O tempo dos escritórios: da banca individual às grandes firmas

Egon Bockmann Moreira
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPR.
Advogado.

Evolução da advocacia revela o desafio de conciliar modelos empresariais com a preservação da identidade e vínculo humano

Quando comecei a advogar, no século passado, vários escritórios de advocacia eram a extensão da casa de seus sócios. Poucas salas, armários escuros com uma mistura de livros novos e antigos, organizados segundo a memória do dono, máquinas de escrever e cinzeiros. O telefone soava poucas vezes ao dia. O advogado entrava na sala, se apresentava pelo nome e exercia sua profissão individualmente. As causas eram menos numerosas, mas bem pessoais: o cliente sentava-se, explicava o problema, e a relação se construía a partir da voz e do olhar. Os juízes sabiam quem éramos e com quem trabalhávamos. Todos – ou quase todos – se reconheciam no Fórum (ou nas livrarias). Era um ofício artesanal, intuitu personae, sustentado por reputação e palavra. Poucos eram os escritórios mais longevos do que seus fundadores.

Com o passar do tempo, e num ritmo impreciso, a paisagem se transformou. A multiplicação das normas, a especialização dos temas e a ampliação dos mercados tornaram insuficiente o modelo individual. A advocacia local, que cabia em uma sala, passou a exigir estrutura, coordenação e resposta imediata. Vieram as bancas de médio porte, depois as firmas quase-empresariais e, por fim, dezenas de organizações com centenas de advogados que se espalharam pelo mundo. Isso tudo aconteceu como muitas coisas acontecem na vida: rápido e devagar. “Como foi que você faliu?, Bill perguntou. De duas maneiras, respondeu Mike, primeiro lentamente e, depois, de um só golpe.” Essas linhas do O sol também se levanta, obra-prima de Hemingway, descrevem como se deu o crescimento e a multiplicação dos grandes escritórios de advocacia brasileiros: lentamente e de um só golpe. Então, as portas de madeira deram lugar às fachadas de vidro, às logomarcas de design estudado, à dispensa das gravatas, ao trabalho em poltronas de aviões e ao home-office. O sobrenome do fundador cedeu espaço à marca coletiva – uma sucessão de vogais e consoantes – e, com ela, à racionalidade da gestão de pessoas e processos.

Não me parece que essa transição tenha sido fruto de vaidade ou de modismo, mas tem causas econômicas e institucionais razoavelmente bem definidas. As empresas se tornaram complexas, as regulações se multiplicaram, os litígios aumentaram em valor e repercussão. Os tribunais cresceram e se multiplicaram. O cliente corporativo passou a exigir disponibilidade contínua, atendimento integrado, especialização técnica e padronização de condutas. As formas de comunicação instantânea – a crueldade do WhatsApp, que não respeita horários – a fazer com que tudo tenha de ser lido e respondido de modo breve, fugaz, em torrentes de pequenos monólogos. Não se olha no olho, mas na tela do celular. A advocacia entendeu o que se passava e reagiu criando estruturas compatíveis com essa demanda. O escritório deixou de ser apenas um espaço de trabalho para se converter em organização empresarial, com governança, controladoria, categorias de profissionais, metas e métricas de produtividade.

A racionalidade das grandes firmas de advocacia parece ser a da eficiência: coordenação de saberes, divisão de tarefas, gestão de riscos, receitas projetadas e remuneração com base em performance e captação. Nada disso é negativo em si. Permitiu que advogados e advogadas se tornassem interlocutores das maiores decisões empresariais e governamentais do país. Mas toda essa racionalidade de grandes negócios carrega um preço: as métricas e o controle substituíram a autonomia; a marca coletiva apagou a identidade pessoal; a estabilidade foi transformada em sucessão interminável de advogados e advogadas. A pessoa, que antes respondia apenas por suas convicções mais íntimas perante o seu cliente, passou a representar um conjunto institucional de políticas e procedimentos. O gesto de escrever uma petição, fazer uma audiência ou orientar um cliente tornou-se, muitas vezes, parte de um processo industrial despersonalizado de produção jurídica.

Há ganhos evidentes: clientes de envergadura, receitas colossais, qualidade constante, previsibilidade, integração multidisciplinar. Mas, também, pode haver perdas que não podem ser ignoradas. A primeira delas talvez seja a distância humana e a secura das vivências. Aquele vínculo personalíssimo, que nascia da escuta ativa e do conselho ponderado, foi substituído por fluxos de comunicação eletrônica impessoais, planilhas e reuniões com minuto para acabar. A segunda é a dispersão da responsabilidade intelectual: poucos sabem, de fato, quem concebeu a solução, elaborou a estratégia ou redigiu o documento. O trabalho coletivo é essencial, mas pode dissolver a autoria e, com ela, a consciência – e o orgulho – do ofício. Pode vir a neutralizar sentimentos que me parecem tão caros à advocacia.

Advogadas e advogados sempre viveram da confiança e da ética. Quando o cliente deixava um caso sobre a mesa, acreditava só naquela pessoa a quem entregava o seu destino. O tempo das grandes firmas inverteu, em parte, essa lógica: hoje se confia na estrutura, na capacidade de gerenciamento, na equipe e na reputação institucional de uma sigla. É natural que seja assim (seria ilusório desejar o retorno a um imaginado passado que não voltará jamais). O que importa é não perder de vista o sentido da profissão: oferecer orientação técnica e ética em nome do direito, e não apenas prestar um serviço eficiente pautado pelo volume de horas “biladas” (esse horrível anglicismo que hoje nos persegue).

