinhos, a foto dos filhos ou da amada, a medalhinha do santo e um ou outro boleto pra pagar, é capaz mesmo de que ele fique é com dó de você e te deixe ir embora sem problema, enquanto espera alguma outra vítima que esteja, de fato, “endinheirada”!

– Tudo bem, tudo bem, senhor! Não precisa se exaltar! Foi só uma observação, então, mais uma vez, peço que me perdoe!

– Tá bom. Deixa pra lá. É que essas coisas me deixam irritado, sabe? É como se não ter dinheiro em espécie fizesse com que a gente se tornasse algum tipo de cidadão de segunda categoria…

– Imagine! Jamais pensei nisso, senhor. Seu cartão, por favor.

– Tá aqui, ó. É por aproximação, tá?

– Tudo bem, hoje em dia com todo mundo é assim.

“Todo mundo?”

– Errr… Deixa pra lá. Tá aqui a maquininha. Pode aproximar, por favor. Não, na tela não, é aqui, ó. Não, embaixo não, aqui atrás. Isso. Põe mais pertinho. Assim.

– Ah, antes que eu me esqueça: é no crédito, tá bom?

NO CRÉDITO???

– É, no crédito, sim, por quê? E eu sou lá homem de deixar dinheiro parado? Dinheiro na conta corrente não rende, minha filha! Com a inflação do jeito que está qualquer centavo é bem-vindo! Se os bancos possibilitam que eu pague tudo no crédito, pra que é que eu vou passar no débito? Tenho absoluta certeza que vocês, comerciantes, já embutiram a taxa da maquininha até mesmo em cada bala que sai deste estabelecimento, então, quer seja no débito ou no crédito, vocês vão receber de qualquer jeito. O fato de eu não pagar minhas contas com cartão de débito não significa que eu seja mais pobre por causa disso, pois estou apenas aproveitando todas as possibilidades que esse sistema bancário feudal e corrupto pode me proporcionar! Você deveria parar de medir as pessoas pela forma com que elas pagam suas contas, viu, menina? Isso por si só já é uma espécie de preconceito e que pode acabar muito mal, muito mal mesmo!

– Ai, meu Deus, mais uma vez me desculpe! O senhor pode deixar que daqui pra frente eu vou me policiar, tá bom? Eu nunca imaginei que poderia causar esse tipo de impressão nas pessoas!

– Pois é, mas com esse tipo de atitude, causa sim!

– Entendi, entendi. Mas vamos em frente, tudo bem, senhor? No crédito, então, certo?

– Certo, certíssimo! Ah, só mais uma coisinha, por favor?

– Pois não, senhor?

Dá pra parcelar?…

Proibir ou modificar livros é um perigo para a própria evolução da humanidade

Se proibirmos o acesso ou modificarmos histórias, acabaremos por esquecer a nossa própria história coletiva. Sem essa memória, quem garante que não acabaremos a repetir os erros dos nossos ancestrais?

Ricardo Almeida
CEO Clube de Autores
7 de Agosto de 2023

Atualmente, assistimos a um movimento que tem modificado livros com muitas décadas de existência. As palavras têm sido alteradas e a liberdade coartada. Mas qual será o impacto desta nova censura para a literatura?

Durante séculos, as severas penas impostas aos que ousassem desafiar a censura para procurar conhecimento impediram avanços incalculáveis para a nossa espécie, forjada, justamente, pela sua capacidade sagrada de aprender e partilhar histórias. Durante séculos, perdemos cientistas, filósofos e questionadores na mesma medida em que coleccionámos atrasos, preconceitos e pecados absolutamente capitais contra a essência da própria alma humana.

Tudo mudou a partir do momento em que o mundo viu caírem, uma a uma, as censuras impostas por tantas religiões e governos. A partir de então – pelo menos nos territórios que passaram a respirar liberdade de pensamento – a partilha ampla de conhecimento, História e experiência explodiu, resultando em evoluções sócioculturais como em nenhum outro momento da humanidade.

Nos dias de hoje, por exemplo, a autopublicação gratuita de livros permite não só que autores dos mais diversos cantos do planeta contem as suas versões, imaginações e vidas, mas também que possam aceder ao estatuto de formadores de opinião, até tão pouco tempo reservado a uma elite intelectual e económica mais interessada em preservar os seus próprios interesses do que em dar voz ativa a todos.

