O Pitoresco no Judiciário

O advogado ingressou com a petição inicial, face a morte do esposo da inventariante, nos seguintes termos: “Morreu Fulano de Tal, com tantos anos, um bonus pater familia, cumpridor dos seus deveres como cidadão… Deixou sua esposa, dois filhos, três casas…” Finaliza: “Nestes termos pede deferimento”. Como não tinha um requerimento específico, o julgador despachou: “Registre-se, autue-se, publique-se, e lamente-se a morte do referido”. O processo foi arquivado.

O cidadão é acionado, porque assaltou uma loja e roubou camisas e calças; em audiência, o juiz indaga se ele não pensou na mulher e na filha. O acusado responde: “Claro que pensei, senhor Doutor Juiz, mas no raio da loja só havia roupa de homem”.

Certidão do Oficial de Justiça: “A citação não foi possível porque o réu mora numas grotas, cheias de animais. Este meirinho teve que sair correndo para escapar das mordidas da cachorrada. Para a repetição da diligência, solicito proteção”.

A advogada Fernanda Tripode ingressou com ação judicial contra Tam Linhas Aéreas, reclamando ressarcimento de passagem aérea, em voo para Nova York, cancelado face a Covid-19; esperou um ano, na forma da Lei 14.034/2020, mas, amigavelmente, não teve ressarcimento do valor pago. Em processo eletrônico, assinou digitalmente na inicial, mas o juiz Guilherme Ferfoglia Gomes Dias, da 25ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, exigiu que a advogada, militando em causa própria, juntasse procuração, com firma reconhecida; por três vezes, a advogada tentou explicar que se tratava de ação requerida em causa própria, mas de nada valeu.

Despacho Judicial em ação de execução, numa comarca de Mato Grosso: “Arquive-se esta execução, porque o exequente foi executado (à bala) pelo devedor”.

Termo de encerramento de laudo judicial de um processo na Vara Cível do Fórum João Mendes em São Paulo, SP: “Os anexos seguem em separado”.

O pastor, admitido na Igreja do Reino de Deus, como administrador em 1999, ganhava R$ 2,4 mil e cumpria jornada de trabalho de segunda feira a domingo, das 6h30min às 21:00h; em 2007, seu salário foi diminuído para R$ 1,2 mil, sob o argumento de que não cumpriu metas na arrecadação do dízimo, além de ter se apropriado de doação no valor de R$ 23 mil. A ação de danos morais condenou a Igreja no pagamento de R$ 19 mil, porque não ficaram comprovadas as alegações da defesa, mas foram verdadeiras as afirmações do pastor.

Um advogado em Santo André, SP pediu a citação do “de cujus”. O juiz despachou da seguinte forma: “Para que não se venha alegar cerceamento de direito, venha, em 48 horas improrrogáveis, nova, correta e definitiva emenda à inicial, eis que o ‘de cujus’ encontra-se ‘nos céus’ ou nos ‘purgatórios’, ou ainda ‘nos infernos’, não dispondo o Juízo de ‘dons mediúnicos’ para convocá-lo à resposta”.

O juiz Carlos Alberto Zanini Maciel tratou seu colega, juiz José Roberto Bernardi Liberal, titular da Vara de Execuções Penais de Araraquara, SP, por Vossa Senhoria e recebeu o seguinte despacho no pedido: “Comunico a Vossa Excelência que deixei de apreciar o pedido porque o pronome de tratamento de Juiz é Excelência e não Senhoria. Na oportunidade, apresento a Vossa Excelência protestos de elevada estima”.

Encontrado um chapéu perto do cadáver da vítima, alguém foi acusado pelo crime, pois seria o dono do chapéu, o que sempre negava e o júri resolveu absolvê-lo, pois considerou tal prova muito precária. Absolvição já definitiva, pois o promotor não tinha apelado da mesma, dez dias depois o acusado absolvido foi ao cartório da cidade dizendo que desejava falar com o juiz e ao lhe ser perguntado o que queria, respondeu que tinha vindo buscar o seu chapéu…

