Cuidado!

1984.

Diferente do que previu George Orwell, o mundo (ainda) não estava dominado pelo Grande Irmão. Levaríamos, em padrões Globais, mais uns trinta anos para alcançar esse patamar…

O movimento Diretas Já! era algo que acontecia lá fora, marcando o início do fim da ditadura no país, sustentada tão somente pelo já depauperado governo do general Figueiredo, deixando a todos num ar meio que de perplexidade, sem saber exatamente para onde estávamos indo, tendo somente como realidade a última herança dessas duas décadas: um quadro de hiperinflação que ainda iria perdurar por cerca de mais dez anos. E estamos falando de números de quatro dígitos! Era uma insanidade!

Mas nós, adolescentes da época, começando nosso despertar para a vida, para os amigos, para os amores, para o trabalho, para a política, apenas orbitávamos em torno de tudo isso. Nada nos surpreendia, pois quadros como esse já faziam parte de nosso dia-a-dia. Fato processado, assimilado e consumado.

E, para mim, a simples realidade de período integral eram os estudos na ETEP, com tudo que dele fazia parte: mochila Knapsack preta de lona, régua T, outras réguas e esquadros da Desetec, compasso Kern, lapiseira 0,5 Pentel, canetas nanquim, papel vegetal, pranchetas, folhas A4, A3, etc, etc, etc. E, também, um certo cansaço. Apesar da tenra idade, a ida e volta pedalando doze quilômetros todos os dias – e com toda essa tralha nas costas – não era lá muito fácil!. Mas também tínhamos as festas, os namoricos, os trotes, as reuniões. Em especial aquelas que aconteciam no GEDOM, um salão reservado dentro da escola que sediava uma espécie de “clubinho” dos alunos que, como eu, estudavam Mecânica (daí até chegar na área de Direito tem uma longa estrada…). Eram clássicas as batalhas nas mesas de pingue-pongue, bem como as sessões de cinema que fazíamos, tendo por base fitas VHS alugadas ou simplesmente copiadas de alguém – “pirataria” era algo que simplesmente não existia no vocabulário da sociedade da época. Outras coisas eram clássicas lá também, mas este é um blog de família e deixo essa conversa para um pé d’orêia nos botecos da vida…

Enfim, volta e meia aparecia alguém com um filme “novo” para nosso deleite. O dinheiro era escasso, o cinema era caro (hiperinflação, lembram?), então virávamo-nos como podíamos.

E dessas sessões clássicas, lembro-me de uma clássica entre elas: uma tarde em que não havia aula e nos enfurnamos nesse nosso castelo para curtirmos dois filmes. Começamos com o recém-lançado filme Bete Balanço, com a – na época – deliciosa e sapeca Débora Bloch com apenas uns vinte aninhos; e, na sequência, The Wall, do Pink Floyd.

Vocês não têm noção do que foi aquilo.

A história dentro da história dentro da história. Tudo paralelo, simultâneo, ao mesmo tempo. A Segunda Guerra Mundial mesclando-se com uma infância isolada e opressora do mesmo jovem que viria a ser uma depressiva estrela do rock (conhecido como “Pink”), culminando com sua liderança de um grupo de “tudo-fóbicos”. Tudo isso temperado com a total desintegração de seu próprio ser ante o peso de todas essas experiências marcantes de sua vida. E, mais, com uma música de primeiríssima qualidade.

Mas os desenhos – ah, os desenhos!

Hoje todos estão tão acostumados com animações, efeitos especiais, desenhos de todo tipo e calibre, que até poderiam fazer com que os do filme parecessem toscos. Mas não o são. Nem nunca foram. E para aqueles adolescentes alucinados (literalmente) foi uma experiência reveladora! A harmonia do desenho perfeitamente conjugado com o filme, o impacto da música, as cenas fortes, a insinuação sexual nada sutil, enfim, não tinha como não ficar fã daquela banda ali mesmo!

Querem entender um pouco melhor do que estou falando? Aumentem o som e acompanhem…

 
Mas o porquê desse proseio? Bem, tudo sempre tem o seu “porquê”…

Toda essa viagem ao passado serviu somente para contextualizar como e quando conheci esse filme. Os tempos eram outros, as necessidades eram outras, a visão do mundo era outra. Por toda a sociedade.

Entretanto, das últimas manifestações dominicais, do tão aventado “discurso pacífico” autoproclamado por “pessoas de bem”, não me foi possível deixar de lembrar desse filme. Já quase no final, o depressivo e quase enlouquecido personagem acaba recebendo um coquetel de drogas que o leva a alucinar de vez. E segue para seu show, imaginando-se um tipo de ditador neo-nazi e o evento se transforma numa grande e apoteótica manifestação, com gigantesca pompa e circunstância, na qual manipula uma ainda mais alucinada plateia e usa o seu poder de persuasão para que o sigam e “limpem o mundo dos males da sociedade”…

Nada parecido com muita coisa que tem acontecido, não é? Ou será que não?

