O tempo dos escritórios: da banca individual às grandes firmas

Egon Bockmann Moreira
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPR.
Advogado.

Evolução da advocacia revela o desafio de conciliar modelos empresariais com a preservação da identidade e vínculo humano

Quando comecei a advogar, no século passado, vários escritórios de advocacia eram a extensão da casa de seus sócios. Poucas salas, armários escuros com uma mistura de livros novos e antigos, organizados segundo a memória do dono, máquinas de escrever e cinzeiros. O telefone soava poucas vezes ao dia. O advogado entrava na sala, se apresentava pelo nome e exercia sua profissão individualmente. As causas eram menos numerosas, mas bem pessoais: o cliente sentava-se, explicava o problema, e a relação se construía a partir da voz e do olhar. Os juízes sabiam quem éramos e com quem trabalhávamos. Todos – ou quase todos – se reconheciam no Fórum (ou nas livrarias). Era um ofício artesanal, intuitu personae, sustentado por reputação e palavra. Poucos eram os escritórios mais longevos do que seus fundadores.

Com o passar do tempo, e num ritmo impreciso, a paisagem se transformou. A multiplicação das normas, a especialização dos temas e a ampliação dos mercados tornaram insuficiente o modelo individual. A advocacia local, que cabia em uma sala, passou a exigir estrutura, coordenação e resposta imediata. Vieram as bancas de médio porte, depois as firmas quase-empresariais e, por fim, dezenas de organizações com centenas de advogados que se espalharam pelo mundo. Isso tudo aconteceu como muitas coisas acontecem na vida: rápido e devagar. “Como foi que você faliu?, Bill perguntou. De duas maneiras, respondeu Mike, primeiro lentamente e, depois, de um só golpe.” Essas linhas do O sol também se levanta, obra-prima de Hemingway, descrevem como se deu o crescimento e a multiplicação dos grandes escritórios de advocacia brasileiros: lentamente e de um só golpe. Então, as portas de madeira deram lugar às fachadas de vidro, às logomarcas de design estudado, à dispensa das gravatas, ao trabalho em poltronas de aviões e ao home-office. O sobrenome do fundador cedeu espaço à marca coletiva – uma sucessão de vogais e consoantes – e, com ela, à racionalidade da gestão de pessoas e processos.

Não me parece que essa transição tenha sido fruto de vaidade ou de modismo, mas tem causas econômicas e institucionais razoavelmente bem definidas. As empresas se tornaram complexas, as regulações se multiplicaram, os litígios aumentaram em valor e repercussão. Os tribunais cresceram e se multiplicaram. O cliente corporativo passou a exigir disponibilidade contínua, atendimento integrado, especialização técnica e padronização de condutas. As formas de comunicação instantânea – a crueldade do WhatsApp, que não respeita horários – a fazer com que tudo tenha de ser lido e respondido de modo breve, fugaz, em torrentes de pequenos monólogos. Não se olha no olho, mas na tela do celular. A advocacia entendeu o que se passava e reagiu criando estruturas compatíveis com essa demanda. O escritório deixou de ser apenas um espaço de trabalho para se converter em organização empresarial, com governança, controladoria, categorias de profissionais, metas e métricas de produtividade.

A racionalidade das grandes firmas de advocacia parece ser a da eficiência: coordenação de saberes, divisão de tarefas, gestão de riscos, receitas projetadas e remuneração com base em performance e captação. Nada disso é negativo em si. Permitiu que advogados e advogadas se tornassem interlocutores das maiores decisões empresariais e governamentais do país. Mas toda essa racionalidade de grandes negócios carrega um preço: as métricas e o controle substituíram a autonomia; a marca coletiva apagou a identidade pessoal; a estabilidade foi transformada em sucessão interminável de advogados e advogadas. A pessoa, que antes respondia apenas por suas convicções mais íntimas perante o seu cliente, passou a representar um conjunto institucional de políticas e procedimentos. O gesto de escrever uma petição, fazer uma audiência ou orientar um cliente tornou-se, muitas vezes, parte de um processo industrial despersonalizado de produção jurídica.

Há ganhos evidentes: clientes de envergadura, receitas colossais, qualidade constante, previsibilidade, integração multidisciplinar. Mas, também, pode haver perdas que não podem ser ignoradas. A primeira delas talvez seja a distância humana e a secura das vivências. Aquele vínculo personalíssimo, que nascia da escuta ativa e do conselho ponderado, foi substituído por fluxos de comunicação eletrônica impessoais, planilhas e reuniões com minuto para acabar. A segunda é a dispersão da responsabilidade intelectual: poucos sabem, de fato, quem concebeu a solução, elaborou a estratégia ou redigiu o documento. O trabalho coletivo é essencial, mas pode dissolver a autoria e, com ela, a consciência – e o orgulho – do ofício. Pode vir a neutralizar sentimentos que me parecem tão caros à advocacia.

