Afinal, quem é louco?

Mário Prata

Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou oito outros loucos todos os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou.

Durante mais de 40 anos passei longe deles. Mas o mundo gira, a lusitana roda e Portugal me entortou um bocado a cabeça. Pronto, acabei diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que estou adorando esta loucura semanal.

O melhor na terapia é chegar antes, alguns minutos, e ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou quatro, ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer daqui a pouco. Ninguém olha para ninguém. O silêncio é uma loucura.

E eu, como escritor, adoro observar as pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses. Acho que todo escritor gosta deste brinquedo, no mínimo, criativo.

E a sala de espera de um consultório médico, como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Herman Hesse como ela), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos:

Na última quarta-feira, estávamos eu, um crioulinho muito bem vestido, um senhor de uns cinquenta anos e uma velha gorda. Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual era a loucura de cada um deles. Que motivos os teriam trazido até ali? Qual seria o problema de cada um deles? Não foi difícil, porque eu já partia do princípio que todos eram loucos, como eu. Senão não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados. Em si mesmos.

O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o casamento, pensei. Ou será que não conseguiu entrar como sócio do Harmonia? Notei que o tênis dele estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça. Devia ser um assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para dentro da sua mala assassina.

E o senhor de terno preto, gravata, meia e sapatos também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roia as unhas. Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz este meu personagem. Uma hora tirou o lenço, e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Herman Hesse da outra. Faltava um botão na camisa. Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.

Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda imensa! Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era este o problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também de quem tinha uma prisão de ventre crônica. Tinha cara, também, de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a conhecesse.

Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu terapeuta. Conto para ele a minha viagem na sala de espera. Ele ri, ri muito, o meu terapeuta:

– O Ditinho é o nosso office-boy. O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá do Ipiranga, e passa por aqui uma vez por mês com as novidades. E a gordinha é a dona Dirce, a minha mãe. E você não vai ter alta tão cedo.

A Crônica de um Encarceramento Anunciado

Nota: Resolvi seguir a ideia do meu amigo virtual Jarbas e pedi ao ChatGPT o seguinte:
“Escreva um pequeno conto sobre a possível prisão do Presidente Bolsonaro
imitando o estilo de Stanislaw Ponte Preta”.
Na minha opinião faltou um tanto da verve sarcástica do autor, mas até que ficou passável…

A cidade estava agitada. Não que isso fosse novidade — Brasília vive num frenesi constante de bastidores e conchavos. Mas, naquele dia, o burburinho era outro: a Polícia Federal madrugou na Alvorada e saiu de lá com um ilustre passageiro, ex-presidente e atual alvo de inquéritos mais numerosos que carnê de crediário vencido.

— Prenderam o Bolsonaro! — exclamou Dona Zuleica na padaria, deixando o pãozinho cair na bandeja.

— Mas prenderam mesmo ou foi só condução coercitiva? — questionou o Seu Cláudio, que não confiava em notícia até que saísse na boca do Datena.

— Parece que ele resistiu. Trancou-se no banheiro e gritou que só saía com habeas corpus debaixo da porta! — completou o Joaquim, sempre bem informado pelo grupo de WhatsApp da família, o mesmo que já anunciou o fim do mundo três vezes sem sucesso.

Os jornais tentavam reconstruir o ocorrido. Testemunhas afirmavam que o ex-presidente tentou escapar pulando o muro da residência oficial, mas, ao perceber que não tinha mais o físico de outrora, desistiu e tentou negociar:

— Eu aceito a prisão, mas só se for naquele esquema semiaberto, igual ao do Dirceu, com tornozeleira estilizada nas cores da bandeira.

Mas o delegado não se impressionou. A lei é dura, mas é a lei — e, convenhamos, ultimamente ela andava mais dura para uns do que para outros.

Ao ser conduzido, Bolsonaro teria perguntado ao policial:

— E o Lula, hein? Vocês não vão fazer nada?

— Ele já foi preso, presidente. Agora é sua vez.

— Mas isso é perseguição! Vou recorrer à Suprema Corte!

— A mesma que o senhor tentou fechar?