Devemos saudar esta mudança. Devemos abraçar a possibilidade de termos histórias contadas não apenas pelos ditos vencedores, mas por qualquer um que queira partilhar a sua forma de ver o mundo. Devemos agradecer este acesso amplo ao conhecimento, única forma de evitar que esqueçamos os erros do passado e que, assim, caminhemos sempre para a frente.

Mas, infelizmente, a maior lição que a História nos ensinou é que acabamos sempre por esquecer as suas lições. Na belíssima Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, há um exemplar do Index Librorum Prohibitorum – a lista de livros proibidos pela Igreja Católica promulgada em 1559 e constantemente atualizada até 1948, 18 anos antes de ser oficialmente abolida. Ora, eis que surge, agora, um novo Index Librorum Prohibitorum, versão século XXI, da mesma forma que, no passado, as lideranças políticas de muitos países passaram a proibir publicações que contrariassem as suas formas de ver o mundo. Nos EUA, no estado do Tennessee, por exemplo, a administração de uma escola votou por banir o livro Maus: a história de um sobrevivente, sobre o Holocausto, por conter “imagens de nudez e asneiras”. E esse é apenas um exemplo: segundo um relatório da entidade PEN America, 2532 livros foram banidos em escolas americanas entre 2021 e 2022.

Mas não é só de proibição que se pauta esse novo movimento de censura à História. A gigante editorial HarperCollins, por exemplo, decidiu reeditar livros de Agatha Christie, modificando ou retirando por completo excertos que hoje podem ser considerados “inadequados”. Outros autores como Roald Dahl e Ian Flemming, para citar apenas dois outros exemplos, já foram mastigados pela máquina moderna da censura e relançados com textos “mais apropriados” às visões majoritariamente aceitas no mundo.

Qual o óbvio resultado de todo este movimento de censura completa ou reescrita seletiva? Perdemos todos uma janela fabulosa para o nosso próprio passado coletivo, para a forma como as sociedades viam o mundo e as consequências, positivas e negativas, que surgiram a partir dessas visões.

Se proibirmos o acesso ou modificarmos histórias, acabaremos, inevitavelmente, por esquecer a nossa própria história coletiva, as forças que nos fizeram evoluir até o que somos hoje. E, sem essa memória, quem garante que, em breve, não acabaremos a repetir os mesmos erros que os nossos ancestrais, incluindo as tantas perseguições, condenações e guerras que marcaram o percurso humano? É isso mesmo que queremos como espécie?

Os livros são, antes de qualquer coisa, registos dos seus próprios tempos. Mudá-los, no todo ou em parte, é o mesmo que queimá-los. E se isso já era tenebroso no século XVI, é absolutamente inadmissível no século XXI.

Elis, a nova Kombi e meus dois cents

Pois bem, vamos à controvérsia da vez.

Trata-se do recém lançado comercial da “nova” Kombi, que aparece sendo dirigida pela cantora Maria Rita no qual, em meio de flashes e imagens da década de setenta e oitenta, eis que surge sua mãe, a própria Elis Regina, dirigindo uma antiga Kombi e elas passam a cantar em dueto a música Como nossos pais.

Como se já não tivéssemos problemas suficientes neste nosso Brasilzão véio sem portêra, nem bem foi lançado e já começaram a implicar com esse comercial. Pô, gente, o arcabouço fiscal ainda nem foi votado, o país continua dividido e a política no geral parece uma mistura de jogo de xadrez com cubo mágico. Disso tudo somente salva a excelente notícia de que o capiroto está INELEGÍVEL… 😀

Mas tergiverso.

É que de bate pronto já começaram com o MI-MI-MI habitual. O primeiro deles é de que “Oh, mas estão utilizando a imagem da Elis Regina através da Inteligência Artificial!”. Sim, e daí? Com certeza a família autorizou e com mais certeza ainda devem estar levando uma quantia considerável pela utilização da imagem desse nosso ícone nacional. Aliás, não há novidade nenhuma nisso: no filme Rogue One: Uma História Star Wars a atriz Carrie Fisher também foi recriada digitalmente para aparecer como a jovem Princesa Leia. Tudo bem que nessa época ela ainda estava viva e também autorizou a utilização da própria imagem, mas foi muito bom vê-la em ação novinha de tudo!

