“Literatura Orgânica” seria uma espécie de certificação de que determinada obra foi produzida sem a utilização de ferramentas de Inteligência Artificial ou, se utilizada, em qual forma e proporção. Esse conceito – que é bastante interessante – surgiu no meu radar ao ler uma matéria online do The Guardian, publicada em 15/10/2025. Segue a íntegra da matéria, devidamente traduzida (ironicamente, por intermédio de Inteligência Artificial…) e ligeiramente revisada:
Certificado orgânico e livre de IA: novo selo para livros escritos por humanos é lançado
À medida que os livros feitos à máquina inundam os mercados online, uma nova iniciativa do Reino Unido busca introduzir um selo de Literatura Orgânica para ajudar os leitores a identificar livros criados por autores reais
Uma nova startup do Reino Unido está mirando na crescente onda de livros gerados por IA, lançando uma iniciativa que visa verificar e rotular obras escritas por humanos.
A Books By People lançou uma certificação de “Literatura Orgânica”, em parceria com um grupo inicial de editoras independentes.
O esquema envolverá selos de Literatura Orgânica colocados em livros escritos por humanos, com uso limitado de IA permitido apenas para tarefas como formatação ou geração de ideias.
A startup, fundada pela especialista em livros raros Esme Dennys junto com Conrad Young e Gavin Johnston, disse que planeja se expandir globalmente em 2026.
O primeiro título certificado será Telenovela, de Gonzalo C. Garcia[ambientada em Santiago, no final da ditadura de Pinochet, a obra explora a vida secreta de uma família envolvida neste período sombrio da história do Chile], com lançamento previsto para novembro pela Galley Beggar Press, uma das editoras fundadoras. Outros parceiros incluem Bluemoose Books, Snowbooks, Scorpius Books e Bedford Square Publishers.
Sam Jordison, codiretor da Galley Beggar e consultor da Books By People, afirmou que a iniciativa “é extremamente importante para editoras, autores e, principalmente, leitores. É tanto um selo de qualidade quanto uma garantia da humanidade compartilhada que buscamos nos livros.”
“Tenho muito orgulho de ser a editora que terá o primeiro selo — e parece muito apropriado que esse selo vá para Telenovela, um livro sobre a luta pela verdade e contra o autoritarismo.”
As editoras podem se qualificar por meio do comprometimento com os padrões de certificação e de verificações pontuais anuais. As taxas variam de acordo com o número de títulos produzidos a cada ano.
O lançamento ocorre em um momento de tensão acirrada entre as indústrias criativas e as empresas de IA. No início deste ano, a Anthropic concordou em pagar US$ 1,5 bilhão a autores que acusaram a empresa de usar cópias piratas de suas obras para treinar seu chatbot.
Movimentos para destacar a criatividade humana estão ganhando força. Em agosto, a Faber aplicou um adesivo com a inscrição “escrita humana” em exemplares de Helm, de Sarah Hall. Na época, a CEO da Faber, Mary Cannam, afirmou que o logotipo da editora “sempre representará essa origem da escrita humana”.
O lançamento também ocorre em meio ao crescente escrutínio do conteúdo gerado por IA em varejistas on-line, como os marketplaces da Amazon, que, segundo especialistas, continuam sendo um “faroeste” devido à falta de regulamentação em torno de textos gerados por IA, e que informações incorretas perigosas podem se espalhar como resultado disso.
Dan Conway, CEO da Publishers Association, acolheu os esforços voluntários para destacar a autoria humana, mas disse que a indústria não está atualmente pressionando pela rotulagem obrigatória.
“Como Associação de Editores, é fundamental que continuemos a apoiar editores e autores na defesa da criatividade humana e do pensamento crítico”, disse ele, acrescentando que a Publishers Association está incentivando varejistas online como a Amazon a tomar medidas mais firmes contra “conteúdo de baixa qualidade escrito por IA”.
Cá entre nós, achei extremamente positiva essa ideia. É lógico que não bastará meter um carimbo na capa de um livro para garantir esse tipo de “autenticidade humana”; certamente ferramentas serão criadas e equipes serão montadas para administrar a gestão desse empreendimento (se é que já não o foram).
E eu, que tenho trabalhado na reedição de antigos livros de genealogia mediante sua transcrição, vejo essa atitude com bons olhos. Já me perguntaram mais de uma vez o porquê de eu simplesmente não digitalizar essas obras e passar as imagens por um OCR – Optical Character Regonition, ou seja, Reconhecimento Óptico de Caracteres – e minha resposta é sempre a mesma: eu não posso correr o risco de que o original seja deturpado, de modo que, ao transcrever cada página, eu tenho a compreensão macro de todas as ligações genealógicas que estão presentes, tanto no livro em questão quanto em outros correlatos. E em genealogia, a informação fidedigna é essencial.
Dito isso, fiquei mancomunando com meus curiosos botões e lhes perguntei “Por que não tomar eu mesmo uma iniciativa desse gênero?”… Eles não chegaram a me responder, mas tenho quase certeza que concordariam comigo.
Para essa empreitada (estritamente pessoal e não lucrativa) imaginei o seguinte “selo”:
Até que ficou bem bonitinho, né?
Mas para levar adiante esse tipo de coisa, seria necessário estabelecer um conjunto de regras coerentes com a iniciativa.
1. O selo “Literatura Orgânica – 100% humana” certifica obras literárias criadas integralmente por seres humanos, sem o uso de Inteligência Artificial em qualquer etapa da escrita, edição ou revisão, garantindo sua autenticidade, ética criativa e valorização do trabalho intelectual humano.