A palavra pedido, muito comum nos serviços judiciários, com alguma frequência, é grafada sem o “d” e termina causando constrangimento, porque sai outro termo. Registra-se no dia a dia dos fóruns, despachos como os seguintes: “Defiro o peido” ou “Indefiro o peido”, “defiro o peido inaugural”, o “peido de despejo”, “o peido de Reunião Familiar”, “a despeito de peido expresso”, “peido excessivamente genérico visando propiciar uma verdadeira devassa”, “o peido… somente aos comprovadamente necessitados será concedido”, “…demonstração da liquidez do peido”, “a parte não liquidou o valor do peido”, “intime-se a autora a regularizar seu peido”, “Emende-se a inicial no sentido de esclarecer o peido e suas especificações”, “intime-se a Suplicante para… se manifestar sobre o peido de fls”, “improcedente o peido em relação ao médico”, “em caso de expresso peido da parte autora”, “documento essencial para análise deste peido”, “acolho o peido do exequente”.

Superaquecida

Não, antes que pensem bobagens, o título deste texto não diz respeito àquela senhora de 41 anos que está lá embaixo, na garagem: minha moto CB 400 1981. Ela vai muito bem, obrigado.

E também não diz respeito àquela mocinha com quem sou casado há quase um quarto de século, mais conhecida como Dona Patroa (se bem que, de vez em quando – e este “quando” é quando eu apronto das minhas – até que ela costuma ficar neste estado temperamental…).

Na realidade, como já devem ter percebido pela foto, esta postagem diz respeito à Nãna, nossa gorducha gatinha. É que por conta dela fui “obrigado” a dormir no sofá esta noite. Estava lá eu assistindo meus filmes d’outrora, aboletado na minha tradicional cobertinha para enfrentar o frio gelado da noite que se espalhava até mesmo por dentro de casa, quando ela veio vindo, veio vindo, foi chegando, se aninhando, procurando um nicho quentinho, até que finalmente se instalou confortavelmente do meu ladinho. E quem diz da coragem de desconfortá-la? De jeito maneira! Aquilo quando se aninha sobre a gente é tal qual o Mjolnir, o Martelo de Thor – pois até hoje não conheci ninguém que fosse “digno” o suficiente para conseguir remover um espécime felino, qualquer que seja, quando se aloja por sobre a gente…

Ou seja, do jeito que dormi enviesado acabei acordando com a coluna destrambelhada, de modo que, sim, vai ser um looooooongo dia…

Nota de mim para mim mesmo:

Num primeiro momento, vendo a minha pequerrucha filhota quase caçula de quatro patas totalmente acomodada ali comigo, pensei em escrever um textinho curto, talvez com algum sarcasmo, e mandar pelo Twitter. Nem bem essa ideia resvalou na minha cabeça, já decidi que dava para contar um pouquinho mais numa publicação pelo Facebook. Mas, depois de tirar uma fotinha da menina dormindinha, achei melhor partir para o Instagram. Ato contínuo mandei tudo isso às favas.

Pôxa, faz dias, não, semanas (talvez meses), que estou tentando remoer qualquer coisa para publicar aqui no blog e a danada da inspiração não me aparece. Tirou férias, provavelmente no Nordeste, e não tem data para voltar. E eu aqui, na secura. E pensando nessas publicações nas redes sociais, as quais fazemos principalmente em busca dos “likes” de amigos, colegas e estranhos em geral – e não mintam, que é feiura, pois vocês também fazem isso –, é que me dei conta que em suas origens este blog era nada mais, nada menos, que minha “penseira virtual”, um lugarzinho para depositar meinhas elucubrações, registrar pequenas ocorrências do dia a dia, sem compromisso nenhum se seria lido ou não. Meus três ou quatro leitores que ainda estão por aí que o digam.

Aliás, na maioria das vezes foi partindo de textinhos corriqueiros, sem nenhuma pretensão, que acabei escrevendo outros tantos dos quais até hoje tenho orgulho (se bem que todo e qualquer texto que eu já tenha escrito acaba sendo como os filhos de um modo geral: não interessa se é feio ou se é bonito, mas aos nossos olhos sempre serão lindos!). Enfim, tudo isso foi só para me lembrar que blog é uma coisa, rede social é outra. Posso até compartilhar o link deste texto por lá – e talvez até receber os famigerados “likes” – mas meu compromisso de registro para posteridade, além dos livros aí do lado (já comprou o seu?…), está abarcado aqui no blog, desde o longínquo ano de 1998 até a presente data e, quiçá, com fôlego ainda para um futuro distante. Assim espero.

