Moral conservadora: perguntas que podem revelar a hipocrisia

J. C. Guimarães

Costumes conservadores são baseados na ideia de família tradicional, homem e mulher, com nuclearidade na figura masculina; na monogamia; na heteronormatividade, combinando os dois sexos opostos; no judaísmo-cristianismo enquanto sistema de crenças transcendentais (do qual a Bíblia seria o código), com forte componente racial de superioridade dos brancos. Têm sido a ideologia hegemônica no Brasil desde os tempos coloniais, quando aqui teve início a exploração econômica, sexual e racial de nativos e africanos, pelos conquistadores portugueses. São a ideologia do governo atual porque são, também, a ideologia das classes dominantes e, até, das classes dominadas, que, reconhecidamente, tendem a reproduzir convicções estranhas aos seus interesses.

Não é preciso valer-se dos conceitos clássicos (de Morgan, Mauss, Malinowski etc.) para saber que essas representações mentais são estruturantes em sistemas culturais complexos. Legítimas, têm a função de dar significado e coesão a grupos que nelas se reconhecem. Sem elas, perdem-se as referências que mantêm a noção de ordem, fundamental para a manutenção cósmica. São, nesse sentido, verdadeiros nortes existenciais, em que se baseiam o equilíbrio comunitário e individual. Daí a violenta reação a tudo que ameaça o conservadorismo, como aqueles grupos em ebulição — as chamadas “minorias” — aos quais se contrapõe. Conviver com as diferenças não é fácil, pela simples razão de que todos os grupos humanos buscam não apenas a própria identidade e afirmação, mas também a universalização de seus valores. É a hegemonia que está em jogo e o temor de extinção de uns pelos outros, o que tenciona o conjunto social e leva ao confronto aberto. A sociedade brasileira chegou a esse estado de polarização, a partir de 2015. Desde então, costumes e valores viraram guerra declarada.

Convém perguntar: os tabus conservadores são integralmente levados a sério por seus aderentes? Analisados ponto a ponto, será verdade que os conservadores são fiéis ao conservadorismo? Serão eles, na vida privada, leais seguidores das normas de conduta publicamente exortadas e defendidas? Talvez nos decepcionemos ao entrar sorrateiramente nesta “honrada” casa, onde, ao que parece, nem tudo deve ser tão harmonioso. Pode ser que aquele elenco de ideias do início desse artigo seja ilusório — de fato, apenas ideologia —, falseando práticas comportamentais contraditórias que o desmentiriam, em parte ou no todo. Estudos antropológicos e sociológicos poderiam, com mais eficácia, revelar a imensa hipocrisia que nós, enquanto observadores, suspeitamos existir por entre as quatro paredes dessa casa. Uma série de questões bastante polêmicas se impõe, aos seus moradores.

O patriarcalismo apoia-se, inclusive, no Novo Testamento, e boa parte das mulheres aprecia a ideia de submissão a seus maridos. Mas em que porcentagem isso é escolha livre delas e não produto de repressão? É verdade que os casais, nas famílias tradicionais, estão mutuamente seguros da fidelidade dos seus parceiros? A monogamia é um fato social no Brasil. Significa que a fidelidade é, de fato, observada pelos conservadores ou a traição é mais comum do que se admite, entre eles? E, tendo em vista a traição, as esposas conservadoras têm a mesma chancela social que os maridos, para “pularem a cerca”? Elas estariam de acordo com uma provável desigualdade de tratamento? Casais conservadores restringem, realmente, suas relações sexuais entre marido e mulher ou, além de eventualmente se traírem, transgridem de forma associada, buscando práticas “corruptas” como o swing? Nesses jogos eróticos as trocas são entre sexos diferentes ou, eventualmente, ocorrem manifestações homoeróticas?

A homossexualidade é, de fato, raríssima ou comum entre os conservadores, incluindo seus líderes? Tudo isso não é nada conservador e levanta sérias questões morais, nos termos da moralidade que pretende se impor ao Brasil. Mas precisa ser respondido pelos conservadores, a fim de se estabelecer a coerência entre seu discurso e sua prática. Pública, inclusive.