E assim seguiu-se o comboio, enquanto nas redes sociais a guerra digital pegava fogo. Apoiadores indignados criavam hashtags como #BolsonaroLivre, #FraudeJudicial e #IntervençãoJá, enquanto os adversários lançavam memes de Bolsonaro de uniforme listrado, acenando da cela ao lado de Roberto Jefferson.

Dizem que, ao chegar à sede da Polícia Federal, o ex-presidente olhou para a cela e comentou:

— Pelo menos aqui não tem CPI.

E assim terminou o dia, com Brasília ainda em alvoroço, Zé Ruela da esquina defendendo golpe militar e Dona Zuleica garantindo que “bem feito, quem mandou mexer com vacina?”.

O Brasil seguiu em frente, como sempre faz.

Tem caroço nesse angu…

Antes de mais nada, permitam-me explicar uma coisa: o angu, aquele anguzão crássico messs, é simprão de tudo. Água, fubá, cozinha, tá pronto. Pode até mudar o ponto, pra mais cremoso ou pra mais firminho, mas angu é só isso aí. Sem tirar nem por. Nem mesmo uma manteiguinha ou um salzinho pra dar tempero.

Não confundam com polenta, que, na minha opinião, nada mais é que o “angu chique”. Pois essa prima rica do angu pode ser feita com fubá, com farinha de milho mais grossa, flocão, farinha de aveia e até mesmo farinha de trigo. Invariavelmente cremosa, costuma ainda vir com um molho por cima à base de carne moída, tomate refogado, o escambau. Os cozinheiros de plantão poderão lhes indicar as mais distintas variedades de molhos e temperos para o deleite de seus paladares.

Angu e Polenta: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Certo?

Então.

Meu pai, como bom e legítimo mineiro, nunca abriu mão – ao menos em casa – de um prato de angu para acompanhar as refeições. Sim, tínhamos feijão, arroz, a mistura e, sempre, o angu. Minha mãe cozinhava o suficiente para virar aquela massa pura de água e fubá num prato, esperar um bocadinho para esfriar e ganhar a consistência mais ou menos de uma pamonha, para cortar com colher e se servir, deixando o resto intacto. Ele podia comer aos pedaços ou amassar com o garfo junto com feijão ou, ainda, ir misturando aos pouquinhos. Diferente de meu irmão do meio, que sempre se servia e, uma vez o prato feito, só faltava bater no liquidificador, de tanto que misturava tudo, amassava, remexia e mexia de novo, para que a comida toda ficasse com uma só aparência.

De minha parte nunca gostei desse coiso assim não. Nem o angu, nem de misturar tudo numa só levada. Afinal de contas, cada qual com seu cada seu.

Isso tudo só pra contar dois causos procês.

Esse mesmo irmão, tempos depois de separado e já se engraçando com uma nova moçoila – que mais tarde viria a trocar seu Castelo Branco pelo Solar dos Andrade –, foi jantar com ela. Comidinha caseira, ela mesma iria fazer, perguntou o que ele gostaria de ter à mesa.

– Ah, amor, sabe de uma coisa? O que eu gosto bastante e faz tempo que não como, pois nunca encontro isso em restaurante, é angu. Pode ser?

Ela não teve dúvidas. Disse que claro que sim, pode ficar aí sentadinho, que vou preparar tudo e já, já a gente vai comer uma comidinha bem gostosa. Dito isso, foi pra cozinha e com esmero e carinho preparou o almoço e mais aquela iguaria que meu irmão tanto queria.

Pratos prontos, serviu a mesa, com satisfação e encanto, apenas aguardando uma já esperada aprovação.

Mesa servida, ele dá aquela fiscalizada e, de rompante solta: “Quié isso?”

– Ué, amor, o que você pediu. Seu angu. Fiz bem cremosinho e temperadinho e com um molho que ficou simplesmente divino!

Resignado, engolindo um longo suspiro, se serviu. Na primeira bocada já soltou.

– O que minha mãe faz é diferente…

Deixo para a fértil imaginação de vocês como deve ter se dado o proseio a seguir. Mas já lhes adianto que o relacionamento miraculosamente sobreviveu a esse entrevero e até hoje os dois vão muito bem, obrigado. Eu acho. Ao menos, desde que não se tenha angu à mesa…

Esse foi um, mas, pasmem, teve outro!