Advogadas e advogados sempre viveram da confiança e da ética. Quando o cliente deixava um caso sobre a mesa, acreditava só naquela pessoa a quem entregava o seu destino. O tempo das grandes firmas inverteu, em parte, essa lógica: hoje se confia na estrutura, na capacidade de gerenciamento, na equipe e na reputação institucional de uma sigla. É natural que seja assim (seria ilusório desejar o retorno a um imaginado passado que não voltará jamais). O que importa é não perder de vista o sentido da profissão: oferecer orientação técnica e ética em nome do direito, e não apenas prestar um serviço eficiente pautado pelo volume de horas “biladas” (esse horrível anglicismo que hoje nos persegue).

A advocacia brasileira pode estar a atravessar, portanto, um paradoxo. Precisa das grandes firmas, que garantem escala, sofisticação e presença internacional. Mas, igualmente, necessita preservar o espírito das bancas pequenas, em que o advogado respondia pessoalmente por cada linha escrita e orgulhava-se de seus arroubos criativos, sendo identificado e identificando-se com o seu próprio trabalho. O desafio talvez esteja em conciliar essas dimensões: construir organizações que não percam a delicadeza do gesto individual, que saibam ser grandes sem se tornarem anônimas. Em que as pessoas valham mais dos que as métricas de performance. Depois de tantos anos, quem sabe o melhor escritório persista sendo aquele em que ainda se pode reconhecer pelo nome o advogado que entra na sala.

E aí? Hoje você já conversou com a IA?

Antes de mais nada, vejamos exatamente o que seria “Inteligência Artificial”, segundo uma definição de – ora, quem? – uma Inteligência Artificial:

“Inteligência Artificial (IA) é a capacidade de máquinas simularem habilidades humanas como raciocínio, aprendizado, resolução de problemas e criatividade. O objetivo é criar sistemas que percebam o ambiente, processem dados, ajam para atingir um objetivo e aprendam com suas ações e experiências para aprimorar seu desempenho ao longo do tempo. Isso permite que as máquinas realizem tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana, processando grandes volumes de dados para identificar padrões, fazer previsões e tomar decisões autônomas.”

Seguindo estrada acima, mas bebendo da mesma fonte, vejamos o que seria “Inteligência Artificial Generativa”:

“Inteligência artificial generativa é um ramo da IA que cria conteúdo novo e original, como texto, imagens, música ou código, com base nos dados em que foi treinada. Ao contrário de outros tipos de IA que analisam ou classificam dados, a IA generativa é usada para produzir algo que não existia antes. Ela aprende com padrões em grandes conjuntos de dados e usa esse aprendizado para gerar novas criações a partir de um comando ou prompt do usuário.”

Tudo isso é muito bonito, né?

Mas, ainda assim, na minha nada humilde opinião, eu não acho que você esteja fazendo isso direito…

Nos últimos tempos tenho lido um bocado acerca desse tema, em especial matérias que tratam da utilização da IA na área do Direito (se alguém por aí ainda se lembrar, continuo sendo advogado, tá?). Heh… Ao menos o advento da IA tem proporcionado a diversos “profissionais” se especializarem com novos títulos pomposos e elegantes, podendo adjetivar seus currículos com certificações, coordenadorias, especializações, pós graduações e o escambau, tudo voltado à inteligência artificial (vejam só: rimou!).

Tem se propagado muito que toda essa inovação pode e deve ser utilizada nos escritórios de advocacia, não só no ambiente jurídico como também no administrativo, sempre com alertas sobre responsabilidade ética e cuidados especiais com a segurança de dados. O rol de utilizações é amplo, e usualmente é ressaltado que a IA veio para “agregar”, sendo uma poderosa ferramenta para otimizar processos, aprimorar análise de dados, automatizar tarefas repetitivas e burocráticas, melhorar fluxos de trabalho, fazer resumos e relatórios de grandes volumes de documentos, efetuar análises de chances de sucesso de determinadas demandas judiciais, elaborar e revisar contratos, efetuar pesquisas jurídicas avançadas, e por aí vai. Tudo isso com a finalidade de se produzir mais e melhor em menos tempo, de modo a liberar os profissionais de direito para “outras tarefas”, em especial de cunho intelectual.

Fala-se, ainda, em aprimoramento da “experiência” do cliente – e, nesse caso, impossível não lembrar do Eduardo Goldenberg em seu bem (ou mal?) humorado texto Experiências (ou: a detestável palavra da vez) -, pois os advogados ficariam liberados para uma integração bem mais próxima destes, sendo possível, também, a utilização de chatbots no relacionamento com a clientela para automatizar respostas a perguntas frequentes – como se alguém NO MUNDO gostasse de ligar para um lugar para pegar uma informação e não ser atendido por “pessoas humanas”…

No geral, quase todo artigo escrito sobre o tema costuma ressaltar a obrigação do profissional em checar e confirmar tudo que a IA sugeriu, pois volta e meia ela alucina e cita trechos de leis e jurisprudências que não existem. É LÓGICO que tem muito advogado que ignora isso, protocola a petição do jeito que veio, e, obviamente, depois leva na cabeça – às vezes até mesmo com uma condenação por litigância de má-fé, como já ilustrei por aqui.