A advocacia brasileira pode estar a atravessar, portanto, um paradoxo. Precisa das grandes firmas, que garantem escala, sofisticação e presença internacional. Mas, igualmente, necessita preservar o espírito das bancas pequenas, em que o advogado respondia pessoalmente por cada linha escrita e orgulhava-se de seus arroubos criativos, sendo identificado e identificando-se com o seu próprio trabalho. O desafio talvez esteja em conciliar essas dimensões: construir organizações que não percam a delicadeza do gesto individual, que saibam ser grandes sem se tornarem anônimas. Em que as pessoas valham mais dos que as métricas de performance. Depois de tantos anos, quem sabe o melhor escritório persista sendo aquele em que ainda se pode reconhecer pelo nome o advogado que entra na sala.

Nas asas da Graúna

Para quem ainda não conhece (assim como eu também não conhecia), esta é a galera que está à frente da Rede Graúna de Cultura, Diversidade e Solidariedade, atualmente capitaneada pela Sara e pela Stella. Sinceramente não sei bem como descrever essa entidade além daquilo que seu próprio nome já deixa bem evidente – mas, para simplificar, ela mesma se apresenta como uma “rede multiplicadora de afeto”.

Fundada em 13/10/2021, já foi anteriormente dirigida pela Vivian Pelodan e pelo Matheus Korting (foi o que acho que descobri, mas se eu estiver errado, me corrijam!), e o espaço que hoje ocupa foi inaugurado em 10/12/2021, onde, desde então, vem desenvolvendo suas atividades culturais, artísticas, sociais e outros quetais – às vezes aos trancos e barrancos, outras tantas, graças ao abnegado time do voluntariado, avançando a largos passos. Mas, vejam só: já passou de dois anos de existência, então provavelmente seu futuro deve, a cada vez mais, se estabilizar!

Mais do mesmo vocês podem encontrar no espaço virtual, em suas páginas do Facebook (aqui e aquimas algum dia alguém me explica do porquê de existirem duas…) e em sua conta no Instagram.

E em seu espaço físico, uma ampla dependência cedida pelo Carlos Alberto Leal (o CAL, ou CAU, ou CAO – eu nunca consigo me lembrar!), há um bom tempo já existia a Sala de Leitura Paulo Bicarato. Mas, pelo visto, a quantidade de livros foi crescendo, se avolumando, e, ao mesmo tempo, foram sendo organizados, chegando a um ponto que não fazia mais sentido ser tratada apenas como “sala de leitura”, pois já se tornara muito mais que isso. Era uma biblioteca. E, além: uma Biblioteca Comunitária!

Então, nada mais justo que essa árvore de livros, nascida daquelas sementes de leitura, permanecesse com o mesmo nome de seu patrono. Mas é preciso formalizar, é preciso inaugurar, é preciso ter festa, é preciso ter proseio, recordação e emoção!

E assim foi feito.

Bica, Bicarato, Paulo, Pô, Biquinha – e talvez até outras tantas alcunhas que eu ignoro -, esta é a mais justa homenagem para quem te conheceu. Você sabe. Você estava lá, conosco, comemorando e bebemorando. Um espaço que é a sua cara e, provavelmente, seria praticamente sua moradia se ainda estivesse por aqui. Nos reunimos e proseamos e rimos e rememoramos algumas de suas desventuras. De quando você foi “vendido” de uma redação de um jornal para outra pelo preço de duas cervejas; de uma de suas primeiras matérias – e ainda nem era contratado – que rendeu a primeira página do jornal (bem como uma rápida passagem pelo cárcere); de como você tão bem sabia escrever “com a letra dos outros” a partir do roteiro básico que lhe fosse dado (impossível não comparar, nos dias de hoje, com o prompt a ser passado para alguma inteligência artificial generativa executar suas tarefas); de suas sugestões, simples e desinteressadas, que acabavam rendendo a execução de projetos sociais e culturais que preenchiam a cidade; e de outros tantos causos que não vem ao caso elencar, pois aqui é um blog de família e não interessa a ninguém xeretar sobre essas histórias. Mas, se quiserem realmente saber, me perguntem no particular…

E confesso que foi com uma pontinha de orgulho (mas não muito, que é pra não estragar) que fiquei sabendo que algumas de minhas palavras, copiadas lá do prefácio  do seu livro O Alfarrábio – Elucubrações Diárias de um Roseano (2001 a 20204), acabaram integrando sua “minibiografia”:

Mas, afinal de contas, quem foi Paulo Bicarato? Ele foi um jornalista, fã incondicional da obra de Guimarães Rosa, riponga, palmeirense, ativista, canhoto, blogueiro das antigas, viajandão, mochileiro, temulento, amante da língua portuguesa, agitador de movimentos sociais, dono de um texto impecável, apaixonado pelo Brasil, de uma inteligência fora de série, um cara sincero, poeta de guardanapo de boteco, humilde, teimoso, com um coração de ouro, o senhor das crases, extremamente confiável, excelente copoanheiro, desapegado, de fina verve humorística e o melhor escritor que já conheci. Foi tudo isso e muito mais. Porém, sobretudo – ao menos para mim – o mais importante: Paulo Bicarato foi meu amigo.

