(Uma parcial…)
Bem, só pra arrematar o dia de ontem: após nos instalarmos no hotel fomos dar uma rápida volta pelos arredores – em especial para jantar e, segundo idéia da Dona Patroa, comprar capas de chuva para todos (menos para mim, turrão, que nem nos tempos de motoqueiro motociclista gostava desse negócio). Ah, e também uma outra calça jeans pra mim. Não, não esqueci de trazer roupas na bagagem. Mas, desde que voltei a jantar, descobri que fiquei “incompatível” com parte de meu guarda-roupa… Mas essa é uma outra história!
Bem, creio que não tenha falado antes, mas como a tropa era grande só foi possível nos instalarmos em dois quartos. Daí que os menores dormiram com a Dona Patroa numa cama de casal, enquanto que o mais velho se arrumou numa cama de solteiro. E eu, sozinho, no quarto ao lado…
E dessa vez, talvez mais pelo exaustivo cansaço do que por qualquer outra coisa, consegui dormir relativamente bem. Pelo menos as seis horas de praxe. Vamos combinar que exagerei um pouco, né? Ao menos para alguém que está acostumado a dirigir no máximo de quinze a trinta quilômetros diariamente e que resolve pegar mais de duzentos num dia e passa dos trezentos noutro.
Desta vez, infelizmente sem passarinhos, acordei logo cedo. Fui ao quarto ao lado e, com a Dona Patroa também já acordada, colocamos o resto da tropa de pé para um belo café da manhã (desta vez elogiado pelo gourmet da família, o primogênito.
E dali, toca pras andanças na cidade!
Escolhemos fazer uma rota passando pelas igrejas que podíamos ver dali do hotel, bastando atravessar a ponte de pedra e seguir morro acima. Passamos pela primeira, onde, não muito distante, visitei um estranhamente minúsculo cemitério. Passamos pela segunda, com sua longa escadaria, próxima de ampla praça. Logo em frente da terceira, que estava fechada, paramos para umas comprinhas básicas de pequenas lembranças para a família – onde pegamos a dica com a proprietária acerca de maravilhosos doces caseiros disponíveis lá no mercado municipal. Já dentro da quarta igreja, logo antes do mercado, fui abordado por um senhor que se ofereceu para contar a história da igreja.
Educadamente declinei.
Mas, segundos depois, já tinha me arrependido!
Pôxa, não estávamos ali justamente para conhecer o lado histórico da cidade? A não ser que comprássemos algum livro sobre o assunto, estávamos apenas vendo arquitetura antiga sem sequer entender o que seria barroco, neoclássico ou seja lá o que fosse! Voltei para o local onde estava o sujeito e nada. Caramba! Mas, dando uma olhada do lado de fora da igreja, o encontrei e disse-lhe que havia mudado de ideia… Apresentou-se formalmente. Sérgio. Guia turístico. Devidamente registrado, com crachá e o escambau!
Voltamos para dentro da igreja, onde ele começou a nos contar não só a história daquela construção, como nos acompanhou pelos arredores, apresentando-nos todas as curiosidades de locais pelos quais já havíamos passado e sequer suspeitávamos!
Na boa: fez valer toda a viagem!
Então vou lhes dar uma dica importantíssima para quem quiser conhecer plenamente cidades históricas e realmente se encantar. Das duas uma: ou você estuda previamente a história do local, arranja um mapa e vai lá para conferir pessoal e visualmente tudo que estudou, ou, melhor, arranje um guia das paragens, pois ele é quem vai dar o tom e a cor da história, inclusive com as nuances da própria população da cidade.
Não vou me perder (re)contando todos os detalhes – inclusive alguns historicamente famosos que já sabíamos, mas sem os “fundamentos”. Quem vier pra cá que estude a história do local. Ou que procure o Sérgio!
