Carlão

Das inúmeras aventuras e desventuras de minha época de adolescência, uma boa parte passei com aquele que, então, era um de meus melhores amigos daqueles tempos: meu primo, Carlos Antunes, mais conhecido como Carlão.

Nossa diferença de idade até que não era muita, apenas 6 anos – mas para a época era gigantesca: apesar de grandalhão, eu era um pirralho lá com seus 15 pra 16 anos, enquanto que ele já tinha seus 21, 22 anos…

Ainda assim, sabe-se lá o porquê, nossos santos bateram um com o outro e tínhamos uma cumplicidade e uma parceria fora de série!

Naqueles tempos, em plena década de oitenta, existiam somente algumas poucas coisas realmente constantes em todo o universo: o bigode do Carlão, sua boa e velha moto TT 125, que nós dois estaríamos juntos aprontando alguma em algum canto e, muito provavelmente, bêbados…

Sendo assim, numa fria noite qualquer estávamos lá, nós dois bestando, sentados no murão da casa de meu tio (éramos vizinhos). De repente, do nada:

“Vamos pra Monteiro Lobato?”

“Ôpa!”

Invariavelmente fazíamos uma dessas. Saíamos, percorríamos às vezes uma centena de quilômetros ou mais, tomávamos um conhaque (estava frio, vocês se lembram?), quando muito uma ou duas cervejas e voltávamos. Se houvesse alguma moçoila por perto, certamente seria objeto de nossos comentários, talvez até de alguma tentativa de avanço e – outra constante universal de então – daríamos com os burros n’água! Na verdade estávamos mais interessados em sair e nos divertir do que em ter qualquer tipo de amarração.

E então fomos pra Monteiro Lobato, cidadezinha pequena e que não tinha absolutamente NADA, a cerca de uma hora de viagem – uns 50 quilômetros de uma tortuosa e bucólica estradinha cheia de mata, escuridão e NADA. Nem acostamento tinha! Pensando bem, até hoje ainda não tem… No quê? Na boa e velha moto TT 125, é claro. Que sempre teve um barulhinho característico e quase que hipnotizante com seu motor dois tempos, uma espécie de balido de cabra contínuo e interminável…

Chegamos por lá, encontramos um ou outro conhecido, tomamos nossas cajibrinas e, assim, do nada:

“E aí? Vamos embora?”

“Ôpa!”

É, com certeza nossos diálogos não eram assim tão brilhantes, mas tinham um quê de divertidos…

E lá fomos nós, de volta para nossa cidade, já de madrugada, num friozinho de começo de inverno, naquela estradinha escura e tortuosa, já meio bêbados e sonolentos, com aquele barulhinho de fundo do motor da TT: béééééééééééééééé…

É LÓGICO que, ali na garupa, comecei a cochilar.

E, muito no de repente, a moto lentamente começou a sair fora da estrada, vagarosamente passando do asfalto para a terra (sem acostamento, lembram-se?) e na primeira ameaça de solavanco já acordei, super assustado, com a nítida impressão de que uma descarga elétrica tinha acabado de passar pelo meu corpo! Num átimo de segundo (adoro palavras assim!) já pensei comigo mesmo:

“Caramba! Parece que eu cochilei e comecei a pender de lado, desequilibrando a moto e o Carlão não conseguiu segurar, fazendo com que ela saísse da estrada. Putz, que merda! Ele deve estar puto da vida comigo! Deixa eu me equilibrar e até mesmo me desculpar por essa mancada…”

Tudo isso passou pela minha cabeça numa fração de uma fração de momento. Entre o começar a sair da estrada, construir esse raciocínio e me aprumar na moto não deve ter passado mais do que um ou dois segundos. Ainda fora da estrada foi o tempo de eu levantar a mão e dar um um tapinha no ombro do Carlão, já dizendo:

“Putz, cara! Desculpa aí. Acho que dormi…”

E parece que uma outra corrente elétrica voltou a passar, só que desta vez pelo corpo dele.

De imediato ele se aprumou e ACORDOU.

Isso mesmo, crianças, ELE TAMBÉM ESTAVA DORMINDO!!!

Já estávamos fora da estrada mesmo, paramos, apeamos, acendemos um cigarro, xingamos um ao outro, demos risadas e acordamos de vez, prontos para seguir viagem…

Essa foi apenas uma das inúmeras desventuras pelas quais passamos.

O tempo passou, no início de 88 eu me casei pela primeira vez (afinal já tinha 18 anos à época) e em 93 foi a vez dele também se casar. E foi com a Claudete, uma amiga em comum com quem eu adorava ter longos proseios.

Pouquíssimo tempo depois, no final de 97 ele faleceu.

Câncer.

Com apenas 34 anos de idade.