Pô, Bica (e sua família, que estava presente, vai facilmente enxergar a redundância dessa expressão), foi uma noite muito Legal. E mesmo sabendo que você estava conosco, faltou você!

E eu não podia deixar de transcrever aqui a Balada para um Louco. Não vou nem explicar, pois só quem estava lá para entender…

Num dia desses ou, numa noite dessas
você sai pela sua rua ou, pela sua cidade ou,
ou, sei lá, pela sua vida, quando de repente,
por detrás de uma árvore, apareco eu!!!

Mescla rara de penúltimo mendigo
e primeiro astronauta a por os pés em vênus.
Meia melancia na cabeça, uma grossa meia sola em cada pé,
as flores da camisa desenhadas na própria pele
e uma bandeirinha de táxi livre em cada mão.

Ah! Ah! Ah! Você ri… Você ri porque só agora você me viu.
Mas eu flerto com os manequins,
o semáforo da esquina me abre três luzes celestes.
E as rosas da florista estao apaixonadas por mim, juro,
vem, vem, vamos passear.
E assim meio dançando, quase voando eu
te ofereço uma bandeirinha e te digo:

Já sei que já não sou, passei, passou.
A lua nos espera nessa rua é só tentar.
E um coro de astronautas, de anjos e crianças
bailando ao meu redor, te chama:
bem voar.

Já sei que já não sou, passei, passou.
Eu venho das calcadas que o tempo não guardou.
E vendo-te tão triste, te pergunto: O que te falta?
…talvez chegar ao sol, pois eu te levarei.

Ah! Ah! Ah! Ah!

Louco, louco, louco! Foi o que me disseram
quando disse que te amei.
Mas naveguei as águas puras dos teus olhos
e com versos tão antigos, eu quebrei teu coração.

Ah! Ah! Ah! Ah!

Louco, louco, louco, louco, louco!
Como um acrobata demente saltarei
dentro do abismo do teu beijo até sentir
que enlouqueci teu coração, e de tão livre, chorarei.

Vem voar comigo querida minha,
entra na minha ilusão super-esporte,
vamos correr pelos telhados com uma andorinha no motor.
Ah! Ah! Ah!
Do Vietnã nos aplaudem:
Viva! viva os loucos que inventaram o amor!
E um anjo, o soldado e uma criança repetem a ciranda
que eu já esqueci…
Vem, eu te ofereço a multidão, rostos brilhando, sorrisos brincando.
Que sou eu? Sei lá, um…
um tonto, um santo, ou um canto a meia voz.

Já sei que já não sou, nem sei quem sou.
Abraça essa ternura de louco que há em mim.
Derrete com teu beijo a pena de viver.
Angústias, nunca mais!!! Voar, enfim, voaaaarrr!!!

Ama-me como eu sou, passei, passou.
Sepulta os teus amores, vamos fugir, buscar,
numa corrida louca o instante que passou,
em busca do que foi, voar, enfim, voaaaarrr!!!

Ah! Ah! Ah! Ah!…

Viva! Viva os loucos!!! Viva!
Viva os loucos que inventaram o amor!
Viva! Viva! Viva!

Já que é Halloween: você é uma bruxa?

Texto (levemente) adaptado de uma publicação de 1971,
no Catálogo de Livros e Revistas Ocultistas,
da Editora Llewellyn Worldwide, Inc.

As atitudes sociais em relação às bruxas estão mudando rapidamente. Há apenas alguns anos, a palavra “bruxa” costumava evocar aquela imagem padrão de uma velha feia misturando alguma poção fétida sob uma lua nublada. Pensávamos em ingredientes fantásticos, como sangue de morcego engarrafado ou miniaturas rústicas de cera em forma de pessoas, e considerávamos a bruxaria absurda, maligna ou ambas.

Não mais! Socialmente, paramos a perseguição às bruxas e, em particular, começamos a nos perguntar do que se trata a bruxaria. A bruxa imunda dos contos foi substituída pela imagem da bruxa sedutora e glamourosa de Hollywood.

A bruxaria se tornou aceitável e, junto com a astrologia, passou a ser praticada com entusiasmo por devotos em praticamente todo os lugares.

Mas, afinal de contas, o que é uma bruxa? Algumas pessoas acreditam que uma verdadeira bruxa deve descender de uma longa linhagem de bruxas, tendo nascido em uma encruzilhada, com o Sol em Escorpião, ou então pertencer a um Coven (um grupo de bruxas sob o comando de um sumo sacerdote ou sacerdotisa); enquanto que outras pessoas afirmam com a mesma ênfase que qualquer pessoa que desejar pode se tornar uma bruxa. Todos concordam, no entanto, que uma bruxa é alguém que molda os eventos de acordo com sua própria vontade. Afinal de contas, uma bruxa pratica feitiçaria, quer seja para o bem, quer seja para o mal.