2. O selo não pode ser utilizado em obras que contenham conteúdo gerado ou editar por IA, sob qualquer forma.
3. Estabelecer definições de diretrizes visuais e éticas para o uso correto do selo em livros, e-books e materiais editoriais (mais ou menos seguindo a linha utilizada pelo Creative Commons).
4. Símbolo livre para utilização em obras efetivamente criadas sem IA, permitido para autores, editoras e instituições que respeitem a autenticidade da autoria.
Bem, não sei quanto a vocês, mas garanto que os meus livros, a partir de agora, só saem pra gráfica com este selo!
Pois é, meu povo e minha pova, como já faz tempo que não escrevinhamos por aqui, então senta, que lá vem história!
E, por hoje, vamos falar um bocadinho sobre música. Em particular o meu tipo de música!
Acho que deve ser meio difícil para qualquer um lembrar exatamente quando começou a se interessar por música e por qual tipo de música. Teria sido na infância? Teria sido na adolescência? Foi quando do primeiro amor? Das primeiras amizades? Ou, talvez, nunca tenha se interessado. Bão, daí varêia de cada um, né?
Então vou tentar trabalhar com aquilo que minha (vaga) memória pode me ajudar.
No meu caso, creio que as lembranças mais antigas de “curtir” um som sejam do final da infância e comecinho da adolescência.
Nessa época eu estava enfiado dentro da igreja, autointitulado “católico apostólico romano”, já havia tentado ser coroinha (mas fui vetado, pois era alto demais em relação às outras crianças), frequentava um movimento jovem chamado Cruzada Eucarística de Santana e – pasmem! – estive a um tiquinho de entrar para o Seminário para me ordenar padre. Isso porque meu melhor amigo da época, mais velho do que eu e, curiosamente, descendente de japoneses, já tinha incutido em seu coração que esse era o caminho que ele deveria seguir. E eu realmente queria seguir nesse embalo. Só não fui porque era muito jovem e, mais uma vez, minha pretensão foi vetada, ao menos até que eu tivesse “idade suficiente” para fazer minhas próprias escolhas.
AINDA BEM!!!
Mas, como sempre, tergiverso.
Falávamos de música. Nessa época, por influência desse amigo, passei a ouvir as músicas do Padre Zezinho, sucesso da música cristã da década de oitenta, com discos gravados e uma trilha sonora inconfundível. Aliás, que fique bem claro: nada a ver com esses padres mega super ultra blaster plus pop stars que têm aparecido nos últimos tempos! Suas músicas eram melódicas, “com história”, boas de ouvir, de cantar e de matutar. Particularmente, dentre tantas, a minha preferida era a música Um certo Galileu, lançada em 1975.
Padre Zezinho – Um certo Galileu
A característica principal dessa música e que mais me atraiu, além de toda sua melodia, é o seu “encerramento” (sim, vocês vão ter que ouvir até o fim): forte, com trompas, tambores, o escambau. Acho que já nesse momento eu começava a demonstrar o interesse por aquilo que foge do usual…
E em casa, no recém adquirido aparelho de som três em um da Sanyo que meu pai havia comprado, costumava também ouvir alguns dos discos de meus irmãos mais velhos, que, mesmo sem entender muito bem suas mensagens, estavam à minha disposição e me encantavam, também pela força, pela batida e mesmo sensualidade de suas músicas. Estamos falando de Queen e de Rita Lee (que em 1979, dentre outras, nos apresentou a espetacularmente maravilhosa Mania de você).
Queen – Bicycle race
E vamos combinar que a campainha da bicicleta ficou tão inusitada quanto ótima no contexto dessa música?
Rita Lee – Mania de você
Mas o tempo passa, a gente cresce e, diferente de meu amigo, não fui para o seminário – mas, em compensação, eu, que era um dos melhores alunos da escola, daqueles de não aceitar menos que a nota máxima, Caxias e extremamente bem comportado, gordinho, com óculos gigantes de metal, queridinho das professoras, bem na sexta série fui me sentar na carteira logo atrás de um dos sujeitos mais bagunceiros do pedaço; um, digamos, “repetente profissional”. Sei lá o porquê cargas d’água, nossos santos bateram, e ficamos muito, mas muito amigos mesmo. Foi ali, aos meros onze anos de idade, que comecei a ter um pouco mais de consciência do mundo que nos cerca e de que a vida não deveria ser levada tão a sério.
E, para completar, na oitava série, em 1983, tive o melhor professor de história da face da Terra: o “Seo” Rostschild. Inteligente e perspicaz, já tendo viajado meio mundo, suas aulas eram não só um encanto de agradáveis, bem como (para aqueles que se permitiam) ajudavam a “abrir os olhos” para muitas realidades históricas. Inclusive no que diz respeito aos mandos e desmandos da igreja católica através dos séculos – o que, aliado ao meu já bem adquirido interesse pelas moçoilas que me cercavam, sepultou de vez qualquer pretensão de carreira religiosa deste que vos tecla.
Aliás, mais um pouquinho dessa história está disponível aqui no blog, em Fragmentos.
Enfim, estávamos nos Loucos Anos Oitenta (a década que jamais acabou), e musicalmente falando vivíamos uma efervescência cultural que jamais voltaria a se ver igual na história. As músicas, tanto nacionais quanto internacionais, eram deliciosas, serviam para se cantar em grupinhos, ouvir no rádio, curtir nas danceterias e, ainda, tinham aquelas bem românticas, com o condão de proporcionar maravilhosos momentos a dois…
Ainda assim, eram “músicas de época”, alguns lançamentos faziam um estrondoso sucesso até que fossem substituídas pelo próximo. Muitos cantores e conjuntos se firmaram naquele período, e outros tantos tiveram o privilégio de fazer estourar uma única música e logo em seguida desapareceram no limbo do ostracismo radiofônico. Para conhecer um pouco do que estou lhes falando, recomendo conferir, também aqui no blog, duas grandes seleções que fiz: Anos Oitenta: 200 músicas nacionais de sucesso; e, outra só de músicas internacionais, em Anos Oitenta.