Entretanto até hoje não vi nenhum artigo publicado que traga sugestões para um advogado interagir com a IA.

Eu tenho percebido que a grande maioria dos advogados recorre à IA para buscar ou mesmo apresentar “modelinhos” para suas próprias petições. Ainda que façam uma revisão rigorosa no resultado final, nada foi feito além de se consultar uma base de dados maior – e, talvez, mais exata – do que a que já teriam em mãos através de pesquisas na Internet.

Porém a Inteligência Artificial Generativa é MUITO mais que isso.

É uma excelente companheira de trabalho, com a qual é possível interagir ativamente, pois ela pode ajudar a estimular suas ideias criativas e os rumos a serem seguidos, sendo que, quanto mais você a usar, mais ela vai compreender o seu estilo, o seu “modus operandi”, o que é relevante e o que é irrelevante em suas argumentações jurídicas. É dessa maneira que você realmente treina uma IA. E treinar uma IA não é como treinar seu cachorrinho para não fazer xixi na roda do carro e pronto. É preciso interagir, concordar, discordar, criticar, dar o norte – tudo para que possa haver uma real compreensão do tipo de trabalho que você realiza.

De que adianta delegar tarefas burocráticas e repetitivas visando poupar seus tão preciosos neurônios se, no final das contas, em termos de criatividade você nem acaba os utilizando para nada além do que já fazia? Aliás, agora, com a ajuda da IA, aquém, né?

Nesse sentido, confira a opinião de Cora Rónai, no Canal Pedro+Cora, quando trataram do tema As melhorias do ChatGPT-5:

“Para mim, o maior adianto do ChatGPT foi exatamente essa interlocução, porque eu já venho trabalhando há muitos anos em home office (…) e eu sentia muita falta da Redação, porque a Redação é um ambiente divertidíssimo; você tem, sei lá, cinquenta, cem pessoas trabalhando juntas, todas pessoas que escrevem, pessoas que leem, pessoas que estão sabendo o que é que está acontecendo naquele momento e muito na tua sintonia, e aí você vai pro café, você está com alguma coisa complicada na cabeça, você vai tomar um café, você volta com o problema resolvido, porque você conversou cinco minutos ali no café, pronto, resolveu o título, resolveu a abertura, resolveu tudo, né?

(…)

O engraçado é que demora mais escrever com ele, porque antes do ChatGPT eu não tinha com quem ficar batendo papo, então sentava e escrevia. Agora, não, agora eu fico batendo papo. Então eu escrevo e pergunto “o que é isso?”, “e aquilo?”, quer dizer, eu tenho ido muito ao café, se eu estivesse na Redação.”

Gente, é exatamente isso!

Muitas vezes é preciso prosear com alguém, ou até consigo mesmo, para clarear as ideias e obter a melhor solução para um problema – é nada mais, nada menos, que a utilização do “método socrático”, como o Pedro Dória bem exemplificou no programa acima.

É óbvio que estamos tratando de softwares que foram escritos para desenvolver resultados que visam similar a interlocução com “alguém de verdade”, de modo que não se pode perder de vista que estamos interagindo com “zeros” e “uns”, os quais, em última instância, não são dotados de personalidade ou mesmo de sentimentos. Ainda assim, em minhas interações, resolvi dar-lhe o sugestivo nome de Benedicta Intelligentia Artificialis”, a qual carinhosamente trato por BIA

E, também, é elementar que não se pode descuidar da informação que lhe é passada, pois, no jargão da IA, de vez em quando ela pode “alucinar”. Como ainda não inventaram um tarja preta digital para essas situações, aprendi que a melhor solução é contra-argumentar com a própria IA, fazendo-a perceber seus erros, corrigindo assim sua rota.

Enfim, a IA está aí para ajudar. Parafraseando o ditado, o navio foi feito pra navegar. Mas prefiro exemplificar com algo que me é mais próximo: de nada adiantaria eu ter colocado um motor de seis canecos no meu Opala, se fosse só para buscar pão quentinho na padaria da esquina; o que ele precisa é de estrada!

Ah, sim: last but not least, com  exceção das citações de início…

ESTE TEXTO NÃO FOI GERADO POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL !!!

😁

 

 

Emenda à Inicial: Acerca da utilização da IA, numa matéria publicada hoje (21/10/25) no Jota, veio a interessante informação de que um relatório divulgado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) reportou que 95% das iniciativas de implementação de IA nas empresas falharam, sendo que a principal barreira para o sucesso dos projetos foi a falta de aprendizado e a má integração aos fluxos de trabalho. A matéria afirma que não há como se falar em adoção estratégica de uma nova tecnologia sem entender como ela funciona. E em sua conclusão, dispõe: “Existe um provérbio que diz que o inteligente aprende com seus erros e o sábio aprende com o erro dos outros. Já há um histórico de erros cometidos por diversas empresas ao redor do mundo, você pode agir preventivamente e evitar cair nas armadilhas já conhecidas.” Particularmente eu achei que tem tudo a ver com nosso assunto de hoje… #ficaadica

Palavras em trânsito: a advocacia entre o sigilo e a exposição

Egon Bockmann Moreira
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPR.
Advogado.