Opções de arranjo familiar e escolhas sexuais interessam à religião, mas nunca foram agenda para o Estado laico, praticamente único no Ocidente e no Brasil. Somente em países comunistas, como a Coreia do Norte, e teocráticos, como o Irã, o governo controla a vida privada dos cidadãos. Agora, o governo brasileiro, que vocifera contra o Comunismo — regime “autoritário”, que “acabaria com a liberdade das pessoas”, e por isso “é preciso armá-las” — é o mesmo governo que se infiltra nas casas dos brasileiros para impor a visão de mundo de um grupo: os conservadores. Não precisamos, então, temer os comunistas, pois a principal missão da extrema-direita é, justamente, violar nossos muros para acabar com nossa liberdade. Pensando bem, aqui não há contradição, porque apenas comprova seu próprio autoritarismo, fascista. O que será contraditório é se, ao avançarmos das instituições públicas para os recintos domésticos desses novos moralistas, descobrirmos práticas que não recomendam. Será que não temem responder às perguntas mencionadas acima, expondo-se a um grave problema moral: a hipocrisia?

O conservadorismo, enquanto fenômeno público, é bem conhecido e assentado. Um estudo íntimo dele, porém, poderia surpreender a todos nós. E até escandalizar os menos liberais.

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Amanhã é domingo
Pede cachimbo
Cachimbo é de barro
Bate no jarro
O jarro é fino
Bate no sino
O sino é de ouro
Bate no touro
O touro é valente
Bate na gente
A gente é fraco
Cai no buraco
O buraco é fundo
Acabou-se o mundo!

Evangélico, eu?

Comecemos pelo princípio. Minha querida, amada, idolatrada, salve, salve Dona Patroa faz parte de um Pequeno Grupo da igreja evangélica que ela frequenta e, para fins de estudar a Bíblia, praticamente todas as sextas feiras eles se reúnem – e não me venham com críticas, pois em tempos de pandemia a reunião é virtual, tá o seus incréus!

Dia desses o foco do estudo foi a oração do Pai Nosso. Aqueles que a conhecem poderiam perguntar: “mas o que há para estudar numa oração tão curtinha que todo mundo já sabe de cor e salteado?”… Para de perguntar, ô criatura! Eu vou chegar lá. E a questão, na minha opinião, é exatamente essa. Esse Pequeno Grupo realmente se preocupa em compreender o conteúdo daquilo que professam.

Diferentemente da igreja católica, que acabou promovendo um Grande Cisma em decorrência principalmente das bulas papais – a história na realidade é bem mais complexa, mas basicamente essas bulas seriam “cartas de graças ou indulgências” por atos meritórios ($$$) -, as igrejas evangélicas de um modo geral parecem seguir mais o conteúdo dos Evangelhos do que o rastro do dinheiro.

E entendam que quando falo de igrejas evangélicas estou me referindo àquelas que verdadeiramente estão preocupadas e voltadas aos ensinamentos de Cristo e não aquelas reuniões caricatas para “expulsão do demo” ou para venda de canetas e vassouras “consagradas” pela bagatela de mil reais a unidade. Isso, para mim, juridicamente tem outro nome. E moral e pessoalmente tem um ainda pior, mas este aqui continua sendo um blog de família e me recuso a transcrever palavras (muito) chulas neste nosso espaço virtual.

Mas, para variar, estou perdendo o foco. Estávamos falando da oração do Pai Nosso. Comecei a pensar nisso tudo ao me pegar ainda hoje, quase dormitando, naqueles últimos momentos de sanidade enquanto o sono vai nos inebriando e começando a tomar conta da gente e que, no modo “piloto automático”, fiz minhas preces – que se resumem a recitar mentalmente as orações da Ave Maria e do Pai Nosso. É um hábito que adquiri há muito, muito tempo, da época de adolescência em que ainda era frequentador da igreja católica.