Segue a vida, e, uma vez que a grana era curta, dentre muitas tardes perdidas gravando músicas do rádio em fitas cassetes – o que era um porre, pois o maldito do apresentador sempre metia o bedelho e falava alguma gracinha antes da música terminar – eis que ganhei, do amigo de um amigo, uma fita que me apresentou ao mundo do rock como eu não conhecia, começando com a mais que clássica banda AC/DC e sua monumental Back in Black.
AC/DC – Back in Black
Fiquei irremediavelmente atraído por esse toque lento e compassado, que se mantém durante toda a música, e que combina perfeitamente com a guitarra do incomparável Angus Young, alternando entre altos e baixos com a rasgada voz do vocalista Brian Johnson. Com mais detalhes, já contei sobre isso em Back in Black, bem como foi a partir daí que se abriram outras portas para diversos outros conjuntos, que também já citei em Fogo cruzado, também em Cuidado! e em Dia Mundial do Rock.
Foi nessa época que vim a conhecer o Iron Maiden, cujo vocalista Bruce Dickinson, com sua voz de “air-raid siren” (sirene de ataque aéreo), causava arrepios até nos mais céticos ouvintes. Em janeiro de 1985, no melhor Rock’n Rio de todos os tempos, serviu somente para consolidar essa percepção de excelência.
Iron Maiden – Run to the hills
E, em Ouvindo o que mesmo?, vocês ainda vão encontrar uma relação com minha seleção bem heterogênea daquilo que interessa em termos de bom e velho rock’n roll…
E assim, desde a década de oitenta até meados do ano de 2002, meu “gosto musical” se manteve praticamente intacto, cabendo citar, ainda duas específicas pérolas que gostcho muitcho: o violonista Dilermando Reis e o saxofonista Léo Gandelman.
Desse período em diante, mesmo que de forma bem limitada, me permiti alguma abertura, pois aprendi a apreciar uma boa MPB (Chico Buarque, Elis Regina, Gilberto Gil e por aí afora), um bom sambinha (mais pro estilo de Adoniran Barbosa do que pra sambão de bateria), música sertaneja de qualidade (e não esse “sertanojo de universidade”, do tipo “dor de corno”, pois por aqui só temos Rolando Boldrin, Renato Teixeira, Almir Sater e outros do estilo), um tanto de música regional e fora do circuito (como, por exemplo, Trem da Viração, Ceumar, Tiê) e até mesmo um tanto de música clássica – que, na minha opinião, deve ser ouvida da mesma maneira que se houve heavy metal:com o volume no talo!
Beethoven – Sinfonia nº 5
Ah, um aviso aos desavisados: essa aí foi a versão (bem) resumida, extraída diretamente de Fantasia 2000, dos Estúdios Disney, pois em sua versão original a obra tem cerca de 8 minutos de duração.
E, também nesse período, aprendi a apreciar – e muito! – o gênero “Opera Rock”, começando por Therion, passando por Coronatas e, obviamente, o fantatiscabuloso Nightwish, em especial com a filandesa Tarja Turunen e sua maviosa voz (sim, larguem mão de serem chatos, pois é assim mesmo que se escreve).
Nightwish – Over the hills and far away
Gente! Vejam só como o batera já entra arrasando e, na sua deixa, o guitarrista é simplesmente fenomenal. Mas nada disso se compara à potente voz da vocalista, que também é de arrepiar. Se fosse possível voltar no tempo, daria até para imaginar um dueto com ela e o Bruce Dickinson…
E assim fiquei por um bom tempo, contente com minhas escolhas e curtindo sempre que possível e impossível toda essa variedade de músicas, em seus mais diversos gêneros e estilos.
Apesar de todos esses “avanços”, por volta de 2010 ouvi sobre mim que eu vivia numa “bolha”, criada há cerca de 15 anos e que, desde então, parei de evoluir. Que eu havia congelado no tempo-espaço e fiquei com as convicções de mundo estacionadas desde então. Que tudo que havia ocorrido em termos culturais, musicais, literários, cinéfilos, televisísticos e afins simplesmente resvalavam neste neandertal que vos tecla sem sequer deixar marca de uma mínima taxa de reconhecimento ou mesmo de lembrança.
Cumassim, Bial???
Na minha nada humilde opinião, creio que ainda foram até que generosos nessa avaliação…
Enfim, desde então me impus que deveria ser um tanto mais compreensivo e buscar assimilar ao menos um bocadinho a mais do mundo que me cerca. Aprendi a ao menos tentar ouvir novas e velhas músicas, ritmos e experiências antes de, sumariamente, lhes torcer o nariz. Algumas coisas muito boas saíram dessa nova fase perceptiva, um tanto de músicas fora do circuito, bem como outro tanto que, apesar de (relativo) sucesso, eu nem mesmo conhecia.
No primeiro caso, posso citar alguns artistas e conjuntos diversos, tais como Bruna Caram, Céu, Klebi, Banda do Mar, Little Joy, Manuche, O Teatro Mágico, Velhas Virgens, A Banda Mais Bonita da Cidade, Pata de Elefante, Rádio Galena, e – claro! – o impagável Pedra Letícia.