Ética e confiança na comunicação jurídica em tempos de excesso informacional

Na advocacia, a palavra nunca foi neutra. É instrumento de defesa, meio de convencimento e forma de estabelecer confiança. Também foi, durante muito tempo, uma barreira de entrada. O vocabulário técnico e os códigos fechados limitavam os interlocutores, preservando um espaço quase exclusivo entre advogados, advogadas, juízes e autoridades. A palavra do direito, escrita em linguagem cifrada, era um filtro que separava iniciados e leigos, consolidando uma comunicação de alcance restrito.

Esse cenário mudou radicalmente. A mesma palavra que antes circulava em corredores limitados hoje percorre redes complexas, multiplica destinatários e atravessa fronteiras. Já não é um gesto individual, controlado e endereçado a poucos, mas uma prática individual que se converte em coletiva, difusa e permanentemente exposta. Os diálogos jurídicos se tornaram atos públicos, reforçando que reputação, clareza e ética são inseparáveis do exercício profissional.

A comunicação com clientes ilustra bem essa transformação. No passado, as reuniões presenciais eram o espaço central: o cliente comparecia ao escritório, narrava os fatos e nós tomávamos notas à caneta (e as guardávamos com sigilo). Desse encontro é que se extraía a matéria-prima para petições ou pareceres.

A relação era bastante assimétrica: cabia ao cliente confiar e acreditar nas poucas informações que lhe eram repassadas. Aos advogados, traduzir em linguagem jurídica aquilo que recebera em narrativa pessoal. Pouquíssimas vezes a petição era submetida à análise prévia do cliente. O produto final seguia um caminho linear, da mesa do escritório à da magistratura, com escassos interlocutores no trajeto.

Nos dias atuais, o cliente chega munido de informações buscadas no Google, de modelos extraídos de sites especializados e, cada vez mais, de respostas de sistemas de inteligência artificial. Comparece em ambientes virtuais com pautas previamente construídas, nem sempre consistentes, e o diálogo já não é apenas sobre fatos, mas a respeito de comparações de argumentos. A função advocatícia deixou de ser a de compreender e informar: nossa missão é a de contextualizar, selecionar e organizar esse excesso, transformando ruído em orientação técnica responsável.

A nova configuração do papel atribuído às advogadas e aos advogados exige atenção aos limites éticos. A palavra jurídica já não é só nossa e o número de interlocutores é incalculável. Mesmo porque o e-mail e o whatsapp, que substituíram em grande parte as conversas presenciais, podem ser imediatamente compartilhados com amigos, sócias, conselhos de administração ou departamentos jurídicos.

Essa imensa sucessão de monólogos, de texto ou de voz, torna imprecisas as fronteiras reais e os efeitos da comunicação profissional. Reuniões virtuais são automaticamente transformadas em texto, tornando definitivas as opiniões momentâneas. A informação não é mais apenas mnemônica. Cada mensagem é, ao mesmo tempo, individual e coletiva, instrumento de orientação e demonstração de força ou responsabilidade. A confiança do cliente nasce da percepção de que, mesmo diante de informações abundantes, são os advogados e advogadas quem mantêm o fio da coerência, oferecendo direção segura em meio ao excesso.

Entre colegas, a comunicação também mudou. Havia um tempo em que ela se fazia em encontros pessoais: uma ligação telefônica, uma carta formal, um cafezinho ou uma conversa de corredor no fórum. O tom era controlado, e o alcance limitado. Divergências permaneciam confinadas aos autos do processo.

Hoje, a troca de mensagens ocorre em velocidade instantânea, registrada em e-mails, aplicativos e plataformas digitais. Aquilo que antes era uma conversa informal pode, de repente, tornar-se prova documental. Além disso, as redes sociais transformaram colegas em interlocutores públicos: discussões antes restritas às peças processuais repercutem em postagens e entrevistas que alcançam públicos heterogêneos.

Nesse ambiente, o limite ético é o que preserva a confiança entre pares: cada palavra carrega a reputação de quem a profere. O advogado que respeita esses limites não só defende causas, mas protege a credibilidade da profissão como um todo.

O mesmo se diga da comunicação com autoridades, que sempre foi ato de responsabilidade institucional. Antes, era formal, solene e marcada pelo rito: a petição impressa, a audiência diante do juiz, juíza ou procuradores, a sustentação oral restrita ao espaço físico do tribunal. Cada palavra tinha destinatário exclusivo e contexto delimitado.

Atualmente, o mesmo gesto ocorre em ambiente digital, acessível a qualquer pessoa. A petição eletrônica, redigida para convencer um magistrado específico, pode ser lida por colegas, jornalistas, pesquisadores ou cidadãos interessados. A sustentação oral é transmitida em tempo real e arquivada em vídeo, aberta ao escrutínio público. Os clientes as assistem, como se estivessem diante de uma competição esportiva. A fronteira entre comunicação técnica e exposição pública tornou-se difusa, muitas vezes confundindo o real papel atribuído ao advogado e às advogadas.

