Prólogo
Férias…
Ah, benfazejas férias!
Foram dez anos pinguepongueando períodos de quinze dias duas vezes ao ano. Hoje reconheço que essa prática nunca efetivamente me permitiu descansar o suficiente… Levava alguns dias para “desligar” do serviço, uma semana para começar a tentar pensar em querer relaxar e logo em seguida já emendava com a tensão dos poucos dias que faltavam para a volta ao trabalho. Mas desta vez não tive dúvidas: ainda que perdidas no mês de outubro (ou seja, longe de quaisquer férias escolares ou recessos forenses da Dona Patroa), antevi um longo mês pela frente.
Para que pudéssemos fazer um “programa em família” combinamos assim: aproveitaríamos o feriado do doze de outubro (o Dia das Crianças Dia de Nossa Senhora Aparecida), a Dona Patroa aproveitaria as “horas credoras” a que tem direito e a criançada, sem provas ou exames, simplesmente mataria dois dias de aula. Assim teríamos cinco longos dias para entrar no carro e seguir viagem para onde melhor nos aprouvesse.
A propósito, a respeito dessas horas credoras… Como o Tribunal de Justiça simplesmente não paga horas extras, então criaram a “fantástica” figura de “horas credoras”. Ou seja, “não te pago nada agora mas quando você quiser (e eu deixar) poderá tirar aquelas horas que trabalhou a mais”. Como ela já trabalha há vários anos no Fórum, eu diria que, caso ela resolvesse tirar tudo de uma vez, ela só voltaria ao trabalho lá pelo ano de 2013…
Mas voltemos ao foco.
Então na quarta sairíamos de carro com rumo certo definido para Minas, para o Sul ou para a praia. Ah, detalhes, detalhes, detalhes…
De quê?
No bom e velho Opalão 90, é lógico!
Para tanto o carro já tinha passado por uma bela revisão, com manutenção na planetária, alinhamento e balanceamento do cardã (passou a queimar pneu em terceira, dá pra acreditar?) e mais alguns detalhezinhos na parte elétrica, tais como ajustar os espelhos e consertar o acendedor de cigarros. E não, não era para eu acender meus cigarros dentro do carro, não! Cambada de descrentes… É que da última vez que fizemos uma viagem longa e emprestamos o GPS de alguém ficamos na mão simplesmente porque o acendedor de cigarros não funcionava e não dava carga no bichinho. Como eu resolvi botar alguns escorpiões pra correr e comprar (sim, eu disse comprar) um GPS, precisava que tudo estivesse em ordem para que a barca não ficasse a ver navios durante a viagem…
Então quarta-feira chegou e… nada.
Após a recente reforma – e a ainda mais recente (re)mudança – havia muita coisa para se colocar em ordem na casa. Então tiramos o dia para isso. Dai a noite poderíamos arrumar as malas e partir logo na manhã seguinte.
Dia Um propriamente dito
E é LÓGICO que a arrumação seguiu até tarde (e ainda faltou) e logo na manhã seguinte ainda estávamos descompensados de exaustão…
O que nos levou a uma séria discussão um pequeno intercolóquio se ainda iríamos ou não viajar. Mas daí prevaleceu minha teimosia nosso bom senso e resolvemos que iríamos para Minas Gerais, meio que serpenteando em parte do circuito histórico. Caxambu (Circuito das Águas), Santa Rita de Jacutinga (terra de meu pai e a maior concentração dos Andrade por metro quadrado deste lado da linha do Equador), São João Del Rey (cidade histórica) e Ouro Preto (histórica cidade).
Bem, mas seria só questão de arrumar as malas com o básico do básico e partir rapidinho, certo?
Certo!
Bem, “certo” para qualquer outro mortal na face da Terra.
Mas a Dona Patroa é a Dona Patroa…
E, por incrível que pareça, e por maior que seja, o porta-malas do Opala ficou totalmente tomado. Sim, eu disse totalmente. E olhe que estamos falando de um Comodoro, hein? Mas como as propriedades elásticas do metal que reveste o interior do veículo não estão funcionando para esta ocasião, então (felizmente) tivemos um limitador para as bagagens: a própria tampa do porta-malas.
E assim, após arrumar as malas, distribuir recomendações, passar no supermercado para uma comprinha básica (foi quando, eu, bem humorado como sempre, candidamente lembrei-lhe que “porra, mas o porta-malas já tá lotado!!!”), logo nos primeiros momentos da manhã (coisa de umas onze, onze e meia…) já pegamos a estrada.
Debaixo de uma tênue chuva, ao reconfortante som de Nightwish…
Como as horas passaram rapidamente e, surpreendentemente, quando vimos já era hora do almoço, resolvemos parar um pouco antes de Aparecida, lá no Frango Assado. Aqui só não aproveito para cobrar royalties pela propaganda gratuita porque o almoço não foi lá, mas sim numa ótima churrascaria que fica nos fundos. Bem, tá, não tão ótima assim (fiquei seriamente em dúvida se a picanha servida na realidade não seria coxão duro, algo similar ou, ainda, alguma variedade equina), mas pelo menos razoavelmente boa. Bão, a salada tava boa.
Enfim, revigorados (?), seguimos viagem.