Pedra Letícia – O Menino
E, no segundo caso, posso lembrar de Los Hermanos, Ana Carolina, Zeca Baleiro, Skank, Jota Quest, Norah Jones, Des’ree, Cranberries, Midnight Oil, Enya, Coldplay, Rival Sons, Muse, Dropkick Murphys (Rose Tatoo é simplesmente é uma delícia!), e a inusitada banda alemã Rammstein.
Rammstein – Benzine
Confesso que nos últimos tempos meio que voltei a ser um tanto quanto intragável quanto a novidades. Bem do tipo “em time que está ganhando não se mexe”…
Até porque eu simplesmente não me vejo abraçando certas músicas e ritmos – cuja qualidade, no geral, só vejo decair a cada dia que passa. Músicas horríveis, letras toscas, algumas até mesmo burras, falta de ritmo e por aí afora. E ainda assim essas porras simplesmente fazem sucesso!
Inacreditável.
Existem (novos) ritmos demais para enumerar – até porque nem mesmo conheço – de modo que não vou sequer tentar. E para que não pensem que sou (tão) intolerante, vejam só: li recentemente uma notícia que dizia que essa tal de Taylor Swift havia emplacado todas as músicas de seu novo álbum, The Life of a Showgirl, entre as Hot 100 da Billboard. Ora, me pareceu um feito e tanto! Nunca tinha ouvido nada dela (ao menos que me lembre), então resolvi checar. Fucei e, nos cantões da Internet, encontrei e baixei o álbum na íntegra. Ouvi na íntegra. Três vezes. Juro que me parece tudo uma música só! Tá certo que não sou nenhum crítico musical e também nem sei o que anda no gosto dessa garotada de hoje, mas particularmente não consigo perceber muito bem onde acaba uma e onde começa outra música. Para mim pareceu tudo igual, mesmo tom de voz, mesmo ritmo, mesma batida, mesmo tudo.
Deletei.
Outra coisa que surgiu nos últimos tempos (não tão últimos assim) foi um tal de K-pop, ou seja korean pop, ou, ainda, música popular coreana. Pelo que li, trata-se de uma forma moderna da música pop sul-coreana que abrange estilos e gêneros incorporados do ocidente, como pop, rock, jazz, hip hop, R&B, reggae, folk, country, além de suas raízes tradicionais da própria música coreana (obrigado, Madame Wikipédia). Depois de ter lido a receita dessa “sopa” de estilos, na hora me recordei de uma antiga estória da Turma da Mônica (como, raios, eu consigo me lembrar de coisas assim?), ainda da década de setenta, em que o Cebolinha e o Cascão resolveram formar uma banda de dois com um estilo musical único…
Enfim, o K-pop veio, se instalou, expandiu, fez sucesso e, de minha parte, eu sequer tomei conhecimento de sua existência. Ao menos que eu saiba.
E, finalmente chegamos onde eu realmente queria e que acabou rendendo toda essa montoeira de letrinhas aí de cima.
Dentre o muito que leio diariamente, entre notícias, informes, curiosidades e o escambau, ouvi falar do sucesso dessa animação chamada KPop Demon Hunters – “traduzida” nestas terras tupiniquins como Guerreiras do K-Pop. Mais por curiosidade do que por interesse propriamente dito, resolvi dar uma conferida nesse coiso, até porque em determinados trechos leva bem o estilo de mangá, que admiro um tanto.
A estória em si é bastante interessante, mas não chega a ser “fenomenal”. Mistura uma certa originalidade, com as cantoras que combatem os espíritos malignos através da música, com temas e personagens clássicos de lendas asiáticas. O grupo de K-pop HUNTR/X é composto por Rumi, a líder, Mira, a rebelde, e Zoey, a rapper. Tem humor, romance, ação, drama, reviravolta, o pacote completo. Ah, sim, e tem também as músicas!
As protagonistas: Zoey, Rumi e Mira.
Suas intérpretes musicais: Ji-youn Yoo, EJAE e Audrey Nuna.
Meeeooo…
Que fodástico!!!
Eu sinceramente não sei se a Netflix esperava o sucesso tão estrondoso dessa animação e, ainda, de suas músicas. Dessa nota aqui, fiquei sabendo que o filme já foi visto 266 milhões de vezes na plataforma, e que suas músicas originais já tiveram mais de 500 milhões de reproduções no Spotify. São números pra lá de impressionantes!
E, de minha parte, continuo completamente encantado com o ritmo e a sonoridade das músicas – são todas muito boas, mas em particular a minha preferida é a primeira de todas, já na abertura da animação: How It’s Done.
Confiram por si mesmos e cheguem às suas próprias conclusões.
Quase em frente de casa existe uma capelinha. Simplesinha de tudo, mas arrumadinha e bem conservada pelos fiéis. Essa construção é o último resquício de uma favela gigantesca que existia beirando um dos lados da avenida e que já há muito tempo foi “removida”, pois toda a área é de preservação permanente em virtude do Córrego Senhorinha, que serpenteia ao fundo. Com o tempo a mata se recompôs e as árvores, nativas ou não, já alcançam mais de dez metros de altura.
Mas a capelinha ficou.
E, também, margeando a avenida, existe uma longa pista de caminhada irmanada de uma ciclovia, as quais se estendem por vários quilômetros, tanto à direita quanto à esquerda de onde moro.
Pois bem.
Estava lá eu, como de costume, tomando um cafezinho e soltando umas baforadas, observando o movimento.