Independentemente do que se acredite sobre as qualificações necessárias de uma verdadeira bruxa, de alguma forma todos nós já conhecemos certas pessoas que parecem ter um grande magnetismo pessoal e que conseguem projetá-lo para exercer poder ou influência sobre aqueles ao seu redor. Essas pessoas podem ser encontradas nos lugares mais improváveis: no seu trabalho, durante as compras, em festas; até mesmo, talvez, em seu próprio espelho…

Afinal de contas, você é uma bruxa? Você conseguiria realizar um feitiço com sucesso? Se você puder responder sim à maioria das perguntas a seguir, provavelmente deve ter mais do que um mero interesse passageiro nessa arte ancestral e, quem sabe, já deve possuir algumas habilidades para a bruxaria!

– Você carrega amuletos para dar sorte?
– Há alguma marca de bruxa em algum lugar do seu corpo?
– Você já experimentou algum déjà vu, aquela sensação de já ter estado no mesmo local ou na mesma situação antes?
– Você acredita no poder da sua própria vontade?
– Você é essencialmente uma pessoa forte e magnética?
– Você já tentou usar sua força psíquica para tentar direcionar eventos (por exemplo, para conseguir que alguém diga ou faça algo que você quer)?
– Você acredita que as palavras têm poder?
– Você acredita no poder da sugestão?
– Você se sente atraída pelas ciências ocultas (talvez sentindo, simultaneamente, medo e encanto por elas)?
– Algum de seus ancestrais já esteve envolvido com o ocultismo?
– Você consegue respeitar a bruxaria, reconhecendo-a como uma espécie de religião antiga?
– Você é capaz de sentir sensações ou energias vindas de objetos pessoais de terceiros (como joias ou roupas)?
– Você acredita em superstições ligadas a como essas coisas são manuseadas e cuidadas?
– Você mantém um diário secreto?
– Você é fascinada pelo uso de ervas e especiarias, na culinária e acredita em seu antigo uso medicinal?
– É capaz de sentir que certos lugares têm um poder especial para você?
– Você se sente mais natural, mais confortável, mais você mesma, sem roupas (já que algumas bruxas fazem seus feitiços nuas)?
– Você acredita em reencarnação?
– Você tem um nome secreto pelo qual sempre se chamou ou que gostaria que fosse seu verdadeiro nome?
– Você conversa com suas plantas, seu gato ou cachorro e acredita que essas e outras coisas em sua casa têm suas personalidades e identidades próprias?
– Você acredita que um grupo de pessoas juntas (por exemplo, em oração) pode gerar uma força psíquica poderosa?
– Alguma vez alguém já se referiu a você como bruxa?
– Outras pessoas, às vezes até estranhas, procuram naturalmente sua companhia, expressando uma incompreensível confiança?
– Você já teve inexplicáveis crises absurdas de ciúme?
– Você acredita na existência de um Ser Supremo?

Literatura Orgânica

“Literatura Orgânica” seria uma espécie de certificação de que determinada obra foi produzida sem a utilização de ferramentas de Inteligência Artificial ou, se utilizada, em qual forma e proporção. Esse conceito – que é bastante interessante – surgiu no meu radar ao ler uma matéria online do The Guardian, publicada em 15/10/2025. Segue a íntegra da matéria, devidamente traduzida (ironicamente, por intermédio de Inteligência Artificial…) e ligeiramente revisada:

Certificado orgânico e livre de IA: novo selo para livros escritos por humanos é lançado

À medida que os livros feitos à máquina inundam os mercados online, uma nova iniciativa do Reino Unido busca introduzir um selo de Literatura Orgânica para ajudar os leitores a identificar livros criados por autores reais

Uma nova startup do Reino Unido está mirando na crescente onda de livros gerados por IA, lançando uma iniciativa que visa verificar e rotular obras escritas por humanos.

A Books By People lançou uma certificação de “Literatura Orgânica”, em parceria com um grupo inicial de editoras independentes.

O esquema envolverá selos de Literatura Orgânica colocados em livros escritos por humanos, com uso limitado de IA permitido apenas para tarefas como formatação ou geração de ideias.

A startup, fundada pela especialista em livros raros Esme Dennys junto com Conrad Young e Gavin Johnston, disse que planeja se expandir globalmente em 2026.

O primeiro título certificado será Telenovela, de Gonzalo C. Garcia [ambientada em Santiago, no final da ditadura de Pinochet, a obra explora a vida secreta de uma família envolvida neste período sombrio da história do Chile], com lançamento previsto para novembro pela Galley Beggar Press, uma das editoras fundadoras. Outros parceiros incluem Bluemoose Books, Snowbooks, Scorpius Books e Bedford Square Publishers.

Sam Jordison, codiretor da Galley Beggar e consultor da Books By People, afirmou que a iniciativa “é extremamente importante para editoras, autores e, principalmente, leitores. É tanto um selo de qualidade quanto uma garantia da humanidade compartilhada que buscamos nos livros.”

“Tenho muito orgulho de ser a editora que terá o primeiro selo — e parece muito apropriado que esse selo vá para Telenovela, um livro sobre a luta pela verdade e contra o autoritarismo.”

As editoras podem se qualificar por meio do comprometimento com os padrões de certificação e de verificações pontuais anuais. As taxas variam de acordo com o número de títulos produzidos a cada ano.