Situação parecida, este velho causídico que vos tecla, tempos depois de separado e já se engraçando com uma nova moçoila – que mais tarde viria a compartilhar seu clássico Miura com um não tão clássico Andrade –, levou-a para almoçar em casa. Na realidade, na casa de minha mãe, pois recém separado e durango à toda prova, eu mesmo não tinha muito lá o que oferecer…

E eis que essa preciosa japinha se põe a ajudá-la a arrumar a mesa para servir o almoço. Se desvencilha da cachorrinha – a saudosa Brisa, sempre a nossos pés – e, enquanto conversa, coloca as esteirinhas, põe os pratos, os talheres e vai ajudando no que pode. De repente dá de cara com aquele prato de angu esfriando sobre a pia e não tem dúvidas: coloca-o no chão, perto da porta. Minha mãe:

– Menina! O que é que você está fazendo?

– Ué? Pondo no chão. Ou a senhora quer que ponha lá fora?

– Não, não, não!!! Isso é o angu do Bento!

– Sério? Lá na roça isso sempre foi comida pros cachorros…

Minha mãe, sem disfarçar um longo suspiro, resgata a “iguaria canina” e a devolve à mesa, antes que meu pai tivesse sequer percebido o que aconteceu.

Para quem me conhece, não é preciso nenhuma fértil imaginação para já saber que tive que sair da cozinha às gargalhadas enquanto deixava as duas pra trás para que se entendessem. Mas, passada a saia justa, não levou nem duas semanas para que ela voltasse a falar comigo…

Conclusão?

Vocês, moçoilas – pêlamôr! – tratem de conhecer melhor seus novos namorados para evitarem situações constrangedoras como essas. Pois, no fundo, no fundo, nós só temos a perder. E quando me refiro a “nós”, estou falando dessa ignara casta masculina que acha que todo mundo NO MUNDO já deve de antemão saber de cor e salteado o que se passa nestas nossas frágeis cabecinhas apaixonadas…

Enfim, só sei que foi assim !

😁

Votos para o Ano Novo

Crônica publicada por Rubem Braga originalmente em 14/12/1957 com o título “O ano vai acabar” e, novamente, em 13/01/1968, com o título “Balanço de fim de ano”. Apesar das décadas que se passaram, continua atualíssima…

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Os cronistas mais organizados costumam escolher, no fim de ano, os dez melhores, os dez maiores, os dez mais isto ou aquilo do ano que passou. Essas escolhas públicas não têm o encanto das escolhas particulares, feitas em uma pequena roda, em que se costuma decidir, depois de severos debates, qual foi o maior “fora”, o pior vexame, o melhor golpe do baú, o maior chato do ano, a mais bela dor de cotovelo, o mais louvável infarto do miocárdio, o party mais fracassado, a cena mais ridícula, o marido mais manso etc. Note-se que para a escolha deste último deve-se levar em conta que há muitos cavalheiros que não podem ser aceitos no páreo, devem ser considerados hors-concours. É preciso incentivar os valores novos.

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Depois desse salutar exercício, proponho que cada pessoa faça um exame de consciência e pergunte a si mesma com que direito se arvora em juiz dos outros. Pense nos seus próprios ridículos. Procure ver a si mesmo como se fosse alguém a quem quisesse ridicularizar. Como seria fácil! Quem sabe que a virtude de que você mais se envaidece é menos uma virtude do que medo da polícia, ou, mais comumente, do ridículo?

Dizem que o crime não compensa. E a virtude, compensará? Espero que sim, mas talvez só no outro mundo. Neste aqui não sei; mas conheço pessoas virtuosas que me parecem tão azedas, tão infelizes, tão entediadas, tão sem graça com a própria virtude que dão vontade da gente dizer:

— Está muito bem, nossa amizade, você é formidável. Mas assim também enjoa. Peque pelo menos uma vezinha, sim? É bom para relaxar.

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Raul de Leoni sonhava com “um cristianismo ideal, que não existe, onde a virtude não precisasse ser triste, onde a tristeza fosse um pecado venial…”.