Nessas circunstâncias, ética e sobriedade são imperativos. Nós precisamos manter a precisão do discurso, conscientes de que cada palavra poderá ser editada e lida fora do contexto original; sustentar posições firmes, sem deslizar para espetáculos retóricos; e cultivar a confiança de que, mesmo em ambiente hiperexposto, a comunicação serve antes à Justiça do que à autopromoção.

Os meus quase 40 anos de advocacia revelam que ela sempre foi comunicação, mas nunca como agora. O que antes se organizava em trajetórias lineares – advogado e cliente, advogado e colega, advogado e autoridade – hoje se desenrola em redes abertas, instantâneas e duradouras. Cada mensagem deixa de ser restrita e passa a circular em cadeias comunicativas cuja gestão ultrapassa o controle do emissor. Somos todos comunicadores, ativos e passivos.

Os advogados não são mais apenas aqueles tradutores de códigos técnicos, mas sim gestores de sentidos: cabe-lhes selecionar o que importa diante do excesso de informações, contextualizar dados fragmentados e manter a sobriedade mesmo em arenas de exposição pública. A palavra jurídica continua sendo instrumento de defesa e convencimento, mas também se tornou construção de reputação, prática ética e exercício permanente de responsabilidade.

Na sala de reuniões de ontem, o advogado se sentava diante do cliente com a biblioteca às suas costas, simbolizando o acesso exclusivo ao conhecimento. Hoje, a biblioteca é digital e está ao alcance de todos, com respostas certas e erradas à disposição. A inteligência artificial faz resumo de livros e petições, tornando legível o outrora inacessível. Mas, mesmo nesse ambiente com fronteiras comunicativas difusas, continua a ser o advogado e a advogada quem organiza, depura e dá direção à comunicação.

O que mudou não foi a essência da função, mas o espaço em que ela se realiza: de corredores fechados para redes abertas, de destinatários limitados para ambientes virtuais. O vínculo de confiança permanece – e é nele que repousa a legitimidade da nossa palavra, neste tempo em que todos comunicam, mas poucos orientam.

Sobre advogados e a falta de inteligência – tanto artificial quanto natural

É incrível a capacidade que alguns caboclos têm de se foderem…

E sozinhos!

Afinal, caríssimos, a Inteligência Artificial não é “tão inteligente assim”

Isso porque a figura do advogado, do ser pensante e analítico, é indispensável na construção de peças e pedidos perante o Judiciário. Antes de mais nada, tenhamos em conta que já cansei de falar que a língua portuguesa é o bisturi do advogado, – o que tenho procurado, inclusive, demonstrar nas últimas publicações aqui do blog.

E sobre o tema do (mau) uso da Inteligência Artificial, já falamos antes um pouquinho sobre isso no texto a vida imita a arte.

Mas, convenhamos, esse povo não descansa!

Vejamos dois casos recentes, com grifos meus, de advogados que quiseram dar de espertalhões e acabaram por levar na cabeça!


Temos este caso da Justiça Federal publicado em 30/06/2025 pelo Núcleo de Comunicação Social da Justiça Federal do Paraná:

Juiz federal aplica multas a advogado por uso indevido de IA e litigância de má-fé

Em uma decisão sobre o uso responsável de novas tecnologias no sistema jurídico, a Justiça Federal do Paraná (JFPR), por meio da 2ª Vara Federal de Londrina, no norte do estado, impôs multas a um advogado por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade do judiciário.

O caso teve início com uma ação na qual o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de Arapongas, no norte paranaense, descumpriu uma sentença anterior, que determinava o restabelecimento de um benefício por incapacidade e a designação de uma perícia presencial.

Conforme o despacho do juiz federal substituto Igor de Lazari Barbosa Carneiro, o representante legal do autor apresentou inúmeras manifestações nos autos, produzidas irresponsavelmente por meio de recursos de inteligência artificial. “As peças apresentam referências doutrinárias, legais e jurisprudenciais inexistentes”, afirma o magistrado.

Entre os eventos, a decisão destaca artigos inexistentes da Lei de Mandado de Segurança e Lei Processual do Tempo inexistente. Além disso, cita números de processos que também não constam nas bases de dados dos tribunais.

No entendimento da Justiça, o advogado descumpriu parâmetros definidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), praticando inovação ilegal do direito.

“Pelas razões apresentadas, imponho ao advogado da parte autora multa de dez salários-mínimos pela prática de ato atentatório à dignidade da Justiça, e multa adicional de dez salários-mínimos pela litigância de má-fé”, decidiu Carneiro.

O despacho determina, ainda, que a OAB do Paraná seja informada da decisão, para adoção das providências cabíveis.


E também temos este outro, da Justiça do Trabalho, publicado em 18/08/2025 pelo TRT da 2ª Região (SP):

Mau uso de inteligência artificial em petição condena por má-fé e intuito protelatório

Decisão proferida na 3ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes, SP, rejeitou embargos de declaração e multou empresa de segurança e limpeza por propósito protelatório e litigância de má-fé. Para o julgador, ficou claro o mau uso da inteligência artificial na elaboração da petição, redigida de forma genérica, sem revisão nem filtragem crítica pelo advogado da reclamada, o que congestionou o andamento processual.