O lançamento ocorre em um momento de tensão acirrada entre as indústrias criativas e as empresas de IA. No início deste ano, a Anthropic concordou em pagar US$ 1,5 bilhão a autores que acusaram a empresa de usar cópias piratas de suas obras para treinar seu chatbot.

Movimentos para destacar a criatividade humana estão ganhando força. Em agosto, a Faber aplicou um adesivo com a inscrição “escrita humana” em exemplares de Helm, de Sarah Hall. Na época, a CEO da Faber, Mary Cannam, afirmou que o logotipo da editora “sempre representará essa origem da escrita humana”.

O lançamento também ocorre em meio ao crescente escrutínio do conteúdo gerado por IA em varejistas on-line, como os marketplaces da Amazon, que, segundo especialistas, continuam sendo um “faroeste” devido à falta de regulamentação em torno de textos gerados por IA, e que informações incorretas perigosas podem se espalhar como resultado disso.

Dan Conway, CEO da Publishers Association, acolheu os esforços voluntários para destacar a autoria humana, mas disse que a indústria não está atualmente pressionando pela rotulagem obrigatória.

“Como Associação de Editores, é fundamental que continuemos a apoiar editores e autores na defesa da criatividade humana e do pensamento crítico”, disse ele, acrescentando que a Publishers Association está incentivando varejistas online como a Amazon a tomar medidas mais firmes contra “conteúdo de baixa qualidade escrito por IA”.

Cá entre nós, achei extremamente positiva essa ideia. É lógico que não bastará meter um carimbo na capa de um livro para garantir esse tipo de “autenticidade humana”; certamente ferramentas serão criadas e equipes serão montadas para administrar a gestão desse empreendimento (se é que já não o foram).

E eu, que tenho trabalhado na reedição de antigos livros de genealogia mediante sua transcrição, vejo essa atitude com bons olhos. Já me perguntaram mais de uma vez o porquê de eu simplesmente não digitalizar essas obras e passar as imagens por um OCR – Optical Character Regonition, ou seja, Reconhecimento Óptico de Caracteres – e minha resposta é sempre a mesma: eu não posso correr o risco de que o original seja deturpado, de modo que, ao transcrever cada página, eu tenho a compreensão macro de todas as ligações genealógicas que estão presentes, tanto no livro em questão quanto em outros correlatos. E em genealogia, a informação fidedigna é essencial.

Dito isso, fiquei mancomunando com meus curiosos botões e lhes perguntei “Por que não tomar eu mesmo uma iniciativa desse gênero?”… Eles não chegaram a me responder, mas tenho quase certeza que concordariam comigo.

Para essa empreitada (estritamente pessoal e não lucrativa) imaginei o seguinte “selo”:

Até que ficou bem bonitinho, né?

Mas para levar adiante esse tipo de coisa, seria necessário estabelecer um conjunto de regras coerentes com a iniciativa.

1. O selo “Literatura Orgânica – 100% humana” certifica obras literárias criadas integralmente por seres humanos, sem o uso de Inteligência Artificial em qualquer etapa da escrita, edição ou revisão, garantindo sua autenticidade, ética criativa e valorização do trabalho intelectual humano.

2. O selo não pode ser utilizado em obras que contenham conteúdo gerado ou editar por IA, sob qualquer forma.

3. Estabelecer definições de diretrizes visuais e éticas para o uso correto do selo em livros, e-books e materiais editoriais (mais ou menos seguindo a linha utilizada pelo Creative Commons).

4. Símbolo livre para utilização em obras efetivamente criadas sem IA, permitido para autores, editoras e instituições que respeitem a autenticidade da autoria.

Bem, não sei quanto a vocês, mas garanto que os meus livros, a partir de agora, só saem pra gráfica com este selo!

Palavras em trânsito: a advocacia entre o sigilo e a exposição

Egon Bockmann Moreira
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPR.
Advogado.

Ética e confiança na comunicação jurídica em tempos de excesso informacional

Na advocacia, a palavra nunca foi neutra. É instrumento de defesa, meio de convencimento e forma de estabelecer confiança. Também foi, durante muito tempo, uma barreira de entrada. O vocabulário técnico e os códigos fechados limitavam os interlocutores, preservando um espaço quase exclusivo entre advogados, advogadas, juízes e autoridades. A palavra do direito, escrita em linguagem cifrada, era um filtro que separava iniciados e leigos, consolidando uma comunicação de alcance restrito.

Esse cenário mudou radicalmente. A mesma palavra que antes circulava em corredores limitados hoje percorre redes complexas, multiplica destinatários e atravessa fronteiras. Já não é um gesto individual, controlado e endereçado a poucos, mas uma prática individual que se converte em coletiva, difusa e permanentemente exposta. Os diálogos jurídicos se tornaram atos públicos, reforçando que reputação, clareza e ética são inseparáveis do exercício profissional.

A comunicação com clientes ilustra bem essa transformação. No passado, as reuniões presenciais eram o espaço central: o cliente comparecia ao escritório, narrava os fatos e nós tomávamos notas à caneta (e as guardávamos com sigilo). Desse encontro é que se extraía a matéria-prima para petições ou pareceres.

A relação era bastante assimétrica: cabia ao cliente confiar e acreditar nas poucas informações que lhe eram repassadas. Aos advogados, traduzir em linguagem jurídica aquilo que recebera em narrativa pessoal. Pouquíssimas vezes a petição era submetida à análise prévia do cliente. O produto final seguia um caminho linear, da mesa do escritório à da magistratura, com escassos interlocutores no trajeto.