Outra choradeira é de que a Volkswagen contribuiu com o governo estabelecido na época da ditadura, inclusive disponibilizando veículos e, ainda, explorando de forma cruel a mão de obra operária. Certo, a coisa foi feia. Mas tudo isso gerou ações e indenizações milionárias que ainda estão sendo pagas e décadas já se passaram, a mentalidade de seus administradores é outra e a indústria não pode parar. Aliás, se for para colocar o dedo na ferida, temos que lembrar que o Fusca, maior sucesso de vendas da Volkswagen, somente foi criado graças ao incentivo de ninguém menos que o próprio Hitler. Sinistro… E mesmo assim a empresa jamais saiu de operação.

E, também, não faltou a tentativa de “demonizar” as agências de publicidade! Mas gente, é exatamente para isso que existem esses profissionais, quer gostem ou não! Nas palavras do jornalista Alexandre Inagaki, no Twitter: “E é isso o que os mais habilidosos publicitários fazem, de fato. Capturam tendências e manipulam emoções a fim de movimentar as engrenagens capitalistas. Os redatores e diretores do comercial de Volks criaram uma peça maquiavelicamente brilhante, que emociona e engaja.”

Dentre os comentários, opiniões e surtos de praxe, é até engraçado constatar que tem gente se entendendo proprietária da opinião alheia, se indignando de tal maneira como se conhecedora do que se passava na cabeça da própria Elis e sobre o que ela concordaria ou não. Sobre o que está certo ou está errado e como “deveria” ter sido conduzida essa campanha.

Olha, enfim, é muita teoria da conspiração pra pouco carro. Até porque estamos simplesmente falando de um comercial que, daqui a pouco, vai acabar sumindo da blogosfera. E mesmo essa Kombi, pra mim, não tem cara de Kombi! Parece muito mais a nave auxiliar da Enterprise, de Star Trek, o Galileo Seven…

Na minha opinião é a mesma coisa que aconteceu com o “New Beetle” quando quiseram relançar o Fusca. Aquilo pode ser qualquer coisa, mas não é um Fusca! Essa “New Kombi” pode ser uma van, um utilitário ou seja lá o que for, mas também não é uma Kombi! Pra começo de conversa ela já chega no mercado com um valor estimado de aproximadamente trezentos mil reais. Só. Suuuuuper popular. Já estou vendo os feirantes se estapeando para aposentar a velha corujinha de pneus carecas e assoalho furado para fazer um financiamento e colocar essa nova Kombi para levar as caixas, lonas, cordas e madeirame das barracas de feira…

Só que não.

Enfim, discussões à parte, confiram abaixo o “controverso” vídeo de que estamos falando. Não vou pedir para que os detratores que me perdoem, mas sim que se explodam, porque desse resultado EU GOSTEI MUITO!

E esse alemão me deixa louco…

… ou não.

Mas vamos lá.

Meus pais já estão bem velhinhos.

Isso é fato.

Meu pai, com seus 86 anos completos, até que ainda está razoavelmente lúcido, apesar de o raciocínio estar beeeeeem devagarzinho; porém, fisicamente, está muito debilitado. Não que as condições gerais do organismo não estejam boas, tais como coração, pulmão, circulação, etc. Mas é que nos últimos anos ele simplesmente “desistiu”. Não quis mais saber de executar as pequenas tarefas de casa, de sair, de andar, de tomar sol, de ver gente, de nada. Atualmente só fica deitado. O dia inteiro. E, é lógico, o corpo atrofia, né?

Já minha mãe, com quase 80, fisicamente até que está bem, apesar da batelada de remédios que tem que tomar diariamente. Mas há aproximadamente um mês a cabecinha desarranjou. Teima que “aquele homem” deitado na cama não é o marido dela, que o “verdadeiro” marido saiu e vai voltar a qualquer momento, às vezes não lembra que tem netos, não lembra que tem noras (nesse caso não sei se seria de propósito…), e de quando em quando ainda teima que quer ir embora, pois não reconhece a casa onde ela viveu praticamente desde que casou.

Aparentemente é “esse tal de Alzheimer”

Mas vamos tentar entender melhor essa bagaça. Na prática, “demência” é um termo geral que engloba várias doenças que se manifestam com declínio na memória ou de outras habilidades de pensamento suficientemente severas para reduzir a capacidade de uma pessoa de realizar as atividades diárias, sendo que a Doença de Alzheimer é responsável por aproximadamente uns 70% dos casos de demência. Antigamente a demência era incorretamente referida como “senilidade” ou “demência senil”, o que refletia a crença generalizada, porém incorreta, de que um declínio mental grave seria uma parte normal do envelhecimento.