E então tive um momento de lucidez (e lá se foi o sono pelo ralo abaixo!) e perguntei para mim mesmo: “mim mesmo, qual é o porquê disso?”, quero dizer, por que repetir mecanicamente determinadas “fórmulas” e acreditar que nisso aí estaria a salvação? No fundo, no fundo, como eu disse, é mais um hábito que uma convicção, pois na prática – ainda que participe e comungue da fé de muitas – não frequento nenhuma igreja ou grupo religioso, pois ainda prefiro um bom proseio sem intermediários (como já lhes contei aqui e aqui)…

E isso me fez lembrar que as “novas bulas papais” já estão inseridas no contexto da igreja católica há tempos, na forma dos confessionários e a nova moeda seria a quantidade de reza e não a qualidade da oração. Pecou? Ora, não se preocupe! Seus problemas acabaram! Vá até o confessionário, ouça um entediante sermão e retire seu boleto de rezas! Mentiu? Dez ave marias! Roubou? Cinquenta pai nossos! Traiu? Trinta terços completos e suba de joelhos os 382 degraus da Escadaria da Penha! E pronto! Tá tudo resolvido, pois lavou, tá novo: a alma tá limpinha e novinha em folha para os próximos pecados!

Tá, é exagero, eu sei, mas eu sou assim mesmo, fazer o quê? “Vocês sabem que não posso resistir ao dramático”… Aliás, disso tudo o terço me parece ainda mais inócuo agora que parei para pensar. Você recita dezenas de vezes as mesmas fórmulas sem se ater a uma só palavra do que está repetindo! Isso é reza, não é oração… Lembro-me de uma vida que já não mais me pertence que das diversas vezes que já participei de novenas, minha boca se mexia em consonância com todas as demais, mas a minha alma e pensamentos divagavam em outras plagas bem distantes de onde eu estava.

Antes de encerrar, quero que entendam que não vim aqui para ofender nenhuma igreja, religião, grupo, congregação ou seja lá como for que se autodenominem. Este texto simplesmente traduz meu modo de ver as coisas e não tem nada do que escrevi que já não seja do conhecimento e entendimento até mesmo do reino mineral…

E mesmo que eu esteja falando do Evangelho, também é bom deixar claro que na verdade nenhum livro, qualquer que seja, teria a capacidade de trazer um “manual para a vida”. Não existe “receita de bolo”. Temos, sim, que pensar muito, interpretar muito, compreender seu conteúdo e ter o tirocínio pessoal acerca de sua aplicabilidade ou não nesta nossa existência terrena. E conviver com as consequências de nossas decisões.

Enfim, o que eu estou tentando lhes dizer é que acho incrível a atitude desse grupo de pessoas que dedicou mais de uma reunião para estudar uma oração que pode ser repetida em menos de um minuto (cerca de sete segundos se for rezando o terço), pois eles não estão preocupados em simplesmente seguir o conteúdo do Evangelho, mas sim em compreender as palavras de Cristo.

E creio que talvez seja nisso que estaria o que realmente diferencia esse Pequeno Grupo dessa longeva dicotomia assimétrica que tanto caracteriza a distinção entre católicos e evangélicos, pois eles não se enquadram em nenhuma “definição clássica” para nenhum desses grupos, pois eles são simplesmente o que são: cristãos.

Simples assim.

E após todas essas elucubrações mentais que me vieram à tona (e acabaram com meu sono), para que não digam que mesmo nestes tempos de pandemia não lhes deixei uma mensagem de Páscoa, então lá vai! 😁

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E eu aqui pensando nas tranqueiras que já aprontamos… Quando eu era um mero adolescente e você, Carlão, meu primo, era um jovem inconsequente… Faleceu cedo, fiadaputa, mardito câncer, mas deixou tantas saudades… Quantas viagens, quantos passeios, quantos porres homéricos, quantas cantadas inconsequentes, quantas danceterias, quantos parquinhos nós já não fomos naquele raio de moto TT 125 e nos divertíamos tanto naquela longínqua década de oitenta! Eu tinha uns 15, você uns 30, mas nossas idades não eram compatíveis com nossas almas! E ainda assim éramos almas gêmeas… Trinta e tantos anos já se passaram, mas ainda sinto como se tivesse sido ontem! Que falta lhe sinto… Teríamos tanto, mas TANTO pra prosear… O mundo tá cada vez mais pequeno e as pessoas que realmente me importam teimaram em ir embora mais cedo do que deviam… Que saudades docê primo Carlão!