Com o objetivo de apontar supostos vícios na sentença, o profissional do direito utilizou linguagem padronizada e tratou os fatos de forma superficial no pedido, segundo o juízo. Também não apresentou a personalização necessária à demonstração de erro, omissão, contradição ou obscuridade, elementos essenciais para os embargos declaratórios. Por fim, valeu-se de premissas equivocadas nas alegações.

Nos embargos, o advogado argumentou que a sentença teria ignorado documentos que demonstravam a intermitência da prestação laboral e os períodos de inatividade do trabalhador, sem indicar, contudo, a qual documento se referia. Em outro trecho, apontou falta de provas quanto ao reconhecimento de justa causa patronal, ignorando o fato de que “os embargos declaratórios não se prestam à rediscussão de provas nem à reforma da decisão, devendo as partes atuar em colaboração com a rápida solução do processo, sem criar embaraços desnecessários”, diz a sentença de embargos.

Mais à frente, o texto da petição requereu compensação dos valores pagos a título de férias, descanso semanal remunerado (DSR), 13º proporcional e FGTS, sendo que não houve condenação em DSR. Por fim, os embargos questionaram reconhecimento de rescisão indireta “sem qualquer apreciação das razões de fato e de direito expostas na contestação, em evidente cerceamento do direito à ampla defesa […]”. A sentença de embargos, entretanto, ressaltou que o tema “rescisão indireta” sequer foi tratado na decisão original.

“Como se percebe, a IA não leu atentamente o processo, não conhece conceitos jurídicos específicos e não é capaz de analisar as peculiaridades do caso concreto, ignorando que temas secundários não são analisados justamente porque restaram prejudicados diante da rejeição expressa do tema principal”, afirmou o juiz Matheus de Lima Sampaio. Segundo ele, a utilização de ferramentas tecnológicas é benéfica para otimizar a atividade jurídica, desde que empregada com discernimento.

“Não se admite que o operador do Direito, valendo-se ou não de inteligência artificial, submeta ao Judiciário textos não revisados e que não se harmonizam com o caso concreto, ocupando indevidamente o tempo do juiz e do Poder Judiciário com expedientes superficiais, destituídos do rigor técnico e da profundidade analítica que a atividade jurídica exige”, concluiu o magistrado.

A multa aplicada foi de 2% do valor atualizado da causa pelo caráter protelatório da medida e de 5% por litigância de má-fé, com valores revertidos em favor da parte contrária.


Meeeeeooo…

Mesmo sem a Inteligência Artificial, a revisão final de uma peça é o mínimo que se espera de um advogado razoavelmente competente. Não se cita jurisprudências sem conferi-las, não se fundamenta em leis sem consultá-las, não se discute o que não faz parte do pedido ou da decisão – quod non est in actis, non est in mundo”, ou seja, o que não está nos autos, não está no mundo!

A Inteligência Artificial está aí para ajudar. Eu mesmo me valho bastante dela, para pesquisas, consultas e até mesmo construção de “esqueletos” de peças. Mas o estilo de uma petição sempre vai ser de minha autoria, e a revisão completa é indispensável, pois já cansei de receber sugestões de leis e jurisprudências que vão ao encontro de minha pretensão, mas que simplesmente foram inventadas pela IA. E não adianta insistir para ela buscar somente “casos verdadeiros”, pois ela vai te dar um chapéu do mesmo jeito.

Enfim, caríssimos, certamente mais casos desse tipo ainda vão ocorrer. O FEBEAPÁ no Brasil é uma constante e acaba por ser bastante divertido poder rir às custas dos outros!

Só tomem cuidado para que das próximas vezes “os outros” não sejam vocês…

Emenda à Inicial: E a farra não para! Também com condenação por litigância de má-fé por conta da utilização da IA que criou jurisprudência inexistente (e ainda tentou argumentar que tratava-se de mero “erro material” por ter havido “transcrição incorreta”), vejam só esse trecho da notícia veiculada em 27/10/25 pelo TRT da 3ª Região (MG): “Segundo o relator, não se tratou de simples equívoco quanto ao número de uma súmula, mas de criação de conteúdo inexistente, que poderia beneficiar a parte e induzir o juízo a erro. Ele ressaltou que a utilização de ferramentas de inteligência artificial não afasta a responsabilidade da parte pelos termos apresentados em juízo. Destacou ainda que a atuação no Poder Judiciário exige probidade, princípio fundamental que, no caso, foi claramente violado.”

