Daquilo que desejei que vivêssemos…

Alê Félix em 07/AGO/2011

Contar e recontar a história de como nos conhecemos, igual ao dia que passamos no Pé pra Fora.
Ver você chegando no meu portão, tocando a campainha, olhando pra janela e me esperando jogar a chave… Igual a primeira vez que veio aqui em casa.
Trocar emails como se fossem cartas, trocar cartas como se fosse amor, mensagens como se palavras nos bastassem, posts daí e de cá como se precisássemos nos manter em segredo.
Te beijar sem o desespero da minha saudade…
Banho quente jogando conversa fora, outros filmes no meu futon, mais cobertores e vinhos na sua cama, meu queijo e o seu tomate seco na minha mesa.
Andar de mãos dadas.
Suas mãos…
Conversar abraçada.
Quentinho…
Morder seu nariz.
Seu rosto que me faz sorrir…
Deslizar meus dedos pelas suas mãos enquanto tagarelávamos…
Acarinhar seu coração enquanto te sentia triste…
Cabular o dia, dar a partida, ignorar todo o resto da vida só pra cuidar um pouco de mim e de você.
Compartilhar amigos…
Esbanjar carinho…
Passar outras tardes, noites e manhãs sem nos darmos conta das horas, adivinhando as horas…
Outras estradas… Escrever outras histórias.
Ouvir suas músicas, passar as minhas…
Dirigir, ver você dormir…
Esperar a intimidade chegar…
Conseguir dormir.
Brincar de pensar…
Brinde de garrafa…
Brinde de arco-iris, brinde de estrelas…
Brinde no café da manhã…
Café misturado com leite frio e pão na chapa com muita manteiga toda santa vez, iogurte com frutas e inveja do seu pedido pra mim.
Ouvir você falando de política.
Ouvir você falando das crianças.
Ver o seu jeito e seus olhares diante da vida que passa a nossa volta…
Sentir tanta vontade de escrever…
Escrever.
Seu livro.
Meu livro.
Nossos livros.
Caminhar na praia…
Caminhar pelas ruas e praças de qualquer lugar…
Pararmos pra você fumar, pra eu pensar, pra bebermos, pra tentarmos enxergar, pra descansar, pra abraçar, pra viver.
Passarmos mais tempo em pousadas como aquela da serra…
Dormirmos até mais tarde em pousadas como aquela da praia…
Vivermos nossos dramalhões mexicanos em paz e encontrarmos um jeito de rir e contá-los depois de superados…
Passar no final da tarde no seu trabalho e me perder em pensamentos sobre nós e gravatas e paletós e vestidos pra embrulhar presentes.
E ir contigo até o seu Armazém e ir contigo até o meu Armazém…
E conhecer o seu Arpoador e ver você no sol do meu Arpoador…
Suas vindas pra São Paulo e o resto da tarde comigo depois das reuniões…
Passar mais tempo beijando em vez de falando, mais tempo namorando em vez de pensando, passar o tempo sem pensar no tempo, sem dar tchau com o coração apertado, sem pensar em tudo que queriamos deixar de lado.
E conseguir dormir ao seu lado, dividir o colchão, o chão, meu coração. Aprender a te dar fôlego para enfrentar os dias, tirá-lo durante as noites…
Acordar com café, com sorriso de bom dia.
Tentar te fazer feliz… Me manter feliz.
Dar um ponto final para a confusão de sempre, uma exclamação para o seu coração meio cheio ou meio vazio, tirar a interrogação da minha porta aberta, sem saber se fecha ou espera mais um pouco.
Interromper de vez minhas lágrimas, por nunca saber o que fazer pra jogar nessa barriga quentinha, pelo menos uma mísera larvinha.

Amo você. E era o suficiente pra ter arriscado esperar o tempo nos dizer se ele se tornaria história ou estória. Mesmo diante da nossa imatura e dramática necessidade de deletar, amo você. E por tudo aquilo que desejei que vivêssemos, mesmo que fosse só um pouco mais.