Acho que a pessoa querer buscar a felicidade em pecados e sujeiras só não é um erro quando a pessoa tem mesmo muita vocação para essas coisas. Mas isso é raríssimo. A maior parte dos sujos tem uma inveja secreta e imensa dos honrados, dos limpos. Sofre com isto. Sofre tanto quanto os que vivem além do gabarito da própria virtude.

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Desejo a todos, no Ano Novo, muitas virtudes e boas ações e alguns pecados agradáveis, excitantes, discretos, e, principalmente, bem-sucedidos.

Ah, essas dificulidades…

– Oi, moça, bom dia!

– Bom dia.

– Você cobra pra mim, por favor? Tá aqui a comanda!

– Foi um pingado e um pão de queijo, isso mesmo?

– Isso, isso. Você sabe como é, né? Um bom cafezinho da manhã pra começar o dia!

Ãh-han…

– …

– São cinco reais, senhor.

– Tá bom. Passa no cartão, por gentileza.

No cartão??? CINCO REAIS???

– É. No cartão, oras bolas! Por quê?

– Não, me perdoe, é que um valor pequeno assim todo mundo costuma ter no bolso!

– E eu sou “todo mundo”, por acaso? Não tenho nem um centavo no bolso e nem por isso deixo de ter minha dignidade! Atualmente as pessoas trabalham com cartão, com PIX, QR Code, transferência direta pelo celular, o escambau! O dinheiro virtual está fazendo com que deixemos o dinheiro real no passado. Raro é quem anda com dinheiro na carteira! Aliás, nos dias de hoje, ter dinheiro na carteira não só é uma raridade, como é também um perigo. Se o assaltante chega e você tiver apenas alguns míseros trocados, vai querer saber onde é que você “escondeu” o resto. E não encontre pra ver o que acontece! Agora, se você não tiver nada de dinheiro, apenas uns cartõezinhos, a foto dos filhos ou da amada, a medalhinha do santo e um ou outro boleto pra pagar, é capaz mesmo de que ele fique é com dó de você e te deixe ir embora sem problema, enquanto espera alguma outra vítima que esteja, de fato, “endinheirada”!

– Tudo bem, tudo bem, senhor! Não precisa se exaltar! Foi só uma observação, então, mais uma vez, peço que me perdoe!

– Tá bom. Deixa pra lá. É que essas coisas me deixam irritado, sabe? É como se não ter dinheiro em espécie fizesse com que a gente se tornasse algum tipo de cidadão de segunda categoria…

– Imagine! Jamais pensei nisso, senhor. Seu cartão, por favor.

– Tá aqui, ó. É por aproximação, tá?

– Tudo bem, hoje em dia com todo mundo é assim.

“Todo mundo?”

– Errr… Deixa pra lá. Tá aqui a maquininha. Pode aproximar, por favor. Não, na tela não, é aqui, ó. Não, embaixo não, aqui atrás. Isso. Põe mais pertinho. Assim.

– Ah, antes que eu me esqueça: é no crédito, tá bom?

NO CRÉDITO???

– É, no crédito, sim, por quê? E eu sou lá homem de deixar dinheiro parado? Dinheiro na conta corrente não rende, minha filha! Com a inflação do jeito que está qualquer centavo é bem-vindo! Se os bancos possibilitam que eu pague tudo no crédito, pra que é que eu vou passar no débito? Tenho absoluta certeza que vocês, comerciantes, já embutiram a taxa da maquininha até mesmo em cada bala que sai deste estabelecimento, então, quer seja no débito ou no crédito, vocês vão receber de qualquer jeito. O fato de eu não pagar minhas contas com cartão de débito não significa que eu seja mais pobre por causa disso, pois estou apenas aproveitando todas as possibilidades que esse sistema bancário feudal e corrupto pode me proporcionar! Você deveria parar de medir as pessoas pela forma com que elas pagam suas contas, viu, menina? Isso por si só já é uma espécie de preconceito e que pode acabar muito mal, muito mal mesmo!