Nos dias atuais, o cliente chega munido de informações buscadas no Google, de modelos extraídos de sites especializados e, cada vez mais, de respostas de sistemas de inteligência artificial. Comparece em ambientes virtuais com pautas previamente construídas, nem sempre consistentes, e o diálogo já não é apenas sobre fatos, mas a respeito de comparações de argumentos. A função advocatícia deixou de ser a de compreender e informar: nossa missão é a de contextualizar, selecionar e organizar esse excesso, transformando ruído em orientação técnica responsável.

A nova configuração do papel atribuído às advogadas e aos advogados exige atenção aos limites éticos. A palavra jurídica já não é só nossa e o número de interlocutores é incalculável. Mesmo porque o e-mail e o whatsapp, que substituíram em grande parte as conversas presenciais, podem ser imediatamente compartilhados com amigos, sócias, conselhos de administração ou departamentos jurídicos.

Essa imensa sucessão de monólogos, de texto ou de voz, torna imprecisas as fronteiras reais e os efeitos da comunicação profissional. Reuniões virtuais são automaticamente transformadas em texto, tornando definitivas as opiniões momentâneas. A informação não é mais apenas mnemônica. Cada mensagem é, ao mesmo tempo, individual e coletiva, instrumento de orientação e demonstração de força ou responsabilidade. A confiança do cliente nasce da percepção de que, mesmo diante de informações abundantes, são os advogados e advogadas quem mantêm o fio da coerência, oferecendo direção segura em meio ao excesso.

Entre colegas, a comunicação também mudou. Havia um tempo em que ela se fazia em encontros pessoais: uma ligação telefônica, uma carta formal, um cafezinho ou uma conversa de corredor no fórum. O tom era controlado, e o alcance limitado. Divergências permaneciam confinadas aos autos do processo.

Hoje, a troca de mensagens ocorre em velocidade instantânea, registrada em e-mails, aplicativos e plataformas digitais. Aquilo que antes era uma conversa informal pode, de repente, tornar-se prova documental. Além disso, as redes sociais transformaram colegas em interlocutores públicos: discussões antes restritas às peças processuais repercutem em postagens e entrevistas que alcançam públicos heterogêneos.

Nesse ambiente, o limite ético é o que preserva a confiança entre pares: cada palavra carrega a reputação de quem a profere. O advogado que respeita esses limites não só defende causas, mas protege a credibilidade da profissão como um todo.

O mesmo se diga da comunicação com autoridades, que sempre foi ato de responsabilidade institucional. Antes, era formal, solene e marcada pelo rito: a petição impressa, a audiência diante do juiz, juíza ou procuradores, a sustentação oral restrita ao espaço físico do tribunal. Cada palavra tinha destinatário exclusivo e contexto delimitado.

Atualmente, o mesmo gesto ocorre em ambiente digital, acessível a qualquer pessoa. A petição eletrônica, redigida para convencer um magistrado específico, pode ser lida por colegas, jornalistas, pesquisadores ou cidadãos interessados. A sustentação oral é transmitida em tempo real e arquivada em vídeo, aberta ao escrutínio público. Os clientes as assistem, como se estivessem diante de uma competição esportiva. A fronteira entre comunicação técnica e exposição pública tornou-se difusa, muitas vezes confundindo o real papel atribuído ao advogado e às advogadas.

Nessas circunstâncias, ética e sobriedade são imperativos. Nós precisamos manter a precisão do discurso, conscientes de que cada palavra poderá ser editada e lida fora do contexto original; sustentar posições firmes, sem deslizar para espetáculos retóricos; e cultivar a confiança de que, mesmo em ambiente hiperexposto, a comunicação serve antes à Justiça do que à autopromoção.

Os meus quase 40 anos de advocacia revelam que ela sempre foi comunicação, mas nunca como agora. O que antes se organizava em trajetórias lineares – advogado e cliente, advogado e colega, advogado e autoridade – hoje se desenrola em redes abertas, instantâneas e duradouras. Cada mensagem deixa de ser restrita e passa a circular em cadeias comunicativas cuja gestão ultrapassa o controle do emissor. Somos todos comunicadores, ativos e passivos.

Os advogados não são mais apenas aqueles tradutores de códigos técnicos, mas sim gestores de sentidos: cabe-lhes selecionar o que importa diante do excesso de informações, contextualizar dados fragmentados e manter a sobriedade mesmo em arenas de exposição pública. A palavra jurídica continua sendo instrumento de defesa e convencimento, mas também se tornou construção de reputação, prática ética e exercício permanente de responsabilidade.

Na sala de reuniões de ontem, o advogado se sentava diante do cliente com a biblioteca às suas costas, simbolizando o acesso exclusivo ao conhecimento. Hoje, a biblioteca é digital e está ao alcance de todos, com respostas certas e erradas à disposição. A inteligência artificial faz resumo de livros e petições, tornando legível o outrora inacessível. Mas, mesmo nesse ambiente com fronteiras comunicativas difusas, continua a ser o advogado e a advogada quem organiza, depura e dá direção à comunicação.