Lembra se puder, se não der esqueça… De algum jeito vai passar.

Dançando até cair

Um dia eu ainda gostaria de dançar assim. Por mais avesso que eu seja a danças! Dançar solto, descompromissado, sem senões, sem dedos em riste, sem esperar, sem cobrar, sem querer – mas querendo, no ritmo que quiser, do jeito que aprouver, virando, torcendo, cantando, com alegria, com vontade, com desejo, com parceria, com olhos nos olhos e coração com coração… Até a exaustão!

E vocês? Já têm seu par?

I-dentificando uma situação

E então o bom e velho senhor conhecido como “meu sogro” (ou “Miyagi-San”, segundo eu mesmo), alguns anos atrás costumava receber a filha do meio e suas netinhas para passar o final de semana em sua casa – hoje todas já adultas. As filhas, entenda-se. Nessa época a Dona Patroa – que ainda estava bem longe de ganhar essa alcunha – era simplesmente a tia querida e preferida de toda sobrinhada, em especial essas três filhas de sua irmã.

Pois bem.

Naqueles tempos a casa, projetada e construída como uma “construção das antigas”, tinha apenas um banheiro e nenhuma suíte. Isso mesmo, o banheiro era para uso comum de todos. E o bom velhinho costumava deixar sua bela dentadura descansando dentro de um copo d’água todas as noites, ali mesmo, sobre a pia do banheiro.

E então eis que uma de suas pequeninas netinhas entrou no banheiro para a famosa última escovadela de dentes antes de dormir.

E, lá, encarou aquele copo com toda aquela dentaria dentro!

Não teve dúvidas!

Saiu pela casa em franca desabalada carreira!

– Ô tia! Ô tia! Ô tií-ááá!!!

– Oi, oi? O que é que foi? Aconteceu alguma coisa?

– Você viu lá no banheiro? Você viu? Você viu?

– Viu o quê, minha lindinha?

– É que o vovô esqueceu o sorriso dele lá em cima da pia…

São Paulo: sua história por seus rios (pobres rios)

Roubartilhado lá do blog da Cynara Menezes. Ainda que tenha sido publicado já há uns dois anos, continua sendo muito bom! Ainda mais na nossa atual “crise hidríca”… São aproximadamente 25 minutos de um vídeo que realmente vale a pena assistir. Confiram!

Para homenagear o aniversário de São Paulo, Cine Morena orgulhosamente apresenta o documentário Entre Rios, dirigido por Caio Ferraz. O filme conta a história da cidade a partir dos rios que circulam debaixo dela. Há 1500 km de rios, córregos e nascentes no território de São Paulo, não é incrível? Alguns rios ainda a céu aberto e infelizmente fétidos e poluídos, como o Tietê e o Pinheiros. Outros, encobertos pelo asfalto, como o Anhangabaú e o Tamanduateí.

O documentário mostra como tudo podia ser diferente se tivessem deixado os rios fazerem parte da cidade em vez de canalizá-los e encobri-los. Será que ainda dá para voltar atrás?

Adolescente dá trabalho…

O que é óbvio, eu sei.

Mas qual não dá?

Mas qual não demos?

Sempre defini que adolescente é aquela criatura que paira entre dois mundos, daí toda a dificuldade de sua existência: já é velho demais para que possa continuar a viver no mundo da infância, porém ainda é jovem demais para que possa ser tratado como adulto…

Em que pese, legalmente falando, ser considerado como adolescente o jovem entre 12 e 18 anos (quando ele passa a ser “de maior”…), muitas vezes a adolescência pode começar até antes – no meu caso, em especial, lá pelos onze -, sendo “culturalmente” aceito que seu início se dê lá pelos 13 anos. Particularmente prefiro a definição dos americanos (juro que tento, mas ainda não consigo escrever “estadunidense”): teenager. Melhor dizendo, aquele que tem a idade dos “teen”, aquele que está nessa época, nessa faixa. E que faixa é essa, pergunta-me você, incauto leitor? Pois bem, caro incauto, basta lembrar o que vem depois do twelvethirteen, fourteen, fifteen e assim por diante, até o nineteen, que antecede o twenty. Percebeu?