Mas, só pra que saibam, sem a ajuda do guia posso garantir que nem eu, nem a Dona Patroa, nem os atentos filhotes – nenhum de nós – não teríamos como saber como se dava a ocupação de brancos, negros, ricos e pobres dentro das igrejas (e quais os direitos e obrigações de cada qual), como identificar as igrejas que foram feitas por brancos e as que foram feitas por negros, o porquê da substituição do pelourinho de madeira pelo de pedra-sabão (inclusive com “direito” aos escravos de que pudessem ser chicoteados sentados), como e onde – na década de trinta – foi encontrada uma misteriosa (e fabulosamente detalhada) figura de madeira de Cristo crucificado, com dois metros de altura, durante a reforma de uma igreja, e cuja autoria permanece um mistério, qual é considerada a casa mais antiga da cidade (logo após do Beco do Cotovelo), o porquê da rua das casas tortas, quais os nomes das igrejas, qual a igreja da cidade que está em quarto lugar em quantidade de ouro no Brasil (mais de trezentos quilos, perdendo apenas para Bahia, Ouro Preto e Tiradentes), onde moravam os grandes figurões da história, o que foi feito pelo grande artista Aleijadinho e o porquê de muitas das obras espalhadas pela cidade o foram por seus ajudantes-aprendizes, qual o nome daquele canal que corta a cidade (e o porquê da estrutura e arquitetura do local, inclusive o quanto ele enche nas “cheias”), enfim, um sem-número de histórias, estórias, casos e causos, contadas com bom humor por alguém realmente conhecedor dos detalhes e com disposição e atenção para responder todas as questões e dúvidas lançadas, das pertinentes às impertinentes, dos mais velhos aos mais novos…
Mas, pra não passar totalmente em branco deixando tantas perguntas no ar, cabe recontar aqui um causo – e que faz sentido, apesar de tudo. Dizem que antigamente as doceiras faziam seus doces e que, após cortados, colocavam as bandejas na janela para esfriar. Daí que invariavelmente vinha algum petiz, provavelmente atraído pelo cheiro da guloseima, pegava um e saía na carreira. Disso vinham elas na janelas, meio que fulas, meio que com dó, meio que achando graça e gritavam:
“Ei, num precisa levar assim não! Da próxima vez vê se pede moleque!”
Daí para o tradicionalíssimo “pé-de-moleque” deve ter sido apenas um pulinho…
Também compartilhamos um pouco do lamento do guia pela modernização desenfreada da cidade, hoje claramente dividida entre “Centro Histórico” e o resto. Não que o município devesse ficar estagnado, parado no tempo, mas que ao menos houvesse um pouco mais de criteriosidade ao misturar modernas construções ao lado de antigos casarões. As regras existem, mas nem sempre são obedecidas. Aliás, infelizmente, como acaba sendo praxe em qualquer outro lugar.
E falando em “estagnação”, segundo ele a cidade de Tiradentes é que é imperdível (olha aí, de novo…), melhor mesmo que São João Del Rey, pois encontra-se muito mais conservada, não deixando nada a desejar sequer para Ouro Preto!
Aliás, foi também através dele que soubemos da existência de uma viagem de trem de São João Del Rey para Tiradentes, que leva cerca de quarenta minutos, com partidas aos sábados e domingos. Sai daqui às três da tarde e volta de lá às cinco.
Num primeiro momento até ficamos animados com essa viagem. Não é de hoje que a Dona Patroa gostaria de colocar toda a Tropinha dentro de um trem para que “descubram como é” (o projeto original é aquele que vai de Pindamonhangaba a Campos do Jordão). Mas, depois da correria que havia sido nossa viagem até então (como lhes contei ontem), acabei argumentando que seria melhor que ficássemos mesmo em São João Del Rey para conhecer o que mais pudéssemos e com calma. Na manhã seguinte poderíamos ir de carro até Tiradentes – apenas quinze quilômetros de distância segundo a (AI!) Madame GPS – e, dali, de volta pra casa.
E, então, passamos no Mercado Municipal (realmente minúsculo) para comprar uns doces, paramos para ouvir a banda tocar, almoçamos, visitamos mais alguns pontos históricos do outro lado do rio e, com o cansaço e a chuva torrencial que estava querendo se instalar, resolvemos voltar para o hotel para descansar – ainda que fosse apenas duas da tarde. Aliás, juntamente com o bom e velho Opalão, que também tem aproveitado para descansar da jornada até aqui.
E, dessa vez, eu aproveitaria para dar uma boooooa olhada no Google Maps nos trajetos possíveis (e viáveis) de volta pra casa…