 
Nessa hora cabe lembrar da famosa frase daquele famoso filme: “Então, é assim que morre a liberdade. Com uma grande salva de palmas…”

Enfim, caríssimos… Cuidado com o discurso fácil e comovente, cuidado com o deixar de pensar em prol de que pensem por vocês, cuidado com as manifestações de ódio (ainda que pensem que não estão a fazendo), cuidado com as acusações infundadas, cuidado em defender um futuro sem conhecer seu próprio passado, cuidado com as notícias cuidadosamente preparadas para sua digestão, cuidado ao se acharem o centro do mundo (ou, ao menos, do Brasil), cuidado com a marcha das ideias, mas, sobretudo, cuidado com as ideias de marcha…

Aproveitem!

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Comprar livro sempre é bom. Mas comprar um livro com desconto é bem melhor… Agora, poder comprar DOIS livros com um ótimo desconto – caramba, o que é que vocês estão esperando?

É que até o próximo dia 21 o Clube de Autores está concedendo descontos em toda linha impressa de livros. E isso inclui os meus best-sellers pessoais:

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* Criança dá Trabalho com 25% de desconto! – Essa criança que um dia você já foi – regra universal insuperável – é a mesma que existe em todas as casas de todo o mundo. Com a mesma imaginação, criatividade, brincadeiras, disparates, carinho sincero, risada solta ou até mesmo choro sentido. E é disso que tratam as mais de 100 páginas desse livro. Algumas aventuras e desventuras, contos, causos, situações, tiradas e sacadas que só teriam como existir saídos da convivência e da fértil imaginação desses pequeninos seres iluminados.

Então, vamos lá! Aproveitem essas mais de 500 páginas, pois são dois pelo preço de praticamente um e meio!

E, cá entre nós, se não pelo leitinho das crianças, ao menos pelo meu uisquezinho de final de tarde… 😀

Saint Young Men

Ou, do original, “Saint Onii-san”. E, se é que já não perceberam, isso aí é japonês, sim – até porque estamos falando de um mangá. Mas dá pra traduzir, literalmente, como Jovens Homens Santos

E quem seriam esses jovens? Ninguém mais, ninguém menos que os próprios Siddartha Gautama (Buda) e Jesus Cristo! Sim, esses mesmos, os “fundadores” do Budismo e do Cristianismo.

Trata-se de um mangá lançado já há alguns anos (2007) e que acabou virando também uma animação (dois curtas e um longa), no qual se conta como ambos, após tantos séculos de trabalho ininterrupto para o bem da humanidade, resolvem tirar férias. E o local escolhido é a cidade de Tóquio dos dias atuais.

Já pensaram nisso? Desde o primeiro momento não tive como não associar com a obra Ilusões – As Aventuras de um Messias Indeciso, de Richard Bach. Só que, no caso, nenhum deles está indeciso. Ambos têm plena compreensão de sua missão e/ou fardo que devem carregar. A questão aqui é que eles estão de férias – ou seja, querem passar incógnitos perante o resto da humanidade e, para isso, passam a dividir um pequeno apartamento no subúrbio. O que se torna um tanto quanto difícil por dois motivos basilares: sua falta de compreensão do dia-a-dia das pessoas no mundo moderno, bem como as involuntárias manifestações de seus poderes divinos.

Já perceberam que essa é uma espécie de comédia extremamente absurda – e, por isso mesmo, hilariante – mas com um humor bastante refinado, que traz as sacrossantas imagens desses homens santos para situações do cotidiano. A autora, Hikaru Nakamura, se aprofundou bastante nos conceitos místicos e divinos tanto do Cristianismo quanto do Budismo, dando aos personagens um tratamento leve e divertido – mas jamais ofensivo! Se bem que isso sempre vai depender da ótica de quem lê. Sei que para alguns somente o fato de cogitar um trabalho desses já seria uma gigantesca ofensa (blasfêmia?) para suas próprias convicções religiosas. Paciência. O mundo é assim mesmo.