E eis que um garotinho, de uns quatro, talvez cinco aninhos, com sua pequenina bicicleta, de repente para em frente à capelinha, abre um par de olhos deste tamanho, e fica esperando que seus pais, na caminhada, o alcance. Quando se dá o encontro, eis que ele me vem com esta:
“Mãe, pai, olha! A casa dos Três Porquinhos!”
Todos riram, inclusive eu, do outro lado da rua. Eles explicaram para o pequerrucho que não, que aquela construção não era a casa dos Três Porquinhos, mas sim uma capela e… Não deu tempo. Ele já havia saído pedalando, provavelmente bem convicto de sua descoberta.
Pois é…
Por mim, acho que tá tudo certo, pois não creio que a Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – venha a se incomodar com a alcunha que lhe foi dada pelo inocente petiz… 😜
Ética e confiança na comunicação jurídica em tempos de excesso informacional
Na advocacia, a palavra nunca foi neutra. É instrumento de defesa, meio de convencimento e forma de estabelecer confiança. Também foi, durante muito tempo, uma barreira de entrada. O vocabulário técnico e os códigos fechados limitavam os interlocutores, preservando um espaço quase exclusivo entre advogados, advogadas, juízes e autoridades. A palavra do direito, escrita em linguagem cifrada, era um filtro que separava iniciados e leigos, consolidando uma comunicação de alcance restrito.
Esse cenário mudou radicalmente. A mesma palavra que antes circulava em corredores limitados hoje percorre redes complexas, multiplica destinatários e atravessa fronteiras. Já não é um gesto individual, controlado e endereçado a poucos, mas uma prática individual que se converte em coletiva, difusa e permanentemente exposta. Os diálogos jurídicos se tornaram atos públicos, reforçando que reputação, clareza e ética são inseparáveis do exercício profissional.
A comunicação com clientes ilustra bem essa transformação. No passado, as reuniões presenciais eram o espaço central: o cliente comparecia ao escritório, narrava os fatos e nós tomávamos notas à caneta (e as guardávamos com sigilo). Desse encontro é que se extraía a matéria-prima para petições ou pareceres.
A relação era bastante assimétrica: cabia ao cliente confiar e acreditar nas poucas informações que lhe eram repassadas. Aos advogados, traduzir em linguagem jurídica aquilo que recebera em narrativa pessoal. Pouquíssimas vezes a petição era submetida à análise prévia do cliente. O produto final seguia um caminho linear, da mesa do escritório à da magistratura, com escassos interlocutores no trajeto.
Nos dias atuais, o cliente chega munido de informações buscadas no Google, de modelos extraídos de sites especializados e, cada vez mais, de respostas de sistemas de inteligência artificial. Comparece em ambientes virtuais com pautas previamente construídas, nem sempre consistentes, e o diálogo já não é apenas sobre fatos, mas a respeito de comparações de argumentos. A função advocatícia deixou de ser a de compreender e informar: nossa missão é a de contextualizar, selecionar e organizar esse excesso, transformando ruído em orientação técnica responsável.
A nova configuração do papel atribuído às advogadas e aos advogados exige atenção aos limites éticos. A palavra jurídica já não é só nossa e o número de interlocutores é incalculável. Mesmo porque o e-mail e o whatsapp, que substituíram em grande parte as conversas presenciais, podem ser imediatamente compartilhados com amigos, sócias, conselhos de administração ou departamentos jurídicos.
Essa imensa sucessão de monólogos, de texto ou de voz, torna imprecisas as fronteiras reais e os efeitos da comunicação profissional. Reuniões virtuais são automaticamente transformadas em texto, tornando definitivas as opiniões momentâneas. A informação não é mais apenas mnemônica. Cada mensagem é, ao mesmo tempo, individual e coletiva, instrumento de orientação e demonstração de força ou responsabilidade. A confiança do cliente nasce da percepção de que, mesmo diante de informações abundantes, são os advogados e advogadas quem mantêm o fio da coerência, oferecendo direção segura em meio ao excesso.
Entre colegas, a comunicação também mudou. Havia um tempo em que ela se fazia em encontros pessoais: uma ligação telefônica, uma carta formal, um cafezinho ou uma conversa de corredor no fórum. O tom era controlado, e o alcance limitado. Divergências permaneciam confinadas aos autos do processo.
Hoje, a troca de mensagens ocorre em velocidade instantânea, registrada em e-mails, aplicativos e plataformas digitais. Aquilo que antes era uma conversa informal pode, de repente, tornar-se prova documental. Além disso, as redes sociais transformaram colegas em interlocutores públicos: discussões antes restritas às peças processuais repercutem em postagens e entrevistas que alcançam públicos heterogêneos.
Nesse ambiente, o limite ético é o que preserva a confiança entre pares: cada palavra carrega a reputação de quem a profere. O advogado que respeita esses limites não só defende causas, mas protege a credibilidade da profissão como um todo.
O mesmo se diga da comunicação com autoridades, que sempre foi ato de responsabilidade institucional. Antes, era formal, solene e marcada pelo rito: a petição impressa, a audiência diante do juiz, juíza ou procuradores, a sustentação oral restrita ao espaço físico do tribunal. Cada palavra tinha destinatário exclusivo e contexto delimitado.
Atualmente, o mesmo gesto ocorre em ambiente digital, acessível a qualquer pessoa. A petição eletrônica, redigida para convencer um magistrado específico, pode ser lida por colegas, jornalistas, pesquisadores ou cidadãos interessados. A sustentação oral é transmitida em tempo real e arquivada em vídeo, aberta ao escrutínio público. Os clientes as assistem, como se estivessem diante de uma competição esportiva. A fronteira entre comunicação técnica e exposição pública tornou-se difusa, muitas vezes confundindo o real papel atribuído ao advogado e às advogadas.