Amor incondicional?

Na realidade creio que se trata de um amor “em condicional”…

O caso é que a moçoila se enamorou por um jovem mancebo, mas, pelo comportamento dele, ficava com uma pulguinha atrás da orelha… A bem da verdade ela tinha a impressão de que era alguma espécie de amante e que ele deveria ter outra “oficial”, pois somente saíam juntos de segunda a sexta e ainda assim durante o dia. Nada de finais de semana. Nada de noitadas.

Só que o rapaz gostava mesmo dela, de verdade.

Porém estava cumprindo regime semiaberto…

Tio Alemão

Meu pai, atualmente com 85 anos, é o mais velho de doze irmãos, sendo eles: José Bento (Zé Bento), Fé, Roberto (Alemão), Esperança, Caridade, Luiza, Felisberto (Dinho), Jorge, Geraldo (Gêra), Maria Madalena (Máda), Pedrina (Pêdra) e Laura. Destes já se foram Luiza, que aos poucos meses faleceu de coqueluche, em 1947, Fé, em 1987, Jorge, em 2007, e o Gêra, em 2014.

O Roberto, mais conhecido na família como “Tio Alemão”, nunca se casou e outrora foi o único dos irmãos que continuou com a “lida” na roça, cuidando de sítios, vendendo cavalos e outros quetais.

E para encerrar este introito faltou somente esclarecer que a genética de minha família pelo lado paterno é bem “forte”. Mesmo atravessando gerações somos, de um modo geral, todos mais ou menos parecidos – conforme já contei lá no blog no causo O passado bate à porta (II).

Ah, e mais um último detalhe: a maioria de minhas tias tem uma capacidade assustadora de lembrar a data de aniversário de praticamente todos os membros da família!

Agora vamos ao causo.

Tempos atrás, ainda antes do advento da pandemia, numa de suas andanças minha tia Madalena encontrou uma amiga que há muito tempo não via.

– Nossa, Madalena, há quanto tempo!

– Pois é, menina, já faz mais de ano, né?

– Ô, se faz! Muito mais! Mas Máda, me diga uma coisa.

– O quê?

– O Alemão. Ele tá com quantos anos?

– O Roberto? Deixa eu ver… Ele é de 1940, então ele já está com 79 anos.

– Tudo isso? Puxa vida, que bênção, hein? É que eu vi que outro dia você publicou uma foto dele com sua sobrinha e eu fiquei impressionada: NOSSA, COMO ELE ESTÁ CONSERVADO!

– Ah, mas aquele lá não é o Alemão, não. Aquela foto é do Adauto, filho do Bento.

– Sério? Nossa, mas eu podia jurar que era o Alemão! E esse Adauto, quantos anos ele tem?

– O Adauto? Deixa eu ver… Ele é de 1969, então está com 50 anos.

– Cinquenta anos? Só? NOSSA, COMO ELE ESTÁ ACABADO!

Ou seja, na minha vida nada muda, é sempre a mesma coisa: sósifôdo!

Falando sozinho

[ Prólogo: Estava eu buscando a correta fonte para uma determinada citação quando, totalmente sem querer, encontrei o blog do Eduardo Marcondes. Jornalista de Campinas, fã declarado de Fernando Sabino (particularmente prefiro Rubem Braga e Mário Prata), manteve seu blog de 2009 a 2018, com textos leves e agradáveis, porém cada vez mais esparsos – o link tá aí do lado, em Gente Legal – e que, sinceramente, recomendo a leitura! Dá um certo frescor aos pensamentos ler bons textos neste mundo cada vez mais minimalista que o tal do Facebook acabou por nos impor… ]

Fernando Sabino

Certa ocasião, um professor amigo meu resolveu estudar o comportamento das pessoas que falam sozinhas. Desde então o assunto passou a me interessar.

Frequentemente me surpreendo falando sozinho. Ainda há pouco fui retirado da preguiça de escrever e posto diante desta máquina por uma ordem peremptória, expressa através de minha própria voz: vai trabalhar, vagabundo! Várias vezes ao dia me vejo, ou me ouço, dizendo coisas para mim mesmo – em geral palavras de advertência a que respondo com pedidos de contemporização (“por favor, assim também não há tatu que aguente”), autoelogios (“até que eu não sou dos piores”), queixumes e justificações (“ninguém é de ferro”, “no fim dá certo”, “deixa correr frouxo”). E estabeleço comigo mesmo um diálogo bem distraído – pelo menos na medida em que me distrai das obrigações.