O que mudou não foi a essência da função, mas o espaço em que ela se realiza: de corredores fechados para redes abertas, de destinatários limitados para ambientes virtuais. O vínculo de confiança permanece – e é nele que repousa a legitimidade da nossa palavra, neste tempo em que todos comunicam, mas poucos orientam.

Não precisa ser eterno, basta ser bom

Larissa Bittar

A gente sofre é com o fim. Há incômodo na relação morna, tédio por viver na cidade que já não comporta nossos planos, frustração no emprego que era dos sonhos e agora é corrente que freia novos passos. Mas a gente aguenta. Levanta o queixo, ajusta falhas, engana a alma, forja felicidade. A gente adestra decepções para fugir do desconcerto que nos assola quando é preciso encerrar fases. E, então, mergulhados na crença capenga de que se um dia foi bom tem potencial para ser imortal, a gente começa a esticar sentimento morto, a repisar terreno gasto.

Não que seja errado perseverar. Há mérito e nobreza na luta pela manutenção do que foi precioso. Mas, às vezes, é preciso desligar os aparelhos. Coragem para aceitar que chegou a hora da eutanásia dos vícios emocionais e da ilusão de que há sobrevida no que já era. Já deu!

Em um mundo em que os contos infantis martelam o “felizes para sempre” e os casamentos são regidos pelo “até que a morte os separe”, quem precisa romper laços sente o peso de bancar o fim. Mas há força e lucidez na decisão de reinaugurar a própria história. Dá para trocar raízes por asas, escritórios por mochilas, vida a dois sufocante por novas companhias e aventura. E também dá para trocar, em sentido inverso, asas por raízes, mochilas por escritórios, companhias sufocantes e aventura por vida a dois cheia de afeto e leveza.

Só não dá para criar momentos de estimação e tentar guardá-los em um pote na esperança de que não se percam. Um dia vão acabar. Vai doer. Mas vai ser libertador também. É a regra do jogo, é a dinâmica que move o mundo e suas surpreendentes formas de nos tirar do lugar… É o clichê “que seja infinito enquanto dure” alertando que o destino é mais brisa do que chumbo. Não precisa ser eterno, basta ser bom — no tempo e na forma possíveis. A vida sempre se encarrega de equilibrar perdas e ganhos em necessários ciclos de fins e recomeços.

Sobre advogados e a falta de inteligência – tanto artificial quanto natural

É incrível a capacidade que alguns caboclos têm de se foderem…

E sozinhos!

Afinal, caríssimos, a Inteligência Artificial não é “tão inteligente assim”

Isso porque a figura do advogado, do ser pensante e analítico, é indispensável na construção de peças e pedidos perante o Judiciário. Antes de mais nada, tenhamos em conta que já cansei de falar que a língua portuguesa é o bisturi do advogado, – o que tenho procurado, inclusive, demonstrar nas últimas publicações aqui do blog.

E sobre o tema do (mau) uso da Inteligência Artificial, já falamos antes um pouquinho sobre isso no texto a vida imita a arte.

Mas, convenhamos, esse povo não descansa!

Vejamos dois casos recentes, com grifos meus, de advogados que quiseram dar de espertalhões e acabaram por levar na cabeça!


Temos este caso da Justiça Federal publicado em 30/06/2025 pelo Núcleo de Comunicação Social da Justiça Federal do Paraná:

Juiz federal aplica multas a advogado por uso indevido de IA e litigância de má-fé

Em uma decisão sobre o uso responsável de novas tecnologias no sistema jurídico, a Justiça Federal do Paraná (JFPR), por meio da 2ª Vara Federal de Londrina, no norte do estado, impôs multas a um advogado por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade do judiciário.

O caso teve início com uma ação na qual o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de Arapongas, no norte paranaense, descumpriu uma sentença anterior, que determinava o restabelecimento de um benefício por incapacidade e a designação de uma perícia presencial.

Conforme o despacho do juiz federal substituto Igor de Lazari Barbosa Carneiro, o representante legal do autor apresentou inúmeras manifestações nos autos, produzidas irresponsavelmente por meio de recursos de inteligência artificial. “As peças apresentam referências doutrinárias, legais e jurisprudenciais inexistentes”, afirma o magistrado.

Entre os eventos, a decisão destaca artigos inexistentes da Lei de Mandado de Segurança e Lei Processual do Tempo inexistente. Além disso, cita números de processos que também não constam nas bases de dados dos tribunais.

No entendimento da Justiça, o advogado descumpriu parâmetros definidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), praticando inovação ilegal do direito.

“Pelas razões apresentadas, imponho ao advogado da parte autora multa de dez salários-mínimos pela prática de ato atentatório à dignidade da Justiça, e multa adicional de dez salários-mínimos pela litigância de má-fé”, decidiu Carneiro.

O despacho determina, ainda, que a OAB do Paraná seja informada da decisão, para adoção das providências cabíveis.


E também temos este outro, da Justiça do Trabalho, publicado em 18/08/2025 pelo TRT da 2ª Região (SP):

Mau uso de inteligência artificial em petição condena por má-fé e intuito protelatório

Decisão proferida na 3ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes, SP, rejeitou embargos de declaração e multou empresa de segurança e limpeza por propósito protelatório e litigância de má-fé. Para o julgador, ficou claro o mau uso da inteligência artificial na elaboração da petição, redigida de forma genérica, sem revisão nem filtragem crítica pelo advogado da reclamada, o que congestionou o andamento processual.