Nessas circunstâncias, ética e sobriedade são imperativos. Nós precisamos manter a precisão do discurso, conscientes de que cada palavra poderá ser editada e lida fora do contexto original; sustentar posições firmes, sem deslizar para espetáculos retóricos; e cultivar a confiança de que, mesmo em ambiente hiperexposto, a comunicação serve antes à Justiça do que à autopromoção.
Os meus quase 40 anos de advocacia revelam que ela sempre foi comunicação, mas nunca como agora. O que antes se organizava em trajetórias lineares – advogado e cliente, advogado e colega, advogado e autoridade – hoje se desenrola em redes abertas, instantâneas e duradouras. Cada mensagem deixa de ser restrita e passa a circular em cadeias comunicativas cuja gestão ultrapassa o controle do emissor. Somos todos comunicadores, ativos e passivos.
Os advogados não são mais apenas aqueles tradutores de códigos técnicos, mas sim gestores de sentidos: cabe-lhes selecionar o que importa diante do excesso de informações, contextualizar dados fragmentados e manter a sobriedade mesmo em arenas de exposição pública. A palavra jurídica continua sendo instrumento de defesa e convencimento, mas também se tornou construção de reputação, prática ética e exercício permanente de responsabilidade.
Na sala de reuniões de ontem, o advogado se sentava diante do cliente com a biblioteca às suas costas, simbolizando o acesso exclusivo ao conhecimento. Hoje, a biblioteca é digital e está ao alcance de todos, com respostas certas e erradas à disposição. A inteligência artificial faz resumo de livros e petições, tornando legível o outrora inacessível. Mas, mesmo nesse ambiente com fronteiras comunicativas difusas, continua a ser o advogado e a advogada quem organiza, depura e dá direção à comunicação.
O que mudou não foi a essência da função, mas o espaço em que ela se realiza: de corredores fechados para redes abertas, de destinatários limitados para ambientes virtuais. O vínculo de confiança permanece – e é nele que repousa a legitimidade da nossa palavra, neste tempo em que todos comunicam, mas poucos orientam.
Muito recentemente fui “acordado” de volta pra vida graças a um comentário em um post que eu sequer havia escrito. Simplesmente recortei-e-colei um texto interessante cá no blog (ou melhor, “roubartilhei”) e pronto. Mas foi bom e acalentador saber que ainda existem umas quase quatro pessoas que ainda me acompanham por aqui. O que, talvez, ainda seja mais do que lá no Projeto 676!
Enfim, a vida não tem sido lá muito fácil e eu meio que me escondi de mim mesmo em um isolamento autoinfligido. Mas tive lá meus motivos. Então permitam-me compartilhar com vocês um pouco dessa história, mais exatamente de quase um ano atrás, do dia 16/12/2024.
E vamo que vamo!
Dia de retorno ao Psico (ah, sim, por inúmeros motivos que não vêm ao caso, ao menos neste momento, saibam que eu passei a me consultar com um psiquiatra).
Como você está? Tudo bem! Alguma novidade? Nada demais… Tem se controlado? Praticamente sim, tirando um detalhezinho à toa da última sexta-feira, tudo nos conformes. Ah é? O que foi? BATI O CARRO BÊBADO!!!
A conversa não foi bem assim, mas vocês meio que entenderam o resumo da ópera…
Mais uma vez tive ganas de NÃO COMPARECER no consultório, inventar uma desculpa verossímil qualquer, sei lá, audiência de última hora, ataque cardíaco, invasão alienígena, ou qualquer coisa do gênero – mas seria muita covardia de minha parte.
Conversamos um bocadinho sobre minha libido, que já não era grande coisa e agora, depois dos remédios, já nem me afeta mais. Ele disse que tem como resolver isso (esse cara não deve ser psiquiatra, deve ser algum tipo de alquimista…), mas decidi que vamos cuidar de um problema de cada vez. Quando eu estiver “bom”, então veremos como vai ser essa bagaça. Eu sempre me peso quando vou lá e ele me disse que já perdi dois quilos. Grande bosta. Eu me peso TODO SANTO DIA em casa e sei exatamente a quantas anda minha densidade e força gravitacional perante o mundo. Dois a mais, dois a menos, para um cara do meu paquidérmico porte não é nada!
No que diz respeito ao acidente, contei resumidamente o que aconteceu e lhe garanti que foi a única recaída do mês. Mentira. Foi a oitava. Mas como as sete anteriores foram “bem de leve” não achei relevante trazer o assunto à pauta. O que, na hora, me fez lembrar dessa tirinha do Fagundes, o Puxa-Saco, personagem do Laerte:
Só que, no meu caso, não tive “alta”. Muito pelo contrário. Na realidade ele resolveu AUMENTAR a dosagem de um dos remédios que estou tomando. Tá, o médico é ele, então deve saber o que está fazendo. Mas, sinceramente, não me sinto “depressivo”. O que me fez lembrar outra tirinha (tudo me faz lembrar alguma tirinha), desta vez da Mariana e da Cláudia…
Apesar de tudo, eu preferia não ter que passar com remédios. Mas já que me submeti a esse “tratamento”, é como dizia um antigo estagiário lá da Prefeitura: “já que está no inferno, abraça o capeta!”
Segunda dose:
Ah, já estava quase me esquecendo: a minha querídola, amada, idolatrada, salve, salve, Dona Patroa – que, por incrível que pareça tem me tratado como uma pessoa normal, apesar de eu ter certeza que de normal não tenho nada – resolveu comentar comigo, antes ainda de eu sair pra rua, que eu estava precisando cortar o cabelo e aparar a barba, mas lamentou que estava estava sem tempo pra isso (é ela que tem me dado um trato desde a pandemia).