– Ai, meu Deus, mais uma vez me desculpe! O senhor pode deixar que daqui pra frente eu vou me policiar, tá bom? Eu nunca imaginei que poderia causar esse tipo de impressão nas pessoas!

– Pois é, mas com esse tipo de atitude, causa sim!

– Entendi, entendi. Mas vamos em frente, tudo bem, senhor? No crédito, então, certo?

– Certo, certíssimo! Ah, só mais uma coisinha, por favor?

– Pois não, senhor?

Dá pra parcelar?…

E esse alemão me deixa louco…

… ou não.

Mas vamos lá.

Meus pais já estão bem velhinhos.

Isso é fato.

Meu pai, com seus 86 anos completos, até que ainda está razoavelmente lúcido, apesar de o raciocínio estar beeeeeem devagarzinho; porém, fisicamente, está muito debilitado. Não que as condições gerais do organismo não estejam boas, tais como coração, pulmão, circulação, etc. Mas é que nos últimos anos ele simplesmente “desistiu”. Não quis mais saber de executar as pequenas tarefas de casa, de sair, de andar, de tomar sol, de ver gente, de nada. Atualmente só fica deitado. O dia inteiro. E, é lógico, o corpo atrofia, né?

Já minha mãe, com quase 80, fisicamente até que está bem, apesar da batelada de remédios que tem que tomar diariamente. Mas há aproximadamente um mês a cabecinha desarranjou. Teima que “aquele homem” deitado na cama não é o marido dela, que o “verdadeiro” marido saiu e vai voltar a qualquer momento, às vezes não lembra que tem netos, não lembra que tem noras (nesse caso não sei se seria de propósito…), e de quando em quando ainda teima que quer ir embora, pois não reconhece a casa onde ela viveu praticamente desde que casou.

Aparentemente é “esse tal de Alzheimer”

Mas vamos tentar entender melhor essa bagaça. Na prática, “demência” é um termo geral que engloba várias doenças que se manifestam com declínio na memória ou de outras habilidades de pensamento suficientemente severas para reduzir a capacidade de uma pessoa de realizar as atividades diárias, sendo que a Doença de Alzheimer é responsável por aproximadamente uns 70% dos casos de demência. Antigamente a demência era incorretamente referida como “senilidade” ou “demência senil”, o que refletia a crença generalizada, porém incorreta, de que um declínio mental grave seria uma parte normal do envelhecimento.

O nome oficial dessa doença se deve ao médico alemão Alois Alzheimer, o primeiro a descrever a doença, ainda em 1906. Ele estudou e publicou o caso de uma paciente, uma mulher saudável que, aos 51 anos, desenvolveu um quadro de perda progressiva de memória, desorientação, distúrbio de linguagem, dificuldade para compreender e se expressar, tornando-se incapaz até mesma de cuidar de si própria.

E, ao que parece, é “esse tal de alemão” que anda atormentando minha mãe…

Dia desses, por exemplo, ela me ligou e não dizia coisa com coisa, que queria ir embora daquela casa e coisa e tal. Pacientemente falei com ela e acabei desligando. Segundos depois ela ligou novamente com a mesma ladainha. Ainda com paciência, conversamos. E em seguida novamente. A mesma coisa. E depois de novo. E de novo. E mais uma vez. E novamente, de novo, outra vez. Na décima quinta vez (e não, não estou exagerando), simplesmente parei de atender os telefonemas.

Toda essa história foi somente para situar.

Hoje estou aqui na casa de meus pais, dando-lhes suporte para passar este final de semana, no que revezo com meus irmãos nos demais finais de semana. Muito bem. Conectei meu notebook na tomada do telefone e, estando eu na lida com meus processos, vejo minha mãe indo e vindo, passando de um lado para outro, resmungando em voz baixa. É que ela queria ligar para uma de minhas tias para apresentar a ladainha de reclamações de praxe. Tentou o celular (sem bateria), tentou o fixo (desconectado) e já tem coisa de mais de uma hora que ela está com o controle da televisão tentando fazer uma ligação…

E eu aqui, quieto.

Tudo bem, me julguem.

Já sei mesmo que, por essas e outras, devo ir para o inferno.

Mas pelo menos, por hoje, estou conseguindo trabalhar…