O nome oficial dessa doença se deve ao médico alemão Alois Alzheimer, o primeiro a descrever a doença, ainda em 1906. Ele estudou e publicou o caso de uma paciente, uma mulher saudável que, aos 51 anos, desenvolveu um quadro de perda progressiva de memória, desorientação, distúrbio de linguagem, dificuldade para compreender e se expressar, tornando-se incapaz até mesma de cuidar de si própria.

E, ao que parece, é “esse tal de alemão” que anda atormentando minha mãe…

Dia desses, por exemplo, ela me ligou e não dizia coisa com coisa, que queria ir embora daquela casa e coisa e tal. Pacientemente falei com ela e acabei desligando. Segundos depois ela ligou novamente com a mesma ladainha. Ainda com paciência, conversamos. E em seguida novamente. A mesma coisa. E depois de novo. E de novo. E mais uma vez. E novamente, de novo, outra vez. Na décima quinta vez (e não, não estou exagerando), simplesmente parei de atender os telefonemas.

Toda essa história foi somente para situar.

Hoje estou aqui na casa de meus pais, dando-lhes suporte para passar este final de semana, no que revezo com meus irmãos nos demais finais de semana. Muito bem. Conectei meu notebook na tomada do telefone e, estando eu na lida com meus processos, vejo minha mãe indo e vindo, passando de um lado para outro, resmungando em voz baixa. É que ela queria ligar para uma de minhas tias para apresentar a ladainha de reclamações de praxe. Tentou o celular (sem bateria), tentou o fixo (desconectado) e já tem coisa de mais de uma hora que ela está com o controle da televisão tentando fazer uma ligação…

E eu aqui, quieto.

Tudo bem, me julguem.

Já sei mesmo que, por essas e outras, devo ir para o inferno.

Mas pelo menos, por hoje, estou conseguindo trabalhar…

Esse povo do Zap ainda me mata…

Gente, vocês têm que prestar mais atenção.

Tubo bem que hoje é Dia das Mães e tudo o mais, mas tem coisa que não se faz.

Olha só, eu participo de um grupo do WhatsApp criado recentemente visando marcar uma festa par reunir todo um povo que trabalhou junto trinta anos atrás! Por mais aguerridos que todos sejam, principalmente no que diz respeito à política, desde o começo já ficou combinado que esse grupo seria bem específico, para matar as saudades, descobrir por onde andam estas ou aquelas pessoas e combinar o dia do evento. E só.

E, ressalvadas raras exceções, o povo até que vem se comportando bem, vá lá. Às vezes um aniversariante daqui, uma dica dali, uma lembrança acolá, e assim vai. Pessoal ajuizado, da velha guarda e na época em que trabalhamos juntos eu mal tinha trinta anos de idade.

Mas gente, mesmo sendo um dos “caçulas” do grupo, eu já passei do meio século de vida!

Já faço parte da turma que é mais convidado para funerais do que para casamentos, meus grupos de amigos tendem mais a diminuir do que aumentar, tenho reservado no guarda-roupa uns conjuntos de “pretinhos básicos” conforme seja a pompa e circunstância da ocasião, até mesmo meu celular já conecta automaticamente na rede wi-fi do crematório local!

Ou seja, fora dos dias e horários comerciais, muito pela manhã ou já à noite, quando toca o alerta do meu celular avisando que chegou mensagem, caramba, isso me gela a alma! NINGUÉM vai te escrever de madrugada dizendo que está com saudades, ou tarde da noite para te convidar para uma festa, ou, ainda, no meio de um domingo modorrento para tratar de algum trabalho pendente. Quando isso acontece, invariavelmente é desgraça ou desgraça. A gente já corre para o telefone pensando em quem morreu, quem foi preso, qual foi o acidente com o carro de quem, se alguém se machucou e assim por diante.

O chegar da idade pode ser, sim, terrível, mas ainda é melhor que a alternativa.

Então, com todo respeito aos mais bem intencionados integrantes desse grupo do qual faço parte, por caríssima e extremíssima gentileza, tenham em mente que SEIS HORAS DA MANHÃ DE DOMINGO NÃO É HORÁRIO PARA COMEÇAR A ENVIAR MENSAGEM DE FELIZ DIA DAS MÃES !!!

E tenho dito.

Pela atenção, esta companhia agradece.