É LÓGICO QUE NA VOLTA, DE TEIMOSO, EU PASSEI NUM BARBEIRO.
E não, não foi o Nando. Meio que perdemos o contato. Ainda sinto falta de nossos proseios.
E este foi meu último visual com minha vetusta branca barba…
Passei num salãozinho ali pertinho de casa mesmo. Daquele estilinho dessas “novas barbearias” com cara de antigas que o pessoal tem tentado fazer. Só que no caso não era um barbeiro, mas uma “barbeira”. No problem. “E aí? Como vamos fazer?” “Tira tudo.” “TUDO???” “Não, melhor deixar as sobrancelhas. Ao menos até momento ainda não me baixou o espírito de Pink Floyd…”
Máquina zero na cabeça.
Navalha nas fuças.
E cara de indignada da Dona Patroa.
“Ué? Mas você não mandou cortar?”
“Cortar, sim, mas não precisava voltar pra casa que nem o Kojak!”
A gente sofre é com o fim. Há incômodo na relação morna, tédio por viver na cidade que já não comporta nossos planos, frustração no emprego que era dos sonhos e agora é corrente que freia novos passos. Mas a gente aguenta. Levanta o queixo, ajusta falhas, engana a alma, forja felicidade. A gente adestra decepções para fugir do desconcerto que nos assola quando é preciso encerrar fases. E, então, mergulhados na crença capenga de que se um dia foi bom tem potencial para ser imortal, a gente começa a esticar sentimento morto, a repisar terreno gasto.
Não que seja errado perseverar. Há mérito e nobreza na luta pela manutenção do que foi precioso. Mas, às vezes, é preciso desligar os aparelhos. Coragem para aceitar que chegou a hora da eutanásia dos vícios emocionais e da ilusão de que há sobrevida no que já era. Já deu!
Em um mundo em que os contos infantis martelam o “felizes para sempre” e os casamentos são regidos pelo “até que a morte os separe”, quem precisa romper laços sente o peso de bancar o fim. Mas há força e lucidez na decisão de reinaugurar a própria história. Dá para trocar raízes por asas, escritórios por mochilas, vida a dois sufocante por novas companhias e aventura. E também dá para trocar, em sentido inverso, asas por raízes, mochilas por escritórios, companhias sufocantes e aventura por vida a dois cheia de afeto e leveza.
Só não dá para criar momentos de estimação e tentar guardá-los em um pote na esperança de que não se percam. Um dia vão acabar. Vai doer. Mas vai ser libertador também. É a regra do jogo, é a dinâmica que move o mundo e suas surpreendentes formas de nos tirar do lugar… É o clichê “que seja infinito enquanto dure” alertando que o destino é mais brisa do que chumbo. Não precisa ser eterno, basta ser bom — no tempo e na forma possíveis. A vida sempre se encarrega de equilibrar perdas e ganhos em necessários ciclos de fins e recomeços.
É incrível a capacidade que alguns caboclos têm de se foderem…
E sozinhos!
Afinal, caríssimos, a Inteligência Artificial não é “tão inteligente assim”…
Isso porque a figura do advogado, do ser pensante e analítico, é indispensável na construção de peças e pedidos perante o Judiciário. Antes de mais nada, tenhamos em conta que já cansei de falar que a língua portuguesa é o bisturi do advogado, – o que tenho procurado, inclusive, demonstrar nas últimas publicações aqui do blog.
E sobre o tema do (mau) uso da Inteligência Artificial, já falamos antes um pouquinho sobre isso no texto a vida imita a arte.
Mas, convenhamos, esse povo não descansa!
Vejamos dois casos recentes, com grifos meus, de advogados que quiseram dar de espertalhões e acabaram por levar na cabeça!
Juiz federal aplica multas a advogado por uso indevido de IA e litigância de má-fé
“Em uma decisão sobre o uso responsável de novas tecnologias no sistema jurídico, a Justiça Federal do Paraná (JFPR), por meio da 2ª Vara Federal de Londrina, no norte do estado, impôs multas a um advogado por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade do judiciário.
O caso teve início com uma ação na qual o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de Arapongas, no norte paranaense, descumpriu uma sentença anterior, que determinava o restabelecimento de um benefício por incapacidade e a designação de uma perícia presencial.
Conforme o despacho do juiz federal substituto Igor de Lazari Barbosa Carneiro, o representante legal do autor apresentou inúmeras manifestações nos autos, produzidas irresponsavelmente por meio de recursos de inteligência artificial. “As peças apresentam referências doutrinárias, legais e jurisprudenciais inexistentes”, afirma o magistrado.
Entre os eventos, a decisão destaca artigos inexistentes da Lei de Mandado de Segurança e Lei Processual do Tempo inexistente. Além disso, cita números de processos que também não constam nas bases de dados dos tribunais.
No entendimento da Justiça, o advogado descumpriu parâmetros definidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), praticando inovação ilegal do direito.
“Pelas razões apresentadas, imponho ao advogado da parte autora multa de dez salários-mínimos pela prática de ato atentatório à dignidade da Justiça, e multa adicional de dez salários-mínimos pela litigância de má-fé”, decidiu Carneiro.
O despacho determina, ainda, que a OAB do Paraná seja informada da decisão, para adoção das providências cabíveis.”