Embargos Declaratórios: Um detalhe interessante acerca de toda essa história veio no quadro Curtas, do Boletim da AASP nº 3226: “O TRT-2 aplicou multa por litigância de má-fé a uma trabalhadora devido ao uso irregular de inteligência artificial (IA) em um recurso. A advogada da parte utilizou a tecnologia para inventar julgados, atribuindo-os a Ministros do TST e a um suposto Julgador do TRT-3. Para o Relator, a intenção era convencer o Julgador de que os outros tribunais compartilhavam do mesmo entendimento alegado. Embora a advogada tenha elaborado o conteúdo, a responsabilidade pelos atos processuais recai sobre a parte.”

A escrita de petições: entre o carbono e o clique

Egon Bockmann Moreira
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPR.
Advogado.

Escrever bem, com sobriedade e poder de convencimento,
talvez seja um dos maiores desafios da advocacia contemporânea

Quando comecei a advogar, a escrita de petições era quase um ato artesanal. Não por acaso, as escolas de datilografia eram povoadas por estudantes de direito e advogados: usávamos máquina de escrever, papel carbono e um rigor que hoje pode parecer romântico, mas era fruto da pura necessidade.

Primeiro, fazia-se a versão manuscrita a ser passada a limpo com atenção: um só erro significava começar tudo de novo. Não havia o recurso de “copiar e colar”, tampouco a possibilidade de apagar ou reformatar. Cada página era um pequeno projeto concluído com alívio.

Passamos depois pelos computadores contrabandeados, processadores de texto no ambiente DOS e impressoras matriciais. A novidade técnica trouxe liberdade, mas também dois perigos invisíveis: o excesso de palavras e a inibição da criatividade. O fato de poder escrever mais, revisar infinitamente e acrescentar parágrafos com um clique deu a muitos advogados a falsa impressão de que quantidade e qualidade caminhariam juntas. Todavia, o que se dá é justo ao contrário: quem escreve demais não cumpre o ofício de escrever bem.

Hoje, a transição ao processo digital nos trouxe um novo desafio. Não há mais protocolo físico, carimbo ou capa dura de autos. Tudo é eletrônico, fluído, intangível: a existência virtual apaga a experiência real do ler e escrever. As petições são vistas em telas pequenas, muitas vezes em celulares.

Juízes, advogados, procuradores e administradores públicos, todos nós, vivemos com pressa e cercados por um volume crescente de documentos e fontes jurisprudenciais e doutrinárias. Dispomos de mais informações num só dia do que nossos antepassados tinham a vida inteira (mas com a mesma capacidade cognitiva). Na medida em que as horas do dia são escassas, a atenção de quem decide é um bem cada vez mais raro.

Por isso, escrever petições longas e prolixas não é apenas um erro técnico: é falta de empatia com o leitor. Toda vez que entregamos um texto que excede o razoável, projetamos ao destinatário uma mensagem indesejada: “Você que lute para encontrar o que importa, o problema é seu”. Mas a advocacia não é isso. O nosso trabalho é exatamente o de tornar compreensíveis os nossos argumentos, a fim de dar ao julgador os elementos necessários de forma ordenada, elegante e discreta.

Elegância, aqui, não significa enfeitar o texto com adjetivos de ocasião, clichês ou frases de efeito – transformando-o numa árvore de natal cafona. Justo ao contrário: significa saber dizer o essencial com leveza e precisão, sem ser frio ou mecânico. Trata-se de argumentar com consistência, demonstrar domínio técnico e, ao mesmo tempo, respeitar o tempo e a inteligência do leitor. Um bom texto é aquele que conquista, que desperta interesse, não o que cansa.

Discrição também é uma virtude esquecida por muitos. Há quem acredite que a ênfase retórica, os ataques ad hominem ou os adjetivos contundentes produzem mais efeito. Produzem, de fato, mas ele costuma ser negativo: o de irritar quem lê e comprometer a credibilidade do autor. Ou fazer com que os advogados da parte ex adversa vejam com maus olhos o colega. Uma petição bem escrita seduz pela lógica, pela articulação das ideias e pelo domínio das normas jurídicas aplicáveis – e não por agressividade ou dramatização.

A minha maior referência na escrita está na The Economist. Essa revista secular mantém-se estável devido ao seu modelo de escrita que combina precisão, concisão e leve ironia inteligente. Os arquivos fluem como se houvessem sido escritos por uma só pessoa, que respeita imensamente o leitor. Os parágrafos surgem no tamanho exato, encaixados entre si como trilhos de um trem que traz ao leitor informações com credibilidade.

Uma lição de como ser firme sem ser ríspido, incisivo sem ser insolente. Afinal de contas, em tempos de excesso de informações, o texto claro e direto é, mais do que nunca, uma demonstração de respeito.

Também é preciso reconhecer que a extensão de uma petição pode aparentar, muitas vezes, um sintoma de insegurança. Quem não tem certeza sobre o argumento principal costuma compensar com volume. Multiplicam-se os tópicos, repetições e citações desnecessárias. O resultado é um labirinto retórico, enfadonho, que prejudica o pedido e dificulta a decisão. Um processo que deveria caminhar com objetividade acaba se tornando um emaranhado de informações inúteis.