Não, a vida não é justa. Já tem vinte anos que ele se foi e ainda sinto saudades. Lamento não ter estado mais próximo dele em seus últimos tempos, mas eu mesmo também estava passando por meus próprios perrengues. Nada tão sério quanto pelo que ele estava passando, mas quando estamos no meio da tormenta parece que não conseguimos mensurar as coisas direito.

Onde estiver, esteja com Deus, meu primo-amigo-irmão, Carlão…

Vamos começar?

Então é 2018.

Já passamos do Dia de Reis, o Presépio já voltou pro armário, a árvore já foi desmontada, os enfeites já foram retirados.

Você já passou pelo Ano Novo, já fez a contagem regressiva, brindou com champanhe, cidra, vinho, cerveja ou seja lá o que for, guardou suas sementes de romã, pulou sete ondinhas, comeu até se fartar e no dia seguinte de novo e mais um pouco pelo resto da semana.

Então é 2018.

O ano de 2017 foi um ano ímpar (em todos os sentidos), um ano de animação suspensa, meio que de torpor, principalmente no que diz respeito às questões políticas. Com o tempo as pessoas acabaram desistindo de rosnar e bradar em alto e bom tom como a sua verdade era mais verdadeira que a dos outros.

Foi um ano que foi chegando, assim, meio que cheio de esperanças, e quando as pessoas deram por si, já havia passado o carnaval, a Páscoa, o dia das mães, as festas juninas, o dia dos pais, os aniversários, os feriados, o Natal, o Ano Novo. As esperanças minguaram lá atrás, já no primeiro bimestre e o ano passou tão ou mais rápido como os anteriores.

Então é 2018.

O ano passado não foi um ano fácil, mas também não posso dizer que tenha sido difícil. Para mim, em especial, foi um ano de descanso, de recobrar as energias gastas nos 16 anos anteriores. Afinal, se antes eu me sentia indiretamente responsável por mais de 210 mil pessoas, hoje sou de fato responsável por pouco mais de uma dúzia de pessoas. Vá lá: umas duas dúzias.

Para mim não foi um ano de grandes projetos – ainda que tenha participado de alguns – mas sim um ano de tirar o pé do acelerador, de manter o carro em movimento e ao mesmo tempo poder curtir com calma a paisagem. Naturalmente tanto me afastei de algumas pessoas quanto me aproximei de outras, bem como expandi alguns círculos, principalmente os familiares.

Ter saído das rotinas anteriores – ainda que tenha criado algumas outras – fez com que minha percepção de tempo fosse distendida, de modo que o ano de 2017 passou lentamente. Assim como nos princípios da permacultura, foi um ano de deixar a terra descansar, um ano de respirar, um ano de pensar e avaliar tudo aquilo que já havia sido plantado, o que tinha evoluído, o que tinha murchado, o que tinha florescido.

Então é 2018.

É lógico que os céticos sempre vão esfregar na sua cara que o simples completar de uma rotação da Terra em torno do Sol não traz nada de novo, os dias são iguais, o tempo é igual e nós, humanos, é que criamos essa ficção da contagem do tempo.

Mas justamente por sermos humanos é que necessitamos dessa contagem de tempo. Desse ciclo. Desse começo, meio e fim. Todo ano. É preciso, sim, renovar as esperanças, traçar novos planos, focar em novos objetivos, em novos desafios, quebrar a rotina de um modo geral. É preciso deixar o que é velho, repetitivo e que não funciona pra trás, e, ciente de todo o aprendizado que lhe foi proporcionado, buscar o novo, criativo e que talvez até venha a dar certo. E, se não o der, que se repita o ciclo. Até porque o ano que passou não volta mais e o que se desdobra à sua frente vem chegando, sim, cheio de oportunidades.

Então é 2018.

E assim, mais como uma constatação do que como uma divagação, temos que 2018 chegou e creio firmemente, sim, que é hora de renovarmos as esperanças – em todos os sentidos e em todas as áreas. Cada um de nós tem o poder de fazer a diferença e não dependemos de circos políticos e midiáticos para definir nossas próprias vidas. Arregace as mangas e vá em frente. Com foco. Nenhum sonho é pequeno ou grande demais que não possa ser realizado. Vai dar trabalho, sim. Mas se não começar agora, AGORA, jamais vai chegar lá.

De minha parte, a terra já descansou. É hora de arar. De semear. De observar e cuidar de cada uma dessas novas sementes para que cresçam fortes e viçosas.

Afinal é 2018.

É hora de ficar sóbrio.

Feliz Ano Novo.

Tori

Tori é um portão tradicional japonês ligado à tradição xintoísta e assinala a entrada ou proximidade de um santuário.”

Não sei do santuário, mas de que material será que foi feito esse negócio???