E também temos este outro, da Justiça do Trabalho, publicado em 18/08/2025 pelo TRT da 2ª Região (SP):
Mau uso de inteligência artificial em petição condena por má-fé e intuito protelatório
“Decisão proferida na 3ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes, SP, rejeitou embargos de declaração e multou empresa de segurança e limpeza por propósito protelatório e litigância de má-fé. Para o julgador, ficou claro o mau uso da inteligência artificial na elaboração da petição, redigida de forma genérica, sem revisão nem filtragem crítica pelo advogado da reclamada, o que congestionou o andamento processual.
Com o objetivo de apontar supostos vícios na sentença, o profissional do direito utilizou linguagem padronizada e tratou os fatos de forma superficial no pedido, segundo o juízo. Também não apresentou a personalização necessária à demonstração de erro, omissão, contradição ou obscuridade, elementos essenciais para os embargos declaratórios. Por fim, valeu-se de premissas equivocadas nas alegações.
Nos embargos, o advogado argumentou que a sentença teria ignorado documentos que demonstravam a intermitência da prestação laboral e os períodos de inatividade do trabalhador, sem indicar, contudo, a qual documento se referia. Em outro trecho, apontou falta de provas quanto ao reconhecimento de justa causa patronal, ignorando o fato de que “os embargos declaratórios não se prestam à rediscussão de provas nem à reforma da decisão, devendo as partes atuar em colaboração com a rápida solução do processo, sem criar embaraços desnecessários”, diz a sentença de embargos.
Mais à frente, o texto da petição requereu compensação dos valores pagos a título de férias, descanso semanal remunerado (DSR), 13º proporcional e FGTS, sendo que não houve condenação em DSR. Por fim, os embargos questionaram reconhecimento de rescisão indireta “sem qualquer apreciação das razões de fato e de direito expostas na contestação, em evidente cerceamento do direito à ampla defesa […]”. A sentença de embargos, entretanto, ressaltou que o tema “rescisão indireta” sequer foi tratado na decisão original.
“Como se percebe, a IA não leu atentamente o processo, não conhece conceitos jurídicos específicos e não é capaz de analisar as peculiaridades do caso concreto, ignorando que temas secundários não são analisados justamente porque restaram prejudicados diante da rejeição expressa do tema principal”, afirmou o juiz Matheus de Lima Sampaio. Segundo ele, a utilização de ferramentas tecnológicas é benéfica para otimizar a atividade jurídica, desde que empregada com discernimento.
“Não se admite que o operador do Direito, valendo-se ou não de inteligência artificial, submeta ao Judiciário textos não revisados e que não se harmonizam com o caso concreto, ocupando indevidamente o tempo do juiz e do Poder Judiciário com expedientes superficiais, destituídos do rigor técnico e da profundidade analítica que a atividade jurídica exige”, concluiu o magistrado.
A multa aplicada foi de 2% do valor atualizado da causa pelo caráter protelatório da medida e de 5% por litigância de má-fé, com valores revertidos em favor da parte contrária.”
Meeeeeooo…
Mesmo sem a Inteligência Artificial, a revisão final de uma peça é o mínimo que se espera de um advogado razoavelmente competente. Não se cita jurisprudências sem conferi-las, não se fundamenta em leis sem consultá-las, não se discute o que não faz parte do pedido ou da decisão – “quod non est in actis, non est in mundo”, ou seja, o que não está nos autos, não está no mundo!
A Inteligência Artificial está aí para ajudar. Eu mesmo me valho bastante dela, para pesquisas, consultas e até mesmo construção de “esqueletos” de peças. Mas o estilo de uma petição sempre vai ser de minha autoria, e a revisão completa é indispensável, pois já cansei de receber sugestões de leis e jurisprudências que vão ao encontro de minha pretensão, mas que simplesmente foram inventadas pela IA. E não adianta insistir para ela buscar somente “casos verdadeiros”, pois ela vai te dar um chapéu do mesmo jeito.
Enfim, caríssimos, certamente mais casos desse tipo ainda vão ocorrer. O FEBEAPÁ no Brasil é uma constante e acaba por ser bastante divertido poder rir às custas dos outros!
Só tomem cuidado para que das próximas vezes “os outros” não sejam vocês…
Emenda à Inicial: E a farra não para! Também com condenação por litigância de má-fé por conta da utilização da IA que criou jurisprudência inexistente (e ainda tentou argumentar que tratava-se de mero “erro material” por ter havido “transcrição incorreta”), vejam só esse trecho da notícia veiculada em 27/10/25 pelo TRT da 3ª Região (MG): “Segundo o relator, não se tratou de simples equívoco quanto ao número de uma súmula, mas de criação de conteúdo inexistente, que poderia beneficiar a parte e induzir o juízo a erro. Ele ressaltou que a utilização de ferramentas de inteligência artificial não afasta a responsabilidade da parte pelos termos apresentados em juízo. Destacou ainda que a atuação no Poder Judiciário exige probidade, princípio fundamental que, no caso, foi claramente violado.”
Embargos Declaratórios: Um detalhe interessante acerca de toda essa história veio no quadro Curtas, do Boletim da AASP nº 3226: “O TRT-2 aplicou multa por litigância de má-fé a uma trabalhadora devido ao uso irregular de inteligência artificial (IA) em um recurso. A advogada da parte utilizou a tecnologia para inventar julgados, atribuindo-os a Ministros do TST e a um suposto Julgador do TRT-3. Para o Relator, a intenção era convencer o Julgador de que os outros tribunais compartilhavam do mesmo entendimento alegado. Embora a advogada tenha elaborado o conteúdo, a responsabilidade pelos atos processuais recai sobre a parte.”