Mas, voltando aos personagens, a autora teve o cuidado de traçar o perfil de cada um conforme suas próprias origens. Melhor dizendo, como Jesus nasceu e viveu entre os humanos, sua figura é extremamente humana. Quase pop. Apesar da coroa de espinhos que sempre carrega na testa (!), na maior parte das vezes está relaxado e vestindo camisetas com slogans. Tem um apelo mais jovem, mais descolado, amistoso, generoso, bem-humorado, ingênuo, algumas vezes até mesmo imaturo, e uma imensa dificuldade de controlar seu hábito de comprar coisas… Como é uma pessoa sagrada, quando suas emoções estão no auge (por qualquer motivo que seja), invariavelmente um halo de luz começa a brilhar em sua cabeça, ou sua testa começa a sangrar, ou, ainda, pequenos milagres acontecem à sua volta sem que perceba. Isso sem nem falar dos anjos superprotetores que, de quando em quando aparecem, para seu desespero. Possui um blog de relativo sucesso na Internet – o que vai ao encontro de seu perfil, que apresenta uma certa dependência por seguidores e por popularidade…

Já Buda, que, afinal, representa a sabedoria, de um modo geral acaba sendo o “mais maduro” entre os dois. Mais realista, calmo e racional. Até porque, se avaliarmos toda sua história de peregrinação e desprendimento mundano para alcançar a sabedoria, não teria como ser de outra forma. Mas, nesta série em particular, no que diz respeito a poupar o dinheiro do aluguel, ele chega a ser quase um sovina! Quando encara determinadas situações com mais rigor, levando tudo muito a sério, acaba sendo “salvo” pela simplicidade de Jesus. Aliás, tal qual este, às vezes tem dificuldade para controlar manifestações de sua própria divindade.

A série é repleta de referências culturais, místicas e religiosas, de modo que, ainda que você seja um completo ignorante no que tange à religiosidade cristã e budista, ainda assim tenho certeza de que vai perceber essas nuances – se bem que muito do impacto do humor pode acabar se perdendo, afinal, não tem como você achar graça de uma tiração de sarro de algo que nem tem conhecimento! As principais sacadas dizem respeito ao uso de piadas bem estruturadas e, muitas vezes, irônicas, sobre o cristianismo, o budismo e todas as coisas relacionadas a essas religiões, bem como as tentativas da dupla para esconder suas identidades e compreender a sociedade moderna no Japão. Cada capítulo mostra como esses homens santos vão falar ou reagir a um dia normal – embora também participem da hora do rush, visitem parques de diversões, piscinas públicas e outros lugares.

Saint Oniisan ganhou dois OVA’s (“Original Video Animation”) – espécies de curta-metragem lançados somente para o mercado de vídeo, sem prévias na televisão ou cinema. O primeiro, de 26 minutos, mostra a vinda deles para a Terra e a difícil relação no condomínio onde foram viver, pois a senhoria está sempre desconfiada de algo com relação aos dois. Já no segundo, de apenas uns 10 minutos, após completarem um ano por aqui, eles resolvem fazer uma viagem de trem para comemorar o Ano Novo. Recentemente foi lançado, também, um longa metragem – aproximadamente 90 minutos – que retrata a vida de ambos no decorrer de um ano, passando por cada uma das estações, mas não necessariamente de uma forma linear. Ainda que muito bem humorado, acho que é preciso destacar como funciona a dupla de comédia que Jesus e Buda formam. Jesus faz a comédia mais leve, sempre contando piadas, sempre sendo atraído facilmente para os prazeres mundanos, chegando até mesmo a ser egoísta em alguns momentos – mas sem nenhum medo de ser feliz… Já Buda é o mais sério, controlador e preocupado, de modo que suas piadas acabam sendo mais elaboradas, mais refinadas. Isso quando ele simplesmente não entra em pânico por causa das trapalhadas de Jesus. E é assim, através dessa química que os dois juntos formam, que acabam se completando nesse mangá pra lá de sensacional, que anarquicamente consegue misturar a exata dose de humor com uma quase, quase heresia…

E, talvez seja por isso mesmo que seja tão difícil de encontrá-lo, mesmo nos usuais “cantões” da Internet… Parece que o tema do mangá meio que intimida os costumeiros scans e legendas elaborados pelos fãs. No que diz respeito aos vídeos, apesar de algumas edições disponíveis até mesmo no Youtube, somente consegui baixar com uma resolução decente e uma legenda idem, lá no Dollars Fansub. Já no que diz respeito aos mangás propriamente ditos, com legenda em português até a edição 20 pode ser encontrada no MangaHost – mas para liberar o download tem que se inscrever (nem que seja com sua conta do Facebook). Do 21 em diante vocês, por enquanto, somente vão encontrar ou no original ou em inglês. Como minha língua japonesa anda enferrujada (em todos os sentidos), recomendo a versão do Tio Sam lá do Starkana.

E é isso.

Recomendo – principalmente os filmes.

E boa diversão!

Ou não… 😉