Aliás, só pra constar: não vim aqui tratar do tema da “maioridade penal”, nem nenhuma dessas outras sandices afins que volta e meia tomam conta da mídia, mais em decorrência de algum caso isolado que de uma mobilização e estudo sério pela sociedade. Deixo essa discussão para algum outro momento, no fórum adequado. Isso mesmo. Em alguma mesa de boteco.

Então pra que é que eu vim aqui?

Talvez para lembrar um pouco de minha própria adolescência – já o fiz diversas vezes por aqui – e como era aquele mundo diferente e isolado, à parte das crianças e à margem dos adultos, no qual tínhamos a convicta certeza de nossa própria imortalidade… Os planos poderiam ficar para mais tarde, pois o futuro estava distante e éramos os atuais donos do mundo!

Mas tudo passa.

Se tudo passa, talvez você passe por aqui.

Não, péraê! Isso é letra de música. Né nada disso, não!

O que eu quero dizer é que, ainda que eu tenha por regra jamais me arrepender de nada do que já fiz na vida – a uma porque foi só passando por tudo que passei que me defini como o que hoje sou e, a duas, porque uma reflexão desse tamanho me levaria a pensar em passados diferentes e, diferente do Coringa, não acho que conseguiria lidar com um passado de múltipla escolha – talvez a única coisa que eu realmente me arrependa seja das discussões que tive com meus pais nessa época.

Sim, eu era difícil – mas vamos combinar que eles também não eram lá tão fáceis! Em especial meu pai: taurino, teimoso e turrão. Sistemático. Metódico. Tudo tinha que ser do jeito dele. Ainda que em certos momentos, ele até fosse carinhoso, vivia para o trabalho. Para o sustento da família. O provedor. Isso não lhe dava muito tempo com os filhos, em especial este que vos tecla. E eu, livre no encarceramento de meu próprio mundo, contestava essa forma de ser, talvez gritando por atenção, talvez desejando apenas ficar quieto no meu canto. E, por conta disso, tivemos discussões homéricas.

E, vocês que me conhecem pessoalmente, lendo o parágrafo anterior, já entenderam tudo, não é mesmo? Aquele ali era meu pai. Aquele ali sou eu.

Assim o sendo, ontem, após dar uma também homérica bronca no filhote do meio (usando o que a Dona Patroa chama de “voz de trovão” – uma coisa assim meio Gandalf, que faz com que todos se encolham estremecidos em seus cantos), meio que percebi a correlação de tudo isso. O ciclo. E a benção e a maldição de um ciclo é simplesmente o fato de já se saber onde tudo aquilo vai acabar. Minha vida é feita de ciclos e parece que meu carma pessoal, meu destino nessa existência, é rompê-los. E é isso que preciso fazer, o quanto antes, antes que o tempo passe, antes que minhas crianças se afastem. Porque não importa a idade de nossos filhos, eles sempre serão crianças. E sempre darão trabalho.

Acho que por isso que é tão importante para mim o “Projeto 676”, essa eterna reforma de um Opala 79 que tem a carinhosa alcunha de “Titanic” – reforma essa também conhecida como “a lenda”… Em toda minha vida adulta, após todas aquelas discussões do passado, foi a única vez que passei mais tempo junto com meu pai – cerca de seis meses – trabalhando num projeto conjunto, ajudando-o, conversando, concordando e discordando, mas agora num outro patamar. Esse carro tem história. A minha história e a do meu pai. E é por isso que já não tem preço no mundo que o pague. Ele é nosso.

E não sei se escrevi tudo o que escrevi somente pela bronca que dei em meu filho, se pela nostalgia, ou se por influência de um filme que assisti ontem, “O Juiz”, que trata da conflituosa e temperamental relação entre pai e filho. Não acho que seja uma película que tenha o estofo de grandes sucessos do cinema. Mas é um bom filme. E nos faz – e me fez – pensar nessa relação. Enquanto ainda há tempo…