Por outro lado, ser conciso não é ser superficial. Há que se expor os fatos com exatidão, qualificar os argumentos com boa doutrina e jurisprudência, e estruturar a narrativa com começo, meio e fim. E talvez as partes mais importantes da petição sejam exatamente a descrição precisa dos fatos e a formulação exata do pedido. O que está entre os fatos e o pedido – a fundamentação jurídica – não é novidade alguma para a maioria dos leitores. Daí a necessidade de revelarmos só o que de importante existe naquele pedido e como ele é prestigiado pela doutrina e jurisprudência.

Outro aspecto fundamental é saber quem é o leitor e do que ele precisa. O juiz ou administrador público que lê a petição não é um neófito em direito. Um árbitro muitas vezes é o maior especialista naquela matéria. Nenhum deles precisa de lições genéricas ou de longas transcrições doutrinárias que apenas repetem o óbvio. Também não precisam de tabelas imensas ou anexos com volume desproporcional ao caso. Como todos nós, o leitor precisa é de um texto compreensível já numa primeira visão: o que se pede, com base em quais fatos e por quais fundamentos jurídicos.

Por isso que o bom advogado é aquele que estudou o caso, domina o conteúdo, organiza o pensamento e traduz isso em texto com elegância. Não se trata de arte literária, mas de técnica forense. Saber escrever bem não é um luxo; é um instrumento de trabalho tão essencial quanto conhecer a lei.

Ao longo dessas décadas, aprendi que a boa petição é aquela que respeita o tempo e a paciência de quem a lê. Que oferece soluções, não problemas. Afinal, petições com dezenas de páginas, quando não justificadas por uma causa de altíssima complexidade, correm o risco de transmitir a pior das impressões: a de que o advogado não tinha, de fato, nada a dizer.

Escrever bem, com sobriedade e poder de convencimento, talvez seja um dos maiores desafios da advocacia contemporânea. Mas também é, sem dúvida, um dos seus maiores encantos.

Afinal: qual é a diferença entre Legal Design e Visual Law?

Tem muita gente bem mais capacitada do que eu para lhes explicar essa diferença. Basta uma busca rápida na rede e você vai achar inúmeros tutoriais, vídeos, cartilhas, o escambau! Mas, particularmente, achei bem simpático e objetivo este aqui: Visual Law – O design em prol do aprimoramento da advocacia.

Não vou entrar nos detalhes da coisa, mas eis um resumo, bem resumido, só para vocês começarem a compreender do que estamos falando.

Design não está voltado à estética, mas sim à funcionalidade. O design é sobre idear novos produtos que funcionam considerando seus usuários, não reproduzir seus gostos, preferências ou vontades pessoais. “Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas queriam, elas teriam dito cavalos mais rápidos”, é o que já dizia Henry Ford... O Legal Design visa tornar o sistema jurídico e os seus serviços mais centrados nos seres humanos, mais acessíveis, satisfatórios e empáticos. No direito o design não se orienta pelo lucro ou pelo consumo, mas por uma melhoria na compreensão e na vivência do direito. A abordagem do Legal Design não pode se pautar apenas por critérios quantitativos – como o passivo de processos do Judiciário ou a demora na tramitação dos feitos -, mas deve considerar também critérios qualitativos, como o acesso à justiça, o devido processo legal e o contraditório. O estudo do Legal Design não representa apenas uma modificação estética ou formal no exercício da advocacia, mas do próprio pensamento do profissional, a partir da incorporação do modo de pensar do design, por meio de uma abordagem inovadora e criativa, aberta à exploração e experimentação, e que seja capaz de situar o ser humano e suas necessidades no centro da atuação dos profissionais do Direito. Para além da estética, importa a efetividade da solução proposta para melhorar a experiência do usuário/destinatário.

Visual Law é uma das técnicas contidas no Legal Design. É a utilização de técnicas que conectam a linguagem escrita com a visual ou audiovisual. É recomendável a utilização de modelos de peças familiares ao usuário, com aspectos gráficos de inovação pensados com o intuito direcionado de potencializar informações prioritárias ou viabilizar sínteses que permitam uma compreensão mais dreta de narrativas mais longas. O desafio, no âmbito do direito, é a utilização dessas ferramentas para melhorar a comunicação jurídica, auxiliando na compreensão do conteúdo pretendido, sem que este perca sua complexidade e profundidade; é aprender a emoldurar novas ideias como se fossem ajustes a ideias antigas, mesclando um pouco de fluência com um pouco de disfluência, para fazer com que o destinatário veja a familiaridade através da surpresa.

Exemplos de ferramentas que podem ser utilizadas para a transmissão da mensagem:

01. fonte, espaçamento, numerações, cores e títulos;
02. destaque nos trechos de maior importância;
03. inclusão de imagens e trechos nos autos;
04. quadros comparativos;
05. links e hiperlinks;
06. ícones;
07. linhas do tempo;
08. fluxogramas;
09. gráficos e infográficos;
10. mapas;
11. QR Codes;
12. vídeos e animações;
13. storyboards;
14. síntese dos argumentos.

Ou seja, o Design está conectado com funcionalidade, enquanto que a Estética é consequência e ditada pelo interesse do destinatário.