Dei uma pisada de leve apenas para recuperar o tempo perdido, mas achei que talvez estivesse correndo um bocadinho com o bom e velho Opalão… Pelo menos foi o que o filhote do meio reclamou quando tentou abrir a janela…
É óbvio que desta vez o caminho não foi virar à direita, rumo à segunda estrela e seguir em frente até o amanhecer. Simplesmente seguimos adiante pela Via Dutra e eu já imaginando que na altura de Cruzeiro a Madame GPS nos avisaria para só então virar em algum ponto, pegando o caminho do assim chamado Circuito das Águas. E placa de Cruzeiro vem. E placa de Cruzeiro vai. E vem. E vai. E não veio mais. Só então caiu a ficha: a rota que a Madame programou era diferente da que eu imaginava! Táquiôspa! Bem, como dizia um antigo estagiário, “tá no inferno, abraça o capeta”. Depois de mais de dez quilômetros sem retorno e faltando vinte para o percurso “sugerido” pela fiadaputa Madame GPS, resolvemos simplesmente explorar aquele novo caminho. Afinal de contas, o que de pior poderia acontecer além de uma volta maior?…
Na altura de Queluz (e quase perdi a entrada de novo!) manobramos para uma bela duma estradinha – pavimentada e em reforma – e seguimos adiante pelos trocentos quilômetros sugeridos pela Madame. Ainda que ficasse com a pulga atrás da orelha quando aquela setinha no visor simplesmente seguia flutuando em linha reta enquanto o desenho da estrada calmamente se afastava para outro lado, por simples falta de opções, seguimos adiante. Longo trecho de serra conhecido como “Garganta” d’alguma coisa, com curvinhas pra lá de fechadas e com pirambeiras incríveis (ainda bem que, pelo menos, com um salutar asfalto sob o carro) – seguimos em frente, audaciosamente indo onde… não, não, péraê, essa é outra história! Bem, simplesmente seguimos adiante até que o cansaço (do joelho deste ser Houseriano que vos tecla) decidiu que já era hora de pedir arrego.
Paramos em Itamonte para esticar as pernas, um bom café, um ótimo sorvete e descansar um bocadinho.
Foi quando, entre o saborear de uma bocada e outra do sorvete, que o Jean, nosso caçulinha, me veio com essa:
“Hoje o dia tá grande, né?”
Nada como a boa e velha sabedoria infantil…
Seguimos viagem com a nau opalística – à qual carinhosamente impingi a alcunha de Posseidon – até que me peguei em puro deleite com as paisagens ao nosso redor. Foi quando dei o alerta: “Ei, sua cambada de cães sarnentos, de miolo mole que parece que não pensam! Eu não fiquei horas descarregando as máquinas e carregando as baterias pra voltar pra casa de mãos abanando! Tratem de registrar o que puderem!”
Não.
Péraê.
Essa foi do Jack Sparrow…
Na realidade foi algo mais assim: “Amor, se não der trabalho e a criançada concordar, que você acha de tentar tirar umas fotos dessa linda paisagem, hein?”. É. Acho que foi mais ou menos isso. Bem mais másculo.
Enfim, a Dona Patroa e o Erik (o do meio) se incumbiram das fotos enquanto que o Kevin, nosso cineasta de plantão, com sarcástica narrativa própria, assumiu seu posto junto à filmadora.
E o dia já começava a definhar quando finalmente chegamos a Caxambu, cidade criança, de apenas 110 anos de idade. Mas com boas histórias e estórias (inclusive algumas antigas deste ser que vos tecla).
Hotel ou pousada, não importava, era a primeira coisa a se localizar. Paramos num que, de cara, imaginei que fosse me custar os olhos da cara. Mas, na realidade – e para minha surpresa -, bem mais barato: apenas as córneas. Seguimos adiante mais um pouco e encontramos outro – fuleirinho, até – mas que tinha lá seu charme. E, vamos combinar? Cem contos a diária de um casal com três crianças já incluído o café da manhã, até que não está de todo mau…
Instalados e descarregados, saímos pra comer alguma coisa. Um bom lanche numa padoca já resolveu o assunto. Criançada cansada não queria saber mais de nada. Toca todo mundo de volta pro hotel para um bom banho e descansar o sono dos justos. Tá, pelo menos o dos cansados.
Como criança que é criança não sossega, entre os perrengues e algazarra (quarto enorme com três camas só pra eles) de repente me vem o caçula rachando de dar risada: “não foi culpa minha, juro que não foi!”. Ante minha cara de interrogação, logo em seguida aparece o do meio, com cara de tédio e ostentando um mal disfarçado sorriso no canto da boca, com um carrinho de corda preso nos cabelos…
Passado mais um tempinho, enquanto eu terminava este texto, fui surpreendido com um absurdo e aterrador silêncio! Corri para o quarto dos meninos. Perguntei pra mim mesmo: “mim mesmo, será que já dormiram?” E eis que me deparo com cada qual numa cama. Lendo. Simples assim.
Esses meus meninos…
Bem, hora do banho.
Amanhã tem mais.
Espero.
Em tempo: E não é que aquela merda de o chuveiro não sai água? Só um fiozinho! Putz, eu sósifôdo…