O próprio ato de escrever não é senão um modo de falar sozinho, segundo aquela definição do gordo Alexander Woolcott, para quem o escritor é um homem que passa a vida inteira conversando consigo mesmo, e cujo único consolo é que a conversa com o correr dos anos fica cada vez mais interessante.

Falando sozinho, no papel ou em voz alta, tenho pelo menos o cuidado de evitar o testemunho de quem possa ver nisto rachões de sobra para fazer-me hóspede do Pinel. Os que atraíram o interesse do professor são malucos mais declarados: os que saem pelas ruas discutindo com alguém cujo único inconveniente é o de não existir. Ou, pelo menos, de não estar presente à discussão: um marido a acertar as contas com a mulher, um empregado pedindo aumento ao patrão – empenhados, em geral, numa reivindicação qualquer que não tem condição de fazer senão quando sozinhos.

Estimulado pela ideia do professor, resolvo, durante uma volta pela cidade, fazer também as minhas observações sobre o assunto. Descubro, assombrado, que o número de pessoas que falam sozinhas é muito maior do que eu imaginava. Discutem, gesticulam, riem, se exaltam, como se estivessem acompanhadas. Logo de saída passa por mim um velho, resmungando:

– Comigo é assim. Se não gostar, paciência.

Chego a pensar que esteja falando comigo. Sigo um e outro, detenho-me quando se detém, mais de uma vez me ocorre pensar se o maluco não sou eu. Tenho a impressão de que se saísse pela rua falando em voz alta tudo o que me vem à cabeça, ninguém me daria a menor atenção. Basta parar um instante em local mais movimentado, e surge logo um matusquela em animada conversa consigo mesmo:

– É isso aí, meu velho. Eu bem que avisei. Agora aguenta as pontas.

Mais adiante dou com um jovem pálido, magro, que segue à minha frente a gesticular energicamente, e passo a ouvir o que ele diz:

– Como é que é? Você vai ou não vai fechar o negócio? Estou perdendo a paciência, rapaz. Não posso esperar mais.

O tom veemente e autoritário de sua voz e os gestos decididos contrastam com a modéstia de sua aparência. Ele se detém junto ao meio fio, como para dar mais força às palavras:

– Se você não cumprir o que prometeu, vamos resolver isso na raça.

E sorri, satisfeito, porque “o outro”, amedrontado, não ousa responder nada. Ao voltar-se, dá comigo a observá-lo. Encabula-se, passa sem transição da insolência à humildade, dirigindo-se a mim com voz mansa:

– Estava acertando aqui uma escrita… Será que o senhor pode me arranjar um trocado para a condução?

Alguns, entretanto, buscam apenas distrair-se e matar o tempo. Como aquele português, cujo caso uma amiga do professor recolheu para o seu estudo. Tomavam diariamente o mesmo ônibus, pois moravam no mesmo bairro e os horários coincidiam. Ela já havia notado que o homem passava a viagem inteira falando e gesticulando sem parar. Sua expressão fisionômica ilustrava o monólogo, ora se fazendo alegre, ora compenetrada, ora indiferente. Um dia, sentada no banco de trás, viu que ele falava, falava, e de repente dava uma boa gargalhada. Logo em seguida recomeçava a falar e fazia um gesto de enfado, como a pedir a si mesmo que mudasse de assunto. Ela acabou não resistindo e abordou-o:

– Não me leve a mal, mas tenho notado que o senhor se distrai falando consigo mesmo. E ora ri, ora se impacienta….

O português acolheu com simpatia a sua curiosidade:

– E me distraio mesmo, senhorita. Acontece que este percurso é muito longo e muito cacete. Como tenho de fazê-lo todos os dias, já que não posso ler porque o ônibus sacode muito, me distraio contando anedotas a mim mesmo.

E concluiu com esta explicação, que em si mesmo é uma anedota:

– Quando é uma que eu já conheço, não acho graça nenhuma, nem acabo de contar. Mas quando é uma que não conheço ainda, costumo dar boas gargalhadas.