Com o objetivo de apontar supostos vícios na sentença, o profissional do direito utilizou linguagem padronizada e tratou os fatos de forma superficial no pedido, segundo o juízo. Também não apresentou a personalização necessária à demonstração de erro, omissão, contradição ou obscuridade, elementos essenciais para os embargos declaratórios. Por fim, valeu-se de premissas equivocadas nas alegações.

Nos embargos, o advogado argumentou que a sentença teria ignorado documentos que demonstravam a intermitência da prestação laboral e os períodos de inatividade do trabalhador, sem indicar, contudo, a qual documento se referia. Em outro trecho, apontou falta de provas quanto ao reconhecimento de justa causa patronal, ignorando o fato de que “os embargos declaratórios não se prestam à rediscussão de provas nem à reforma da decisão, devendo as partes atuar em colaboração com a rápida solução do processo, sem criar embaraços desnecessários”, diz a sentença de embargos.

Mais à frente, o texto da petição requereu compensação dos valores pagos a título de férias, descanso semanal remunerado (DSR), 13º proporcional e FGTS, sendo que não houve condenação em DSR. Por fim, os embargos questionaram reconhecimento de rescisão indireta “sem qualquer apreciação das razões de fato e de direito expostas na contestação, em evidente cerceamento do direito à ampla defesa […]”. A sentença de embargos, entretanto, ressaltou que o tema “rescisão indireta” sequer foi tratado na decisão original.

“Como se percebe, a IA não leu atentamente o processo, não conhece conceitos jurídicos específicos e não é capaz de analisar as peculiaridades do caso concreto, ignorando que temas secundários não são analisados justamente porque restaram prejudicados diante da rejeição expressa do tema principal”, afirmou o juiz Matheus de Lima Sampaio. Segundo ele, a utilização de ferramentas tecnológicas é benéfica para otimizar a atividade jurídica, desde que empregada com discernimento.

“Não se admite que o operador do Direito, valendo-se ou não de inteligência artificial, submeta ao Judiciário textos não revisados e que não se harmonizam com o caso concreto, ocupando indevidamente o tempo do juiz e do Poder Judiciário com expedientes superficiais, destituídos do rigor técnico e da profundidade analítica que a atividade jurídica exige”, concluiu o magistrado.

A multa aplicada foi de 2% do valor atualizado da causa pelo caráter protelatório da medida e de 5% por litigância de má-fé, com valores revertidos em favor da parte contrária.


Meeeeeooo…

Mesmo sem a Inteligência Artificial, a revisão final de uma peça é o mínimo que se espera de um advogado razoavelmente competente. Não se cita jurisprudências sem conferi-las, não se fundamenta em leis sem consultá-las, não se discute o que não faz parte do pedido ou da decisão – quod non est in actis, non est in mundo”, ou seja, o que não está nos autos, não está no mundo!

A Inteligência Artificial está aí para ajudar. Eu mesmo me valho bastante dela, para pesquisas, consultas e até mesmo construção de “esqueletos” de peças. Mas o estilo de uma petição sempre vai ser de minha autoria, e a revisão completa é indispensável, pois já cansei de receber sugestões de leis e jurisprudências que vão ao encontro de minha pretensão, mas que simplesmente foram inventadas pela IA. E não adianta insistir para ela buscar somente “casos verdadeiros”, pois ela vai te dar um chapéu do mesmo jeito.

Enfim, caríssimos, certamente mais casos desse tipo ainda vão ocorrer. O FEBEAPÁ no Brasil é uma constante e acaba por ser bastante divertido poder rir às custas dos outros!

Só tomem cuidado para que das próximas vezes “os outros” não sejam vocês…

Emenda à Inicial: E a farra não para! Também com condenação por litigância de má-fé por conta da utilização da IA que criou jurisprudência inexistente (e ainda tentou argumentar que tratava-se de mero “erro material” por ter havido “transcrição incorreta”), vejam só esse trecho da notícia veiculada em 27/10/25 pelo TRT da 3ª Região (MG): “Segundo o relator, não se tratou de simples equívoco quanto ao número de uma súmula, mas de criação de conteúdo inexistente, que poderia beneficiar a parte e induzir o juízo a erro. Ele ressaltou que a utilização de ferramentas de inteligência artificial não afasta a responsabilidade da parte pelos termos apresentados em juízo. Destacou ainda que a atuação no Poder Judiciário exige probidade, princípio fundamental que, no caso, foi claramente violado.”

Embargos Declaratórios: Um detalhe interessante acerca de toda essa história veio no quadro Curtas, do Boletim da AASP nº 3226: “O TRT-2 aplicou multa por litigância de má-fé a uma trabalhadora devido ao uso irregular de inteligência artificial (IA) em um recurso. A advogada da parte utilizou a tecnologia para inventar julgados, atribuindo-os a Ministros do TST e a um suposto Julgador do TRT-3. Para o Relator, a intenção era convencer o Julgador de que os outros tribunais compartilhavam do mesmo entendimento alegado. Embora a advogada tenha elaborado o conteúdo, a responsabilidade pelos atos processuais recai sobre a parte.”